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A política como subsistema – a sociologia política de
Niklas Luhmann
George Gomes Coutinho
Professor Assistente de Sociologia da UFF-PUCG
Doutorando em Sociologia Política – CCH-UENF
[email protected]
Resumo: Uma abordagem neosistêmica ambiciona compreender as
contingências da realidade social em uma leitura não ontológica e não
teleológica, decifrando os mecanismos de funcionamento para que
determinado subsistema, em seus esforços de seletividade entre sua autoreprodução e o seu entorno, detenha determinada configuração. Nestes
termos, em uma abordagem confessadamente holista da realidade social, que
discutiremos o fenômeno da política. A ambição deste trabalho é apresentar
uma interpretação diferente da do mainstream das ciências sociais acerca dos
dilemas da ação coletiva e dos processos de repartição do poder em sociedade
complexas.
Trabalho apresentado no 4º Seminário de pesquisa do Instituto de Ciências da Sociedade e
Desenvolvimento Regional, da Universidade Federal Fluminense - UFF, realizado em Campos
dos Goytacazes, RJ, Brasil, em março de 2010
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I
A abordagem intitulada “neosistêmica” encontra na obra do alemão Niklas
Luhmann1 o seu formato mais acabado na teoria sociológica contemporânea.
Münch (1999) compreende esta interpretação da sociedade como parte dos
movimentos de releitura da obra de Talcott Parsons empreendidos durante e
após a década de 1970, o que implicaria em verdade um fôlego renovado
sobre o legado do sociólogo americano ironicamente no momento em que há
sua crise de hegemonia e a conseqüente explosão de diversidade
paradigmática que caracteriza a produção teórica social desde então. Embora
de fato seja inegável a influência da obra de Talcott Parsons sobre Luhmann,
sendo que o alemão trabalhou com este, acreditamos que isto seja insuficiente
para analisarmos as especificidades teóricas do neosistemismo luhmanniano.
A abordagem do autor, que participa do debate acumulativo da ciência social,
de onde vemos uma das aplicações mais sistemáticas e exaustivas da teoria
dos sistemas como corpus teórico explicativo sobre a sociedade, não decorre
sem inúmeras especificidades. Vamos a estas.
Jeffrey Alexander, Richard Münch, Jürgen Habermas, Wolfgang Schluchter,
Anthony Giddens, contribuem também a releitura parsoniana pós-19702
(Münch, Op. Cit.) realizando sínteses teóricas deste aparato conceitual com o
estruturalismo, kantismo, hermenêutica, sociologia compreensiva, acionalismo
teórico, etc.. E de alguma forma interpreto que estas abordagens são
complementares no desenvolvimento geral da teoria dos sistemas. Luhmann
renova este legado em uma direção inusitada ao propor o diálogo desta teoria
com as ciências naturais e com o construtivismo radical dos biólogos chilenos
Humberto Maturana e Francisco Varela. Deste ponto teremos conseqüências
epistemológicas e conceituais profundas na maneira como a teoria dos
sistemas pode ser aplicada na análise da sociedade, onde há a re-significação
e ou a entrada de outros elementos conceituais até então ainda não testados
(Luhmann, 1997; Bechmann & Stehr, 2001; Neves & Neves, 2006). Ingressam
no léxico do neosistemismo luhmanniano a autopoiese, acoplamentos
estruturais, observações de segunda ordem, máquinas complexas,
contingência, além dos já presentes, desde Parsons, termos como médiuns
(meios de comunicação intra e suprasistêmica), a divisão da sociedade em
subsistemas, a idéia de diferenciação funcional e uma compreensão
neoevolucionista da sociedade.
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Nascido em Lünemburgo, Alemanha, em 08 de dezembro de 1927, sendo prisioneiro de
guerra das Forças Americanas durante a Segunda Grande Guerra. Formado em direito na
universidade de Freiburg, foi funcionário público entre 1949 e 1959 na cidade de Hanover.
