O “Coronel” e o Espaço Organizacional: os ‘Coronelismos de Enxada’ e ‘Eletrônico’
como formas de poder
Autoria: Leandro Souza Moura, Paulo Emílio Matos Martins
Resumo
Este artigo estuda a significação dos referentes ‘poder/autoridade’ no espaço organizacional
brasileiro, a partir da análise dos significantes ‘coronelismo de enxada’ (LEAL, 1997) e
‘coronelismo eletrônico’ (SANTOS e CAPPARELLI, 2005; LIMA, 2005; GARCIA, 2006;
SANTOS, 2006 e 2008). Ao cotejar as diferentes semioses dessas expressões na literatura
especializada, analisa-se as possibilidades de: (1) haver uma inadequação na utilização da
representação ‘coronelismo’, no sentido original que Leal lhe atribui, para designação de duas
formas históricas de poder, surgidas, respectivamente nos processos de ruralização e de e
urbanização do Brasil; (2) simples re-significação do mesmo fenômeno de poder em um outro
contexto histórico onde se preservam os mesmos elementos semiológicos originais. Dessa
reflexão resulta a idéia de que o fenômeno ‘coronelismo’, ainda que característico da
República Velha brasileira, parece ter sobrevivido e se re-significado, ao longo de nossa
história política recente, adaptando-se às mudanças sociais, econômicas, demográficas.
culturais e tecnológicas dos nossos dias.
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O CORONELISMO DE ENXADA
Leal (1997) conceitua o fenômeno do coronelismo como uma troca de proveitos entre
o poder público, cada vez mais fortalecido, e o poder privado, em decadente influência, dos
chefes locais, sobretudo dos senhores de terra. Para esse autor, é impossível compreender o
fenômeno coronelismo sem referência à estrutura agrária do país pois, na sua visão, é essa
estrutura que fornece a base de sustentação das manifestações de poder privado ainda tão
visíveis no interior do Brasil. O trabalhador rural, analfabeto ou semi-analfabeto, sem
assistência médica e sem informação, quase sempre tem o patrão na conta de um benfeitor,
sendo, portanto, ilusório esperar que esse trabalhador tenha consciência do seu direito por
uma vida melhor e que lute por isso com independência cívica.
Observamos assim, que embora Leal associe o coronelismo a uma estrutura agrária,
que obviamente sofreu alterações significativas desde a primeira edição de “Coronelismo,
enxada e voto” (final dos anos 40 do século passado), seu autor relaciona o fenômeno com
algumas condições que, embora naquela oportunidade fossem decorrentes de tal estrutura
agrária, são ainda uma realidade nos dias de hoje, como a concentração de renda, o baixo
índice de alfabetização e escolaridade da camada mais pobre da sociedade, e a falta de
consciência política.
Um traço marcante do coronelismo de Leal (1997) é o paternalismo. Favores como
emprego público aos aliados, assim como negar os direitos dos adversários, muitas vezes
resvalando para a ilegalidade, contribuem para desorganizar a administração municipal.
Outro componente que, de acordo com Leal (1997), contribui para preservar a
ascendência do poder dos coronéis é o que o autor chama de “rarefação do poder público”,
que permite àqueles estarem em condições de exercer extra-oficialmente um grande número
de funções do Estado em relação aos seus dependentes. O autor, entretanto, via essa ausência
do poder público se reduzindo com a evolução dos meios de transporte e comunicação.
Um aspecto importantíssimo do coronelismo é o sistema de reciprocidade: Os chefes
municipais e os “coronéis” conduzem os eleitores para votar no partido da situação política
dominante no Estado, e esta retribui dispondo do erário, dos empregos, dos favores e da força
policial. O autor lembra que “aquele que pode fazer o bem se torna mais poderoso quando
está em condições de fazer o mal”. Nesse ponto, o apoio do estado ao chefe do município,
seja por ação ou por omissão, é importantíssimo. Por esse motivo, a nomeação do delegado e
do subdelegado de polícia adquirem suma importância no acordo entre o Estado e o chefe
político local, que possui um grande trunfo quando tem sob suas ordens a polícia do Estado.
O autor lembra que nem todo coronel é aliado do oficialismo estadual, mas a situação
de oposicionista no âmbito do município é tão desconfortável que, segundo Leal, só fica na
oposição quem não pode ficar no governo, pois o maior mal que pode acontecer ao chefe local
é ter o governo do estado como adversário.
