comércio exterior Saldos comerciais no Brasil: composição setorial e sustentabilidade Fernando J. Ribeiro O saldo comercial brasileiro tem apresentado um ótimo desempenho na presente década, contrastando fortemente com o que se observou na segunda metade dos anos 1990. De fato, a balança comercial saiu de um déficit de US$ 6,6 bilhões em 1998 para um superávit de US$ 46,1 bilhões em 2006, uma variação absoluta de US$ 52,7 bilhões, o que corresponde a quase 5% do PIB do último ano. A evolução recente tem sido excepcional mesmo quando comparada com o período que vai de 1983 a 1994, quando o Brasil também registrou superávits expressivos de forma consecutiva (Gráfico I). Naquela ocasião, após um vigoroso ajuste da balança comercial em 1983-1984 (o superávit foi de quase 9% do PIB neste último ano), os saldos apresentaram tendência de queda nos anos seguintes, evolução temporariamente revertida apenas em anos marcados por recessão e por forte desvalorização cambial (como 1988 e 1992). Já na década atual, o ajuste da balança foi menos dramático do que o observado em 1983-1984 (em termos de aumento do saldo como porcentagem do PIB), mas estendeu-se por um período mais longo, de 2001 a 2005, com o saldo atingindo o pico de 5,1% do PIB neste último ano. É importante lembrar, também, que no biênio 2004-2005 o saldo cresceu mesmo diante de uma recuperação do crescimento doméstico. Em 2006 o saldo caiu como porcentagem do PIB (4,3%), invertendo a tendência anterior. No entanto, isso se deveu exclusivamente à valorização da taxa de câmbio (que inflou o PIB medido em dólares), já que o valor em dólares do saldo cresceu em relação ao ano anterior. Em 2007, contudo, o saldo registra queda tanto em valores quanto em percentual do PIB, estimando-se que recue para cerca de 3,2%. O atual debate em torno da balança comercial tem como cerne duas questões fundamentais. A primeira refere-se à composição setorial do saldo comercial. As indagações relevantes, sob essa ótica, são as seguintes: houve alguma mudança estrutural na composição setorial do saldo no período mais recente? É possível verificar algum avanço significativo em setores que até alguns anos atrás eram deficitários ou tinham superávits pouco significativos? Houve perda simultânea de importância dos setores mais tradicionais? Essas questões são relevantes, pois o país sempre contou com alguns setores produtores de commodities agrícolas e minerais como grandes sustentáculos dos saldos comerciais – soja, minério de ferro, café, açúcar, celulose e Fernando Ribeiro é economista-chefe da Funcex. RBCE - 93 61 A composição dos saldos é uma questão eminentemente microeconômica, envolvendo aspectos como vantagens comparativas e preços relativos, enquanto que a sustentabilidade dos saldos é basicamente um problema macroeconômico carnes. Contudo, o crescimento recente da exportação de itens como automóveis, telefones celulares, aviões e máquinas e equipamentos poderia ser um sinal de que estariam em curso mudanças importantes na eficiência da estrutura produtiva do Brasil, com reflexos na composição do saldo comercial. A segunda questão refere-se à sustentabilidade dos superávits comerciais ao longo do tempo. Será que os grandes saldos atuais representam uma mudança permanente na situação das contas externas do país? Com efeito, muitos especialistas têm respondido afirmativamente a essa questão, sustentando que a estrutura produtiva brasileira teria passado por profundas transformações estruturais, refletidas em ganhos expressivos de competitividade. Essas mudanças teriam contribuído para promover uma nova atitude das empresas nacionais, que estariam encarando as exportações como parte essencial de suas atividades, e não apenas como mera alternativa de mercado em momentos de evolução insatisfatória da demanda doméstica. A manutenção de um elevado saldo comercial no período recente, mesmo diante da queda das cotações do dólar e do rápido crescimento da demanda doméstica, dariam sustento a essa hipótese. Uma resposta menos otimista e mais cautelosa é dada por aqueles que argumentam que o desempenho recente da balança resulta primordialmente de uma conjuntura externa excepcionalmente favorável, com forte crescimento da demanda mundial e dos preços das commodities. O fato de que a maior parte do crescimento das exportações nos últimos dois anos tem sido determinada por ganhos de preço, e não pelo quantum (com o inverso ocorrendo do lado das importações), seria uma evidência clara da validade desse argumento. Gráfico I SALDO COMERCIAL COMO PORCENTAGEM DO PIB - 1980-2007 (EM %) Fonte: Secex/MDIC e IBGE. Elaboração: Funcex. 