Somente em 1962 retomou a vida acadêmica em Harvard, sendo orientado por Talcott Parsons
por um ano. Em 1968 assumiu a cadeira de sociologia em Bielefeld, onde trabalhou até a sua
aposentadoria. Bechmann e Stehr, 2001, relembram da relativa perplexidade causada por
Luhmann, entre seus pares, logo ao entrar em Bielefeld. Teriam lhe perguntado qual seria seu
programa de pesquisas e este respondeu “A teoria da sociedade moderna. Duração: 30 anos;
sem custos.” (Luhmann apud Bechmann & Stehr, 2001: 186). Luhmann, após publicar mais de
14 mil páginas sob este intento, morreu em dezembro de 1998.
2
Cabe frisar que Imannuel Wallerstein e Giovanni Arrighi, além de István Mészáros, também
utilizam uma abordagem que se auto-intitula “sistêmica”. Todavia estamos aqui interpretando o
neosistemismo e suas subderivações enquanto conectadas diretamente ao legado parsoniano,
seja em formato de crítica ou complexificação desta obra em particular.
3
Luhmann analisa sua mudança de rumo dentro da teoria dos sistemas, em
direção ao diálogo com Maturana e Varela, como um acréscimo de
complexidade analítica (Luhmann, 1997c). Para o autor, Parsons estava
apenas parcialmente correto na sua análise da sociedade enquanto sistema a
partir de uma compreensão da dinâmica desta inspirada na mecânica. Boa
parte das análises parsonianas se vale da montagem de modelos de
funcionamento dos subsistemas a partir da conexão entre diferentes inputs e
outputs que geram uma situação de equilíbrio, ou desequilíbrio, na interação
com elementos externos a estes (deflagradores dos inputs e outputs). Os
subsistemas, sempre fechados operacionalmente, mas em conexão com todos
os outros, operam como o que Luhmann chamaria de “máquinas triviais” 3 neste
tipo de descrição de funcionamento por Parsons. Se a sociedade busca
equilíbrio e adaptação em um sentido evolutivo às suas intempéries e
demandas (Parsons, 1969), algo que Luhmann concorda parcialmente, esta
operaria de uma forma simples, mecânica, de onde os outputs seriam
processados sempre de uma mesma maneira. Ou seja, os funcionamentos dos
diferentes subsistemas seriam sempre idênticos, variando apenas a qualidade
das respostas (outputs) em decorrência do tipo de entrada (input) em relação
aos chamados “valores-meta” dos diferentes subsistemas (Parsons, 1970).
A interpretação do funcionamento dos subsistemas como máquinas triviais
gera diferentes tipos de problemas heurísticos. Primeiramente, no
neoevolucionismo simples parsoniano, se todos os subsistemas operam de
uma mesma maneira, isto implica que temos um telos obrigatório, um fim
específico para as sociedades humanas, onde a diferença é de maior ou menor
complexidade entre estas. Isto gera o problema de um destino civilizatório
único que não consegue explicar as persistentes diferenças societárias
encontradas no mundo contemporâneo. Por outro lado, revela muito pouco
sobre a natureza do funcionamento dos subsistemas na medida que os
valores-meta são atribuídos pelo pesquisador, o que faz com que predomine
uma sensação de caixa-preta sobre como se dá processualmente internamente
as respostas dos subsistemas e até mesmo o estabelecimento de fato dos
próprios valores-meta. Diante destas dificuldades, Luhmann irá discutir os
subsistemas sociais como máquinas auto-referenciais (ou autopoiéticas), em
oposição à interpretação destes enquanto máquinas triviais. Disto derivam
modificações substantivas sobre a teoria dos sistemas como veremos, e é
determinante na caracterização do que a leitura posteriormente irá chamar de
“neosistemismo”.
Como foi dito, Luhmann irá dialogar diretamente com a idéia de autoreferencialidade dos sistemas e subsistemas vivos proposta por Humberto
Maturana e Francisco Varela. Resumidamente esta teoria traz inovações
conceituais de grandes conseqüências para o desenvolvimento da teoria dos
sistemas. Primeiramente os sistemas são processualmente fechados (autoreferentes processualmente) e sua conexão com o seu entorno, o ambiente, é
derivada de um “acoplamento estrutural”4. Isto implica que a análise dos
diferentes subsistemas se dá, nesta perspectiva, a partir da busca das
determinações de funcionamento que cada subsistema particular irá
desenvolver para si em sua especialização funcional adaptativa. Mas, Luhmann
reforça que a maneira como cada subsistema irá realizar seus processos de
3
4
Termo elaborado por Heinz von Foester, vide Luhmann, 1997c, p.51.
