Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
SUJEITOS CONSIDERADOS DEFICIENTES...
DIAGNÓSTICO: IMPEDIMENTO OU POSSIBILIDADE?
Laura Cristina Nardi1 - UPF
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo trazer reflexões a cerca do impacto causado pelo
diagnóstico, nas relações sociais dos sujeitos considerados deficientes, em que pretende-se
abordar aspectos do diagnóstico visto pela questão do rótulo, da impossibilidade e das
limitações destes sujeitos. A profetização da incapacidade é encontrada nestas relações,
sendo que a pessoa considerada deficiente acaba internalizando a doença, a deficiência.
Observa-se a existência de um grande número de pessoas consideradas deficientes que
mesmo possuindo sua organicidade preservada acabam não conquistando funções
tipicamente humanas, para o que começa-se a pensar em outras questões referentes às
deficiências que não sejam apenas aquelas relacionadas as questões orgânicas.
Palavras-chave: Diagnóstico, profecia auto-realizadora, interações sociais, aprendizagem e
desenvolvimento.
Introdução
O trabalho de sete anos realizado em uma APAE me trouxe a possibilidade de analisar
alguns paradigmas que circulam em torno das deficiências. Tive a oportunidade, por várias
vezes, de escutar relatos dos pais de pessoas consideradas deficientes, onde estes
comentavam sobre o diagnóstico proferido pelos profissionais que realizam as avaliações.
Em um determinado caso, a mãe conta que após receber o diagnóstico da síndrome de
Down em seu filho, começa a pensar que nada adiantará fazer algo com ele, pois não vai
melhorar. Em outro caso, a mãe relata que ao perceber que seu filho de 3 anos de idade era
diferente, pois apresentava atrasos em vários aspectos do seu desenvolvimento, a mesma
diz que após escutar que seu filho tinha deficiência mental imaginou que ele teria de
sempre estudar na APAE, nunca podendo vir a freqüentar uma escola regular.
Percebe-se aqui que dependendo de como estas famílias escutam o que os profissionais
falam a respeito do diagnóstico, as mesmas irão reagir investindo neste filho deficiente, ou
não. Não há como negar que o diagnóstico é um momento importante e necessário para que
se possa trabalhar com o real. Porém corre-se o risco de encarar o diagnóstico como uma
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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Passo Fundo – RS.
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forma de rotular estas pessoas consideradas deficientes, criando assim, impedimentos e
impossibilidades para seu desenvolvimento.
Os profissionais que realizam avaliações, são vistos pela sociedade como os detentores do
saber que podem diagnosticar e, conseqüentemente, prognosticar. Neste lugar de saber, ao
proferir um diagnóstico, os mesmos podem escolher entre estabelecer um diálogo com a
família e o próprio sujeito analisado ou simplesmente nomear a deficiência, colocando o
sujeito dentro de uma categoria que o iguala aos demais pertencentes à mesma, acabando
com as chances deste sujeito vir a se desenvolver, conforme poderia, pois o coloca no lugar
da doença, no lugar daquele que não sabe, daquele que não é capaz. E o diálogo não
acontece.
Segundo COLLARES e MOYSÉS (1992, p.22), “ao invés de diagnósticos – etapa final de
um processo de investigação e raciocínio – rótulos”. Rótulos estes que não indicam
caminhos, porém limitam até onde se poderá chegar. Neste sentido, preocupa-se muito mais
em descobrir o nome da deficiência do que em conhecer as potencialidades que o sujeito
em questão apresenta. Geralmente as potencialidades de desenvolvimento e aprendizagem
não são levadas em conta.
De acordo com OMOTE (2003, p.36), como os estudos referentes às deficiências sempre
vieram centrados nas mesmas e nos atendimentos direcionados especificamente às pessoas
deficientes, aprendemos a buscar o que é específico em cada categoria das deficiências.
“Aprendemos a avaliar as suas limitações, dificuldades e inadequações, e a intervir visando
à reparação dessas falhas (...) na verdade não aprendemos a olhar para as potencialidades
deles”.
Poderia se pensar também que isto venha a ocorrer pelo constrangimento que acompanha o
profissional ao perceber-se limitado para dar conta de tamanha diversidade que reside nas
características que estas pessoas consideradas deficientes apresentam e que seja muito mais
fácil diagnosticar as falhas, o que não vai bem, o que não irá se realizar do que as
possibilidades, as conquistas, as aprendizagens. Pois estas são incertas. Não há como
prever. Tal questão parece-me difícil de ser encarada pela maioria dos profissionais que tem
“o poder do diagnóstico”.
Vygotsky trata deste aspecto dizendo que
Geralmente atribuímos uma série de qualidades negativas à pessoa portadora de deficiência e falamos muito
sobre as dificuldades de seus desempenhos, por pouco conhecermos das suas particularidades positivas. Desse
modo, homogeneizamos características, falamos muito sobre suas faltas e esquecemos de falar sobre as
características positivas que as constituem como pessoas. (VYGOTSKY apud MONTEIRO, 1998, p.75)
Cabe aqui salientar que tal retrato da realidade não diz respeito a todos os profissionais.