62 RBCE - 93 A análise que se segue busca contribuir para um melhor entendimento dessas duas questões. É importante destacar que, embora ambas versem sobre o mesmo tema, e estejam obviamente correlacionadas, elas devem ser tratadas em níveis diferentes. A composição dos saldos é uma questão eminentemente microeconômica, envolvendo aspectos como vantagens comparativas, tecnologia, preços relativos e características específicas do funcionamento de cada mercado. Já a sustentabilidade dos saldos é basicamente um problema macroeconômico, relacionado a variáveis como a taxa de câmbio real, o crescimento do consumo e do investimento domésticos e a evolução da demanda mundial. COMPOSIÇÃO SETORIAL DO SALDO Processos de rápido crescimento do saldo comercial, a exemplo do experimentado recentemente pelo Brasil, podem trazer em seu bojo três possíveis padrões dos fluxos setoriais de comércio: i) Uma importante mudança na composição setorial do saldo, com o aparecimento de novos setores responsáveis pelo superávit (inclusive alguns que eram anteriormente deficitários) e o declínio relativo de outros, que reduzem sua contribuição para o superávit ou se tornam, inclusive, deficitários. Esse padrão seria revelador de transformações na estrutura produtiva do país, com mudanças no padrão de vantagens comparativas; ii) Um aumento generalizado dos saldos nos diversos setores (inclusive com queda do déficit nos setores que tradicionalmente registravam saldos negativos), sem que se possam identificar mudanças relevantes em sua composição setorial; iii) Um aumento da concentração do saldo setorial, com menor número de setores contribuindo para o superávit e maior número de setores deficitários. É um fenômeno que poderia estar associado à “doença holandesa”, situação na qual o país passa a concentrar a produção e as exportações em um número bastante restrito de setores beneficiados por um incremento muito significativo dos preços internacionais de seus produtos “ tipicamente, bens classificados como commodities. A análise que se segue busca identificar elementos que permitam relacionar a evolução do saldo comercial brasileiro, desde 1990 até o presente, a algum desses padrões. Nesse sentido, a Tabela I apresenta os saldos comerciais médios referentes a cada um dos 31 setores produtores de mercadorias (agropecuárias e industriais) em quatro biênios: 1993-1994, quando se encerrou o ciclo de superávits iniciado na década de 1980; 1997-1998, quando se registraram os maiores déficits do período pósReal; 2001-2002, quando se iniciou o novo ciclo de superávits; e 2005-2006, o último biênio completo. Com base nos saldos setoriais registrados nesses quatro biênios, é possível discriminar quatro grupos de setores: Altamente superavitários: engloba 12 setores que registraram elevados superávits comerciais em todos os biênios considerados, tipicamente acima de US$ 1 bilhão/ ano. No biênio 2005-2006, esses setores foram responsáveis por um saldo acumulado de US$ 56,3 bilhões, ou seja, US$ 10,9 bilhões acima do superávit acumulado do país no período. Há duas características importantes nesse grupo: (i) são, na maioria, setores produtores de commodities, com exceção dos setores de calçados, móveis e, talvez, alguns produtos siderúrgicos; e (ii) todos os setores registraram grande aumento do superávit entre 2001-2002 e 2005-2006 (em geral, acima de 100%). Novos superavitários: seis setores que registraram saldos inexpressivos em 1993-1994 e grandes déficits em 1997-1998, mas inverteram o padrão em anos recentes, registrando superávits expressivos em 2005-2006. De fato, neste último biênio, o saldo desse grupo foi superior a US$ 10 bilhões. Os grandes destaques são Veículos automotores e Peças e outros veículos, incluindo também dois outros setores industriais importantes (Têxtil e Material elétrico) e dois setores produtores de commodities (Minerais não-metálicos e Outros produtos alimentares). Pouco deficitários: o grupo reúne cinco setores que são normalmente deficitários, mas cujos saldos são pouco RBCE - 93 63 Tabela I SALDO COMERCIAL POR SETORES DE ATIVIDADE, EM ANOS SELECIONADOS (US$ MILHÕES) Saldos comerciais médios Altamente superavitários 1993-1994 (A) 1997-1998 (B) 2001-2002 (C) 2005-2006 (D) 19.846,0 22.075,7 25.550,6 56.285,5 Extrativa mineral Abate de animais Siderurgia Agropecuária Açúcar Madeira e mobiliário Óleos vegetais Calçados, couros e peles Café Celulose, papel e gráfica Beneficiamento de produtos vegetais Metalurgia não ferrosos 2.368,0 1.249,0 3.669,2 905,5 877,6 1.110,2 2.376,9 1.951,4 2.054,2 1.243,9 918,0 1.122,5 3.101,0 1.357,3 2.806,4 1.612,4 1.854,2 1.201,9 2.628,5 1.864,6 2.958,4 623,4 1.272,8 795,1 3.221,6 2.940,3 2.555,5 3.169,7 2.190,2 1.967,3 2.643,7 2.338,3 1.398,9 1.325,2 989,1 811,2 8.746,4 8.101,4 7.325,3 6.164,6 5.044,6 3.849,5 3.744,8 3.349,1 3.144,6 2.658,9 2.345,5 1.811,2 Novos superavitários 1.501,2 (3.865,5) 1.794,9 10.254,4 190,8 770,8 99,2 208,1 98,7 133,7 (797,3) (422,0) (534,0) (58,7) (764,7) (1.288,9) 1.177,9 1.749,5 394,1 154,0 124,6 (1.805,2) 4.808,2 3.614,8 767,3 535,5 307,7 221,0 Veículos automotores Peças e outros veículos Têxtil Minerais não metálicos Outros produtos alimentares Material elétrico Pouco deficitários Laticínios Artigos de vestuário Borracha Plástica Outros