A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
INTRODUÇÃO
Com este trabalho pretende-se ilustrar o percurso de um tema filosófico,
neste caso a liberdade de expressão, com o decorrer do tempo, e por isso, a
sua evolução ao longo da história até aos dias de hoje, com especial incidência
nas épocas vividas por Galileu Galilei e Immanuel Kant. Os filósofos escolhidos
representam épocas diferentes que vão desde o longínquo século XVI (com
Galileu) até ao mais próximo século XVIII, época do Iluminismo, em que viveu
Immanuel Kant.
Apesar de serem três os filósofos (Galileu Galilei, Immanuel Kant e
Bertrand Russell) que apareciam tanto na planificação como no resumo do
trabalho e através dos quais se iriam estabelecer comparações acerca deste
tema, aquando da realização deste fase final ocorreram algumas alterações.
De facto, o verdadeiro objectivo do trabalho é apresentar a posição de Galileu e
de Kant sobre o tema da liberdade de expressão, tentando encontrar
semelhanças ou diferenças nas formas em que foram afectados pela ausência
desta liberdade e nos modos em que viram restringido o seu direito a expressar
publicamente as suas opiniões. Assim, pretende-se ilustrar a evolução sofrida
pelo tema ao atravessar séculos distintos, nos quais se permitem outras
mentalidades e outras liberdades. Estes, são portanto, os dois filósofos (de
épocas diferentes) escolhidos de acordo com as condições a que a realização
deste trabalho estava sujeita. Bertrand Russell surgia como um filósofo da
Época Contemporânea, já que faleceu há pouco mais de trinta anos. Com ele
pretendia-se
demonstrar
o
estado
da
liberdade
de
expressão
na
Contemporaneidade mas durante a realização deste terceira parte do trabalho
chegou-se à conclusão de que não era bem esse o objectivo a atingir. Do
“aparente presente” da morte de Russell até aos dias de hoje, muito mudou no
seio da liberdade de expressão apesar de só terem passado pouco mais de
trinta anos. Por esta mesma razão é que se considerou que seria melhor retirar
Bertrand Russell dos objectivos do trabalho pois teria de se voltar a falar no
presente (devido às ditas mudanças) e Russell passaria a ser mais um filósofo
utilizado para demonstrar a evolução do princípio de liberdade de expressão.
Assim, não só não se teria espaço nas cinco páginas de desenvolvimento para
se estar a falar de três filósofos e ainda da Contemporaneidade, como também
se desobedeceriam às condições impostas pela professora na altura de
escolher o tema. Este “erro de organização” deveu-se provavelmente ao facto
de não se ter efectuado uma pesquisa mais profunda sobre Bertrand Russell
quando se tratou da planificação e do resumo do trabalho, o que teria
certamente elucidado para este problema, que agora, feita a pesquisa, se
coloca.
No entanto, apesar de não se falar de Russell não se deixa de falar das
tais mudanças que ocorreram já que hoje em dia se considera a liberdade de
expressão como um pré-requisito para a existência de uma sociedade
democrática. É como que uma condição fundamental que obrigatoriamente tem
de ser respeitada para se possibilitar uma coexistência pacífica entre
indivíduos. Contudo, não é que o desrespeito por este tipo de liberdade tenha
desaparecido por completo (embora sejam imensas as organizações que o
combatem), mas assume novas formas ao transformar a liberdade de
expressão em algo negativo e perigoso, quando utilizada com um sentido
oportunista. Mas ao permitir-se a liberdade de expressão em todo o seu
“esplendor” será possível erradicar os males que daí advêm?
DESENVOLVIMENTO
G
Gaalliilleeii
Gaalliilleeuu G
Físico, Matemático, Astrónomo e Filósofo, o mais antigo dos dois
filósofos em questão, Galileu Galilei, nasceu a 15 de Fevereiro de 1564 na
cidade de Pisa, em Itália. Por pouco não seguiu a carreira artística por se
considerar como que um presságio o facto de ter nascido três dias antes da
morte de um dos senhores do Renascimento, Miguel Ângelo. Contudo, o seu
pai queria que ele fosse médico e, como tal, com apenas 17 anos de idade,
Galileu começou a estudar Medicina na Universidade de Pisa. Como o seu
interesse pelo campo da Medicina nunca evoluiu, interessando-se sim pela
Matemática e Física (que na época era considerada uma ciência de
sonhadores) e apenas pensando em fazer experiências físicas, em 1585
Galileu abandonou finalmente o ramo da Medicina. A partir dessa altura, iniciou
uma série de invenções das quais se destacam: a balança hidrostática (1586),
uma máquina para elevar água (1593), o compasso geométrico-militar (1597)
ou o termoscópio, um termómetro primitivo (1606). Para além disso, Galileu foi
o primeiro a contestar as ideias de Aristóteles (o único que havia descoberto
alguma coisa sobre a Física naquela altura) e descobriu que a massa dos
corpos não influencia na velocidade da queda (no vácuo).
