Relações de Trabalho em Organizações Não Governamentais Autoria: Lucimeiry Batista da Silva, Márcia da Silva Costa RESUMO Este artigo objetiva compreender as relações de trabalho no âmbito das Organizações Não Governamentais (ONG’s) e como as tendências recentes de flexibilização do trabalho afetam seus trabalhadores. Sua contribuição empírica foi extraída de pesquisa qualitativa realizada através do recurso da entrevista com dirigentes e trabalhadores de cinco ONG’s sediadas na cidade de João Pessoa - PB. As décadas de 1970 e 1980 no Brasil foram marcadas por uma efervescência política que deu surgimento a inúmeras organizações da sociedade civil voltadas para a defesa de direitos sociais e democráticos. Tendo como sua principal razão de existência o combate ao crescimento das mazelas sociais, a exploração ambiental e os autoritarismos políticos, essas organizações se proliferaram e se profissionalizaram na década de 1990 dependentes de financiadores ligados ao próprio sistema capitalista e, portanto, sob o domínio de uma ideologia neoliberal que defende a redução do papel do Estado, sobretudo, nas áreas sociais e da regulamentação do mercado de trabalho. Entre os principais resultados encontrados nesta pesquisa pode-se argumentar que os trabalhadores nessas organizações também sofrem as tendências de flexibilização e precarização dos direitos do trabalho, sobretudo, em terrenos como os dos salários e das jornadas de trabalho. Pautadas por um modelo mais amplo que avilta e suprime direitos, as ONG’s atuam, no campo das relações de trabalho, sob uma lógica que contraria muitos dos seus princípios e finalidades, como a defesa de direitos. Seus trabalhadores, no entanto, apesar de demonstrarem insatisfação, não reivindicam veementemente mudanças em função do compromisso e militância social ligados à própria causa institucional. 1 INTRODUÇÃO No mundo atual, em que a lógica de mercado está em todas as esferas da vida e não mais apenas na esfera econômica, o mundo do trabalho tem sofrido mudanças que apontam para uma tendência cada vez mais crescente de remercantilização das relações sociais. A competitividade global e irrestrita levou mercado e Estado a focarem suas estratégias de ajuste competitivo no princípio da flexibilidade, da desregulamentação do trabalho e da redução dos gastos sociais. Esta mudança vai refletir, também, na forma como as Organizações Não Governamentais (ONG’s), que, ao menos em tese, não são nem instituições do mercado nem do Estado, atuam no campo de suas relações de trabalho. Essas instituições se expandiram com o crescimento das desigualdades sociais e com a luta por estabelecer direitos, em um contexto em que as sociedades capitalistas avançaram em suas iniciativas de reduzir o espaço da política, sobretudo, com as transformações econômicas advindas da onda neoliberal que vem dominando o pensamento e as práticas empresariais e dos governos nos últimos trinta anos. A lógica da flexibilização do trabalho e da desregulamentação de direitos também afetam as ONG’s. Esse artigo visa discutir como se caracterizam as relações de trabalho e como as tendências recentes de flexibilização afetam os trabalhadores de Organizações Não Governamentais, mais especificamente, nos aspectos da caracterização das relações de poder e da definição das jornadas e dos salários. A base para esta reflexão são informações coletadas através dos depoimentos dos trabalhadores e gestores de cinco ONG’s sediadas na cidade de João Pessoa – PB. O interesse maior foi conhecer que parâmetros ou valores pautam a regulação do trabalho num contexto em que se instala a percepção da força de trabalho como mercadoria até mesmo em organizações que não visam lucro e que têm mesmo como fim defender direitos. Esta foi a questão central que guiou as reflexões aqui expostas e a pesquisa empírica apresentada. 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A fundamentação teórica foi dividida em duas seções: (i) a institucionalização das relações de trabalho no capitalismo e (ii) movimentos sociais e ONG’s no Brasil. 2.1 A institucionalização das relações de trabalho no capitalismo O capitalismo tem suas origens na Europa, ainda no século XIII, mas foi no século XIX que seu maior pensador crítico, Karl Marx, identificou suas origens e a lógica de seu funcionamento, principalmente, na sua obra ‘O Capital’, onde encontramos: [...] o processo que produz o assalariado e o capitalista tem suas raízes na sujeição do trabalhador. O progresso consistiu numa metamorfose dessa sujeição, na transformação da exploração feudal em exploração capitalista (MARX, 1984, p. 831). Essa sujeição se processa com a desapropriação ou separação dos meios de produção de seus verdadeiros produtores, transformados em vendedores de força de trabalho. Para Marx, as relações que se estabelecem, a partir de então, entre patrões e trabalhadores são relações antagônicas. O capitalista possui os meios objetivos da produção e os meios objetivos da sobrevivência do trabalhador. Mas o trabalho e, portanto, a valorização do capital, não se realiza sem a capacidade real e subjetiva que pertence ao trabalhador. É essa contradição, baseada em relações assimétricas de propriedade e poder, que fundamenta o domínio do capitalista sobre os trabalhadores. Ao comprar força de trabalho, o capitalista assume o comando e a finalidade do processo de produção. Em princípio, essa relação é pautada pela regulação livre das forças de mercado. Em seu processo histórico, todavia, o questionamento e a transformação da ordem liberal que regulava as relações de trabalho no capitalismo acontecem entre o final do Século XIX e as primeiras três décadas do Século XX e sua gênese, conforme discutiu Vianna (1999), era encontrada na ação de movimentos sociais situados à margem do sistema político. A regulação do conflito de classe iria se traduzir na ampliação dos direitos de cidadania para os não proprietários, sobretudo, pela via da institucionalização de direitos trabalhistas e previdenciários (sociais), institutos estes fundamentais na redução da exploração e na desmercantilização das relações de trabalho (OFFE, 1989). A experiência concreta de institucionalização do conflito de classe ou do padrão produtivo-social nas economias desenvolvidas variou conforme o maior ou menor grau de intervenção política das forças sociais no mercado, mas foi por meio dessa intervenção que elas puderam, embora com características nacionais distintas, construir uma matriz estrutural comum de regulação social e de regulação das relações de trabalho. Por meio dela, o emprego regulado, as metas do pleno emprego e uma dinâmica sempre crescente de universalização e melhora da seguridade social constituíram as bases fundamentais da