Imagine só...
POR MARIANA SETUBAL, FILHA DE CIDINHA E PAULO
Um trem em alta velocidade corre pelos trilhos nas mãos de um
bandido de tapa-olho. O xerife aparece para salvar os
passageiros – órfãos de cabelos coloridos. O vilão aciona seu
controle remoto para explodir as bombas que se encontram no
meio do caminho. A ponte fica destruída e o trem caminha em
direção ao precipício. O xerife não consegue brecar a tempo e
a locomotiva some abismo abaixo. O que se segue são alguns
momentos de tensão, após os quais o trem reaparece intacto
nas mãos de um astronauta voador. A cena continua até que
uma nave em forma de porco gigante dispara milhares de
macacos contra os inimigos.
Reconhece esta cena? Sim, é a abertura do filme Toy Story 3. Se
você ainda não viu, não perca mais tempo. Os personagens
principais da história são os brinquedos de Andy, que ganham
vida nas mãos do menino. Se esta cena pareceu muito surreal
para você, saiba que coisas muito mais estranhas podem
acontecer na cabeça do seu filho. E quer saber? É bom que
aconteçam!
A imaginação pode trazer muitos benefícios para o
desenvolvimento de uma criança. Quando ela inventa enredos
em suas brincadeiras, desenvolve a criatividade e cria soluções
para os problemas que encontra no meio do caminho. Foi um
dos maiores cientistas de todos os tempos, Albert Einstein, quem
disse: “A imaginação é mais importante que o conhecimento”.
Entendendo as próprias emoções
É por meio da brincadeira imaginativa que a criança entende o
mundo. Ela representa com fantasia aquilo que vê ou sente no
seu dia-a-dia. “A imaginação depende do que a criança
conhece para ir além, fazendo um rearranjo”, explica a
coordenadora do Núcleo de Cultura e Pesquisas do Brincar da
PUC de São Paulo, Maria Ângela Barbato, filha de Rosina e Luís.
É difícil para as crianças compreenderem o mundo dos adultos.
E elas conseguem decifrá-lo do jeito que sabem: brincando.
Seu filho imita o que presencia e, assim, desenvolve o
pensamento e entende o que está acontecendo.
“A criança que consegue representar na brincadeira vai lidar
muito melhor com a emoção quando acontecer na vida real.
Ali, ela está representando o conflito sem tensão”, conta a
psicóloga Flavia Maria Scigliano, mãe de Marina e Filipe. Se a
mãe briga com a filha, o momento traz medo e tristeza. Mas se
a menina repetir com a boneca vai representar a cena sem
essas emoções. “Quando ela imagina a situação e brinca, sai
fortificada para o próximo evento. É como se ela aprendesse a
lidar com os sentimentos e com a realidade que tem”,
completa Flavia.
Na brincadeira imaginativa, a criança coloca seus medos
também. Se o pequeno mata o personagem de sua história,
pode indicar que ele está tentando entender a morte, um tema
que, ao mesmo tempo, assusta e desperta curiosidade.
Se eu fosse você...
Voltando à cena da briga com a boneca, a criança está
representando um papel – o de mãe. Representar papéis a faz
entender o outro lado do problema. Essa interpretação ajuda a
criança a enxergar vários pontos de vista. Ela também passa a
entender sua função dentro da família e o papel das pessoas
na sociedade.
Além disso, a bronca que a menina dá na boneca lhe confere
um poder que ela não tem na vida real. É o único momento em
que a criança pode dizer o que quer e sentir o que der
vontade. Ela pode ser egoísta, cruel, ter raiva ou medo. Aqui,
um menino que quer ser um super-herói pode, sim, ser um.
Se você presenciar uma briga entre sua filha e o ursinho de
pelúcia, não precisa se preocupar achando que ela está muito
agressiva. Na verdade, ela está exteriorizando seus sentimentos
– o que é positivo. Preste atenção, pois, na brincadeira, a
criança consegue demonstrar muito mais emoções do que
seria capaz de expressar com palavras. Essa é a maneira que
você tem de chegar mais perto de seus sentimentos. Aproveite
a oportunidade!
O papel dos pais
O faz de conta começa entre 2 e 3 anos, quando a criança
aprende a pensar simbolicamente, se intensifica aos 4 e vai
mais ou menos até os 8 anos, quando o pensamento se torna
mais concreto.
Se você quer ajudar seu filho nesse processo, um bom começo
é não atrapalhar. Isso quer dizer não impor a brincadeira que
você quer e muito menos destruir a fantasia, dizendo que superheróis não existem ou que o graveto de pau não é uma
espada. Outra dica: não entre na brincadeira sem ser
chamado. Fique de fora, observando. Se for convidado,
obedeça às regras e deixe seu filho ser o protagonista.
Se seu filho criar histórias como “não escovei os dentes porque a
Minnie levou minha escova embora”, ok, fantasia tem limite.
Mas não precisa ser rude. Dê respostas como: “Ah é? Ela veio
aqui em casa? E o que ela disse?”
Outras formas de estimular a imaginação é deixar os brinquedos
à disposição da criança, numa altura que ela consiga pegar.
Estimule também a brincadeira com sucata. Isso mesmo, deixe
brincar com o jornal velho, as forminhas de pão da cozinha, as
folhas do jardim, os potes de plástico e as tampinhas das
garrafas. Quanto mais desestruturado o objeto, mais a criança
é capaz de inventar em cima dele.
Conte histórias! Assim, a criança pode recriá-las depois,
inventando novos finais. Limite o tempo em frente à TV e ao
computador.
Com essas dicas, seu pequeno será um adulto cheio de ideias
criativas, capaz de resolver problemas, assumir riscos, que age
em vez de reagir, sociável e capaz de enxergar sob diferentes
pontos de vista. Quem sabe seu Andy não se torna um futuro Bill
Gates? O cineasta francês Jean Cocteau disse, certa vez, que
menino prodígio é aquele cujos pais são dotados de muita
imaginação. Ironias à parte, a imaginação faz mesmo
prodígios. É só a gente não atrapalhar.
Consultoria: Flavia Maria Scigliano, mãe de Marina e Filipe, é psicóloga, tel.: (11) 5044-8653 Maria Ângela Barbato, filha
de Rosina e Luís, é coordenadora do Núcleo de Cultura e Pesquisas do Brincar da PUC, tel.: (11) 2950-9377
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