Em 1604, observou a supernova de Kepler e um ano mais tarde
apresentou três palestras públicas sobre o evento, mostrando que a
impossibilidade de se medir a paralaxe indica que a estrela está para além da
Lua e que portanto ocorrem mudanças no céu. Galileu considera este facto
como uma prova da teoria heliocêntrica de Copérnico (teoria segundo a qual a
Terra não é o centro do Universo à volta da qual giram todos os outros
planetas, mas apenas mais um planeta que gira em torno do Sol) e começa já
a dar os “primeiros passos” naquela que será a sua mais difícil luta, marcada
pela falta de liberdade de expressão. Em Maio de 1609, ouve falar de um
instrumento de olhar à distância que um holandês (de seu nome Hans
Lipperhey) tinha construído e mesmo sem nunca ter visto o aparelho construiu
a sua primeira luneta em Junho, com um aumento de três vezes. Até
Dezembro do mesmo ano, Galileu construiu várias outras (a mais potente com
um aumento de trinta vezes). Com as suas lunetas, faz uma série de
observações da Lua, descobrindo que esta tem montanhas. Dois meses
depois, em 1610, descobre os satélites de Júpiter, o que prova que,
contrariamente ao sistema de Ptolomeu, existem corpos celestes que
circundam outro corpo que não a Terra. No final desse ano, verifica que Vénus
apresenta fases tal com a Lua, tornando assim falso o sistema geocêntrico de
Ptolomeu ao provar que Vénus orbita o Sol.
Galileu conseguiu assim juntar uma grande quantidade de evidências a
favor da teoria heliocêntrica (escrevendo em italiano para difundir mais
facilmente pelo público a teoria de Copérnico), o que chamou a atenção da
Inquisição que o adverte, proibindo-o de difundir as ideias heliocêntricas. Ao
mesmo tempo, são colocados no Índice de livros proibidos pela Igreja Católica
todos aqueles que defendiam o modelo heliocêntrico. A razão desta proibição
devia-se ao facto de no Salmo 104:5 da Bíblia estar escrito “Deus colocou a
Terra em suas fundações para que não se mova por todo o sempre”. Contudo,
Galileu não obedece à proibição pois para ele as descobertas alcançadas pelo
cientista através das suas observações e demonstrações não podiam ser
ignoradas apenas por não estarem de acordo com as certezas dogmáticas
inscritas nas Sagradas Escrituras. Segundo Galileu a autoridade dos textos
sagrados não devia ser tida como critério na discussão de problemas da Física
mas sim as experiências. Como ele mesmo afirma na obra Cartas, discussões,
diálogos “[…] as Escrituras Sagradas e a Natureza procedem igualmente do
Verbo Divino […] e Deus não se revela menos excelentemente nos efeitos
naturais do que nas palavras sagradas das Escrituras”, até porque “[…]
enquanto as Escrituras se acomodam à inteligência da generalidade humana,
falam em muitos passos segundo as aparências e em termos que, tomados à
letra, se afastam da verdade; a Natureza, muito pelo contrário, conforma-se
inexorável e imutavelmente com as leis que lhe são impostas […]”.
Em 1632 publica o Diálogo sobre os dois grandes sistemas do mundo
que tem mais o carácter de uma obra pedagógico-filosófica do que estritamente
científica, na qual Galileu evidencia como o sistema de Copérnico explica os
fenómenos celestes. O Papa da altura, Maffeo Barberini, apesar de amigo
pessoal de Galileu, viu-se obrigado a enviar o caso para a Inquisição (devido à
grande oposição política que enfrentava) que exige a presença de Galileu em
Roma. Assim, devido à ausência de liberdade de expressão, foi julgado e
condenado por heresia em 1633, vendo-se obrigado a renegar as suas
conclusões de que a Terra não era o centro do Universo nem imóvel. A
sentença ao exílio foi convertida a prisão domiciliária na sua residência de
Arcetri, local onde permaneceu até à sua morte a 8 de Janeiro de 1642. Para
além disso, Galileu foi proibido do contacto público e de publicar novos livros e
apenas em 1822 foram retiradas as suas obras do Índice de livros proibidos
pela Igreja Católica.