produtos metalúrgicos Altamente deficitários 529,5 (1.345,0) (464,6) (523,9) (193,0) 133,8 195,8 5,2 387,9 (477,8) (169,8) (89,5) (238,0) (370,0) (185,6) (14,1) (85,7) (133,9) (45,3) (14,1) (152,4) (174,0) (177,0) (6,6) (10.247,6) (24.308,4) (20.110,6) (22.996,8) Elementos químicos Máquinas e tratores Farmacêutica e perfumaria Indústrias diversas Refino de petróleo e petroquímicos Químicos diversos Petróleo e carvão Equipamentos eletrônicos (1.212,6) (1.168,4) (497,3) (397,6) (1.433,5) (700,5) (2.791,6) (2.046,1) (1.956,9) (5.581,0) (1.528,3) (1.633,7) (3.528,1) (1.510,1) (3.168,4) (5.402,1) (1.675,5) (3.676,6) (1.728,4) (1.275,9) (3.424,2) (1.823,5) (2.642,2) (3.864,4) (570,6) (975,5) (2.199,2) (2.393,6) (2.985,5) (3.076,3) (4.242,9) (6.553,4) Total(1) 11.882,5 (6.725,0) 7.885,5 45.415,5 Fonte: Funcex. Nota: (1) Os saldos totais diferem ligeiramente da soma dos saldos setoriais em virtude da não inclusão de um pequeno grupo de produtos não classificados. expressivos, exercendo, portanto, reduzida influência sobre o resultado da balança comercial do país. Com efeito, esses setores somaram um déficit de apenas US$ 524 milhões em 2005-2006. Altamente deficitários: o grupo é constituído por oito setores nos quais o país é 64 RBCE - 93 tradicionalmente um grande importador líquido, e cujo déficit conjunto foi de US$ 23 bilhões em 2005-2006, valor semelhante ao registrado no biênio 1997-1998. Três tipos de produtos caracterizam esses setores: petróleo e derivados (Petróleo e carvão e Refino de petróleo e petroquímicos), produtos químicos (Elementos químicos, Químicos diversos, Farmacêutica e perfumaria) e produtos industrializados com nível tecnológico relativamente mais elevado (Máquinas e tratores e Equipamentos eletrônicos), além de Indústrias diversas. A taxonomia setorial acima definida facilita o exame dos saldos comerciais do Brasil nos últimos anos e permite identificar, de forma mais nítida, eventuais mudanças de sua composição ao longo do tempo. Evolução entre os biênios 1993-1994 e 1997-1998: novos e grandes déficits Esse período foi marcado por uma importante queda do saldo comercial, que afetou quase todos os setores. A Tabela II mostra que apenas o grupo de setores classificados como “altamente superavitários” conseguiu promover um aumento do saldo, basicamente devido ao desempenho favorável dos setores de Extrativa mineral, Agropecuária, Açúcar e Café. Os setores classificados como “novos superavitários” sofreram forte queda de seus saldos comerciais, passando de pequenos superávits em 19931994 para grandes déficits em 1997-1998. Em conjunto, o saldo comercial desse grupo teve uma variação negativa de US$ 5,4 bilhões, equivalente a 30% da piora total do saldo brasileiro no período, que foi de “US$ 18,6 bilhões. A maior contribuição para essa piora, porém, veio mesmo do grupo de setores “altamente deficitários”, cujo déficit conjunto teve variação negativa de US$ 14 bilhões. Dos setores “pouco deficitários”, veio US$ 1,9 bilhão. Fica evidente que a estrutura produtiva do país não estava preparada para enfrentar o impacto de três choques simultâneos: a redução de tarifas de importação, o aumento da demanda doméstica que se seguiu à redução das taxas de inflação com o Plano Real e a valorização da taxa de câmbio real, também um subproduto do processo de estabilização. A composição desses choques agravou a situação de setores que eram tradicionalmente deficitários e afetou, também, setores ligeiramente superavitários, mas que apresentavam claras deficiências competitivas que os tornavam vulneráveis à concorrência dos importados. Só resistiram mesmo os setores “altamente superavitários”, sendo que alguns deles ainda sofreram quedas expressivas de seus superávits, como Siderurgia, Celulose, papel e gráfica e Metalurgia de não-ferrosos. Nos biênios 1993-1994 e 1997-1998, a balança comercial do país teria sido ainda mais negativa não fosse a contribuição positiva dos aumentos de preços de exportação e da redução dos preços de importação registrados no período Note-se que a piora do déficit do país entre esses dois biênios se deu a despeito de um ganho expressivo de termos de troca, de 24,1%, que beneficiou a maioria dos setores. Ou seja, a balança comercial do país teria sido ainda mais negativa não fosse a contribuição positiva dos aumentos de preços de exportação e da redução dos preços de importação registrados no período. Evolução entre os biênios 1997-1998 e 2001-2002: ajuste da balança A situação se inverteu radicalmente no período compreendido entre os biênios 1997-1998 e 2001-2002, como reação a dois fatores: a desvalorização cambial que se seguiu ao estabelecimento do regime de câmbio flutuante e o baixo crescimento da demanda doméstica. O saldo comercial RBCE - 93 65 registrou uma variação positiva de US$ 14,6 bilhões no período, com melhoria em quase todos os setores. A maior contribuição veio dos setores classificados como “novos superavitários” e “altamente