Maiores detalhes da formulação original destes conceitos em Maturana e Varela, 2001.
4
autocompreensão se dá de forma contingente, o que implica uma ruptura
radical com o neoevolucionismo simples de Parsons. Não há um telos único e
necessário para nenhum subsistema específico. Este, na sua constante
interação com o seu entorno (ambiente) se constrói e é construído
processualmente e constantemente. Os limites dos subsistemas são
suficientemente plásticos justamente para poder lidar com a interação com o
seu entorno. Eis o construtivismo radical apropriado por Luhmann e presente
na leitura de Maturana e Varela. Os sistemas constroem-se constantemente
em interação perene com o seu entorno.
O entorno é sempre mais complexo do que as operações sistêmicas. Então, os
diferentes subsistemas buscam elaborar respostas de redução de
complexidade em seus próprios termos (Neves e Neves, 2006) na sua
interação constante com o ambiente que apresenta demandas atritando com
seus limites operacionalmente construídos. Autoreferencialidade, ou
autopoiésis, refere-se a lógica operacional realizada pelos sistemas de maneira
que estes constituem-se como socialmente diferenciados de seu entorno. No
neosistemismo de Luhmann “(...) os sistemas são considerados fechados sobre
sua própria base operativa” (Neves e Neves, 2006, p. 189). Portanto a
dinâmica interna é fundamental para que se construa uma diferenciação que
apresente a especificidade daquele sistema particular.
Cabe notar que a teoria luhmanniana é enfática com respeito a critérios de
diferença. Gripp-Hagelstange (2009) sustenta que a própria construção de
diferentes subsistemas é uma operação motivada pela diferenciação de uma
lógica interna ante incrementos sucessivos de complexidade apresentados pela
relação sistema/ambiente. Desta forma, podemos compreender então que a
diferença seria o motor, o leitmotiv, que gera tanto novas respostas sistêmicas
em sentido evolutivo quanto também produz novos sistemas ou subsistemas.
Prosseguindo, pouco importa a descrição de uma delimitação física dos limites
de cada subsistema, mas, que a despeito das diferentes formas com que
encontraremos estas barreiras, cada subsistema irá determinar suas regras de
funcionamento especializando-se funcionalmente. O que diferencia um sistema
ou subsistema é, antes de tudo, sua lógica operacional, o que faz com que a
classificação destes nem sempre seja determinada exatamente por critérios
físicos. É desta forma que vemos a divisão em diferentes subsistemas sociais
agindo de maneira especializada, com seus próprios critérios de operação e de
seletividade com relação ao entorno5.
Na lógica neosistêmica os subsistemas estão artificialmente conectados com o
seu entorno a partir dos mecanismos de acoplamento estrutural. Segundo mais
uma vez o próprio Luhmann “Fala-se de „acoplamento estrutural‟ para designar
que, e como, dependências em relação ao ambiente são compatíveis com a
auto-reprodução autopoiética” (Luhmann, 1997b: 42). Portanto cabe enfatizar
que sempre há uma relação sistema/ambiente. Mas, esta relação é
determinada pelo próprio sistema em seus critérios de seletividade intrinsecos
5
Um exemplo bastante preciso é a objetivação do subsistema direito e a sua interpretação da
realidade (o seu entorno) a partir do critério binário de seletividade lícito/ilícito (Neves, 2006) .
No caso particular do subsistema direito, o padrão lícito/ilícito, é uma via de redução de
complexidade com um entorno sempre mais complexo. Mas, é esta redução de complexidade
que faz com que seja possível o funcionamento, de forma relativamente autônoma, dos
diferentes subsistemas funcionalmente diferenciados.
5
que permitem dizermos que há uma especialização funcional igualmente
particular.