Em suma, a essência do coronelismo é a seguinte: Os chefes locais dão incondicional
apoio aos candidatos do oficialismo nas eleições estaduais e federais e em troca recebem carta
branca da situação estadual em todos os assuntos relativos ao município. Os cofres e os
serviços municipais se tornam instrumentos eficazes de formação da maioria desejada pelos
governos dos Estados nas eleições estaduais e federais. Por esse motivo, os governos
estaduais fazem “vista grossa” ao esbanjamento e a corrupção na administração dos
municípios, mesmo porque tais malversações corem por conta e risco dos chefes locais, não
cabendo aos governos estaduais qualquer responsabilidade.
Leal (1997) assevera que o coronelismo é muito menos produto da importância e do
vigor dos senhores de terra do que de sua decadência. Os fazendeiros só apresentam força em
contraste com a grande massa que vive mesquinhamente sob seu domínio. O coronelismo se
assenta, portanto, em duas fraquezas: (1) na dos donos de terra, que adquirem prestígio e
poder com o custo da submissão política; e (2) na fraqueza daqueles que vivem do trabalho na
terra. Nesse aspecto, os coronéis diferem daqueles poderosos e rebeldes senhores do período
colonial, que baseados na força de um sistema escravista e patriarcal no seu apogeu, eram o
governo e a lei em seus domínios.
Apesar do coronelismo gerar conseqüências nacionais, ele atua no reduzido cenário do
governo local, habita os municípios rurais ou predominantemente rurais. O isolamento é fator
importante na formação e manutenção desse fenômeno. O coronelismo pressupõe a
decadência do poder privado e funciona como processo de conservação de seu conteúdo
residual. É, portanto, um sistema político dominado por uma relação de compromisso entre o
poder privado decadente e o poder público fortalecido. Essa decadência é imprescindível para
a compreensão do coronelismo, porque na medida em que se diminui a influência “natural”
dos donos de terras, mais necessário se torna o apoio do oficialismo para garantir o
predomínio estável de uma corrente política local.
Leal (1997) defende, ainda, que o aperfeiçoamento do processo eleitoral contribui para
abalar o coronelismo, no entanto, a ampliação do alistamento opera no sentido inverso, pois
aumenta as despesas eleitorais. Em 1930, a economia brasileira já não era mais
essencialmente rural, pois a produção industrial já rivalizava com a agrícola. A crise do café
reduziu o poder econômico dos fazendeiros em relação aos banqueiros, comerciantes e
industriais. Ao mesmo tempo, houve o crescimento da população urbana e também de seu
eleitorado, expansão dos meios de comunicação e transportes, aumentando o contato entre as
populações rurais e urbanas com reflexos na política. Tudo isso, segundo o autor, contribuiu
para corroer a estrutura econômica e social do coronelismo.
A previsão de Leal (1997) era de que a decomposição completa do “coronelismo” só
ocorreria com uma alteração fundamental em nossa estrutura agrária. Esse autor afirma que a
desagregação dessa estrutura foi um processo lento, ocasionado por diversos fatores tais como
o esgotamento dos solos, as variações do mercado internacional, o crescimento das cidades, a
expansão das indústrias, as garantias legais dos trabalhadores urbanos, a mobilidade de mãode-obra, e o desenvolvimento do transportes e das comunicações.
As conseqüências do coronelismo, listadas por Leal (1997) são: (1) A estagnação do
mercado interno, pois a vida encarece e a população rural não consegue consumir; (2) a
industria, por não dispor de mercado, não prospera, não eleva seus padrões e se agarra na
proteção oficial e; (3) a agricultura, incapaz de se estabilizar em alto nível dentro do seu velho
arcabouço, prossegue irremediavelmente no caminho da degradação.
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Já naquela época, Leal (1997) constatara que a pobreza do povo, especialmente da
população rural, e o conseqüente atraso cívico e intelectual, constituem sérios obstáculos às
intenções mais nobres de moralização da vida pública nacional e de elevação do nível político
do Brasil.