barganha coletiva entre capital e trabalho e da política econômica e social dos diversos governos. Os contratos coletivos atuaram como o grande estruturador e regulador dos conflitos do trabalho. (BOYER, 1995; HARVEY, 1994; MATTOSO, 1999; PRIETO, 1999; COSTA, 2007). Na América Latina, por sua vez, a institucionalização das relações de trabalho seguiu uma trajetória mais tortuosa. A descoberta do ouro e da prata, a escravidão e o genocídio dos índios foram os primeiros passos do capitalismo fora da Europa, com as explorações portuguesas, espanholas e holandesas. Um capitalismo que inicia seu processo de expansão não com base em relações de mercado, de compra e venda da força de trabalho, mas com base na sua pura escravização. No Brasil, especificamente, o capitalismo se origina com a exploração dos chamados ciclos econômicos (madeira, ouro, cana, borracha) sobre a base de um sistema latifundiário (capitanias hereditárias), agro exportador e escravista que vai gerar 2 uma profunda concentração econômica e de renda. Assim, o país já nascia capitalista, pois toda a produção de riqueza (leia-se extração de riqueza) em seu território atendia aos interesses dos seus colonizadores. Justamente por causa desses interesses, o processo de industrialização brasileiro é lento e totalmente subordinado à divisão internacional do trabalho definida pelas potências capitalistas da primeira leva da revolução industrial que impunham limites ao desenvolvimento das forças produtivas nos países dependentes. É só a partir do final do século XIX, com a abolição da escravatura e a emergência das primeiras indústrias, que o país começa, de fato, embora timidamente, a compor o cenário urbano e a formar um mercado de trabalho livre assalariado. No entanto, desde os primórdios da formação de um mercado de trabalho livre no país, parcela considerável da população ativa, sobretudo os negros, jamais conseguiu se incorporar ao mercado de trabalho. Nessa ocasião, predominava o modelo liberal, o “laissez faire”, pelo qual o Estado não interfere no processo produtivo nem na regulação das relações de trabalho. Nesse contexto, o processo de industrialização impõe ao proletariado condições de trabalho tão aviltantes que desembocam, nas primeiras décadas do século XX, em intensas mobilizações e greves dos trabalhadores. O Estado brasileiro, na ocasião, vai tratar a questão social e operária como um caso de polícia. Foi nesse contexto, de extrema insatisfação trabalhista e popular, que Getúlio Vargas, aparentemente se opondo ao modelo de exploração vigente, vai conseguir apoio para conquistar o poder. Por meio de certa ruptura com o modelo vigente (agro exportador e liberal), seu compromisso com a continuidade do desenvolvimento capitalista no país vai tomar como responsabilidade do Estado a regulação da relação capital-trabalho. Essa regulação, garantindo direitos mínimos aos trabalhadores (a institucionalização da CLT), terá como principal finalidade impedir que o movimento operário, já organizado em fortes sindicatos, pudesse atravancar a consolidação do desenvolvimento capitalista industrial. Refletindo sobre o assunto, Costa (2006, p.53) escreve: [...] Sob Vargas, os conflitos de classe foram transferidos do mercado para o Estado. [Mas] o projeto nacional que beneficiava a expansão capitalista se desenvolve acima da luta de classes [...]. Controlando a ação direta dos sindicatos em troca de uma legislação minimamente protetora do trabalho, o Estado preparava as bases para a expansão acelerada do capitalismo no país. No entanto, essa regulação do trabalho se pautava centralmente por duas vias: pelo controle sobre a ação política autônoma dos sindicatos, coibindo a sua capacidade de barganhar diretamente com os patrões as condições e termos do trabalho; e pela exclusão do leque de direitos que a legislação trabalhista regulamentava dos trabalhadores rurais e de muitas categorias de trabalhadores urbanos. Em outras palavras, com a chamada Revolução de 1930, Getúlio Vargas inaugurava, no Brasil, um modo de o Estado se relacionar com o poder econômico, pelo qual sua presença foi determinante para estimular o processo de acumulação capitalista: mediante a concessão de subsídios às empresas e a realização, pelo próprio Estado, de obras que o incipiente capitalismo brasileiro ainda não tinha acumulação suficiente ou interesse para investir. Todavia, no campo das relações de trabalho e dos direitos sociais, esse desenvolvimento se realizava sob um modelo de regulação não universal e com base na repressão e no controle dos sindicatos (da barganha coletiva) e dos movimentos sociais. Essa característica autoritária do regime de relações de trabalho no país atingirá o seu paroxismo no período do regime militar. Diferentemente do que acontecia nas democracias do norte, no Brasil, o padrão de desenvolvimento capitalista se realizou sem distribuição de renda e sem democracia nas relações de trabalho. Ainda recorrendo à Costa (2006, p. 60): a política de substituição de importações não veio atrelada a uma política social ampla encarregada de redistribuir seus frutos por toda sociedade. O crescimento econômico realizava-se sem uma associação direta com o aumento do padrão de 3 renda/consumo e bem-estar da população e sem qualquer compromisso mais sólido com uma política de pleno emprego. Durante o regime militar, instaurado em 1964, a intervenção do Estado na economia se caracterizou pelo seu caráter extremamente autoritário, excludente e concentrador de renda. O esforço desenvolvimentista e dependente do capital internacional não dava prioridade às áreas sociais e às demandas dos trabalhadores. É neste cenário que os movimentos sociais no Brasil começam a (re)aparecer, inicialmente, como forma de enfrentar o regime autoritário instaurado no país e a exploração econômica (arrocho salarial, controle sobre a negociação coletiva), tendo como principais bandeiras de luta a recuperação dos direitos políticos, a liberdade de criação de sindicatos, de realizar negociação coletiva etc. Depois, como expressão da luta pela ampliação dos direitos sociais. O modelo de Estado interventor e protetor no campo econômico (embora mais liberal no campo social) foi forte até o final da década de 1970, quando se assevera a crise política que iria desaguar na redemocratização do país. A Constituição de 1988 trouxe conquistas importantes no campo dos direitos do trabalho como a redução da jornada semanal de trabalho de 48 para 44 horas e a eliminação de alguns dos princípios autoritários encontrados na CLT, como os que impediam a criação de sindicatos sem o controle do Estado. Todavia, o chamado movimento do novo sindicalismo não mudou a face extremamente fragmentada da representação sindical nem