Immanuel Kant
Quanto a Immanuel Kant, foi uma das maiores figuras da história da
Filosofia (que levou uma existência de rigor, sempre entregue aos seus
pensamentos), tendo nascido a 12 de Abril de 1724 na antiga Prússia, na
cidade de Königsberg (aliás o único sítio que conheceu pessoalmente já que
nunca saiu da sua cidade natal), hoje Kalininegrado, na Rússia. Era um homem
metódico, o que permitia às pessoas acertarem o seu relógio quando o viam
passar pois saía de casa sempre à mesma hora. O seu pensamento filosófico
começou cedo, distinguindo-se no período pré-crítico (no qual segue, mais ou
menos, os caminhos do pensamento dominante das primeiras décadas do
século XVIII) e no período crítico (onde descobre e consolida a sua forma típica
de pensar) durante o qual publica as suas grandes obras críticas: a Crítica da
Razão Pura (1781), a Crítica da Razão Prática (1788) e a Crítica do Juízo
(1790)*. Estas suas obras de maturidade marcam um estilo novo e Kant tem
plena consciência disso mesmo pois diz que se trata de uma “revolução
copernicana” (ao pensar na revolução da concepção astronómica de Ptolomeu
por Copérnico com a qual estabelece a comparação). Este novo estilo tem que
ver, essencialmente, com a tendência de evitar o erro mais do que a
descoberta da verdade (apesar de ser lógico que a erradicação do erro leva a
uma consequente verdade).
Immanuel Kant viveu num período histórico bastante importante e
revolucionário, o que certamente o influenciou nas suas obras: o Iluminismo.
menoridade de que ele próprio é culpado” (Kant, Resposta à pergunta: Que é o
Iluminismo?, 1784). Esta menoridade (incapacidade de se servir do
entendimento próprio sem a orientação de um agente exterior) é por culpa
própria quando o que a causa não é a falta de entendimento mas a falta de
decisão e de coragem em ultrapassá-la. Como tal, a palavra de ordem do
Iluminismo é Sapere aude! (Tem a coragem de te servires do teu próprio
entendimento!). Os preceitos e as fórmulas (que segundo Kant, no seu
opúsculo Resposta à Pergunta: Que é o Iluminismo, são “[…] instrumentos
mecânicos do uso racional ou, antes, do mau uso dos seus dons naturais […]”)
são as correntes que prendem a uma menoridade perpétua, sendo o
dogmatismo (modo de proceder intelectual incapaz de se pôr a si mesmo em
questão) o grande inimigo a enfrentar. No entanto, é perfeitamente possível
que um público se esclareça a si mesmo. Mais ainda “[…] é quase inevitável,
se para tal lhe for dada liberdade” (Kant, Resposta à pergunta: Que é o
Iluminismo?, 1784). Por esta razão é que era (até então) inconveniente uma
liberdade de expressão pois tornava-se tão fácil aos chamados tutores a
superintendência dos menores (preguiçosos e cobardes que não viam o porquê
de se esforçarem se outros o podiam fazer por eles). Defende Kant que através
de uma revolução poderia talvez acabar-se com o despotismo pessoal e com
esta opressão gananciosa ou dominadora, mas nunca se atingiria uma
verdadeira reforma do modo de pensar; novos preconceitos (tal como os
antigos) “[…] servirão de rédeas à grande massa destituída de pensamento”
(Kant, Resposta à pergunta: Que é o Iluminismo?, 1784). Para se atingir a
ilustração (objectivo do Iluminismo) exige-se a liberdade, e, como tal, o direito
de um indivíduo de expressar livremente, em público (sim, em público, porque
não adianta nada ter liberdade de pensar se existir censura que impeça a
publicidade desses pensamentos), as suas opiniões e convicções, evitando
assim o que aconteceu com Galileu.
Pode-se portanto afirmar que Kant foi um filósofo privilegiado ao viver
num período em que se procurava cultivar a liberdade de expressão.
Raramente se viu limitado ou proibido pela falta de liberdade de expressão
(excepto no caso de que se fala mais adiante). Verifica-se assim uma evolução
do princípio de liberdade de expressão desde a época de Galileu até ao século
XVIII, tornando-se mais “tolerante” (na mais recente concepção da palavra).