Para Carvalho (1999), resumidamente, o coronelismo é um sistema político que
consiste em uma complexa rede de relações que vai desde o coronel até o Presidente da
República, envolvendo compromissos recíprocos. Esse autor afirma que o coronelismo é
datado historicamente, que ele surge em virtude de dois fatores principais: o federalismo
republicano que substituiu o centralismo imperial e a decadência econômica dos grandes
proprietários de terra, que passavam a necessitar da presença do estado para manter seu poder
político em face de seus dependentes e rivais.
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O CORONELISMO ELETRÔNICO
De acordo com Santos (2007) coronelismo eletrônico é o sistema organizacional da
recente estrutura brasileira de comunicações, que se baseia no compromisso recíproco entre
poder nacional e poder local, configurando uma rede de influências entre o poder público e o
poder privado dos chefes locais, proprietários de meios de comunicação. Para Garcia (2006)
esse novo tipo de coronelismo vem imperando em nosso país, com grandes proprietários de
empresas de comunicação apoiando candidatos específicos, divulgando ostensivamente sua
candidatura dentro de seus veículos de comunicação. Com esse apoio tais proprietários obtêm
favoritismo em relação à concessão de canais televisivos ou de rádio, preferência em
momentos de inserção de anúncios pagos e perseguição aos adversários.
Segundo Lima (2005) com o cruzamento da relação dos deputados que votaram em
pelo menos uma das reuniões da CCTCI (Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e
Informática), em 2003 e 2004, com a relação de sócios e diretores das novas outorgas e
renovações aprovadas, foi possível constatar que deputados que eram também sócios ou
proprietários de emissoras de rádio, participaram e votaram favoravelmente em reuniões de
apreciação de concessões de suas próprias emissoras. Para o referido autor, uma das
conseqüências dessa prática é a perpetuação do velho coronelismo na política brasileira, agora
travestido de coronelismo eletrônico.
A expressão coronelismo eletrônico, conforme assevera Garcia (2006), já vem sendo
usada há tempos para denominar o fenômeno que ocorreu no cenário da comunicação
nacional, com os donos de emissoras de TV, especialmente os políticos, ou seus
representantes, ou ainda, seus cabos eleitorais, utilizando a emissora para promoção de sua
imagem e candidatura. Segundo o professor Venício Artur de Lima, o período da ditadura
militar fortaleceu esse processo, pois os militares buscavam preservar a integração nacional
por meio de um veículo de massa cujo dirigente estivesse comprometido com o sistema
vigente de governo e fosse de confiança deste regime (LIMA apud GARCIA, 2006).
Garcia (2006) afirma que o voto de cabresto, amplamente explorado pelo coronelismo,
teve também suas versões no sistema eletrônico e em ambos os sentidos: conduzindo votos
para os candidatos “apadrinhados” pela emissora e desacreditando os inimigos dos coronéis
eletrônicos. Esse autor compara tal processo com os antigos feudos da idade média, com
sistema fechado, fundamentado em torno da propriedade, com autoridade absoluta dos
suseranos - os atuais coronéis eletrônicos - e com os vassalos - atuais afiliados -, totalmente
dependentes dos seus senhores feudais. Ainda de acordo com esse autor, assim como nos
feudos há uma relação direta entre autoridade e posse, só que no caso do coronelismo
eletrônico não da terra, mas do canal televisivo.
A prática de clientelismo entre estado e meios de comunicação de massa, conforme
Santos e Capparelli (2006), é uma característica aparente desde a formação da Imprensa.
Segundo esse autor, já em 1861 Karl Marx denunciava que os jornais de Londres não
representavam a opinião popular e sim a voz dos políticos que lhe dariam benefícios. Esses
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autores afirmam que, nos estados, alguns grupos familiares, em sua maioria afiliados da Rede
Globo, praticamente dominam todo o cenário da televisão, aberta ou por assinatura. Ainda de
acordo com esses autores, a manipulação dos conteúdos exibidos pelos canais de televisão de
propriedade de políticos atingiu uma proporção tão grande, que chegou a constranger a
própria Rede Globo, que em algumas ocasiões acabou intervindo em algumas afiliadas. Esses
autores citam como mais expressivos exemplos a intervenção na TV Gazeta, de propriedade
do ex-presidente Fernando Collor, quando a Central Globo de Jornalismo assumiu o comando
da direção de jornalismo da afiliada, por considerar essa produção fora dos padrões de
qualidade estabelecidos e o relato ao vivo da apresentadora do Jornal Nacional, Ana Paula
Padrão, sobre a recusa da afiliada TV Bahia, de propriedade do então senador Antonio Carlos
Magalhães, em fazer e transmitir as imagens do protesto de estudantes pedindo a cassação do
senador. As imagens da violência da polícia, invadindo a Universidade Federal da Bahia e
espancando os estudantes, exibidas no Jornal Nacional, foram cedidas pelo Sindicato dos
Bancários baiano. Entretanto, apesar destes movimentos a afiliação de políticos ainda é
expressiva no quadro da Rede Globo.