teve força suficiente para negociar um pacto social que viabilizasse o compromisso com políticas mais amplas de emprego e renda. Conseqüentemente, houve uma maior segmentação do mercado de trabalho, com ampliação das desigualdades salariais não apenas em âmbito setorial, mas também regional (OLIVEIRA, 1994; SIQUEIRA NETO, 1996; COSTA, 2006). A forte crise econômica que marcou a década de 1980 foi responsável pela introdução, no início da década seguinte, das políticas neoliberais que já avançavam nos países desenvolvidos desde meados da década de 1970 (MATTOSO, 1996; BOITO Jr, 2002). As transformações produtivas e econômicas advindas sob o impacto dos novos padrões tecnológicos e competitivos do comércio internacional nocautearam o impulso de luta dos sindicatos. A abertura econômica e as privatizações expandiram os processos de reestruturação produtiva nas empresas, cujas estratégias de competição se direcionaram, predominantemente, para a redução dos custos do trabalho, redundando num fenômeno de demissão em massa de dimensão nunca vivida na história da industrialização do Brasil. Até a primeira metade dos anos 90 mais de 1 milhão de empregos foram suprimidos da indústria de transformação, tendo boa parte de seus trabalhadores caído na informalidade e outra se deslocado para o setor terciário, onde é ainda mais forte a heterogeneidade das condições de emprego, com predomínio para os contratos de baixa qualificação e de baixos salários (MATTOSO, 1999, CARDOSO et al., 2006). No campo legal, avançavam as medidas de flexibilização da legislação trabalhista. Em 1997 e 1998, como reflexo de iniciativas liberais apoiadas no discurso de que o desemprego era fruto da rigidez da legislação, um pacote de medidas arbitradas pelo governo federal legalizava: o banco de horas, que substituía o pagamento das horas-extras; a suspensão temporária do contrato de trabalho por motivos econômicos; o contrato de trabalho por tempo determinado, com redução dos encargos sociais; a redução do salário com redução da jornada; as cooperativas de trabalho, que estimularam, como produto da subcontratação, o crescimento do trabalho autônomo, desprovido da proteção dos direitos do emprego regular; a abertura do comércio varejista aos domingos sem o pagamento de horas extras e sem obrigação de negociação com os sindicatos, entre outros. Essas medidas de modificação da legislação trabalhista se mostraram perniciosas uma vez que reduziram conquistas e direitos dos 4 trabalhadores e foram incapazes de gerar novos empregos ou ampliar a formalização dos já existentes (KREIN, 1999, COSTA et al., 2006). As ONG’s, apesar de não se focarem na produção de bens ou serviços que levam a obtenção de lucro, prestam serviços à sociedade, e, como empregadoras, fazem parte do mercado de trabalho gerenciando pessoas que recebem remuneração em troca da sua força de trabalho. As regras da regulação do trabalho dominantes na esfera privada, também pautam a regulação do trabalho nestas instituições que, por sua vez, também foram afetadas pela onda de flexibilização e redução de direitos. Será visto mais a frente como as medidas de flexibilização impactaram as condições de trabalho dos empregados de ONG’s, muitas vezes, de uma forma que contraria a lógica mesmo de sua existência, qual seja, a de defender direitos. Antes, porém, cabe brevemente contextualizar o surgimento e a expansão dessas instituições na nossa sociedade. 2.2 Movimentos sociais e ONG’s no Brasil Juntamente com a ampliação dos movimentos sociais que pressionaram a redemocratização do país nas décadas de 1970 e 1980 surgem os centros de assessoria a esses movimentos sociais e populares, instituições, em geral, ligadas à Igreja Católica progressista e financiadas por agências internacionais para desenvolver, como discutiu Fraga, (2002, p. 2), “o papel de mediadores dos movimentos sociais e de apoio às causas populares, no sentido da luta pela democratização da sociedade brasileira”. A consolidação democrática do Estado brasileiro e as transformações sócio-políticas e econômicas ocorridas no mundo ocidental fizeram com que se ampliasse o número de sujeitos sociais capazes de se tornar interlocutores frente ao Estado, em suas várias instâncias, e frente ao setor privado. É da expansão e pressão dos movimentos sociais, produto de demandas sociais e políticas crescentes, que surgem novas entidades e atores na sociedade civil. Neste contexto, transformava-se, também, o próprio papel das organizações da sociedade civil, que não podiam mais ser exclusivamente opositoras. Para essas novas entidades, era preciso sair da pura denúncia e ser propositiva, anunciar que projeto sócio-político defendiam. Na época de seu surgimento, as organizações da sociedade civil que já existiam no pós1964 ainda não se denominavam ONG’s, mas constituíam o germe de um universo que hoje chega a 8.600 entidades espalhadas em todo o país desenvolvendo uma imensa diversidade de ações e empregando quase um milhão de trabalhadores (IBGE, 2004). Grupos formados por setores da sociedade civil, de apoio mútuo, ou caráter cultural, político ou filantrópico existem no Brasil desde a época colonial, a exemplo dos grupos de caráter insurrecionais surgidos em oposição aos colonizadores, dos “clubes” femininos, que discutiam o acesso das mulheres à educação, ou das agremiações abolicionistas dos fins do século XIX. Isso sem mencionar as inúmeras formas organizativas surgidas após a proclamação da República e o crescimento da vida urbana brasileira a partir do início do século XX. No entanto, foram poucas as organizações da sociedade civil, no início do século, que chegaram a questionar a ordem dominante ou a ameaçar a propriedade privada. As organizações que, naquele momento, de alguma maneira, foram identificadas como capazes de realizar essas “façanhas”, em especial os partidos e os sindicatos, foram duramente reprimidos. Os partidos com propostas socializantes foram cassados e seus membros perseguidos e os sindicatos enquadrados em rígidas regras ditadas pelo Estado, condição que perdurou até a década de 1980, com raros e pequenos intervalos. 