Pode, inclusivamente, dar-se um exemplo da facilidade (comparada com a
época de Galileu) com que Kant difundia as suas ideias mesmo sem estarem
concordantes com aquilo que se pensava até à altura. Ora, Kant vai
empreender uma dura tarefa nas suas obras: a da crítica da razão (*), de
estabelecer os seus limites, as suas possibilidades. Normalmente considera-se
que o pensamento conhece as coisas tal como são, pelo que se costuma dizer
frequentemente “a coisa em si”. Kant diz que não, que tal não é possível pois o
que eu conheço (utiliza-se aqui a primeira pessoa para evitar confusões que
espaço, ao meu tempo, às minhas categorias; quando eu conheço algo,
transformo e modifico “a coisa em si” (que, como tal, é inadmissível) pelo que
passa a estar em mim, entranhada na minha subjectividade. Então, para Kant,
ao que se chamava “a coisa em si” deveria antes referir-se como “a coisa em
mim”. Logo, o conhecimento é, de certo modo, uma transformação do real. Isto
é algo decisivo que vai iniciar uma nova maneira de propor os problemas
filosóficos (justamente o que a Crítica da Razão Pura vai explorar). É realmente
uma “revolução copernicana” (como se referiu anteriormente), uma mudança
profundíssima na maneira de ver as coisas; é uma renúncia à crença ingénua
de que se conhecem “as coisas em si mesmas”, renúncia essa que rompe os
parâmetros tradicionais e que não é punida por aqueles a quem a liberdade de
expressão não agradava. Aqui está um exemplo do espaço de manobra
permitido a Kant pela liberdade de expressão da altura.
Apesar de toda esta liberdade, Kant também foi vítima de algum
desrespeito por ela. Embora muito poucos os casos em que tal se verifica (eu
apenas encontrei um), o que é certo é que existiram. Talvez o exemplo mais
notável tenha sido o da segunda edição do seu livro Religião nos Limites da
Razão (1794) proibida pelo então rei da Prússia, Frederico Guilherme II, por
desrespeitar pontos fulcrais da Bíblia e do cristianismo. Kant (embora
discordasse da acusação) garantiu obedecer à ordem real (apesar da intenção
de que a promessa se limitaria à vida do rei). De facto, com a subida ao trono
de Frederico Guilherme III, os mesmos conteúdos antes proibidos (ou muito
semelhantes) viram a luz do dia com a publicação do Conflito das Faculdades
(1798), no qual já pôde reivindicar a liberdade de pensamento e de palavra
contra as arbitrariedades do despotismo (mesmo a respeito da religião, o que
na altura de Galileu era impensável, demonstrando assim a já referida evolução
do princípio de liberdade de expressão).
Immanuel Kant era acérrimo defensor da liberdade de expressão, facto
que se pode justificar tanto pelos seus ideais filosóficos como pelos políticos.
Em relação aos primeiros, Kant defendia três parâmetros fundamentais: o
pensar por si próprio (ou seja, pensar livre de preconceitos que limitam o
pensamento); o pensar sempre de acordo consigo próprio (isto é, ter
coerência); o pensar colocando-se no lugar do outro (este outro representa
qualquer outro e, como tal, todos, simbolizando assim a Humanidade). Afirma
que a finitude do ser humano é sinal de liberdade pois é livre o homem que tem
consciência dos seus limites, das suas fronteiras. Para Kant “[…] muitas vezes,
quem é excessivamente rico de conhecimentos é muito menos esclarecido no
uso dos mesmo” (Kant, Que significa orientar-se no pensamento?, 1786) pois
não tem consciência dos seus limites, sendo inconsciente e consequentemente
não sendo livre.
Em consequência dos seus ideais políticos (e impulsionado pela
Revolução Francesa), lançou em 1795 a obra Para a Paz Perpétua (que
provocou um enorme sucesso junto ao público culto da sua época), um
projecto que visava estabelecer uma paz eterna entre os povos europeus,
primeiro, e depois espalhá-la pelo mundo inteiro. Kant afirmava que a paz só
poderia emergir de regimes republicanos com uma constituição fundamentada
no princípio da liberdade de todos os membros de uma sociedade, no princípio
de dependência em que todos estão submetidos a uma única legislação em
comum e no princípio da igualdade de todos os cidadãos. Para ele, a
constituição republicana, ao ampliar a base das decisões, tornava muito mais
difícil uma declaração de guerra do que um regime monárquico, em que muitas
vezes os conflitos eram fruto de caprichos ou do orgulho ferido de um príncipe.
