Boletim do CIM c e n t r o d e i n f o r m a ç ã o d o m e d i c a m e n t o Março/Abril 2007 Director: J. A. Aranda da Silva O R D E M D O S FA R M A C Ê U T I C O S O uso de estatinas em prevenção primária PREVENÇÃO PRIMÁRIA DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES A DCV pode manifestar-se como doença arterial coronária, enfarte, acidente isquémico transitório, acidente vascular cerebral (AVC) e doença arterial periférica.3 Caracteriza-se por uma etiologia multifactorial, com vários factores de risco CV major, independentes, que se potenciam entre si: idade, hábitos tabágicos, hipertensão arterial, níveis elevados de colesterol total (CT) e lipoproteínas de baixa densidade (LDL-C) ou baixos níveis de lipoproteínas de alta densidade (HDL-C), diabetes e hipertrofia ventricular esquerda. Existem outros factores de risco predisponentes que agravam os factores de risco independentes [obesidade, inactividade, história familiar de DCV prematura, microalbuminúria (20-300 mg/dia)].6 A determinação global do risco de morte cardiovas- cular (RCV) ou risco coronário (RC) a 10 anos, baseada na identificação e avaliação dos factores de risco CV, permite estratificar os doentes em grupos de risco e auxiliar na tomada de decisão relativa à intensificação de medidas preventivas não farmacológicas e ao grau de intervenção farmacológica.7,8 Esta avaliação do risco global deverá ser efectuada, pelo menos de 5 em 5 anos, em indivíduos adultos com idade ≥ 40 anos, identificados com dois ou mais factores de risco ou em doentes diabéticos.2,8 O RCV, que inclui todos os eventos mortais da DCV, pode ser calculado através de tabelas elaboradas a partir de estudos epidemiológicos europeus: Systematic Coronary Risk Evaluation (SCORE). As duas tabelas SCORE integram para duas regiões da Europa, norte e sul, vários factores de risco como a idade, sexo, tabaco, pressão arterial sistólica, CT e relação CT/HDL-C.8 Definem-se como doentes de alto risco, os indivíduos que apresentam um risco de desenvolver DCV mortal superior a 5%, em 10 anos.8 Este sistema permite projectar o RCV global de jovens adultos para a idade de 60 anos de modo a se intensificar a prevenção primária em indivíduos com algum perfil de risco.8 O RC, que inclui todos os eventos coronários, mortais ou não, pode ser calculado através das tabelas de Framingham.9 Definem-se doentes de elevado risco os que apresentam um risco > 20%. Equipara-se um RCV de 5% a RC de 20%.7,8 A adopção de estilos de vida saudáveis deverá sempre anteceder o início da terapêutica farmacológica, de modo a reduzir os factores de risco preexistentes. Em doentes de elevado risco e com valores de CT e LDL elevados, é recomendável a alteração de habitos dietéticos, estilo de vida, despiste de causas secundárias e reavaliação após 3-6 meses das medidas implementadas.8,9 Se os valores se mantiverem elevados inicia-se terapêutica farmacológica, geralmente com estatinas. Doentes com hipercolesterolémia familiar, com valores de CT > 300 mg/dl e LDLC >240 mg/dl, são considerados, desde logo, doentes de elevado risco, candidatos à terapêutica com estatinas.8 O início da intervenção farmacológica e os seus objectivos, em função dos valores de colesterol e factores de risco cardiovascular e coronário, preconizados, respectivamente, pela Sociedade Europeia de Cardiologia e NCEPATPIII (National Cholesterol Education Program-Panel III) encontram-se resumidos na tabela 1. De acordo com os resultados de uma meta-análise que envolveu 42 848 doentes de 7 ensaios clínicos em prevenção primária, com 90% dos doentes sem história de DCV 76 ROF Os benefícios da utilização dos inibidores da hidroximetilglutarilcoenzima A redutase, vulgarmente designados por estatinas, na prevenção secundária de doenças cardiovasculares, com redução nas