Existem sim aqueles que no momento do diagnóstico, amparam a família diante da nova
situação que se apresenta, repassam informações dentro de suas competências e
encaminham para possíveis atendimentos.
Entretanto, a prática da profetização da incapacidade é bastante corriqueira. As evidências
empíricas apresentam um grande número de pessoas consideradas deficientes, (crianças,
adolescentes e adultos) que nunca chegaram a alfabetizar-se, possivelmente porque logo
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após o nascimento alguém informou às famílias que não lhe seria possível tal aprendizado,
por não ser capaz. Para muitas pessoas esse lugar de não saber é incorporado como verdade
e é assumido. “Sim, se sou deficiente não vou aprender”. E realmente ali o aprendizado não
acontece. A incorporação da doença pela própria pessoa considerada deficiente, vai
ocorrendo conforme vai internalizando o estigma de que não aprende porque não é capaz de
aprender.
COLLARES e MOYSÉS tratam desta questão, num estudo que realizaram no município de
Campinas, com o objetivo de “aprofundar o entendimento da medicalização 2 do processo
ensino aprendizagem” (1992, p.13).
Segundo elas, as crianças com o diagnóstico do não aprender.
...Sofrem, incorporam a incapacidade, a doença. Consideram-se pouco ou nada inteligentes porque não sabem
ler (...) Expropriadas de sua normalidade, bloqueiam-se. E só mostram que sabem ler e escrever quando se
conquista sua confiança (...) Crianças normais que, com o passar do tempo, vão se tornando doentes (...) pelo
estigma com que vivem (...) (1992, p.27)
O que agrava ainda mais tal situação é que no momento do diagnóstico da deficiência, a
família também começa a tratar o filho considerado como tal, de forma diferente. Os
investimentos podem não acontecer dependendo de como cada família vai lidar com o
diagnóstico.
Evidências empíricas
Após conhecer a história de vida de algumas famílias que possuem em seus membros
pessoas com deficiência, foi possível fazer alguns apontamentos importantes. Ainda quando
bebês, ainda quando crianças pequenas, o olhar dos pais em relação a estas pessoas era
diferente. Já não se investia tanto em brincadeiras (pois não vai brincar, não sabe brincar),
não se lhe ofereciam oportunidades para engatinhar, para correr (pois achavam que por ser
deficiente não seria possível possuir tais aquisições).
O que constata-se é que a criança que cresce num ambiente de descrédito, pobre de
situações de interação, de brincadeiras, de experiências lingüísticas, não aprende o que os
outros aprendem por meio da experiência e do convívio social. Desta forma sua zona de
desenvolvimento proximal não é trabalhada e seu desenvolvimento fica comprometido,
mesmo que haja a possibilidade de progressos e mesmo que a questão orgânica esteja
preservada, pois para que o desenvolvimento ocorra torna-se necessário a intervenção do
outro social, que interpreta as ações da criança onde então, conseqüentemente a mesma irá
construindo seu conhecimento, irá significar suas aprendizagens.
OLIVEIRA é quem nos auxilia a pensar sobre a importância da interação social no
desenvolvimento do ser humano.
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Este conceito é utilizado por estas autoras no sentido de que a escola estaria depositando a culpa das
dificuldades de aprendizagem a causas orgânicas e que médicos, psicólogos, fonoaudiólogos seriam os
responsáveis pela “cura” de tais dificuldades. Deste modo, a escola isenta-se da responsabilidade sobre as
dificuldades de aprendizagem, pois nestas áreas não pode atuar.
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A interação face a face entre indivíduos particulares desempenha um papel fundamental na construção do ser
humano: é através da relação interpessoal concreta com outros homens que o indivíduo vai chegar a
interiorizar as formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico. Portanto, a interação social,
seja diretamente com outros membros da cultura, seja através dos diversos elementos do ambiente
culturalmente estruturado, fornece a matéria-prima para o desenvolvimento psicológico do indivíduo. (1993,
p. 38)
Seguindo esta linha de pensamento podemos compreender um pouco melhor por que as
pessoas consideradas deficientes podem não conquistar níveis de desenvolvimento mais
elaborados, mais complexos. Mais uma vez percebe-se que mesmo que uma criança nasça
com a questão biológica preservada, se a mesma for privada, isolada de contatos humanos,
poderá vir a não desenvolver as funções psicológicas mais elevadas3, como a linguagem e o
ato consciente, pois para que as mesmas surjam, o papel do outro social é de fundamental
importância. E quando este outro social nada demanda, nada espera, pouco favorece o
desenvolvimento destas pessoas, tidas como deficientes.