Para evitar que isto mesmo acontecesse e para assegurar a paz, Kant previa a
formação de uma Sociedade das Nações (que mais tarde se veio a concretizar,
apesar de ter sido um fracasso), composta por uma federação de repúblicas
livres e independentes.
Após uma vida de reflexão, Immanuel Kant acabou por morrer a dois
meses de completar 80 anos, a 12 de Fevereiro de 1804, na cidade de
Königsberg, donde nunca saiu.
Contemporaneidade
Voltando um pouco atrás e recapitulando certas partes das vidas de
Galileu Galilei e de Immanuel Kant, é possível verificar uma clara evolução do
princípio de liberdade de expressão (e uma evolução positiva, diga-se de
passagem), condicionado pelas diferentes épocas históricas em que os dois
filósofos viveram, pois se por um lado encontramos a Inquisição no tempo de
Galileu, por outro destaca-se o Iluminismo na altura de Kant. Por isto é que
Kant não sentiu tanto “na pele” os obstáculos criados pela ausência desta
liberdade (já que havia liberdade de expressão no período em que viveu), como
o sentiu Galileu. No entanto, e apesar da grande transformação que o princípio
da liberdade de expressão sofreu entre os séculos XVI e XVIII, não estagnou
no Iluminismo. Pelo contrário, continuou numa progressiva evolução e hoje
debatemos os problemas que ela nos causa (mas já lá iremos).
Hoje em dia, a liberdade de expressão, em todas as suas formas e
manifestações, é um direito humano básico e fundamental inerente a todas as
pessoas, constando, inclusivamente, na Declaração Universal dos Direitos
Humanos (da Organização das Nações Unidas), onde segundo o 19.º artigo se
declara que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão;
este direito inclui o de […] investigar e receber informações e opiniões e o de
divulgá-las, sem limitação de fronteiras, por qualquer meio de expressão”. É,
actualmente, condição sine qua non
para a existência, consolidação e
desenvolvimento de uma sociedade democrática. Como tal, e segundo o 5.º
ponto da Declaração dos Princípios da Liberdade de Expressão (da
Organização dos Estados Americanos), as restrições quanto à livre circulação
de ideias e opiniões, a imposição arbitrária de informações e a criação de
obstáculos à liberdade de informação violam o direito à liberdade de expressão.
Não se pode, no entanto, afirmar que o desrespeito por esta liberdade não
exista só porque se enunciaram leis que o proíbem. Contudo, existem imensas
formas de o combater, nomeadamente através da criação de instituições
internacionais, como por exemplo a Organização das Nações Unidas (ONU), a
Organização de Segurança e Cooperação da Europa (OSCE), entre outras.
O progresso do princípio de liberdade de expressão ao longo da história
coloca-nos hoje uma difícil questão: Será que a liberdade de expressão não
traz gigantescas desvantagens por permitir mentiras, fraudes, distorções e
falsificações da realidade, através dos diversos meios em que se expressa? Na
minha opinião penso que sim (embora a crítica pessoal se desenvolva mais na
Conclusão) mas ao estabelecer a liberdade de expressão como direito, a
sociedade tem de estar consciente dos problemas que pode vir a causar,
quando utilizada por pessoas que agem de um modo oportunista e servindo-se
das fraquezas deste mesmo direito.
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Como já foi referido ao longo do Desenvolvimento, o princípio de
liberdade de expressão sofreu uma nítida evolução ao longo da história, pelo
menos durante o espaço de tempo que medeia entre o século XVI e o XVIII e o
século XVIII e XXI. É certo que pelo meio podem ter ocorrido oscilações deste
princípio mas se se fosse a analisar a progressão desta noção de “ano a ano”,
apesar de se obter uma ideia de progresso mais exacta, não seria possível
identificar tão facilmente as principais diferenças que ocorreram.
Visto que já foram esclarecidas no Desenvolvimento estas diferenças
que existiram entre as épocas de Galileu Galilei e Immanuel Kant, distinguindose um maior grau de liberdade de expressão no tempo de Kant (por se tratar do
Iluminismo, no qual se cultiva este tipo de liberdade) do que no de Galileu (que
foi inclusivamente condenado pela Inquisição pelas suas teorias heliocêntricas,
que rompiam a “verdade” inscrita nos textos bíblicos), convém agora reforçar o
tremendo salto que se deu a nível do princípio de liberdade de expressão na
Contemporaneidade. Pois bem, actualmente a liberdade de expressão é tida
como um direito importante e são penalizadas todas as formas de desrespeito
por esse direito. Até a própria Igreja Católica, o principal organismo
responsável pela ausência de liberdade de expressão na altura de Galileu,
evoluiu nesse sentido. Em 1980, o Papa João Paulo II ordenou um re-exame
do processo levantado contra Galileu, decidindo a Igreja pela sua absolvição
quase 350 anos após a sua condenação, o que eliminou os últimos vestígios
de resistência (por parte da Igreja Católica) à revolução de Copérnico.
