ANÁLISE DA NATUREZA E DINÂMICA DAS ATIVIDADES DE P&D EM SERVIÇOS HOSPITALARES: ESTUDOS DE CASO NOS HOSPITAIS UNIVERSITARIOS FRANCESES Cariza Texeira Bohrer; Eduardo Raupp de Vargas Universidade de Brasília O setor de serviços ocupa um papel fundamental na dinâmica econômica mundial e, todavia, identificar as atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) nesse setor ainda configura-se como uma tarefa desafiadora. Esta produção científica insipiente, favorece a predominância de análises industrialistas mas, à medida que se verifica que os processos de inovação no setor de serviços não fogem completamente àqueles identificados no setor manufatureiro, modelos integradores parecem abrir novas possibilidades para sua análise. Ainda que alguns avanços tenham sido realizados no que concerne à convergência na definição e modelos de inovação entre indústria e serviços, as particularidades do setor terciário instigam alguns questionamentos quanto aos antecedentes do processo de inovação. Neste sentido, procura-se investigar a natureza e dinâmica da Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em serviços. Para tanto, buscou-se identificar de que forma os conhecimentos são gerados para criar serviços novos ou significativamente modificados em hospitais franceses, loco da pesquisa. Também, foram investigados os tipos de conhecimentos gerados e os atores envolvidos no processo. A partir da análise de casos de novos produtos ou serviços que emergiram nos quatro hospitais universitários franceses com melhor desempenho no Programa Hospitalar de Pesquisa Clínica, trinta e cinco estudos de caso foram realizados. Os hospitais participantes da pesquisa foram os seguintes: Assistance Publique - Hôpitaux de Paris (AP-HP), Hospices Civils de Lyon (HCL), Assistance Publique – Hôpitaux de Marseille (AP-HM) e Centre Hospitalier Régional Universitaire de Lille (CHRU de Lille). A estratégia de pesquisa desenvolvida foi baseada no estudo de caso. Primeiramente, foram identificados os serviços novos e/ou modificados entre 2005 e 2007, por meio de dados secundários coletados nas revistas institucionais dos hospitais. Em um segundo momento, trinta e quatro entrevistas semi-estruturadas foram realizadas com os coordenadores ou responsáveis pelos novos serviços identificados, sendo que um entrevistado foi responsável pela criação de dois novos serviços e por isso foi entrevistado duas vezes. A coleta de dados foi realizada entre julho e agosto de 2009. A discussão acerca da forma como os conhecimentos foram gerados, se baseou na dinâmica de competências. Os resultados demonstraram que a geração de conhecimento científico e tecnológico envolve conhecimentos teóricos, habilidades práticas, capacidades organizacionais e relacionais. Apesar de não haver um padrão de competência mobilizada, a totalidade dos casos permite inferir que, de modo geral, as inovações são decorrentes da combinação de diferentes competências, que se complementam entre si. Cita-se como exemplo o desenvolvimento do sistema de Avaliação de Práticas Profissionais, nos HCL. Para implementar o serviço, o profissional responsável, buscou informações em livros, artigos e publicações da Alta Autoridade de Saúde à respeito dos indicadores de qualidade, de avaliação e de formas de realizar educação continuada. Uma empresa privada foi contratada para realizar uma jornada de troca de conhecimentos e outros profissionais dos HCL que trabalhavam com a atividade, de maneira informal, participaram da geração de conhecimentos. Consultores também colaboraram na implantação do modelo de avaliação. Dois hospitais forneceram informações e conhecimentos sobre suas experiências com a atividade e assessoraram a montagem dos programas de educação continuada dos HCL. Os protocolos de atendimento dos serviços avaliados foram fontes de competências organizacionais. Em um segundo momento, buscou-se investigar os conhecimentos gerados, relacionados às características técnicas, que mobilizam diferentes operações, na prestação de serviços. De forma geral, operações relacionadas ao processamento de conhecimento intangível ou métodos e operações foram as mais frequentemente acionadas. No caso da criação da Equipe Móvel de Infectologia, na AP-HP, operações metodológicas permitiram adaptar os métodos de controle, descritos na literatura e utilizados internacionalmente, às necessidades do hospital. Ao mesmo tempo, a forma como os atores se relacionam, combinando competências e conhecimentos, deve ser definida, para que haja uma boa interação capaz de influenciar positivamente no resultado do serviço proposto. Para a criação da Direção de Relação com os Usuários, nos HCL, operações relacionais foram mobilizadas, para a identificação e recrutamento dos interlocutores, reuniões trimestrais foram realizadas para que temas comuns fossem discutidos, relatórios foram produzidos entre todos os participantes, de forma conjunta, para que o serviço delimitasse suas ações, nos diversos hospitais do grupamento. Operações utilizadas no processamento de objetos materiais, frequentemente vinculadas ao setor industrial, também foram mobilizadas. Por exemplo, o desenvolvimento de dispositivos tecnológicos foi fundamental para o desenvolvimento de componentes adaptados que possibilitam a prestação de serviços aos pacientes da Equipe Móvel de Reeducação, criada no CHRU de Lille, por exemplo. Também, operações informacionais, necessárias ao processamento e logística da informação, foram acionadas nos casos investigados. Como na criação da Unidade de Dor Torácica na AP-HP, em que protocolos de investigação da dor torácica foram desenvueltos para que permitissem o acesso às informações necessárias ao rápido diagnóstico do paciente. Verificou-se que na maioria dos casos, a dinâmica de geração de conhecimento não foi baseada em um projeto de pesquisa formal. Mas, os entrevistados puderam definir o momento em que essas atividades iniciaram, com o objetivo de solucionar um problema específico, o que indicou a sistematização de tais atividades. Quanto aos atores envolvidos no processo, os resultados revelam que os serviços novos ou significativamente modificados dos CHUs possuem como característica comum, a interação entre diferentes atores que mobilizam competências e conhecimentos, de forma sistemática. Verifica-se que eles estão envolvidos, de maneira formal ou informal, no processo de inovação. Em alguns casos, eles contribuem de maneira ativa no processo, complementando competências e produzindo conhecimentos complexos, necessários à definição dos novos serviços, como demonstrado nos casos em que profissionais de outros departamentos colaboraram. Em outros relacionamentos analisados, contudo, verifica-se que as colaborações se conformam com o objetivo de regular os novos serviços, ao mesmo tempo em que disponibilizam fontes de conhecimentos e financiamento, como pode ser visualizado nos casos em que o setor público colaborou. A partir dos casos de serviços inovadores investigados nos CHUs foi possível determinar que as diferentes competências e combinações de operações, vinculadas a diversos atores, podem ser consideradas como atividades de geração e aumento do estoque de conhecimentos, que definem atividades de P&D, que resultam em inovações. Apesar deste processo não seguir um padrão, as atividades de P&D não podem ser negligenciadas. Para tanto, é fundamental que seu reconhecimento e mensuração levem em conta a identificação de conhecimentos relacionados à resultados intangíveis e à relação informal entre os diversos atores que participam desta dinâmica.