Para Luhmann (1997a; 2006), é na falência da sociedade tradicional, com a
deterioração de uma visão totalizadora de mundo proporcionada pela
cosmogonia religiosa, que os diferentes subsistemas irão se construir6.
Portanto, a modernidade é deflagradora de uma profunda complexidade social,
o que exigirá esta especialização e diferenciação funcional das diferentes
esferas da vida para dar conta desta mesma complexidade. Estamos falando
de eventos historicamente determinados e de relações necessárias
conseqüentes. Decerto Luhmann amplifica o argumento da necessidade da
divisão social e sua complexificação encontrada no argumento dos clássicos da
sociologia, Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber. Também há elementos de
compreensão da complexificação societária com a constituição da
modernidade na concepção de Georg Simmel de onde os processos de
individuação são construídos na trajetória dos indivíduos freqüentando os
diferentes círculos sociais. Estamos falando, portanto, de um tipo de raciocínio
de origem sociológica sobre a modernidade. O ineditismo está na maneira
como Luhmann irá conduzir este debate sobre a complexidade da
modernidade.
Justamente por conta desta gama quase infinita de possibilidades de ação, na
falência de qualquer visão totalizadora do real, que Luhmann apresenta-se
enquanto um pesquisador cético quanto a termos apenas uma base normativa
da ação operando na realidade. O papel dos agentes modifica-se, em sua
atuação, de acordo com os diferentes subsistemas encontrados na
modernidade, sob pena do indivíduo ser simplesmente excluído dos ganhos
diretos e indiretos que uma integração possa prover.
II
Pensar a política sob a ótica do neosistemismo envolve um exercício teórico
que pretende trazer um outro esquadro de análise não demarcado
exclusivamente por leituras declaradamente mais acionalistas de análise, como
o neoinstitucionalismo7, ou ainda, tampouco discutir premissas normativas da
realidade, como a teoria crítica8 faz. Mas, compreende-se que o esforço
inspirado no neosistemismo possa ser apropriado por outras vertentes de
análise com proveito, dado o seu enquadramento “positivo”, ou a busca por
compreender mecanismos de autoprodução e reprodução dos diferentes
subsistemas sociais a partir de elementos situados para além do auto-interesse
dos agentes, como também, na sua recusa declarada em discutir a sociedade
utilizando princípios classificadores como “bom ou mal”, “adequado ou
6
“Functional differentiantion is a specific historical arregement that has developed since the
th
Middle Ages and was recognized as disruptive only in the second half of the 18 century.”
(Luhmann, 1997a).
7
O neoinstitucionalismo apresenta-se enquanto vertente interpretativa importante da ciência
política contemporânea onde, a partir da premissa da ação estratégica entre diferentes atores,
as instituições são pensadas. Há, na verdade, uma simbiose entre a instituição enquanto
limitadora da ação atrelada a uma concepção instrumental dos agentes. Um bom balanço
desta recente tradição pode ser encontrada em Hall e Taylor, 2003.
8
Por teoria crítica compreende-se as derivações inspiradas na obra de Karl Marx onde há tanto
um esforço positivo quanto a desconstrução do real. Particularmente refiro-me aos esforços
sistemáticos da tradição alemã ocorrida no século XX (Honneth, 1999).
6
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inadequado”, “autêntico, inautêntico” etc.. Em suma, uma abordagem
neosistêmica ambiciona compreender as contingências da realidade social em
uma leitura não ontológica e não teleológica, compreendendo os mecanismos
de funcionamento para que determinado subsistema, em seus esforços de
seletividade entre sua auto-reprodução e o seu entorno, detenha determinada
configuração.