deficitários”. Nos primeiros, o saldo teve melhoria de US$ 5,7 bilhões, ou quase 40% da variação total, com destaque para Veículos automotores e Peças e outros veículos, e tendo como exceção o setor de Material elétrico, cujo saldo teve queda. Entre os “altamente deficitários” a variação do saldo foi positiva em US$ 4,2 bilhões, com melhorias mais expressivas nos casos de Máquinas e tratores e Equipamentos eletrônicos. Os setores “levemente deficitários” também deram uma contribuição positiva, de US$ 880 milhões. Entre os setores “altamente superavitários” o aumento do saldo foi pequeno, de apenas US$ 3,5 bilhões, o que se explica pela evolução bastante negativa Tabela II VARIAÇÃO DOS SALDOS COMERCIAIS E DOS TERMOS DE TROCA POR SETORES DE ATIVIDADE, EM PERÍODOS SELECIONADOS (US$ MILHÕES) Variação dos saldos (US$ milhões) Variação dos termos de troca(2) (%) 05-06/01-02 01-02/97-98 05-06/01-02 Altamente superavitários 2.229,7 3.474,9 30.735,0 - - - Extrativa mineral Abate de animais Siderurgia Agropecuária Açúcar Madeira e mobiliário Óleos vegetais Calçados, couros e peles Café Celulose, papel e gráfica Benef. de produtos vegetais Metalurgia não ferrosos 733,0 108,3 (862,8) 706,9 976,7 91,8 251,7 (86,8) 904,2 (620,5) 354,8 (327,5) 120,6 1.583,0 (250,9) 1.557,3 336,0 765,4 15,2 473,8 (1.559,5) 701,9 (283,8) 16,1 5.524,8 5.161,1 4.769,9 2.995,0 2.854,5 1.882,2 1.101,2 1.010,8 1.745,7 1.333,7 1.356,4 1.000,0 (2,2) (21,9) 9,9 16,6 68,4 (4,5) 3,2 21,1 3,7 9,3 10,2 14,2 (11,0) 1,0 (6,3) 14,3 (4,0) (23,6) (7,3) 0,3 (30,6) (14,6) (1,8) (0,8) 3,6 (23,7) 24,6 (11,5) 13,1 (13,9) Novos superavitários (5.366,7) 5.660,4 8.459,6 - - - Veículos automotores Peças e outros veículos Têxtil Minerais não metálicos Outros produtos alimentares Material elétrico (988,1) (1.192,8) (633,2) (266,7) (863,4) (1.422,6) 1.975,2 2.171,5 928,1 212,6 889,3 (516,3) 3.630,4 1.865,3 373,2 381,6 183,1 2.026,2 10,4 43,1 16,4 24,6 0,1 67,1 (12,4) 20,0 (6,1) (4,9) (4,8) (15,2) (6,0) (9,8) 9,3 3,5 (3,1) 28,5 Pouco deficitários (1.874,5) 880,4 (59,3) - - - (284,7) (303,6) (285,2) (243,1) (757,9) 292,2 155,7 3,8 104,1 324,7 171,5 (138,3) (88,3) (43,1) 38,7 42,2 86,2 (10,0) (17,1) (8,0) 33,6 (14.060,8) 4.197,8 (2.886,2) - - - (744,3) (4.412,6) (1.030,9) (1.236,1) (2.094,6) (809,6) (376,8) (3.356,0) 281,4 1.904,4 (200,1) 357,8 103,9 (313,5) 526,2 1.537,7 1.104,9 2.701,2 (470,8) (1.117,7) 438,7 (1.252,8) (1.600,7) (2.689,1) 15,5 50,8 51,1 (1,2) 17,1 15,7 33,8 (0,9) (6,6) (5,8) (7,5) (6,8) (32,7) 13,9 29,8 3,8 (3,2) 5,7 (12,6) 1,7 (37,1) (18.607,5) 14.610,5 37.530,0 24,1 (12,2) 1,9 Laticínios Artigos de vestuário Borracha Plástica Outros produtos metalúrgicos Altamente deficitários Elementos químicos Máquinas e tratores Farmacêutica e perfumaria Indústrias diversas Refino de petróleo e petroquimicos Químicos diversos Petróleo e carvão Equipamentos eletrônicos Total (1) 97-98/93-94 01-02/97-98 97-98/93-94 Fonte: Funcex. Notas: (1) Os saldos totais não correspondem à soma dos setores devido a um pequeno grupo de produtos não classificados. (2) Há seis setores para os quais não são calculados simultaneamente índices de preços de exportação e de importação, não sendo possível obter-se os termos de troca. 66 RBCE - 93 dos preços de exportação em quase todos os setores do grupo. Aliás, esse período foi marcado por uma queda expressiva dos termos de troca do país (“12,2%), que afetou a grande maioria dos setores, especialmente os “altamente deficitários” e os “novos superavitários”, com a notável exceção de Peças e outros veículos. O ajuste comercial promovido no período se deu, portanto, por uma combinação de queda do quantum importado com aumento do quantum exportado em quase todos os setores, independentemente de sua situação prévia ser de déficit ou de superávit. Em síntese, foi um período caracterizado por um ajuste “clássico” da balança comercial, com desvalorização cambial e retração da demanda doméstica objetivando a geração de superávits para cobrir as necessidades de financiamento externo, de maneira semelhante ao observado no início dos anos 1980. O resultado foi um aumento do saldo comercial na grande maioria dos setores, tanto deficitários quanto superavitários. Não há, portanto, qualquer indício de mudança estrutural da pauta nesse período, muito menos de aumento da concentração setorial do saldo comercial. Evolução entre os biênios 2001-2002 e 2005-2006: mudanças estruturais? Nesse período, ocorreu um fenômeno verdadeiramente novo na economia brasileira, qual seja, um aumento expressivo do saldo comercial (variação absoluta de US$ 37,5 bilhões, com saldos crescentes ano a ano) em um contexto de crescimento da demanda doméstica e de valorização do câmbio. Há indícios, portanto, da ocorrência de mudanças estruturais no desempenho do setor externo. Nesse sentido, a análise da evolução dos saldos setoriais apresenta alguns sinais reveladores: os setores “altamente deficitários” e “levemente deficitários” tiveram