5 Até a década de 1970, as organizações que não tivessem no centro de suas preocupações a tomada do poder (os partidos) ou a propriedade privada (sindicato e outras organizações classistas, como as Ligas Camponesas) não chegaram a ser consideradas ameaçadoras da ordem pública ou privada e também não receberam atenção da academia que permitisse o debate sobre suas características e organização interna. A partir da década de 1970, surge no cenário político brasileiro um conjunto de organizações e associações articulando setores antes invisíveis na sociedade: moradores de bairros populares, mulheres, negros, gays, entre várias outras categorias. Para os autores Evers, Plantenberg e Spessart (1982), isso ocorreu porque os canais tradicionais de articulação política (partidos e sindicatos) estavam impedidos de se manifestar ou submetidos à forte intervenção. Assim, esses movimentos surgiram buscando novas formas de expressão e resistência social. Sem dúvida, a conjuntura de repressão combinada com o modelo econômico concentrador de renda, a desordenada expansão urbana, o crescimento industrial e a incapacidade do Estado de atender às demandas sociais, sem comprometer a acumulação capitalista, formam o panorama onde se desenvolveram os grupos denominados, na década de 1980, de “novos movimentos sociais” (SADER, 1988, p. 36), muitos dos quais estão na origem das denominadas ONG’s, objeto dessa reflexão. As ONG’s brasileiras, em sua grande maioria, nasceram em função e como conseqüência da luta política da sociedade civil contra o regime autoritário instaurado para servir ao grande capital. Nasceram contra o Estado e de costas ou à margem do mercado, de forma quase clandestina e, segundo Souza (1993, p. 135), “ligadas aos movimentos sociais de base, às Igrejas, aos movimentos sindicais e populares, executando tarefas fundamentalmente nas áreas de educação, saúde, habitação, organização, assessoria e consultoria a esses movimentos chamados ‘populares’ (leia-se sociedade civil pobre e reprimida)”. Os novos movimentos sociais se caracterizavam por constituírem estruturas organizativas pouco hierarquizadas e informais, ou por realizarem ações conjunturais e participantes com “laços frouxos”, uma vez que não havia entre eles um vínculo comum, como existe, por exemplo, entre trabalhadores de um sindicato que unifica seus interesses em torno de um “inimigo” comum, o patrão (SADER, 1988). O processo de abertura política, a volta do pluripartidarismo (1979), o retorno das legendas comunistas (1985), as dificuldades de mobilização de estruturas muito informais e a falta de recursos desestabilizaram os grupos populares, permanecendo apenas os Centros de Educação e Assessoria Popular, também surgidos durante a ditadura, mais estruturados e formalizados (FRAGA, 2002). Nesse contexto, muitos de seus militantes migraram para as entidades sindicais e partidárias que se mostravam mais capazes de obter respostas através da mobilização popular. A década de 1980 foi marcada pela efervescência política e pela manifestação, com grande entusiasmo, de variados movimentos, através dos recém criados partidos e organizações sindicais (CUT e PT, por exemplo). Nesse período, as massas saem às ruas em caravanas e passeatas, participam de greves gerais e de grandes manifestações (como o movimento pela realização de eleições diretas – conhecido como “Diretas Já”) e se mobilizam por uma nova constituinte (1988). Os setores que, naquela conjuntura, não tiveram seus interesses e reivindicações contemplados pelos mecanismos sindicais e partidários iniciaram um processo de organização que logo se formalizou, institucionalizando-se em ONG’s. A maioria desenvolvia temáticas não prioritárias aos partidos e sindicatos, tais como: discriminação sexual e de gênero, crianças e adolescentes, meio ambiente, doenças crônicas (prevenção a Aids), entre outras. 6 Mas, passada a euforia pela expansão dos direitos democráticos, na década de 1990, um cenário de apatia começa a se configurar. É nesse contexto que as organizações, agora, institucionalizadas, dependentes de agências de financiamento internacionais, começam a ocupar um lugar importante no cenário político brasileiro substituindo, em muitos casos, os movimentos sociais. É a partir de 1992, com a Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente – a ECO’ 92, que o termo “ONG”, se populariza no Brasil e ganha adesão de várias instituições. Esta denominação foi definida pela ONU, em 1946, como toda organização não estabelecida pelos governos (TEIXEIRA, 2002; GOMES, COUTINHO, 2006). Ao mesmo tempo, começava a se disseminar no país o modelo de uma política neoliberal cujo teor central defendia a redução das atividades do Estado: na esfera produtiva (privatização de empresas estatais e de serviços públicos); na sua capacidade de regulação/intervenção na economia ou no mercado, sobretudo, pela via da desregulamentação do mercado de trabalho; e nos gastos sociais. No campo social, esse novo contexto propiciava a proliferação de ONG’s com os mais diversos fins. Como escreveram Gomes e Coutinho (2006, p. 1): a era neoliberal retirou de cena os movimentos sociais e assumiu a centralidade da cena política as ONG’s. Estas foram alçadas à condição de agentes privilegiados de mediação entre o Estado e a população, principalmente a mais empobrecida. Tornaram-se defensoras da “participação da sociedade civil” no Estado trazendo para si a função de executoras de políticas públicas, apoiando as várias formas de privatização dos serviços públicos. Se durante a ditadura, a relação dessas organizações com o Estado era muito tensa, na década de 1990 estabelece-se um diálogo que, apesar de conquistar a implementação de algumas políticas públicas e a ampliação do sentido da democracia representativa (especialmente com a experiência dos Conselhos participativos), é marcado pela submissão de suas agendas políticas aos interesses dos financiadores. As ONG’s passam, então, a serem acusadas de “agentes do império” e de apoiarem as várias formas de “manutenção da ordem, quando muito uma reforma para continuar como antes” (GOMES, COUTINHO, 2006, p. 8). Neste momento, deixava-se de olhar para a luta por liberdade e passava-se a convocar a sociedade para olhar para seus excluídos sociais, que estão à mercê das novas formas de vulnerabilidades sociais. Como observou Pochman: embora os excluídos sejam parte integrante da sociedade em cada país (estado de privação), estes tendem a se encontrar desprovidos das condições materiais que os possibilitem usufruir de benefícios socioeconômicos (emprego, rendimento) ou de condições institucionais (direitos e deveres) possíveis nos marcos do desenvolvimento capitalista. Se a inclusão depende da capacidade de o indivíduo participar do processo de tomada de decisão e negociação – admitida no marco de institucionalidade econômica, social e política –, a exclusão pode ser associada à inexistência de condições básicas para a participação e negociação. (POCHMAN, 2002, p. 20) Por outro lado, a sociedade civil convocada pelas ONG’s para olhar para seus excluídos tem interesses próprios para manter. Como observou Boito Jr. (2002, p. 27) “uma parcela importante da classe média, a sua parcela superior, é a favor do neoliberalismo porque é contra a universalização dos direitos sociais, isto é, porque é contra a implantação, no Brasil, de um Estado de bem-estar”. Embora se coloquem como opositoras do modelo neoliberal de governo, as ONG’s estão inseridas em um contexto de contradições, na medida em que precisam se manter financeiramente e buscam a chamada sustentabilidade, diversificando suas fontes de recursos entre governos (federal, estadual e municipal), fundações e agências financiadoras (nacionais e internacionais), em sua grande maioria mantidas por empresas multinacionais. 