O entendimento da política, em consonância com o apresentado na seção I
deste ensaio, envolve a conjectura de que o mesmo é um subsistema da
sociedade. A sociedade é a estrutura sistêmica ommiabarcadora de onde
derivam todos os subsistemas sociais correlatos. Dos meios de comunicação
em massa à arte, do amor à religião, da economia à política. Somente assim é
possível compreendermos os esforços de Luhmann em elaborar monografias
onde os títulos, opção nada acidental, referem-se sempre a um “direito da
sociedade”, uma “religião da sociedade”, etc.. Galindo (2001) destaca um
aspecto genitivo peculiar da teoria luhmanniana: os subsistemas sociais são
respostas de um sistema maior, a sociedade, visando atender a demandas de
complexidade fomentadas pelo entorno. Portanto, os subsistemas são
respostas derivadas de um macrocontexto onde encontramos um
funcionamento estrutural análogo, justamente por serem subsistemas sociais
derivados, obviamente, da própria sociedade. Como o próprio Luhmann (1997a
; 2006) afirma, estas respostas da sociedade são historicamente recentes,
próprias da modernidade, onde há um acréscimo substantivo de complexidade
após a derrocada do modus vivendi tradicional. São, assim, respostas e
adaptações evolutivas originadas do incremento de diferenciação funcional da
vida coletiva humana.
Desta maneira os diferentes subsistemas sociais, onde a política é um destes,
obedecem alguns requisitos (Hellmann, 2009):
diferenciação: interna e externa;
autonomia social relativa: onde os subsistemas adquirem valores-meta (por
vezes conjuntural) e uma lógica operacional que se autodetermina;
especificação funcional: uma funcionalidade própria e diferenciada ante outros
subsistemas;
um princípio de negação: todo sistema deve ter em si o parâmetro de sua
negação e elaborar vias de compreensão – Ex: O amor  ódio; a política 
utopia;
indeterminação de suas estruturas: o que sugere relativa plasticidade e a
possibilidade de incremento de complexidade tanto em seu funcionamento
quanto nas respostas derivadas de “irritações” provocadas pelo seu entorno.
Galindo (Op. Cit.) e Hellmann (Ibid) são enfáticos ao esclarecer que a
funcionalidade específica do subsistema “política” é justamente o de
estabelecer decisões vinculantes de impacto coletivo. Ou seja, diante dos
diferentes subsistemas, cabe ao “fazer político” a definição e a construção dos
marcos regulatórios da idéia de “bem público” operacionalizada objetivamente
pelos políticos (que geram decisões vinculantes), pelos funcionários públicos
(buscam a consecução das decisões vinculantes) e pela opinião pública
(seleciona os temas que serão discutidos). Assim, a política não encontra-se
enquanto oposição da sociedade. Justamente pelo seu caráter genitivo, ela é
produto de uma distinção operativa em prol da e para a sociedade. Ela gera
7
ordem e apresenta a redução de um quadro de incerteza ante as contingências
da própria sociedade.
Isto gera uma nova compreensão mesmo das narrativas jusnaturalistas 9
clássicas que apresentam a transição do hipotético Estado de Natureza ao
Estado Civil/Político:
“El ceder la capacidad de decidir a un soberano implica la reducción de complejidad de um
entorno caracterizado por un alto grado de volatilidad. Cuando cada cual persigue lo que sus
pasiones lê dictan se tiende a la guerra y al conflicto, cuando uma instância ha centralizado el
poder y puede sancionar la desobediencia, se garantiza la unidad.” (Galindo, 2001: 5).
Para além desta especificidade funcional, há um meio de comunicação
simbolicamente generalizado que faz com que possamos assimilar, de uma
perspectiva tanto de fora do subsistema quanto de dentro, o seu exercício. Este
meio de comunicação generalizado é justamente o poder:
“La mayor parte de los sistemas parciales han desarollado um médio de comunicación
simbólicamente generalizado, a manera de ejemplo pueden citarse al dinero en la economia y
la verdad en la ciencia. En en caso de la política el medio correspondiente es, como ya se ha
dicho, el poder. El medio de comunicación poder sólo puede circular en la forma de obediencia.
Por lo mismo, sólo funciona plenamente cuando la orden es obedecida sin oponer resistencia.
Cuando la obediencia no ocurre, aquel que tiene poder puede hacer uso de la violencia física,
garante límite de la obediencia.” (Ibid: 6).