taxas de morbilidade e mortalidade, estão bem estabelecidos.1 Atendendo ao impacto da Doença Cardiovascular (DCV) em termos de morbilidade e mortalidade e à crescente evidência de que a maioria das doenças cardiovasculares são preveníveis, a sua prevenção primária assume real importância, tendo sido alvo de vários ensaios que procuram traduzir os seus benefícios.1,2 Prevenção primária CV reporta-se às intervenções que têm como objectivo prevenir eventos cardiovasculares em pessoas que não tenham evidência clinica de DCV.3 As estatinas evidenciam efeitos benéficos pleiotrópicos, anti-inflamatórios e imunomoduladores, independentes da redução dos níveis de lípidos, a nível do endotélio e parede vascular, musculatura lisa, factores hemostáticos e processo aterosclerótico.4,5 Estes efeitos restauram a função endotelial (alterada em doentes com hipercolesterolémia, diabetes tipo 2 e fumadores) e estabilizam e regridem a placa aterosclerótica. As estatinas aumentam os níveis de óxido nitrico, importante modulador da função endotelial, que causa vasodilatação arterial em resposta a isquémia ou necessidade de oxigenação aumentada.4 A nível de estabilização da placa, observa-se substituição do core rico em lípidos por colagénio e redução dos processos oxidativos e proliferativos.5 Numerosos estudos evidenciam que as estatinas podem reduzir os níveis de proteína C reactiva, fibrinogénio, células T, macrófagos, e outras citoquinas implicadas nos processos inflamatórios da placa aterosclerótica.4 1 Boletim do CIM Março/Abril 2007 ROF 76 2 Tabela 1 (adaptado ref. 2,8,9) Risco (10 anos) Objectivo Início de fármacos RCV>5% CT<175 mg/dl LDL-C <100 mg/dl CT>190 mg/dl LDL-C >115 mg/dl RCV<5% (projectado a 60 anos) CT<190 mg/dl LDL-C<115 mg/dl Medidas não farmacológicas Monitorizar RCV a 5 anos RC>20% LDL-C <100 mg/dl CT>190 mg/dl LDL-C ≥130 mg/dl 10 < RC<20% + LDL-C <130 mg/dl factores risco ≥ 2 LDL-C ≥130 mg/dl RC< 10% ou factores risco ≤1 LDL-C ≥190 mg/dl LDL-C <160 mg/dl e com níveis médios de LDL-C de 147 mg/dl (119-192 mg/ dl), o uso das estatinas durante um período médio de 4,3 anos reduziu o risco relativo, em doentes com moderado a elevado risco cardiovascular, de eventos cerebrovasculares major (AVC fatal e não fatal), coronários major, a necessidade de revascularização e enfarte do miocárdio não fatal em 14,4%, 29,2%, 33,8% e 31,7%, respectivamente.1 No entanto, não foram observadas diferenças, estatisticamente significativas, nas taxas de mortalidade global e por doença coronária, provavelmente por o período de follow-up ser curto e ao relativo baixo risco de mortalidade destes doentes.1,5 Não foi evidenciado o aumento de risco de cancro ou aumento dos níveis de enzimas hepáticas e creatinina quinase. Os investigadores calcularam que as estatinas podem reduzir o risco absoluto de um evento coronário major durante 4,3 anos em 0,75% (grupos de baixo risco), 1,63% (grupos de risco intermédio) e 2,51% (grupos de risco elevado).1 Isto implica que o número de doentes a tratar é de cerca de 133, 61 e 40, respectivamente, para evitar um evento coronário major a 4,3 anos.1 As estatinas utilizadas nos estudos incluíram pravastatina (20-40 mg), atorvastatina (10 mg), sinvastatina (20-40 mg) e lovastatina (20-40 mg). De acordo com a actualização das recomendações do NECP-ATPIII e National Institute for Health, as estatinas usadas nas suas respectivas doses têm eficácia similar.1,3 Doentes diabéticos tipo 2, com idade superior a 40 anos, com pelo menos um factor de risco cardiovascular (incluindo retinopatia, albuminúria), devem iniciar estatinas, se não conseguirem atingir valores de LDL-C < 100 mg/dl através de alterações do estilo de vida, independentemente do valor de LDL-C inicial.9,10 Estas recomendações baseiam-se em alguns estudos com atorvastatina