7 Alguns autores apontam para aspectos que demonstram a utilidade das ONG’s para o modelo neoliberal, na medida em que estas instituições corroboram para a manutenção do estado mínimo, característico deste modelo, através do qual a sociedade vai ocupando o lugar do Estado na assistência aos serviços básicos que deveriam ser de sua obrigação. É nesse sentido que as ONG’s se transformam em “uma ferramenta ideológica a serviço de uma agenda neoliberal” e são forçadas a “adotar um enfoque cada vez mais econômico e ‘apolítico’ para trabalhar com os pobres” (GOMES, COUTINHO, 2006, p. 10). Entre as contradições apontadas sobre as ações das ONG’s no contexto neoliberal, este artigo quer discutir, particularmente, o tema das relações de trabalho nessas organizações. Visto que esse é um dos pontos nevrálgicos do debate, pois, a conjuntura de declínio no financiamento externo dessas organizações, entre outros fatores, as tem levado a um comportamento fragmentado, quase esquizofrênico, uma vez que seu discurso não condiz com as relações de trabalho no seu interior. Enquanto o discurso e a missão institucional versam sobre direitos e garantias, o cotidiano dos seus empregados é marcado por práticas que traduzem uma tendência à precarização de direitos, como a utilização de mão de obra sem vínculo ou garantias ou as extensas jornadas de trabalho, entre outras práticas características da política de flexibilização, criticadas por estas mesmas organizações. Como afirma Fraga (2002, p. 6) “muitas ONG’s acabam adotando medidas que não garantem os direitos dos trabalhadores, numa atitude contraditória às suas práticas históricas”. Essa flexibilização, que vem acompanhada em fala, das iniciativas de desregulamentação do mercado de trabalho, remete às pressões das empresas por mais liberdade de contratação e uso da força de trabalho de forma a torná-las mais adaptável às demandas da competitividade internacional. Ela põe em xeque os fundamentos da estabilidade dos vínculos de emprego e é reivindicada, sobretudo, na remoção das restrições legais à contratação por tempo determinado ou em regime de trabalho parcial, na adoção de jornadas mais flexíveis e na remuneração mais vinculada aos resultados da empresa e ao desempenho individual dos trabalhadores (DEDECCA, MONTAGNER, 1993). Seu objetivo maior é permitir que as empresas tenham total liberdade para contratar e se desfazer do trabalhador ao sabor das oscilações econômicas ou de suas estratégias produtivas. No caso dos problemas enfrentados pelos trabalhadores das ONG’s, sobressai sua dependência ou necessidade de adaptação aos projetos aprovados pelos patrocinadores. É para onde apontam os resultados da pesquisa empírica apresentada logo mais abaixo. 3 METODOLOGIA Além do levantamento bibliográfico que fundamenta as reflexões aqui expostas, esse artigo utiliza e aprofunda informações coletadas por Silva (2007) para realização de trabalho monográfico, cujo objetivo era conhecer como se caracterizam as relações de trabalho em organizações do Terceiro Setor. A coleta de dados se deu com o recurso da entrevista em profundidade realizada com cinco dirigentes e dezoito empregados de cinco Organizações Não Governamentais sediadas na cidade de João Pessoa – PB, nos meses de abril e maio de 2007. A amostra das organizações aqui em foco foi selecionada por meio de pré-requisitos, a partir do critério de intencionalidade, que indicam estas organizações com condições de representatividade, por serem instituições consolidadas e voltadas para a defesa de direitos dos cidadãos. Além disso, estas organizações atuam na cidade de João Pessoa há mais de dez anos, o que demonstra a estabilidade de suas ações e contam com um aporte financeiro anual situado acima de R$ 100.000,00, aporte este que permite a manutenção de força de trabalho remunerada, capaz de proporcionar uma análise das relações de trabalho existentes. 8 A caracterização do estudo, quanto aos fins utilizou a abordagem descritiva, que, segundo Vergara (2005, p. 47), “expõe características de determinada população ou de determinado fenômeno”. A abordagem descritiva foi utilizada visando compreender o fenômeno das relações de trabalho no âmbito das Organizações Não Governamentais (ONG’s) e como as tendências recentes de flexibilização do trabalho afetam seus trabalhadores. Quanto aos meios de investigação esta pesquisa é caracterizada como uma pesquisa de campo, pois foi realizada no local onde ocorre o fenômeno capaz de explicá-lo VERGARA, 2005). Quanto ao método de análise utilizado neste estudo, entre os vários citados por Merriam (1998), optou-se pela realização de um estudo qualitativo básico, que não tem o objetivo de construir uma teoria, mas fornecer evidências para compreensão de um determinado fenômeno. A abordagem qualitativa leva o pesquisador a conhecer a realidade por meio de uma pesquisa de campo. O pesquisador, ao realizar o estudo, utiliza a descrição e análise de dados, por meio da identificação de padrões recorrentes, ou seja, categorias de significados e temas (SILVA, 2005). Merriam (1998) destaca três características para esse método de pesquisa: inclui descrição, interpretação, e compreensão; identifica padrões recorrentes na forma de temas ou categorias e pode delinear um processo. O método utilizado para o tratamento das informações coletadas através das entrevistas foi o da análise de conteúdo das falas, que segundo Bardin (2008, p. 33) “é um conjunto de técnicas de análise das comunicações”. Sua finalidade é buscar conhecer mais subjetivamente o mundo dos sujeitos pesquisados, a sua vivência no que se refere ao fenômeno estudado. Os resultados foram obtidos a partir da análise qualitativa das entrevistas aplicando-se os seguintes procedimentos: leitura das entrevistas gravadas digitalmente e transcritas na íntegra e sua categorização por temas, que constituíram as variáveis chaves por meio das quais buscou-se alcançar o objetivo da pesquisa, especificamente: as relações de poder e a flexibilização do trabalho nos terrenos da jornada e do salário. A análise e articulação das variáveis foram feitas à luz do debate teórico e das tendências discutidas acima. 