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O CORONELISMO VIVE?
Em seu clássico livro “Coronelismo, Enxada e Voto”, Leal (1997) destaca como um
dos importantes fatores da manutenção da estrutura coronelista as despesas eleitorais. Uma
vez que o roceiro não tem dinheiro nem interesse para realizar gastos tais como, transporte,
alimentação, expedição de documentação e perda de renda pelos dias de trabalho perdidos
para a sua qualificação e comparecimento no dia da eleição, os chefes locais arcam com todas
essas despesas para que o trabalhador rural vote. Por este motivo, é totalmente compreensível
que o eleitor obedeça à orientação de quem tudo lhe paga para praticar um ato que lhe é
completamente indiferente. Entretanto, Leal (1997) relata que nas eleições de 1945 e de 1947
houve algumas “traições” que, segundo esse autor, observadores locais atribuíram à
propaganda radiofônica, mas que Leal atribui, também, ao êxodo rural, que cresceu bastante
durante a guerra. Isso demonstra que, já naquela época, começa a surgir a questão da
influência da mídia, ainda que o autor aparentemente discorde da idéia de substituição do
coronel tradicional pelo coronel eletrônico.
Carvalho (1999) é um ferrenho defensor da teoria de que o coronelismo é um
fenômeno datado da Primeira República, não tendo existido antes dela, e não existindo
depois. Para esse autor, aqueles que vêem coronelismo no meio urbano e em fases recentes de
nossa História estão falando simplesmente de clientelismo. Na visão deste autor, deputados
trocam votos por empregos e serviços públicos que conseguem graças à sua capacidade de
influir sobre o poder executivo. Dessa forma ele defende que, nesse sentido, pode-se dizer que
o clientelismo se ampliou com o fim do coronelismo e que ele aumentou com o decréscimo
do mandonismo. À medida que os chefes políticos locais perdem a capacidade de controlar os
votos da população, eles deixam de ser parceiros interessantes para o governo, que passa a
tratar com os eleitores, transferindo para estes a relação clientelística. Carvalho (1991) afirma
também que, no coronelismo tradicional, o controle do cargo público é mais importante como
instrumento de dominação do que como empreguismo. O emprego público adquire
importância em si, como fonte de renda, exatamente quando o clientelismo cresce e decresce
o coronelismo.
Em outro texto mais recente, Carvalho (2001) assevera que o coronelismo, como
sistema nacional de poder, acabou nos anos 1930, mais precisamente com a prisão do
governador gaúcho, Flores da Cunha, em 1937. O centralismo estado-novista destruiu o
federalismo de 1891 e reduziu o poder dos governadores e de seus coronéis. Entretanto,
surgiu o novo coronel, metamorfose do antigo, que vive da sobrevivência de traços, práticas e
valores remanescentes dos velhos tempos. Esse autor nos lembra que embora sejam inegáveis
as drásticas mudanças econômicas e demográficas por que passou o país desde 1950, algumas
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coisas não mudaram tanto. Não mudaram a pobreza, a desigualdade e, até recentemente, o
nível educacional. A pobreza e a baixa escolaridade, na visão deste autor, mantêm a
dependência de grande parte do eleitorado, cedendo um terreno fértil para o fortalecimento do
clientelismo.
