Gestão de Ativos x Gestão da Saúde Comecei a trabalhar com engenheiro de manutenção em 1975. Naquela época já se falava em Manutenção Preventiva. A Manutenção Preditiva dava seus primeiros passos. Porém, os resultados, em termo de confiabilidade dos ativos, não eram tão bons como os de hoje. Na verdade, eram bem ruins. Os profissionais de manutenção viviam a fase “heróica”. Era um quebra-consertaquebra sem fim. Em todas as empresas de processamento continuo estavam instituídas na manutenção fortes equipes de turno de revezamento para atender as emergências, que eram muitas. Tipicamente, para uma Unidade Industrial de porte, cerca de 10 (dez) pessoas por turno. Hoje não existem equipes turno de manutenção nas refinarias da Petrobras e em muitas outras industrias. Como causa (e consequência), vivíamos tempos de baixa confiabilidade dos ativos. Comparando, era como o sistema de saúde nos dias de hoje. O foco era na Manutenção Corretiva, assim como o foco da Medicina de hoje é na doença e não na saúde. Como respostas às necessidades do mercado, dos acionistas, das autoridades, das comunidades onde as fábricas estavam inseridas e até dos próprios empregados, boas práticas foram paulatinamente adotadas e a confiabilidade dos ativos melhorou espetacularmente nesses quase 40 anos que se passaram. Quem não tem boa confiabilidade de seus ativos já não consegue sobreviver no mercado. E o que mudou? Como mudou? Nas respostas a essas perguntas vamos traçar um paralelo com o sistema de Saúde no Brasil e propor medidas para transformar também os planos que hoje são de “doenças” para planos de Saúde. Com prevenção e organização, é possível chegar lá. INDICADORES: Começou-se a medir os resultados, e os dois mais importantes (tirando a parte de Segurança, que seria um capítulo à parte) na Indústria são: Disponibilidade dos Ativos para produzir e Custo de Manutenção. Seria difícil, mas longe do impossível, estabelecer indicadores de saúde da população, os quais poderiam ser acompanhados por bairros de cidades grandes e médias e por cidades, no caso das pequenas, atreladas aos respectivos postos de saúde, que já existem. Podiam ser medidos, no mínimo, os indicadores: www.verriveritatis.com.br - Incidência de doenças na população - Numero de dias de trabalho perdidos por doença (media dos bairros) - Taxa de longevidade da população - Custo do sistema de saúde REMUNERAÇÃO VARIÁVEL: Nas indústrias, hoje, parte da remuneração dos empregados é fixa e parte é variável, a depender dos resultados da indústria, que dependem da disponibilidade e confiabilidade de seus ativos. Em uma primeira abordagem, poderia se atrelar uma remuneração variável aos profissionais de saúde, proporcional à melhora dos indicadores acima sugeridos. OPERAÇÃO ADEQUADA: Este foi um enorme ganho. Seja através da implantação de programas como TPM (Manutenção Produtiva Total), seja responsabilizando também os operadores dos ativos pelas quebras, o fato é que hoje, nas industrias vanguardeiras, a Operação é uma importante aliada da Manutenção, operando os equipamentos dentro das condições de projeto; destacando operadores para fazer a interface com a manutenção (os operadores de manutenção) e sendo vigilantes eficazes aos primeiros sintomas que prenunciam uma futura quebra catastrófica. No sistema de saúde, um operador importante é o próprio paciente. Assim, grande parte do tempo dos profissionais de saúde teria que ser alocado em campanhas de esclarecimentos e incentivos à vida saudável, por parte dos indivíduos. Os órgãos de classe dos médicos deveriam ser importantes vetores, através, por exemplo, do veto a determinadas propagandas, que induzem a maus hábitos de alimentação e de consumo em geral. Mas não ficaria por aí. Hoje muita gente vai ao médico por qualquer sintoma, não importa a gravidade. Fazendo um paralelo com os operadores de manutenção, nos postos de saúde deveria ter uma equipe de paramédicos que já fariam o atendimento em um bom porcentual dos casos. Deveria inclusive haver um sistema de atendimento online, desafogando os postos de saúde daquela multidão de pessoas que hoje lotam esses lugares. Verificações simples e autodiagnosticas (no inicio sempre corroboradas com a opinião médica) deveriam ser