4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS As ONG’s normalmente baseiam suas lutas sociais na defesa dos direitos humanos. Como organizações “sem fins lucrativos”, suas metas se referem a resultados sociais, como proposição de políticas públicas, controle social da utilização de recursos de interesse coletivo, meio ambiente, melhores condições de vida e cultura. No entanto, a sobrevivência das ONG’s é definida por sua capacidade de responder aos desafios do dia-a-dia e às pressões por ajustes e transformações necessários a que elas se adaptem às exigências dos seus financiadores, uma vez que dependem do alcance dos resultados sociais propostos em seus projetos para terem os financiamentos renovados ou novos projetos aprovados. Assim também ocorre com os empregados destas organizações, que dependem da aprovação dos projetos para terem seus salários garantidos, e esta condição se traduz em dependência para sua sobrevivência. A evolução e as mudanças ocorridas na forma de compor os quadros profissionais das ONG’s, indicando a necessidade de mais competência e eficácia, profissionalizaram as relações de trabalho, bem como as formas de estruturação e expressão das relações de poder nessas organizações. 9 4.1 As Relações de Poder No contexto das lutas sociais, os sujeitos sociais transformados em interlocutores frente ao Estado iniciaram suas atividades de forma bastante horizontal, como grandes “companheiros”. Com a institucionalização desses movimentos em Organizações Não Governamentais, alguns desses antigos “companheiros de luta” se tornaram dirigentes, coordenadores, diretores ou, como se diz internamente no cotidiano dessas organizações, se transformaram em “chefes”. Essa nova relação de poder estabelecida no interior das organizações é alvo de constante avaliação e crítica por parte de algumas equipes. Todos acreditam que, em virtude das missões institucionais versarem, em geral, sobre direitos humanos e democráticos, as ONG’s têm obrigação ética de gerir os recursos humanos sob a luz desses mesmos princípios e valores. Cria-se, então, um campo de possibilidades para o debate sobre o que, de fato, são comportamentos democráticos nas relações de trabalho ou atitudes autoritárias, baseadas em modelos que contradizem o que prega a filosofia organizacional. Estas reflexões baseiam-se nos depoimentos coletados nesta pesquisa, alguns entrevistados tecem considerações sobre as relações de poder ou sobre a hierarquia e a divisão das tarefas nas ONG’s, buscando entender o lugar onde trabalham e seu próprio papel. [...] a gente é funcionário, também, mas pelas atribuições que exercemos e as responsabilidades que temos, acabamos, em certos momentos, sendo patrão também. A gente não pode, por exemplo, (o funcionário) não veio, faltou, deixar por isso mesmo. Então, temos que tomar essas atitudes de ‘patrão’... Mas está dentro das nossas atribuições. (Depoimento de dirigente). [...] existe uma relação de parceria, mas há momentos de tensão, que é normal nas relações humanas. Tem momentos que aparecem posturas autoritárias, mas aí, a gente questiona e resolve. (Depoimento de empregado). Em alguns depoimentos percebe-se o desgaste na relação com a hierarquia institucional: tanto os dirigentes quanto os empregados apontam aspectos negativos nessa relação. Nesses casos, é ressaltada a falta de transparência e objetividade e posturas antidemocráticas (autoritarismo, concentração de poder e desrespeito às decisões coletivas). Eu acho que tem uma relação... uma estrutura de poder. Mas às vezes as coisas não são colocadas claramente, fica muita coisa no subliminar. Então, existem pressões subliminares, que não são ditas claramente porque quer se passar a idéia de construções coletivas, de tomadas de decisões coletivas. Mas, existem pressões que são expressas através dessas relações de poder, que não são colocadas claramente. [...] (os coordenadores) passam essa idéia de que todos têm poder de decisão. Mas, no final, poucas pessoas decidem. (Depoimento de dirigente) Essa questão parece mais grave, para os entrevistados, quando um dirigente tem “a última palavra”, desconsiderando todo um conjunto de reflexão de sua equipe, em uma atitude considerada “antidemocrática e centralizadora”. Isso pode refletir na impossibilidade desses dirigentes conseguirem conciliar a missão da instituição com um modelo alternativo, participativo e auto-gestionário, de relações de trabalho. Ao que parece, prevalece o modelo da gestão privada, assentado em relações assimétricas de poder, um modelo assimilado mesmo como fator cultural pelos sujeitos. A relação é bem parecida com o (setor) privado, não vou dizer que não tenha uma política que é diferente. Mas tem um chefe e se o chefe mandou você tem que obedecer. Infelizmente, apesar das ONG’s terem aquele outro lado que não tem nada disso, mas acontece. Você é funcionário, lhe mandaram você fazer isso, você tenta argumentar, mas você tem que obedecer. (Depoimento de empregado). 10 [...] depende muito de quem está nesse lugar, nesse poder, nessa hierarquia, responsável por administrar e gerenciar a organização. Eu acho que têm pessoas que tem mais flexibilidade, sabe lidar melhor com esse lugar, e tem outras pessoas que são mais autoritárias, que impõem, não trabalha muito com essa prática do fazer coletivo. (...) Nem todo mundo sabe lidar com o poder, com essa questão de hierarquia. (Depoimento de empregado). [...] E essas relações de poder que estão nas entrelinhas, que não são ditas claramente porque partem da idéia de que a ONG é um espaço mais democrático. Mas, na verdade, tem uma estrutura forte de poder estabelecido (...), tem pessoas que tomam as decisões e, às vezes, passam que foi o coletivo que tomou, mas na verdade o coletivo apenas foi consultado, comunicado ou legitimou uma decisão. (Depoimento de empregado). Este aspecto das relações de poder talvez seja um dos mais relevantes quando se busca conhecer as especificidades das práticas de relações de trabalho em ONG’s. Como foi visto nos depoimentos, a queixa dos empregados passa pelo questionamento da legitimidade da existência de uma estrutura hierarquizada e centralizadora, eivada de possibilidades das lideranças exercerem atitudes antidemocráticas, em organizações, a que, por natureza e por finalidade e onde, muitas vezes, o próprio engajamento e compromissos são voluntários e por ideologia, deveria corresponder um comando ou liderança co-participativo ou de colegiado. Apesar de alguns indivíduos reconhecerem nos seus depoimentos que a hierarquia é necessária, é esperado que ela seja diferente, que ela seja efetivamente democrática e participativa em todas as esferas de decisão. Porém não é esta a forma refletida nos depoimentos colhidos e apresentados neste artigo. 