Ainda de acordo com Carvalho (2001), o coronel de hoje não vive num sistema
coronelista que envolva os três níveis de governo; não derruba governadores; não tem seu
poder baseado na posse da terra e no controle da população rural. Apesar disso, mantêm
algumas características típicas do antigo coronel, como a arrogância e a prepotência no trato
com os adversários; a não-adaptação às regras da convivência democrática; a convicção de
estar acima da lei; a incapacidade de distinguir o público do privado; o uso do poder para
conseguir empregos, contratos, financiamentos e subsídios; e outros favores para
enriquecimento próprio e da parentela. Como o antigo coronel, o atual conta com a conivência
dos governos estaduais e federal, prontos a comprar seu apoio para manter a base de
sustentação; fazer aprovar leis; e evitar investigações indesejáveis. Neste sentido, o novo
coronel é parte de um sistema clientelístico nacional.
Autores como Santos e Capparelli (2005) asseveram que os coronéis se adaptaram a
uma nova realidade. Para esses autores o estabelecimento do voto secreto, no governo
provisório de Vargas, não deu fim ao coronelismo político e, desse modo, o Brasil ainda vive
uma deplorável situação, no ambiente dos pequenos municípios, com as denúncias de torturas,
execuções sumárias e trabalho escravo, entre outras.
Também houve re-significação do referente coronelismo, segundo Santos e Capparelli
(2005), quando da interrupção da censura prévia dos conteúdos. Por esse motivo, o que
poderia configurar maior liberdade aos canais foi esvaziado pelo o coronelismo eletrônico,
que trouxe consigo uma disciplina mais flexível, pela qual a programação regional ou local
passou a se vincular estreitamente aos interesses eleitorais dos proprietários de concessões e
licenças de retransmissão televisivas.
Semelhanças entre o coronelismo tradicional e o coronelismo eletrônico também são
apontadas por Garcia (2006), quando afirma que embora o último não se traduza em um
sistema político, está indiretamente relacionado aos compromissos recíprocos e às barganhas
entre os coronéis eletrônicos e os poderes federal, estaduais e municipais, em maior ou menor
grau, dependendo da importância e abrangência do canal televisivo. Na percepção deste autor,
nem mesmo o coronelismo tradicional está extinto, pois ele afirma que em alguns rincões do
nosso País ainda se pode encontrar grandes proprietários de terra exercendo forte influência
política na população local, dependente econômica e culturalmente desses latifundiários.
Quanto ao mandonismo, domínio arbitrário exercido por um poderoso sobre a
população, que foi uma característica predominante do sistema coronelista de enxada, Garcia
(2006) diz que ele se repete no coronelismo eletrônico, porém de forma totalmente diferente.
Tal domínio, segundo esse autor, é manifesto sobre as idéias e é exercido, muitas vezes, em
forma de sedução, sem, no entanto, deixar de ser arbitrário e impositivo, uma vez que se
utiliza da persuasão até conseguir atingir o domínio das massas, mesmo que parcialmente.
Outras semelhanças entre as duas formas de coronelismo aqui estudadas, o de enxada
e o eletrônico, são destacados por Garcia (2006). Entre estas: (1) o filhotismo, ou
apadrinhamento, exercido por meio de tráfico de influência praticado pelos coronéis de
enxada e, também, pelos coronéis de câmeras e microfones, no apadrinhamento de candidatos
políticos por empresas televisivas pertencentes a poderosas famílias; (2) os personagens
“autônomo”, “colono” e “rendeiro” que trabalham em regime de parceria com os coronéis e
que compõem um grupo bem maior do que os pequenos proprietários de terra, são, de certa
forma, encontrados revividos no cenário do coronelismo eletrônico na figura das produtoras
independentes que produzem programas para as grandes e médias emissoras de TV, e que
também compram horários televisivos para a veiculação de seus programas. Tais empresas,
sem dúvida, representam um grupo maior do que o de pequenos empresários na área
televisiva.
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Segundo Santos (2007) a ausência de expressividade econômica frente ao crescimento
das elites comerciais e industriais impeliu o coronel à valorização de seu poder político. No
coronelismo eletrônico, segundo essa autora, ocorre situação semelhante, pois as empresas de
comunicação controladas por coronéis não atendem à lógica usual do mercado. Os veículos de
comunicação sob sua influência são financiados por anúncios publicitários governamentais e
os veículos de comunicação governamentais, sob sua gestão, pelas verbas públicas. A direção
das empresas no âmbito local e regional é, normalmente, cedida aos parentes ou afiliados, sem
utilização de critérios tais como a eficiência. Como resultado, os serviços de comunicação
oferecidos pelas empresas dos coronéis são pobres, não têm condições de competitividade em
termos de qualidade de conteúdo ou de distribuição eficaz. Essa precariedade econômica,
segundo a autora, é herdada do coronelismo de Leal.