Note-se que há a afinidade com a idéia clássica weberiana de “monopólio
legítimo da violência”, acrescida do entendimento de um processo de
legitimação perene para a eficácia do exercício do poder. Inclusive o debate
sobre legitimidade é fundamental para compreender o funcionamento do
subsistema “política” em sociedades complexas. O caminho evolutivo adotado
por esse arranjo em particular lida com o desenvolvimento da sociedade
moderna onde diferentes formas de expressão de opinião pública refletem-se
em novas formas de “regras do jogo”, ou, em novas vias de funcionamento
operacional. Afinal, como já foi explicitado, os subsistemas buscam justamente
sua autopreservação, o que os induz à modificações evolutivas 10.
Retomando a questão específica do poder, este embora seja um meio de
comunicação simbolicamente generalizável (reconhecido pelos indivíduos,
grupos e outro subsistemas sociais), ele é recurso objetivo escasso. As
relações dentro do subsistema política são, assim, assimétricas. Disto decorre
uma codificação binária do subsistema político, que é deter ou não este
recurso. O par de codificação “governo/oposição” (Galindo, Op. Cit.; Hellmann,
9
Norberto Bobbio (1987:14) assim define o “jusnaturalismo” ou “escola de direito natural: “Sob
a velha etiqueta de „escola do direito natural‟, escondem-se autores e correntes muito diversos:
grandes filósofos como Hobbes, Leibniz, Locke, Kant, que se ocuparam também, mas não
precipuamente, de problemas jurídicos e políticos, pertencentes a orientações diversas e por
vezes opostas de pensamento, como Locke e Leibniz, como Hobbes e Kant; juristas-filósofos
como Pufendorf, Thomasius e Wolff, também divididos quanto a pontos essenciais da doutrina;
professores universitários, autores de trabalhos escolásticos que, depois de seus discípulos,
talvez ninguém mais tenha lido; e finalmente, um dos maiores escritores políticos de todos os
tempos, o autor de O Contrato Social.”.
10
Aqui temos uma via explicativa particularmente interessante para compreendermos os
movimentos contestatórios no Oriente Médio: novas demandas do entorno geram novos
arranjos do subsistema político em particular.
8
Op. Cit.) explica a dinâmica de disputa entre “poder/ não poder” e o movimento
subseqüente entre os atores políticos. Portanto, poder é um conceito relacional
e um recurso intercambiável. O procedimento sistêmico “eleições” é uma saída
que tanto confere legitimidade ao exercício do poder quanto permite, dentro
das regras de previsibilidade dos arranjos sistêmicos, a alternância, mesmo
que hipotética, entre os atores na condição de “governo” ou de “oposição”. Esta
também é uma relativa imprevisibilidade, todavia, pensada dentro dos marcos
do funcionamento operacional do próprio subsistema. Podemos supor que a
democracia moderna seja o exemplo prototípico dessa forma complexa de
propor ações e normas coletivamente vinculantes.
Ainda, sob os parâmetros acima descritos, transitam na política tanto a
definição do que é “bem público” quanto o atendimento de “interesses
privados”. Esta contradição é superada com a noção de “legitimação” do
subsistema que tanto pode ser questionada dentro do funcionamento do
próprio subsistema quanto pelo entorno. Inclusive o conflito é um elemento
motivador de evolução do subsistema, pois exige do mesmo novas respostas
operacionais. O par de codificação “esquerda” e “direita” é expressão da
realização do conflito interpretada no âmbito da política, de onde derivam
novas formas de diferenciação funcional. Note-se que os pares de codificação
apresentadas são elaborados nos marcos do funcionamento operacional do
próprio subsistema. Justamente isto reflete a sua relativa autonomia na medida
em que na interação e diferenciação resultante da relação externo/interno é
que há a expansão ou retração dos limites do próprio subsistema.
Portanto, o subsistema política lida sim, em sua lógica operativa, com
dissensos, conflitos e variações valorativas. Isto gera maior complexidade e
segmentação, portanto, por isso de fato os sistemas políticos pluralistas seriam
uma das maiores expressões de complexificação deste subsistema. Afinal, o
subsistema política necessita encaminhar formas de decisão com
conseqüências para a coletividade daquele Estado-Nacional ou, em alguns
casos, até mesmo em arranjos institucionais transnacionais.
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