pequenas variações negativas (muito menores, em termos absolutos, do que as registradas entre 1993-1994 e 1997-1998) e, mais importante ainda, os setores “novos superavitários” tiveram um forte aumento do saldo, de cerca de US$ 8,5 bilhões, com ganhos especialmente importantes em Veículos automotores, Peças e outros veículos e Material elétrico. Esses números significaram uma inversão de seu comportamento histórico. Por outro lado, o saldo comercial tornou-se mais concentrado, uma vez que mais de 80% do aumento registrado no período (US$ 30,7 bilhões) deveu-se aos setores “altamente superavitários”. Todos os setores desse grupo tiveram aumentos expressivos, que variaram de US$ 1 bilhão na Metalurgia de não-ferrosos até US$ 5,5 bilhões na Extrativa mineral. Há, dessa forma, evidências de mudanças estruturais na balança comercial do país, especialmente no que tange aos setores “novos superavitários”, mas também indícios de uma maior concentração do saldo comercial nos setores “altamente superavitários”. Quanto ao primeiro ponto, é preciso saber se as mudanças recentes vão se sustentar ao longo dos próximos anos, visto que os setores “novos superavitários” estão sujeitos a forte pressão competitiva por conta da valorização cambial. Já em relação ao segundo ponto, é certamente um exagero argumentar que há uma excessiva concentração da pauta, ou mesmo sintomas de “doença holandesa”. Na verdade, há nada menos que 12 setores “altamente superavitários”, que exportam bens bastante diversos, embora sejam relacionados ou ao agronegócio ou à exploração de recursos minerais, nos quais o país tem claras vantagens comparativas. Isso reflete mais o fato de que o país importa muito pouco desses bens do que uma eventual concentração excessiva de nossas exportações nesses setores. Além disso, esse setores têm hoje uma participação menor no superávit comercial do país do que tinham em 1993-1994 “ e naquela época não se manifestavam grandes preocupações quanto à composição do saldo comercial. Outro ponto que deve ser devidamente qualificado refere-se à importância dos ganhos de termos de troca para a melhoria do saldo do país no período em foco, especialmente nos setores produtores de commodities. Na verdade, a última coluna da Tabela II mostra que o ganho total no período foi de apenas 1,9%, não sendo possível identificar qualquer correlação clara entre a variação do saldo e a magnitude RBCE - 93 67 dos ganhos de termos de troca entre os setores, nem mesmo entre os “altamente superavitários”. O primeiro semestre de 2007 A análise da evolução dos saldos setoriais no primeiro semestre de 2007 agrega informações importantes que permitem qualificar a análise referente aos anos imediatamente anteriores. A Tabela III mostra que toda a variação do saldo comercial do país em relação ao mesmo período de 2006 (que foi de apenas US$ 1,25 bilhão) deveuse aos setores “altamente superavitários”, cujo saldo aumentou em US$ 6,3 bilhões. Quase todos os demais setores registraram queda do saldo, inclusive os “novos superavitários”, que registraram queda conjunta de US$ 1,57 bilhão “ embora ainda ostentem um superávit expressivo. Outro aspecto importante revelado pela Tabela III é que todo o aumento do superávit deveu-se à melhoria dos termos de troca, que contribuíram com um Tabela III SALDO COMERCIAL POR SETORES DE ATIVIDADE - PRIMEIROS SEMESTRES DE 2006 E 2007 (US$ MILHÕES) Primeiro Semestre/2006 Primeiro Semestre/2007 Variação absoluta Variação devida aos preços Variação devida ao quantum Altamente superavitários 25.745,1 32.079,6 6.334,5 3.463,7 2.299,0 Extrativa mineral Abate animais Siderurgia Agropecuária Açúcar Madeira e mobiliário Óleos vegetais Calçados, couros e peles Café Celulose, papel e gráfica Benef. de produtos vegetais Metalurgia não ferrosos 3.964,8 3.609,6 3.044,1 3.131,6 2.174,7 1.818,4 1.334,5 1.697,2 1.436,5 1.408,6 1.077,7 1.047,4 5.179,6 4.955,6 3.842,4 4.128,8 2.352,5 1.912,8 1.859,5 1.929,8 1.828,5 1.645,6 1.333,8 1.110,7 1.214,8 1.346,0 798,3 997,2 177,8 94,4 525,0 232,6 392,0 237,0 256,1 63,3 319,6 347,1 978,6 624,0 76,1 297,9 282,0 218,9 219,6 99,9 895,1 998,9 (181,2) 373,2 18,2 227,1 (49,4) 18,1 36,5 (37,5) Novos superavitários 4.723,7 3.156,2 (1.567,5) 306,2 (1.874,1) Veículos automotores Peças e outros veículos Têxtil Minerais não metálicos Outros produtos alimentares Material elétrico 2.321,3 1.748,4 251,2 270,2 64,1 68,5 1.880,3 1.011,1 (38,3) 248,1 67,4 (12,4) (441,0) (737,3) (289,5) (22,1) 3,3 (80,9) 166,9 (92,6) 9,4 23,6 (29,9) 228,8 (607,7) (644,9) (299,2) (45,7) 33,2 (309,8) Pouco deficitários (326,5) (548,9) (222,4) 62,6 (192,9) Laticínios Outros produtos metalúrgicos Artigos de vestuário Borracha Plástica (1,6) (101,2) (84,2) (63,6) (75,9) 3,6 (231,9) (137,9) (63,1) (119,6) 5,2 (130,7) (53,7) 0,5 (43,7) 30,9 31,6 - (161,7) (31,1) - (12.002,9) (15.402,9) (3.400,0) 427,4 (3.370,6) (335,1) (785,1) (1.075,2) (1.258,2) (1.546,0) (927,2) (2.498,9) (3.577,2) (233,1) (1.412,8) (1.535,4) (1.566,1) (2.270,4) (2.118,6) (2.119,6) (4.146,9) 102,0 (627,7) (460,2) (307,9) (724,4) (1.191,4) 379,3 (569,7) 97,1 164,1 248,5 (268,2) (66,5) 117,8 134,6 4,1 (792,2) (556,6) (459,2) (1.125,0) 261,5 (703,2) 19.385 20.632 1.247 4.233 (2.986) Altamente deficitários Elementos químicos Máquinas e tratores Farmacêutica e perfumaria Indústrias diversas Refino de petróleo e petroq. Químicos diversos Petróleo e carvão Equipamentos eletrônicos Total (1) Fonte: Funcex. Nota: (1) Os saldos totais não correspondem à soma dos setores devido a um pequeno grupo de produtos não classificados. 