incentivadas e não reprimidas. www.verriveritatis.com.br MANUTENÇÃO PREDITIVA: Outro importante item. Trata-se de monitorar algumas variáveis (temperatura, vibração, espaçamentos, análises físicas e químicas de óleos, etc.) das máquinas e intervir antes que uma ruptura de maior gravidade ocorra. Totalmente aplicável a Saúde. Liberando tempo e recursos com as demais medidas aqui preconizadas, o sistema de saúde poderia atuar muito mais na prevenção (saúde) do que na correção (doença). Já existe um arsenal de procedimentos técnicos e práticas para se analisar o que está ocorrendo com as pessoas antes que as doenças se estabeleçam com gravidade. É só aplicar. RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS CRÔNICOS: Com a sistematização da busca das causas básicas das falhas repetidas em equipamentos e o bloqueio dessas causas, as indústrias conseguiram aumentar a confiabilidade, diminuir seus custos e ainda liberar as pessoas para trabalharem mais em prevenção e na organização. No caso da saúde, acho indispensável a instituição, no Brasil, do médico da família ou medico de cabeceira, prática aliás comum nos países onde o sistema de saúde é bom. Os médicos da família, além de evitar gastos desnecessários com especialistas e exames caros, fariam uma segunda triagem (após os paramédicos), e também teriam todas as condições de detectar pacientes com sintomas ou doenças repetitivos, os quais poderiam ser encaminhados a uma equipe multifuncional especializada na resolução de problemas. Tenho conhecimento que já existem na Europa e EUA essas equipes, compostas não só de médicos, mas também de fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, etc. HISTÓRICO: Para melhorar a confiabilidade dos ativos, as industrias implantaram sistemas de computador, às vezes bastante sofisticados, de registros da historia de cada equipamento ou sistema e respectivo tratamento de dados. Em um sistema de saúde como o proposto, haveriam todas as condições para um registro do histórico, geração de estatísticas e tratamento desses dados. COMISSIONAMENTO ANTECIPADO: As empresas de ponta investiram na qualidade da construção e montagem de seus equipamentos, visando matar na origem algumas das falhas que poderiam ocorrer no caso de má qualidade nas fases de construção e montagem. www.verriveritatis.com.br Na saúde, esta é uma medida que já esta implantada em vários casos, nos programas de pré-natal. Poderia ser aperfeiçoada, procurando não apenas verificar as condições do feto, como aproveitando a vinda obrigatória da gestante para um amplo programa de educação para os bons hábitos. ORGANIZAÇÃO E DISCIPLINA: É notório como as empresas vanguardeiras tratam os seus processos de forma organizada e disciplinada, contribuindo para uma melhor utilização do tempo e demais recursos. Penso que na área de saúde, um bom começo seria no esforço para a pontualidade dos atendimentos. Haveria uma forte repercussão positiva na saúde da população, além de servir para o próprio inicio de organização do setor. QUALIDADE DA MÃO DE OBRA: A indústria investiu muito para melhorar a qualidade da mão de obra própria e contratada. Em muitos casos, através de concursos, há mecanismos que impedem os nãos qualificados de entrarem. Os que entram (já com certo nível de qualificação) geralmente recebem vários treinamentos de qualificação ao longo de suas carreiras. No campo da Saúde, para mim seria imprescindível que o exame da AMB fosse “para valer”, à semelhança da OAB (acho que o CREA deveria fazer o mesmo para os engenheiros e assim por diante). Além disso, deveria constar nos planos de carreira dos profissionais da saúde um amplo sistema de treinamento e aperfeiçoamento profissional. CONCLUSÃO Já ouvi da boca de muita gente, inclusive na de alguns médicos que as coisas estão como estão pela forte ação da indústria farmacêutica, a qual, é claro, tem mais interesse nas doenças do que na saúde. Porém, custo a acreditar que isto seja possível sem a omissão, aceitação e até favorecimento dos profissionais da saúde e das autoridades governamentais. Já mudamos na Indústria. Vamos mudar na Saúde? Luiz Alberto Verri Mestre em Qualidade – UNICAMP Ex-Gerente Geral da Refinaria de Cubatão - PETROBRAS www.verriveritatis.com.br