e sinvastatina, nomeadamente o CARDS e HPS, que evidenciaram reduções no risco de doença coronária, AVC e revascularizações.5,10,11 Estes doentes são considerados a um nível de risco coronário similar aos doentes com doença cardiovascular estabelecida.2 Não existe uma clara evidência que suporte o uso de estatinas em doentes com idade inferior a 40 anos ou mesmo superior a 40 anos, sem factores de risco associados e com valores de LDL-C < 130 mg/dl, apesar do seu uso ser defendido.10 Em idosos, com idades superiores a 65 anos e elevado risco de DCV, existe evidência que suporta os benefícios clínicos da prevenção primária de eventos coronários e AVCs.6,9 No entanto, para idades superiores a 75 anos, são necessários ensaios clínicos controlados, com duração ade- quada para se avaliar benefícios e riscos da terapêutica na prevenção de doença cerebrovascular.6,12 O risco de toxicidade hepática e músculo-esquelética, baixo em monoterapia, pode ser potenciado por associações de fármacos metabolizados pelo CYP3A4 e fibratos. A pravastatina, não sofrendo este tipo de metabolização, poderá ser de eleição em doentes predispostos à interação.6 Na decisão de iniciar estatinas em idosos deverão ser ponderados não só os beneficios em termos de prevenção de DCV, mas também a esperança e qualidade de vida, co-morbilidades, adesão à terapêutica e potenciais benefícios decorrentes dos efeitos pleiotrópicos, a nível da inflamação, imunidade, função cerebral e cognitiva e mineralização óssea.6 Estão contra-indicadas na doença hepática activa ou se existir miopatia associada a concentrações de creatina quinase 10 vezes superiores ao valor limite normal, pelo risco de rabdomiólise.5 CONCLUSÕES Em prevenção primária, as estatinas reduzem a incidência de eventos cerebrovasculares major, coronários major, a necessidade de revascularização e enfarte do miocárdio não fatal, independentemente dos valores basais de colesterol, sem reduzir significativamente as taxas de mortalidade1. A redução do risco absoluto dos referidos eventos é superior em prevenção secundária, assumindo esta uma prioridade face à prevenção primária.1 As estatinas evidenciam uma relação custo-efectividade favorável, quando utilizadas em doentes com RC>20% a 10 anos e não favorável em doentes com RC<10%. O seu uso em doentes com risco intermédio permanece controverso.1,3 Os efeitos pleiotrópicos associados às estatinas poderão trazer, no futuro, potenciais benefícios no tratamento de esclerose múltipla, artrite reumatóide e lúpus eritematoso disseminado.5,13 Mónica Colaço Marília Oliveira Barros Bibliografia 1. Thavendiranathan P. et al. Primary prevention of cardiovascular diseases with statin therapy: A meta-analysis of RCT. Arch Intern Med, 2006; 166: 2307-2313. 2. Pearson T. et al. AHA Guidelines for primary prevention of cardiovascular disease and stroke: 2002 Update. Circulation, 2002; 106: 388-391. 3. National Institute for Health and Clinical Excellence. 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TRATAMENTO As opções de tratamento incluem intervenções farmacológicas ou cirúrgicas.3,5,6,8,10 O seu objectivo é prevenir a perda de visão, diminuindo a PIO o mais possível com mínimos efeitos adversos.1 Ensaios recentes concluem que diminuir a PIO é benéfico, diminuindo o avanço do GAA e reduzindo o risco de perda do campo visual a longo prazo.9 Na última década, o número de opções de tratamento tem aumentado significativamente com os análogos das prostaglandinas, os agonistas adrenérgicos alfa e os inibidores da anidrase carbónica de uso oftálmico.7,10,11 Bloqueadores adrenérgicos beta Os bloqueadores adrenérgicos beta tópicos têm sido usados tradicionalmente como terapêutica inicial pela excelente redução da PIO e efeitos oculares relativamente escassos.3,9 O grupo inclui