68 RBCE - 93 aumento de US$ 4,2 bilhões. As quantidades transacionadas contribuíram, isoladamente, para uma queda de US$ 3 bilhões, conseqüência de um crescimento do quantum importado (23,2%) muito superior ao do quantum das exportações (10,1%). Os dados de 2007 indicam que pode estar ocorrendo algo semelhante ao que se verificou no período pós-Plano Real, com piora generalizada do saldo comercial – resultado de maior crescimento doméstico e câmbio valorizado – e melhoria apenas nos setores “altamente superavitários”. Mesmo os setores “novos superavitários” apresentam piora, colocando em dúvida a sustentação de seus superávits no futuro. SUSTENTABILIDADE DOS SUPERÁVITS Antes de tudo, é necessário lembrar de alguns aspectos conceituais que muitas vezes têm sido ignorados no debate sobre o saldo comercial brasileiro. Um país é superavitário em sua balança comercial quando há um excesso de produção de bens em relação à demanda doméstica, ou seja, um país só pode ser um exportador líquido de mercadorias se o valor de todos os bens produzidos dentro do país é maior do que o valor de tudo o que é absorvido pela demanda doméstica (na forma de consumo das famílias, investimento ou consumo do governo). Isso é o que ocorre no Brasil hoje – e o oposto do que ocorreu entre 1995 e 2000, quando o país registrou déficits comerciais. Sendo assim, toda a discussão sobre o futuro da balança comercial do país resume-se a um ponto fundamental: para que os atuais superávits se sustentem ao longo do tempo, é necessário que a taxa de crescimento da demanda doméstica não seja sistematicamente superior à taxa de crescimento da produção doméstica. Do contrário, o país só conseguiria se manter superavitário se fosse capaz de obter ganhos contínuos de termos de troca – preços de exportação crescendo a taxas superiores às dos preços de importação –, o que a história mostra ser um fato muito difícil de ocorrer, além de ser uma variável fora do controle das políticas econômicas nacionais. Para ilustrar esse ponto, o Gráfico II apresenta as variações ano a ano de duas variáveis. A primeira é a relação entre os índices da produção doméstica1 e da demanda doméstica2 (chamada de “razão demanda/produção”). A segunda é a relação entre os índices de quantum de exportações e de importações (chamada de “razão de quantum”). Essa última variável mede a evolução do saldo comercial do país em termos de quantidades, desconsiderando o O crescimento da produção doméstica de bens é obtido pela média ponderada do crescimento do PIB do setor agropecuário com o crescimento do PIB da indústria, conforme dados das Contas Nacionais do IBGE. 1 Obtida pela média ponderada da taxa de crescimento da formação bruta de capital com a taxa de crescimento do consumo final (famílias + administração pública), conforme dados das Contas Nacionais do IBGE. 2 efeito das variações dos termos de troca. Para facilitar a visualização no gráfico, as taxas de variação da razão de quantum são divididas por 10. O Gráfico II deixa claro que há uma relação inversa entre as duas variáveis, sendo que elas variaram na mesma direção apenas em 1994, 1998 e 2005. Além disso, a variação da razão de quantum é tanto maior quanto menor é a variação da razão demanda/produção (e vice-versa). É possível também observar a evolução dessas variáveis em subperíodos selecionados. Entre 1993 e 1998, a demanda doméstica cresceu consistentemente acima da oferta (exceto em 1994), provocando uma queda contínua da razão de quantum (exceto em 1998, quando a situação de déficits externos já era claramente insustentável). Nesses seis anos, a demanda doméstica cresceu 4,5% a.a., contra uma alta de 3,8% da produção. Em conseqüência, a razão de quantum teve queda de 14,8% a.a. e o saldo comercial do país passou de um superávit de US$ 15,2 bilhões para um déficit de US$ 6,6 bilhões. Não há dúvida de que essa queda foi intensificada pela valorização real do câmbio registrada no período (de cerca de 28%) e pela conclusão do processo de liberalização comercial iniciado em 1990, cujo cronograma de desgravação encerrou-se em meados de 1993. Já entre 2001 e 2005 observou-se um processo inverso, com a demanda crescendo sempre abaixo da produção (exceto em RBCE - 93 69 Para que os atuais superávits se sustentem ao longo do tempo, é necessário que a taxa de crescimento da demanda doméstica não seja