4.2 Flexibilização, precarização e extensa jornada de trabalho Algumas considerações devem ser feitas sobre o termo “flexibilização”. Para o direito do trabalho, como argumenta o jurista Alcídio Soares Júnior, flexibilização é um vocábulo não encontrado nos léxicos, mas amplamente utilizado na doutrina jurídica a partir de seu equivalente, flexibilidade, que é a qualidade do que é flexível. Em termos especificamente jurídicos, o termo flexibilidade pode se referir “a mobilidade geográfica e funcional dos trabalhadores, a maleabilidade nos custos da mão-de-obra, a gestão dos recursos humanos, a organização do tempo de trabalho, só para citar algumas” (SOARES JR, 2008, p. 2). Mas ele pode se referir, também, ainda no campo do direito, a uma situação de desregulamentação, que significa retirada ou redução de direitos, conforme muito bem argumentaram Siqueira Neto (2006) e também o jurista José Alberto Maciel, em entrevista para um encarte especial sobre flexibilização do direito do trabalho no Brasil do jornal O Globo de 07/03/2002. Para além do contexto jurídico, Sennett (2001) se reporta à flexibilidade como um termo que imaginamos está ligado à disponibilidade do indivíduo estar: [...] aberto à mudança, ser adaptável, como qualidades de caráter necessárias para a livre ação – o ser humano livre porque capaz de mudança. Em nossa época, porém, a nova economia política trai esse desejo pessoal de liberdade. A repulsa à rotina burocrática e a busca da flexibilidade produziram novas estruturas de poder e controle, em vez de virarem as condições que nos libertam (SENNETT, 2001, p. 54). Nesse sentido, a flexibilização é um outro aspecto do que o modelo neoliberal prega para as relações de trabalho: a flexibilidade da mão de obra com vistas a suprir a “empregabilidade”, que é vista por Cardoso (2003, p. 81) como “faces da mesma moeda de destituição ou diluição das instituições sociais de respaldo ao funcionamento do mercado de trabalho”. Foi encontrado no discurso dos trabalhadores das ONG’s depoimentos que 11 corroboram essa tendência, sobretudo no campo da flexibilização (que também se confunde com extensão das jornadas). Os depoimentos indicam que, mesmo para quem citou a flexibilidade como uma vantagem, o excesso de horas de trabalho, sem recompensa financeira, é quase uma regra entre os profissionais das ONG’s: Porque a gente luta para que todos tenham uma vida digna (...) Mas não tem isso no nosso cotidiano, porque a gente tem jornadas de trabalho que extrapolam, não se consegue ter uma associação harmônica entre a vida pessoal e o trabalho. Vai trabalhar no domingo, à noite, vai trabalhar fora de horário. Isso nos outros setores é mais organizado. (Depoimento de empregado) Uma conseqüência, para qualquer tipo de organização, é que o excesso de horas de trabalho acaba por impedir que outras pessoas tenham acesso ao mercado de trabalho, pois, tenta-se dar conta, com o mínimo possível de trabalhadores, da demanda a que a organização se propõe a suprir. A flexibilidade da jornada, introduzindo variabilidades de horários, traduzse em maior intensificação do trabalho e mais confusão e invasão do tempo de trabalho no tempo destinado ao descanso e ao lazer. Desta forma, encontram-se também as contradições entre realizar um trabalho que dá prazer e o custo desta realização para as pessoas. Eu trabalho incessantemente. Essa é a desvantagem. Porque a gente não tem domingo, feriado. A gente tem uma carga horária muito pesada. Ao mesmo tempo a gente está fazendo o que gosta... eu acho que esse é o grande tesão de quem trabalha em ONG. (Depoimento de empregado). A equipe é muito pequena e há sobrecarga de trabalho, que é uma das coisas que mais me desmotiva, porque é muito grande e é muita responsabilidade. Você tem que responder à varias coisas e, às vezes, eu nem me sinto em condição de responder. Mas você tem que responder, porque é você quem está lá, você quem está representando a instituição. (Depoimento de empregado). (...) Acho que essa coisa de exigirem de você um tempo fora da instituição, um tempo que pega fim de semana, que pega à noite... Às vezes sem consideração mínima de que as pessoas têm vidas pessoais. (Depoimento de empregado). Você trabalha muito mais do que as horas pelas quais você recebe, porque você acaba fazendo trabalho à noite, no final de semana, viajando e não tem hora extra... Isso é uma desvantagem e a margem de negociação é complicada, porque é uma ONG, não uma empresa e entra um pouco da militância, o quanto você é militante (...). (Depoimento de empregado). Agora as desvantagens... a estória do tempo, né? Porque a gente trabalha, teoricamente, com o tempo determinado, mas sempre trabalha mais em nome do compromisso que a gente tem. Essa é uma desvantagem, porque você tem toda uma estrutura de empresa, mas na prática você acaba dando mais, por causa do seu compromisso. São contradições no trabalho numa ONG. (Depoimento de empregado). Os depoimentos ainda revelaram que as experiências de flexibilização do trabalho no ambiente das ONG’s resultaram em redução ou retirada de direitos, incluindo aí a redução da carga horária e conseqüente redução dos salários praticados. 4.2.1 Baixos salários Embora já seja notória na mídia a denúncia de muitas ONG’s envolvidas em corrupção e até mesmo que elas sejam ironicamente chamadas de “pilantrópicas” e concebidas como gozando de elevados privilégios e cujos empregados vivem uma realidade de altos salários e pouco trabalho, não foi isto que a pesquisa encontrou nas organizações pesquisadas. No perfil 12 dos entrevistados, a faixa salarial está concentrada em até três salários mínimos, o que não pode ser considerado um salário alto, mesmo para uma cidade como João Pessoa. Os baixos salários são apontados como uma das desvantagens de se trabalhar em ONG’s. [...] o salário, que é bem achatado, o dissídio de categoria não influi, você fica com aquele salário por 3, 4, 5 anos e seu poder aquisitivo vai caindo ao longo dos anos. (Depoimento de empregado) [...] tanto faz uma pessoa ter uma formação de pós-graduação, quanto não ter nem o segundo grau, o que recebe é o mesmo. Então isso gera um descontentamento também no profissional. Eu acho que em outros setores isso é mais aproveitado e valorizado. (Depoimento de empregado) Porque não dá mais para você fechar os olhos e dizer que a equipe de trabalho está satisfeita, com mais de três anos sem nenhum tipo de reajuste, sem nenhum benefício e com a carga de trabalho se avolumando. (Depoimento de empregado). A remuneração está achatada. [...] Tem que ter uma política de corrigir sistematicamente esses salários, vincular em seus projetos. Acho que isso não é pensado. E tem que melhorar, pelo menos, ter plano de saúde, que isso é fundamental. (Depoimento de empregado). Os depoimentos que ilustram essa constatação, além da clara