fármacos como o betaxolol (beta1 selectivo), o carteolol (não selectivo com actividade simpaticomimética intrínseca) e o timolol, o metipranolol e o levobunolol (não selectivos).3 Os bloqueadores adrenérgicos beta diminuem a formação de humor aquoso.3,6,9 São utilizados 1 ou 2 vezes ao dia.6,11 Podem causar irritação ocular,5,6 ardor, visão turva, fotofobia, sensação de corpo estranho,3 conjuntivite alérgica,6 e secura do olho.3,5,12 Com o uso prolongado podem causar anestesia corneal e queratite. O metipranolol tem sido associado com uveíte.3 A absorção sistémica pode originar importantes efeitos cardiovasculares e respiratórios.5,11 Podem provocar bradicardia,3,6,7,9,12,13 insuficiência respiratoria,6,7,13 exacerbação ou precipitação de asma, insuficiência cardíaca, depressão, impotência,3,6,13 hipotensão, diminuição de líbido,6,13 agravamento de miastenia gravis, alteração de lipidos séricos3,13 e podem mascarar os sintomas de hipoglicemia.3 Um problema adicional com o uso prolongado é a taquifilaxia.3,11 Devem ser evitados se houver doença cardiovascular (in- suficiência cardíaca, bloqueio cardíaco) ou respiratória (asma, doença obstrutiva pulmonar) coexistente.4,5,9,12 Pela sua cardiosselectividade e farmacocinética, o betaxolol é potencialmente associado com menos efeitos adversos sistémicos, especialmente pulmonares.3,9,11 Parassimpaticomiméticos Os parassimpaticomiméticos de acção directa estão a cair em desuso pelos efeitos locais, por serem aplicados 3–4 vezes por dia6,9,11 e pela disponibilidade actual de fármacos melhor tolerados e mais efectivos.3 São reservados para os que não respondem a outros fármacos tópicos.3,6 A pilocarpina aumenta a drenagem do humor aquoso.3,5 Tem importantes efeitos adversos oculares: miose,3,5,6,11 (o que diminui a visão,5,11 especialmente em idosos com catarata11),provoca espasmo acomodativo6,11 e visão turva.3,5,6 Podem induzir miopia,3,5 dor periorbital, irritação conjuntival, queratite superficial,3 descolamento da retina e precipitação de G de ângulo fechado (GAF).3,6 Efeitos sistémicos infrequentes: salivação, lacrimação, sudação, vómitos, edema pulmonar ou diarreia.3 Agonistas adrenérgicos Os agonistas adrenérgicos não selectivos incluem a adrenalina e a dipivefrina. A alta frequência de efeitos oculares limita o uso da primeira. Produzem menos redução da PIO que os bloqueadores beta.3 A eficácia relativamente baixa, a irritação local e a blefaroconjuntivite alérgica tornam-nos pouco atractivos.11 Como reacções sistémicas produzem hipertensão grave, arritmias, tremor ou ansiedade, menos frequentes com dipivefrina.3,6,11 São administrados 2 ou 3 vezes por dia.6 A dipivefrina ainda é ocasionalmente prescrita.6,11 A apraclonidina e a brimonidina são agonistas adrenérgicos alfa-2 selectivos tópicos.3,5,11 Diminuem a PIO por reduzirem a produção de humor aquoso;3,12 a brimonidina aumenta também a drenagem uveo-escleral.3,11 São eficazes como adjuvantes e, ocasionalmente, como terapia primária.9 A apraclonidina é usada para a elevação transitória da PIO após cirurgia ocular;3 pela taquifilaxia3,11 e efeitos no SNC,8 não é recomendada para o controlo crónico do G.9,11 Os principais efeitos secundários são locais, retracção da pálpebra e midríase ligeira. A brimonidina é administrada duas ou três vezes ao dia. Num estudo, a eficácia da brimonidina a diminuir a PIO foi equivalente à do betaxolol.12 Os agonistas adrenérgicos alfa podem causar efeitos locais como irritação ocular,5,6,11 conjuntivite alérgica, hiperemia5,11 e sensação de corpo estranho.1 Entre os efeitos sistémicos referidos: boca seca, fadiga,11,13 cefaleia, hipotensão13 e sedação.5,6,13 Como tem maior selectividade para o receptor alfa, ocorrem menos reacções com a brimonidina, como midriase ou vasoconstrição, que com a apraclonidina,1,3 