sistematicamente superior à taxa de crescimento da produção doméstica 2005) e com crescimento contínuo da razão de quantum. Nesses cinco anos, a demanda doméstica registrou expansão de apenas 1,6% a.a, metade da taxa referente à produção (3,1%). Como conseqüência, a razão de quantum cresceu ao ritmo de 10,6% a.a., fazendo com que o país saísse de um pequeno déficit comercial para um superávit de US$ 44,8 bilhões em 2005. O quadro voltou a se modificar em 2006 e 2007, com crescimento da demanda a um ritmo bem mais acelerado que o da produção, resultando em forte queda da razão de quantum. Em 2006, a demanda cresceu à taxa de 5,2%, contra alta de 3,2% da produção, havendo uma queda de 11% da razão de quantum. O país só logrou aumentar o superávit comercial no ano (para US$ 46 bilhões) devido ao forte aumento dos preços de exportação (12,5%) em relação aos preços de importação (7%). Em 2007, a demanda vem novamente crescendo a um ritmo acelerado, devendo fechar o ano com alta de cerca de 6,5%, acima dos 5,5% da produção, provocando uma queda de 13% na razão de quantum. Com isso, nem mesmo a melhoria dos termos de troca deve evitar que o saldo comercial se contraia para algo próximo de US$ 40 bilhões. Tendo em vista esses fatos, qual poderá ser a evolução do saldo comercial daqui para frente? A resposta dependerá da trajetória de três variáveis que determinam, em última instância, os ritmos de crescimento da demanda e da produção doméstica. A primeira é a taxa de investimento da economia. Quanto maior essa taxa, maior é o crescimento da capacidade produtiva doméstica, o que permite que a produção cresça a taxas elevadas sem gerar efeitos colaterais nocivos, como, por um exemplo, uma aceleração da inflação. Não por acaso, os países que têm conseguido combinar um bom Gráfico II VARIAÇÃO ANUAL DA RAZÃO DE QUANTUM E DA RAZÃO DEMANDA/PRODUÇÃO DOMÉSTICA – 1991-2007 (EM %) Fonte: Funcex e IBGE. 70 RBCE - 93 crescimento doméstico com a manutenção de superávits comerciais elevados são aqueles cujas taxas de investimento são mais elevadas – tipicamente os países asiáticos e, destacadamente, a China, cuja taxa de investimento se aproxima de 40% do PIB. a gerar grandes déficits comerciais ao longo do tempo. O inverso ocorre quando o câmbio está excessivamente desvalorizado, gerando grandes saldos comerciais e punindo os consumidores, podendo, inclusive, aumentar a inflação doméstica. A segunda variável diz respeito às políticas fiscal e monetária. São elas que determinam o ritmo de crescimento da demanda doméstica, e sua função é fazer com que esse ritmo não “descole” do ritmo de crescimento da oferta. Do contrário, o país estaria sujeito a dois problemas: aceleração da inflação e/ou redução do saldo comercial. Em economias razoavelmente abertas, como a brasileira, o mais comum é que ocorra uma combinação das duas. Vale lembrar que o crescimento do comércio mundial e os termos de troca são também variáveis importantes na determinação da balança comercial. Contudo, são variáveis exógenas, no sentido de que não podem ser influenciadas pela política econômica brasileira. Portanto, tudo o que o país pode fazer é ajustar as variáveis domésticas às mudanças da situação externa. Como exemplo, admita-se que ocorra uma desaceleração do comércio mundial, o que implica maiores dificuldades para exportar, seja porque os preços dos produtos comercializados caem (especialmente os das commodities), seja porque os volumes comercializados se retraem. Isso resulta, normalmente, em uma desaceleração da produção doméstica e, portanto, exige que a demanda também cresça mais lentamente, para evitar uma deterioração das contas externas. Naturalmente, tudo fica mais fácil para o país quando o comércio mundial cresce rapidamente, como tem ocorrido nos últimos anos. A terceira variável é a taxa de câmbio real, que determina o preço relativo dos bens produzidos no país vis-à-vis os produzidos no exterior. Essa variável age tanto do lado da oferta doméstica quanto do lado da demanda. Em termos de equilíbrio macroeconômico, é importante manter a taxa de câmbio em um nível adequado, de forma a tornar atrativos os investimentos em produtos para exportação sem que se torne punitiva do lado da importação e do consumo. Uma taxa excessivamente valorizada tende a estimular as importações e a desestimular os investimentos e o aumento da oferta de bens domésticos que podem ser exportados, situação que, embora seja favorável para os consumidores domésticos, tende Nesse sentido, fica evidente que a atual trajetória da economia brasileira é, em linhas gerais, desfavorável à manutenção dos superávits no futuro, devido à baixa taxa de investimento, ao câmbio real nitidamente valorizado e ao crescimento acelerado da demanda doméstica. Não há dúvida de que tal situação pode ser sustentada ainda por algum tempo, talvez alguns anos, visto que o superávit comercial é ainda bastante elevado. Contudo, ao se pensar no médio e longo