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OS PODER E A AUTORIDADE NO ESPAÇO ORGANIZACIONAL DO
“CORONEL”
A análise organizacional clássica interpreta as organizações como conjunturas estáticas.
Ainda que essa análise possa ser muito útil como roteiro preliminar de estudo, limita-se à
descrição desse espaço e sua dinâmica sem intentar a compreensão dos institutos que,
historicamente, os conformam. É importante destacar que no mundo em que a racionalidade
econômico-instrumental preside a lógica de uma civilização fundada nas leis do mercado, essa
visão das organizações não só tem-se revelado eficiente, como também tem contribuído para a
manutenção desse modelo de organização social. O sucesso inegável e a difusão por todo o
planeta do movimento taylorista-fordista do início do século XX, aumentando fantasticamente
a eficiência dos sistemas produtivos, reduzindo seus custos, massificando a produção
industrial e transformando as relações sociais, são demonstrações inequívocas da correção
dessa assertiva. Por outro lado, se contemplamos o universo com um enfoque dialético, fácil é
perceber que as contradições do sistema assim descrito parece já terem de há muito se
explicitado estando a humanidade, neste início de milênio, consciente ou inconscientemente,
vivendo a superação de mais uma era histórica na frenética busca da síntese que virá definir
os cânones de um novo e nascente amanhã.
De acordo com Martins (2001), quando olhamos para as organizações e o fato
administrativo que as anima, como manifestação social e, portanto, cultural, duas
circunstâncias ressaltam aos olhos: 1) a constatação da singularidade do evento
administrativo, ou seja, sua não-universalidade; e 2) seu caráter histórico, como memória de
experiências sociais ancestrais. Somos assim conduzidos ao universo do simbólico das
organizações, uma vez que toda produção cultural é também produtora de signos, e à
semiótica, que intenta explicar a sempre desafiadora significação e leitura da realidade. Na
visão desse autor, mesmo que se possa falar em cenários comuns para manifestação das
dimensões organizacionais de um mesmo universo, cada organização apresenta
comportamento singular dentro de um padrão geral. Ou seja, a não universalidade de
comportamento das variáveis organizacionais torna sem sentido qualquer análise desfocada de
sua contextualização.
Se entendermos a não universalidade do evento administrativo e a necessidade de sua
contextualização para análise do comportamento de suas variáveis organizacionais,
entenderemos também a dificuldade de associarmos relações entre entes públicos e privados,
como, por exemplo, o fenômeno de poder do ‘coronel’. Entretanto, devemos levar em
consideração que as experiências sociais ancestrais têm efeitos no ambiente organizacional,
contemporâneo, sendo, também, produtora de signos em todas as esferas de poder e influência
da organização social. Deste modo, os atores presentes inicialmente no coronelismo de
enxada estão também, como vimos, representados no coronelismo eletrônico. Tais elementos,
certamente, não se restringem ao ambiente organizacional das antigas fazendas e das atuais
empresas de comunicação.
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É interessante destacar, ainda, que Leal (1997) defende, como vimos, que o fenômeno
coronelismo é fruto da decadência econômica dos fazendeiros, que passaram, então, a exercer
poder político sobre aqueles que dependiam economicamente deles: a massa de miseráveis
sob seu comando. Por outro lado, cumpre observar que, em determinados órgãos públicos, os
funcionários, mesmo mal remunerado, detêm algum “poder” em relação a burocracia e age de
forma semelhante ao do coronel e se aproveita do poder de influência de seu cargo.
É possível observar, ainda, características do coronelismo nas organizações privadas.
Alguns gerentes e diretores desse setor atuam como autênticos coronéis, utilizando-se de seu
poder hierárquico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Victor Nunes Leal revela as raízes do fenômeno “coronelismo” na sociedade brasileira
em formação. Este fenômeno é explicado com base na precária estrutura rural do país e,
também, tem no analfabetismo parte dessa explicação. Entendemos que, talvez, a estrutura
agrária sirva mais para explicar a origem do fenômeno, do que, propriamente, a sua
manutenção. Entendemos, ainda, que a manutenção do coronelismo se dá não só pelo
analfabetismo tradicional e funcional como, também, pelo baixo nível educacional de nossa
gente, o que inclui não só os analfabetos, mas também aqueles com pouca instrução ou com
instrução de baixíssima qualidade, o que contribui, não apenas a manutenção do fenômeno,
como, ainda, para manifestações associadas ao mesmo nas áreas não-rurais.