e não parece associada com taquifilaxia.3,11 Em crianças, a brimonidina pode causar hipotensão, apneia e convulsões. Está absolutamente contra-indicada em menores de seis anos e relativamente contra-indicada nas crianças mais velhas. A brimonidina está contra-indicada em associação com os IMAO. Deve ser usada com precaução com antidepressores tricíclicos, barbitúricos, sedativos e anti-hipertensores.11 76 ROF O glaucoma primário de ângulo aberto (GAA) é caracterizado por uma lenta atrofia do nervo óptico.1 O GAA é a forma mais comum de glaucoma (G),2,3 caracterizada por uma diminuição na drenagem de humor aquoso.4 Sem tratamento adequado, o GAA pode conduzir à cegueira.1-3,5,6 A pressão intra-ocular (PIO) elevada é o principal factor de risco do G.1,2,4-8 Múltiplos estudos têm demonstrado que elevações na PIO se correlacionam com a progressão na perda visual.4 Outros factores de risco são: idade avançada,1,4-9 miopia elevada2,4-6,8 e história familiar de G, especialmente no caso de familiares em primeiro grau.1,2,4,5,9 A prevalência é mais alta na raça negra1,2,4,6,9 e em doentes com diabetes ou hipertensão.4,6 A terapêutica com esteróides, especialmente em aplicação ocular ou periocular, pode contribuir para uma PIO elevada.9 Cerca de 10% das pessoas com PIO elevada desenvolvem GAA num período de 10 anos.1 No entanto, um quarto a um terço dos doentes diagnosticados com este tipo de G têm PIO normal.1,2 Os doentes sem danos no nervo óptico e no campo visual, mas com PIO superior ao normal, são diagnosticados com hipertensão ocular (HO).2,4 Os doentes com HO que se pensa que possam estar em risco moderado ou alto de desenvolver G são geralmente tratados.2 Março/Abril 2007 Glaucoma de ângulo aberto 3 Boletim do CIM Março/Abril 2007 Inibidores da anidrase carbónica Os inibidores da anidrase carbónica sistémicos actuam diminuindo a secreção de humor aquoso.3 Pode causar problemas gastrointestinais, apatia,6,11 parestesias,6,11,12 depressão, hipocaliemia6 e diurese.3,12 Também, em ocasiões, cálculos renais,3,6,11 acidose metabólica, diminuição da líbido, impotência4,8 e alterações do gosto.3,12 Pela sua relação com as sulfonamidas existe um risco de reacções alérgicas graves, incluindo síndroma de Stevens Johnson e anemia aplástica.3,6,11,12 A acetazolamida pode ser usada se a PIO não se controla topicamente, ou quando é extremamente elevada como sucede no GAF.6 Os inibidores da anidrase carbónica tópicos, dorzolamida e brinzolamida, reduzem a secreção de humor aquoso.5,12 Têm de ser instilados 2 ou 3 vezes ao dia 2,4 e são usados principalmente como adjuvantes.6,9,11 Têm maior especificidade que os inibidores da anidrase carbónica sistémicos e menores efeitos secundários.5,11 Reduzem a PIO ligeiramente menos que o timolol.1,12 Não devem ser usados em alérgicos às sulfonamidas.5 Os principais efeitos locais da dorzolamida são visão turva, lacrimação, fotofobia, blefarite,3 ardor transitório,3,6,11,12 inflamação das pálpebras, hiperemia conjuntival, conjuntivite folicular,3,11 queratite punctata superficial12 e conjuntivite alérgica.11,12 Com o uso continuado há uma diminuição dos problemas.11 A brinzolamida tem efeitos similares, com maior incidência de desconforto ocular.11,12 Estes fármacos podem agravar as doenças da córnea.11 Os efeitos sistémicos são raros: cálculos renais, alterações do gosto,3,12,13 problemas gastrointestinais,3,12 cefaleia,12,13 parestesias ou reacções alérgicas.13 Análogos das prostaglandinas Os análogos de prostaglandinas (latanoprost, travoprost) e da prostamida (bimatoprost) têm características similares.4,12 Estes fármacos aumentam a drenagem de humor aquoso.3,5,6,9,12 Parecem reduzir a PIO mais do que o timolol.1,3,12 Em geral, têm-se tornado tratamento de primeira linha pela sua eficácia, aplicação uma vez