prazos, será inevitável um ajuste na economia, podendo-se imaginar dois cenários. O mais positivo seria aquele no qual se registrasse um aumento da taxa de investimento – o que já vem ocorrendo nos últimos tempos, mas a um ritmo que parece ainda insuficiente – conjugado a uma gradual desvalorização do câmbio – sendo impossível estabelecer qual seria o seu nível ideal. Nesse cenário, o país poderia finalmente alcançar o crescimento sustentável do PIB, com expansão tanto da produção quanto da demanda, sem preocupações quanto a uma possível deterioração das contas externas. Há, contudo, um cenário negativo, no qual o ajuste se daria no ritmo de crescimento da demanda doméstica, para torná-lo compatível com o baixo crescimento potencial da economia, o qual estaria limitado pelo baixo nível de investimentos. Esse, aliás, foi o tipo de ajuste que gerou os grandes superávits comerciais dos anos 1980 e também os obtidos a partir de 2001. Embora bemsucedidos do lado da balança comercial, esse tipo de ajuste é muito custoso em termos de queda de renda, desemprego e inflação. Além disso, significaria, mais uma vez, abrir mão do desejado crescimento sustentável. RBCE - 93 71 CONCLUSÕES A análise acima leva a algumas conclusões importantes. A primeira é que houve reais mudanças na composição do saldo comercial brasileiro nos últimos anos, mas estas se concentraram nos seis setores classificados como “novos superavitários”, com especial destaque para Veículos automotores, Peças e outros veículos e Material elétrico. No mais, o saldo do país permanece altamente dependente dos mesmos setores que dominavam a pauta na primeira metade da década de 1990. Entretanto, a perdurar a evolução negativa observada no primeiro semestre de 2007, é possível que as mudanças verificadas nos setores “novos superavitários” não se mantenham no médio e longo prazos, especialmente se não ocorrerem novas “ondas” de investimentos nesses setores. Uma segunda conclusão importante é que não há evidências de ocorrência de “doença holandesa” no país, visto que não há nenhuma tendência perceptível de maior concentração do superávit comercial em um ou poucos setores. É verdade que em 2006 e 2007 o saldo mostrou-se mais concentrado em setores produtores de commodities, comparativamente ao que se observou entre 2001 e 2004. Contudo, isso parece representar apenas um retorno a uma estrutura semelhante à observada nos anos 1990, sendo que esses setores têm hoje uma participação menor no superávit comercial do país do que tiveram 72 RBCE - 93 no passado, lembrando que naquela época não se manifestava grande preocupação quanto à composição do saldo comercial. Pode-se argumentar, de qualquer modo, que o país estaria desperdiçando a oportunidade de consolidar mudanças importantes que começavam a se configurar na presente década. Outra conclusão importante é que os termos de troca não tiveram papel relevante para explicar as variações dos saldos setoriais em nenhum dos períodos analisados até 2006. No primeiro semestre de 2007, no entanto, eles tiveram papel fundamental, visto que as variações de preços vêm dando uma contribuição positiva para o saldo comercial em todos os grupos de setores, ao passo que as variações de quantum dão contribuição positiva apenas nos “altamente superavitários”, e negativa em quase todos os demais. Esses números confirmam a idéia de que esse grupo de setores está voltando a ser o grande sustentáculo dos saldos comerciais do país. Por fim, com relação à sustentabilidade dos superávits comerciais no futuro, não se pode afirmar que o país esteja livre de repetir os episódios verificados ao longo dos últimos 25 anos, marcados por uma trajetória de stop and go e baixo crescimento médio do PIB. O atual quadro da economia brasileira, com baixa taxa de investimento, câmbio nitidamente valorizado e crescimento acelerado da demanda doméstica, é claramente inadequado para permitir a sustentação futura dos superávits. Há indícios de que esse quadro esteja mudando para melhor, em especial no que tange ao crescimento expressivo dos investimentos nos últimos anos. Além disso, é provável que a própria redução dos superávits comerciais promova uma desvalorização gradual do câmbio, impulsionando a produção de bens comercializáveis. De qualquer modo, a análise precedente indica que as transformações estruturais que a balança comercial do país teria registrado até o momento parecem menos abrangentes e significativas do que seria desejável. Na verdade, o país ainda precisa avançar muito na direção de uma taxa de investimento mais elevada e de maiores esforços de inovação e desenvolvimento tecnológico em setores manufatureiros mais avançados (tendo como pano de fundo as melhorias na infra-estrutura, no ambiente regulatório e na situação das contas públicas) para que se afaste definitivamente a vulnerabilidade das contas externas e para que o saldo comercial deixe de ser dominado por commodities agrícolas e minerais.