Até então seguimos falando sobre como a família reage diante do diagnóstico da
incapacidade. Porém este não é o único local em que as relações sociais encontram-se
afetadas por tal. Também na escola observa-se um tratamento diferente dos professores em
relação aos alunos considerados deficientes ou até mesmo aqueles que apresentam
dificuldades na aprendizagem.
ROSENTHAL E JACOBSON (1985, p. 258), realizaram uma pesquisa com o objetivo de
analisar a influência das expectativas dos professores em relação ao desempenho de seus
alunos e chegaram a conclusão de que essas expectativas podem “funcionar como uma
profecia educacional que se auto-realiza”. Comentam que o professor consegue menos de
seus alunos, porque espera menos dos mesmos.
O aluno que chega à escola e já traz consigo o rótulo de que tem dificuldade, de que tem
alguma deficiência, pode não progredir, não por não ter condições, mas porque muitas
vezes o professor sabendo da sua dificuldade, não aposta no investimento e ainda se adapta
a tais dificuldades (percebendo que lhe é difícil a matemática, pelo raciocínio lógico que a
mesma exige, pouco se apresenta tal conteúdo).
Este conceito de profecia auto-realizadora também pode ser encontrado em muitos outros
contextos, sendo que no ambiente familiar é possível observá-la, quando a família, não
acreditando nas capacidades do filho considerado deficiente, muito pouco ou nada lhe
demandam. Assim acompanha-se o drama de famílias que diante do filho deficiente, não
conseguem enxergar diante de si, um filho. Enxergam apenas a lesão, apenas o que está
falho. E quando a deficiência é encarada e tomada unicamente pelo viés da questão
orgânica, é como se ali não existisse mais um sujeito, um ser humano e sim apenas um
órgão lesionado. E por aí, as interações sociais tão importantes para o desenvolvimento
humano, são prejudicadas.
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Funções estas descritas por Vygotsky como as Funções Psicológicas Superiores, que para serem alcançadas
necessitam indiscutivelmente da interação social.
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Vygotsky é um estudioso que considera as interações sociais como fundamentais no
desenvolvimento humano, porém ressalta que estas interações acontecem de forma
diferente para as crianças consideradas deficientes.
Desde os primeiros anos de vida a criança que apresenta uma deficiência ocupa uma certa posição social
especial, e as suas relações com o mundo começam a transcorrer de maneira diferente das que envolvem as
crianças normais. Junto com as características biológicas (núcleo primário da deficiência), começa a
constituir-se um núcleo secundário, formado pelas relações sociais. As interações sociais que constituem o
núcleo secundário são responsáveis pelo desenvolvimento das funções especificamente humanas e surgem das
transformações das funções elementares (biológicas). (VYGOTSKY apud MONTEIRO, 1998, p. 74)
Observou-se o caso de muitos sujeitos considerados deficientes, os quais possuem a
questão biológica preservada, ou seja, que não possuem lesão neurológica e que não são
portadores de síndromes. Desta forma, foi possível começar a pensar em outras questões
relacionadas às deficiências, sendo que os mesmos não chegaram a conquistar as funções
especificamente humanas, como por exemplo, a fala e a escrita.
OMOTE, um dos estudiosos brasileiros que discutem a educação especial, comenta sobre a
necessidade de haver mais pesquisas nesta área. Pesquisas estas que comecem a conceber
as deficiências desde um olhar diferente e não como unicamente um atributo inerente à
pessoa, como se ela já nascesse com a deficiência. OMOTE segue dizendo que
Para se compreender o que é a deficiência, não basta olhar para aquele que é considerado deficiente, buscando
no seu organismo ou no comportamento atributos ou propriedades que possam ser identificados como sendo a
própria deficiência ou algum correlato dela. Precisa olhar para o contexto no qual, com seu sistema de crenças
e valores e com a dinâmica própria de negociação, alguém é identificado e tratado como deficiente. Tal
contexto condiciona o modo de tratamento da pessoa deficiente e por este é condicionado. (OMOTE, 1996,
p;133)
Omote, bem como todos os autores com quem se dialogou neste trabalho, sugerem um
olhar acerca das deficiências que não seja somente o enfoque na questão orgânica, na
incapacidade, na impossibilidade. Que um novo olhar surja e comece a trazer questões
importantes para serem discutidas e revistas em torno do vasto campo que recobre a
educação especial e os sujeitos que dela fazem parte, para que estes realmente sejam vistos
como sujeitos e não apenas como órgãos lesionados, como para quem falta uma parte, a
quem algo precisa ser complementado.
Que seja possível começar a se pensar em diagnósticos como uma etapa importante de um
trabalho muito sério e consistente, que não seja baseado na superficialidade e sim em
teorias que sustentem a possibilidade de desenvolvimento dos sujeitos considerados
deficientes. Que esta seja uma etapa para indicar caminhos e não para que portas sejam
fechadas.
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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
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