O coronelismo eletrônico, embora não tenha relação direta com a estrutura agrária do
país, se mantêm nas mesmas bases do coronelismo tradicional. Ainda que a nossa estrutura
agrária atual seja bastante diferente daquela estudada por Leal, e que essas zonas rurais sejam
cada vez menores, o fenômeno não parece ter se extinguido, por se suportar no baixo nível de
escolaridade e na concentração de renda de maneira geral, seja essa renda da terra, do
mercado financeiro ou da indústria. A concentração de terra explica o fenômeno em sua
origem. Porque, então, vivíamos num país predominantemente rural onde ser rico era
necessariamente sinônimo de ser proprietário de grandes lotes de terra. Sendo assim, a
concentração de renda, o baixo nível educacional e a falta de consciência crítica e política
fornecem amplo terreno para que um novo tipo de coronelismo cresça e floresça. Esse novo
tipo de coronelismo é, então, uma re-significação do anterior, e se configura em uma nova
realidade com as mesmas antigas formas e relações de poder.
Desse modo, poderíamos imaginar que a evolução no quadro educacional do País
poderia dar cabo de todos os tipos de coronelismo? De certa forma sim, mas nos parece que
não necessariamente, pois o nível de educação poderá vir a florescer numa base doutrinária,
incutindo e impondo valores, conceitos e práticas não pedagógicos, no sentido freireano do
termo, referentes estes que poderiam, inclusive, reforçar a estrutura coronelista de poder. A
discussão de tão importante questão não é, entretanto, objetivo deste trabalho. O importante é
observar que a baixa qualidade da educação do modelo brasileiro, pode fazer com que o
fenômeno não só se mantenha, como também se expanda, inclusive para os grandes centros,
sobrevivendo e se adaptando à crescente industrialização, ao êxodo rural e a todas as
mudanças que poderão surgir, desde que mantida a massa de manobra formada por uma
população predominantemente composta por pessoas submetidas a um sistema educacional
pouco crítico e reprodutor de idéias alienígenas.
Pode-se imaginar, que a evolução das tecnologias de comunicação e informação,
fatalmente, liquidarão o coronelismo tradicional. Entretanto, esta pode ser vista, também,
como uma ameaça com suas potencialidades de reforço dos elementos anacrônicos dessa
forma de poder. Como vimos, o maior instrumento do coronelismo eletrônico são exatamente
as concessões de estações de rádio e televisão que, desse modo, têm suas independência,
imparcialidade e credibilidade comprometidas, uma vez que normalmente são manipuladas
por ideologias e interesses dos novos coronéis (eletrônicos).
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O ambiente organizacional sofre os reflexos culturais e simbólicos do coronelismo;
tanto as organizações públicas quanto as privadas brasileiras apresentam semelhanças
culturais nas relações de poder, no tráfico de influências, no paternalismo, no nepotismo, na
burocratização dos processos, no uso político dos cargos etc.
O avanço tecnológico somente afetará o coronelismo quando atingir um nível tal que
não possa ser mais controlado exclusivamente por alguns atores sociais. A Internet pode ser
esse novo caminho, dado à sua característica anárquica - no sentido etimológico do termo. No
entanto, a regulação dessa rede de comunicação/informação, tão necessária no combate aos
crimes como: pedofilia, tráfico de entorpecentes e de seres humanos, além dos crimes
propriamente eletrônicos, tais como o roubo de senhas bancárias, pode, também, criar as
condições para que a mesma se torne mais um instrumento do novo coronelismo (eletrônico).
Resta-nos, assim, unir esforços para fazer ruir o modelo coronelista de poder em nossa
cultura organizacional, através de uma educação mais crítica e libertadora.
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Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo, 2005, v.1, p. 77-101. Disponível em:
<http://www.enecos.org.br/xiiicobrecos/arquivo/doc/006.doc>. Acesso em: 17 jan. 2008.
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`Coronelismos de Enxada` e `Eletrônico`