insatisfação com os níveis salariais, apontam, também, para uma atitude de passividade, uma vez que para estes trabalhadores é impensável, por exemplo, uma greve para reivindicar melhorias. Os empregados destas organizações não têm nenhum tipo de organização coletiva que lute por seus interesses enquanto força de trabalho, não há, por exemplo, representatividade sindical nesta categoria. Esta é uma outra grande contradição das práticas de relações de trabalho destas instituições. Apesar de elas atuarem no mercado de trabalho como empresas privadas, estabelecendo vínculos contratuais que caracterizam relações de subordinação, seus empregados comportam-se, e entendem seu engajamento, como militantes, que agem em função de uma ideologia que não necessariamente guarda relação com a lógica predominante na empresa privada. Fazer greve? Diante de que patrão? A quem reivindicar melhoras salariais ou nas condições de trabalho? Na realidade, a receita destas instituições, que deve prover os custos salariais de seus profissionais, deriva de projetos que têm seus financiamentos aprovados ou de contribuições sociais voluntárias. Este é, certamente, um aspecto que requer um outro tipo de investigação e questionamento que fugiu às possibilidades deste trabalho. Todavia, cabe trazer à nossa reflexão o fato de que a expansão das ONG’s nos últimos vinte ou trinta anos é parte da adoção de uma política neoliberal de organização da sociedade. Esta política concebe muito fortemente o trabalho nessas organizações como um atributo voluntário, que apela ao espírito de solidarismo, de humanitarismo social dos indivíduos, portanto, que não pode ser tratado da perspectiva do conflito de classe, aquela que prevalece no mundo privado e no setor público e que está sujeita às regras mais básicas de regulação do ordenamento jurídico do trabalho: a negociação coletiva e o direito de greve. 4.2.2 Contratos de trabalho No Brasil, uma ONG raramente consegue se manter financeiramente sem o apoio de projetos custeados pelas agências internacionais de cooperação ou pelos organismos governamentais. Em geral, os recursos são destinados à execução de projeto com cronograma definido e tempo limitado. Os temas e as áreas de interesse costumam apresentar variações determinadas pelos agentes financiadores, a partir de critérios e prioridades definidas por eles. Desta forma, as propostas que alcançam financiamento e formam uma equipe para a sua execução, nem 13 sempre conseguem renovar os projetos. Esse processo de continuidade é sempre angustiante e incerto. Quando um projeto não é renovado, pode resultar em dispensa de pessoal. Esta realidade é do conhecimento de todos que trabalham nas ONG’s, gerando insegurança e sendo apontada como uma das desvantagens do setor. O elemento negativo é a insegurança no que diz respeito ao trabalho, a garantia do trabalho, a estabilidade, por conta de projetos. Essa situação é muito incômoda, porque influi na qualidade de vida. Como é que você vai lutar por qualidade de vida se você olha para sua qualidade de vida e é destoado? Isso é um grande problema. (Depoimento de empregado). Em função desta instabilidade financeira os contratos de trabalho nas ONG’s são, em sua grande maioria por tempo determinado. Ou seja, as pessoas são contratadas para atuarem em projetos específicos e quando o projeto é concluído elas são dispensadas. Outra modalidade de contrato encontrada são os serviços prestados, em que o empregado recebe pela execução de determinada atividade, ficando à margem dos benefícios já conquistados pelos empregados com carteira assinada. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Observadas pela ótica apontada nesta pesquisa, as ONG’s podem ser vistas como agentes indiretos do neoliberalismo, ainda que sem consciência dessa forma de atuação e até mesmo pensando que lutam contra ele, na medida em que reproduzem as relações de trabalho neoliberais e recebem financiamento de instituições cujo objetivo maior é a manutenção deste modelo econômico. Quando solicitam maior colaboração de seus empregados, precisam pedir à sua força de trabalho que seja flexível ou seja, que esteja disponível para responder às suas demandas, independentemente das contrapartidas, inclusive, das contrapartidas legais. O outro lado da moeda é ainda mais contraditório: os próprios empregados assimilam a ideologia neoliberal impregnada das relações e que dissimula suas formas de exploração. Estes empregados entendem que devem dar mais da sua força de trabalho do que é possível receber em remuneração e compreendem isto como uma necessidade da organização e até mesmo como um compromisso de militância social. Os dirigentes e gestores, por sua vez, reconhecem a necessidade de valorizar as pessoas e também entendem que uma das formas de valorização seria oferecer melhores condições de trabalho, inclusive, em remuneração, mas esbarram nas limitações orçamentárias impostas pelos financiadores. Em outras palavras, este emergente mercado de trabalho é extremamente exigente do ponto de vista de sua profissionalização, uma vez que demanda profissionais com habilidades cada vez mais diversificadas e qualificadas, mas pouco propenso a remunerar de forma justa os seus empregados, se tomado como referência, por exemplo, o nível salarial (ou outras formas de retribuição) do mercado. O reconhecimento por parte dos empregados destas limitações e a aceitação de condições de trabalho precárias (baixos salários, extensa jornada), apesar de causar insatisfação, não gera reivindicação em função da cobrança por um compromisso e militância em forma de contribuição “voluntária” para a causa institucional. A contribuição voluntária vem aqui destacada com o propósito de fazer lembrar que as ONG’s atuam no seio e subordinadas a um sistema capitalista de mercado. Como visto no início, quando foi discutido, a partir de Marx, os fundamentos das relações de trabalho no sistema capitalista, que possui os meios objetivos da produção e os meios objetivos da sobrevivência do trabalhador. Ao fim e ao cabo, esta contribuição voluntária dos empregados das ONG’s não pode ser empregada tão ao pé da letra. Eles também vivem as pressões competitivas do mercado de trabalho que vivem todos os demais trabalhadores, com o agravante de não terem formas coletivas de representação de interesses. 14 REFERÊNCIAS BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2008, reimpressão. BOYER, R. Capital-labour relations in OCDE countries: from the fordist golden age to contrasted national trajectories. In: Capital, the State and Labour: a global perspective. United Nations University Press, 1995. BOITO JR, A. Neoliberalismo e relações de classe no Brasil. 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