ao dia (que favorece a adesão à terapêutica) e efeitos sistémicos mínimos.1,5 Como efeitos oculares, ligeira hiperemia conjuntival1,3,14 e, numa pequena percentagem dos doentes, pigmentação da íris aumentada. Nalguns doentes as pestanas escurecem, aumentando também o seu crescimento e a espessura.3,5,6,9,11,12 Efeitos menos comuns incluem uveíte anterior11,13 e queratite por herpes simplex.3,4 Devem ser usados com precaução em doentes com inflamação ocular ou risco de edema macular, porque aumentam muito a probabilidade disso ocorrer,4 incluindo edema macular quístico.4,11,13 Raros efeitos sistémicos como alergia cutânea, dor muscular e articular,3,13 cefaleia, boca seca, sabor amargo e, pelo menos teoricamente, risco de exacerbação de asma dependente de esteróides.13 ROF 76 4 Os fármacos para o G podem ter efeitos adversos consideráveis, incluindo risco para a vida.8 A fraca biodisponibilidade da maioria das preparações locais oftálmicas, devida à complexidade da penetração no olho, conduz ao uso de altas doses do princípio activo, aumentando o risco de transferência sistémica. Com os geles aumenta o contacto do produto com a córnea, por isso, com menores concentrações da substância activa, obtém-se uma eficácia idêntica à das soluções.13 Deve colocar-se no olho só uma gota de cada preparação.1 A absorção sistémica pode ser reduzida fechando a pálpebra suavemente e fazendo pressão no ângulo interno do olho durante 2 minutos após a instilação das gotas.1,5,6,11,12 Esperar pelo menos 5 a 10 minutos se tiver de instilar outras gotas.4,6,13 As suspensões ou medicamentos com acção prolongada devem ser usados no fim.11 Muitos colírios têm cloreto de benzalcónio que pode ser absorvido pelas lentes de contacto hidrófilas (moles), podendo irritar o olho. As lentes devem ser retiradas antes da aplicação, esperando pelo menos 15 minutos antes de as colocar novamente.1,4 O G é crónico e progressivo, sendo essencial a adesão do doente à terapêutica.5,11,12 Algumas pessoas têm dificuldade em manipular os frascos dos colírios, especialmente os idosos, ou os doentes com problemas de visão;1,5 as apresentações com administração uma vez por dia podem ajudar.1 O tratamento farmacológico deve ser de tipo escalonado, utilizando um fármaco até à dose máxima antes de associar outro fármaco ou usar um de grupo diferente.3,6 Há também associações fixas que podem ser úteis por tornar mais fácil a adesão ao regime terapêutico.6,12 CONCLUSÕES Uma recente meta-análise para estimar a redução da PIO alcançada com os medicamentos mais prescritos para o GAA e a HO concluiu que os mais eficazes foram o bimatoprost, o tavoprost, o latanoprost e o timolol.10 Os velhos medicamentos para o G reduzem a PIO, mas têm frequentemente efeitos adversos desagradáveis. Ainda têm um lugar na terapia, mas há agora novos medicamentos melhores em eficácia e segurança, permitindo uma melhor escolha para cada doente. Os inibidores da anidrase carbónica tópicos, agonistas adrenérgicos alfa e análogos de prostaglandinas têm ganho popularidade.1 Geralmente o tratamento começa com um bloqueador beta ou um análogo da prostaglandina.6,8 Em muitas situações são usados fármacos de classes diferentes em associação pela sua contribuição complementar para a redução da PIO.6,8,11 Aurora Simón Bibliografia 1. Anon. Recent developments in primary open angle glaucoma and ocular hypertension. Merec Bull 2003;13(5): 7-20. 2. Fraser S, Manvikar S. Glaucoma-the pathophysiology and diagnosis. Hospital Pharmacist 2005; 12: 251-54. 3. Robinson C. Safety and efficacy of medications used to treat primary open-ange glaucoma. World Drug Info 2000;11(2): 1-7. 4. Alexander C, Miller S, Abel S. Prostaglandin analog treatment of glaucoma and ocular hypertension. 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