No entanto, nem tudo são boas notícias no que respeita à evolução do
princípio de liberdade de expressão. A resposta à pergunta “Será que a
liberdade de expressão não traz gigantescas desvantagens por permitir
mentiras, fraudes, distorções e falsificações da realidade, através dos diversos
meios em que se expressa?”, já por duas vezes colocada neste trabalho, é,
portanto, complicada e distinta de pessoa para pessoa, de estado para estado.
Para alguns não faz sentido a ideia de que a liberdade de expressão só vai até
certo ponto. Para essas pessoas ou há liberdade para pensar e expressar esse
pensamento ou então não há (e aqui opera o princípio do terceiro excluído).
Não importa se esse pensamento é algo de verdadeiramente genial ou um
amontoado de “idiotices”. De facto, a lei não pode colocar obstáculos à
plenitude do pensamento, o que seria (de acordo com a Declaração dos
Princípios da Liberdade de Expressão da Organização dos Estados
Americanos) um desrespeito pela liberdade de expressão que hoje tem o
estatuto de direito. Consequentemente, a permissão da liberdade de expressão
em toda a sua extensão, para se respeitar esse direito, implica renunciar ao
controlo sobre qualquer que seja o conteúdo do pensamento. Não é que eu
defenda esta forma de controle, de superintendência, mas imaginemos que um
fanático pelo nazismo resolve publicar um livro em que apele ao antisemitismo. Então aí já estaria a divulgar ideias racistas e discriminatórias que
poderiam influenciar pessoas não muito esclarecidas nessas questões, que se
calhar até já tiveram problemas com indivíduos de raça judia. Além disso,
sabemos que o racismo é também ele um desrespeito pelos Direitos Humanos
e punível por lei. Então neste caso o que fazemos como primeiro-ministro de
um país? Restringimos a liberdade de expressão e evitamos este possível
problema ou possibilitamos o desrespeito por outros Direitos Humanos tão
importantes como esta forma de liberdade? Em Portugal, por exemplo, é
proibida a divulgação de ideias fascistas mas nos E. U. A. já não. Aqui é
possível defender qualquer tipo de posição pessoal, quer a nível religioso,
político, étnico, etc.
Talvez eu esteja mais de acordo com a política que os Estados Unidos
estabelecem. Cada um é como cada qual e como não somos simples
“máquinas
programáveis”
não
devemos
estabelecer
uma
sociedade
democrática baseada em restrições e proibições. Temos de permitir aos
cidadãos que cheguem às suas próprias conclusões e não considerá-los
“desviados da verdade” apenas porque defendem posições diferentes das
nossas (pois quem é que se pode julgar detentor da verdade?). O que é
considerado evidente e lógico para uns pode ser interpretado como ridículo por
outros e nunca chegaremos a saber quem é que está “matematicamente” certo
(talvez a fórmula mágica da verdade nem exista perante tamanha diversidade
cultural). O que eu penso é que sempre existirá oportunismo; nunca deixarão
de existir pessoas que se aproveitam das fraquezas de um direito para
atingirem determinados fins pessoais (no caso do presumível fanático nazi, o
de aproveitar a liberdade de expressão, tendo em mente propagar e incentivar
a segregação para com os judeus e outras raças), e, como tal, não se pode
limitar a verdadeira dimensão do pensamento. Têm sim que se tomar
consciência dos problemas que a liberdade de expressão pode vir a provocar e
tentar encontrar maneira de os enfrentar, sem, no entanto, restringir a liberdade
de expressão até certo ponto. Mas esta é apenas a minha opinião…
*Convém aqui esclarecer ao leitor não filósofo que quando se fala de crítica da razão pura e de
crítica da razão prática não existe contraposição entre puro e prático. A razão pura (que por
sua vez significa independente da experiência) é toda a razão; é a razão pura teórica e a razão
pura prática (a diferença é que uma é teórica e a outra é prática).
* Convém igualmente esclarecer que para Kant a liberdade e a razão estão intimamente
ligadas, não havendo liberdade sem razão nem razão sem liberdade.
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