A LIBERDADE DE EXPRESSÃO INTRODUÇÃO Com este trabalho pretende-se ilustrar o percurso de um tema filosófico, neste caso a liberdade de expressão, com o decorrer do tempo, e por isso, a sua evolução ao longo da história até aos dias de hoje, com especial incidência nas épocas vividas por Galileu Galilei e Immanuel Kant. Os filósofos escolhidos representam épocas diferentes que vão desde o longínquo século XVI (com Galileu) até ao mais próximo século XVIII, época do Iluminismo, em que viveu Immanuel Kant. Apesar de serem três os filósofos (Galileu Galilei, Immanuel Kant e Bertrand Russell) que apareciam tanto na planificação como no resumo do trabalho e através dos quais se iriam estabelecer comparações acerca deste tema, aquando da realização deste fase final ocorreram algumas alterações. De facto, o verdadeiro objectivo do trabalho é apresentar a posição de Galileu e de Kant sobre o tema da liberdade de expressão, tentando encontrar semelhanças ou diferenças nas formas em que foram afectados pela ausência desta liberdade e nos modos em que viram restringido o seu direito a expressar publicamente as suas opiniões. Assim, pretende-se ilustrar a evolução sofrida pelo tema ao atravessar séculos distintos, nos quais se permitem outras mentalidades e outras liberdades. Estes, são portanto, os dois filósofos (de épocas diferentes) escolhidos de acordo com as condições a que a realização deste trabalho estava sujeita. Bertrand Russell surgia como um filósofo da Época Contemporânea, já que faleceu há pouco mais de trinta anos. Com ele pretendia-se demonstrar o estado da liberdade de expressão na Contemporaneidade mas durante a realização deste terceira parte do trabalho chegou-se à conclusão de que não era bem esse o objectivo a atingir. Do “aparente presente” da morte de Russell até aos dias de hoje, muito mudou no seio da liberdade de expressão apesar de só terem passado pouco mais de trinta anos. Por esta mesma razão é que se considerou que seria melhor retirar Bertrand Russell dos objectivos do trabalho pois teria de se voltar a falar no presente (devido às ditas mudanças) e Russell passaria a ser mais um filósofo utilizado para demonstrar a evolução do princípio de liberdade de expressão. Assim, não só não se teria espaço nas cinco páginas de desenvolvimento para se estar a falar de três filósofos e ainda da Contemporaneidade, como também se desobedeceriam às condições impostas pela professora na altura de escolher o tema. Este “erro de organização” deveu-se provavelmente ao facto de não se ter efectuado uma pesquisa mais profunda sobre Bertrand Russell quando se tratou da planificação e do resumo do trabalho, o que teria certamente elucidado para este problema, que agora, feita a pesquisa, se coloca. No entanto, apesar de não se falar de Russell não se deixa de falar das tais mudanças que ocorreram já que hoje em dia se considera a liberdade de expressão como um pré-requisito para a existência de uma sociedade democrática. É como que uma condição fundamental que obrigatoriamente tem de ser respeitada para se possibilitar uma coexistência pacífica entre indivíduos. Contudo, não é que o desrespeito por este tipo de liberdade tenha desaparecido por completo (embora sejam imensas as organizações que o combatem), mas assume novas formas ao transformar a liberdade de expressão em algo negativo e perigoso, quando utilizada com um sentido oportunista. Mas ao permitir-se a liberdade de expressão em todo o seu “esplendor” será possível erradicar os males que daí advêm? DESENVOLVIMENTO G Gaalliilleeii Gaalliilleeuu G Físico, Matemático, Astrónomo e Filósofo, o mais antigo dos dois filósofos em questão, Galileu Galilei, nasceu a 15 de Fevereiro de 1564 na cidade de Pisa, em Itália. Por pouco não seguiu a carreira artística por se considerar como que um presságio o facto de ter nascido três dias antes da morte de um dos senhores do Renascimento, Miguel Ângelo. Contudo, o seu pai queria que ele fosse médico e, como tal, com apenas 17 anos de idade, Galileu começou a estudar Medicina na Universidade de Pisa. Como o seu interesse pelo campo da Medicina nunca evoluiu, interessando-se sim pela Matemática e Física (que na época era considerada uma ciência de sonhadores) e apenas pensando em fazer experiências físicas, em 1585 Galileu abandonou finalmente o ramo da Medicina. A partir dessa altura, iniciou uma série de invenções das quais se destacam: a balança hidrostática (1586), uma máquina para elevar água (1593), o compasso geométrico-militar (1597) ou o termoscópio, um termómetro primitivo (1606). Para além disso, Galileu foi o primeiro a contestar as ideias de Aristóteles (o único que havia descoberto alguma coisa sobre a Física naquela altura) e descobriu que a massa dos corpos não influencia na velocidade da queda (no vácuo). Em 1604, observou a supernova de Kepler e um ano mais tarde apresentou três palestras públicas sobre o evento, mostrando que a impossibilidade de se medir a paralaxe indica que a estrela está para além da Lua e que portanto ocorrem mudanças no céu. Galileu considera este facto como uma prova da teoria heliocêntrica de Copérnico (teoria segundo a qual a Terra não é o centro do Universo à volta da qual giram todos os outros planetas, mas apenas mais um planeta que gira em torno do Sol) e começa já a dar os “primeiros passos” naquela que será a sua mais difícil luta, marcada pela falta de liberdade de expressão. Em Maio de 1609, ouve falar de um instrumento de olhar à distância que um holandês (de seu nome Hans Lipperhey) tinha construído e mesmo sem nunca ter visto o aparelho construiu a sua primeira luneta em Junho, com um aumento de três vezes. Até Dezembro do mesmo ano, Galileu construiu várias outras (a mais potente com um aumento de trinta vezes). Com as suas lunetas, faz uma série de observações da Lua, descobrindo que esta tem montanhas. Dois meses depois, em 1610, descobre os satélites de Júpiter, o que prova que, contrariamente ao sistema de Ptolomeu, existem corpos celestes que circundam outro corpo que não a Terra. No final desse ano, verifica que Vénus apresenta fases tal com a Lua, tornando assim falso o sistema geocêntrico de Ptolomeu ao provar que Vénus orbita o Sol. Galileu conseguiu assim juntar uma grande quantidade de evidências a favor da teoria heliocêntrica (escrevendo em italiano para difundir mais facilmente pelo público a teoria de Copérnico), o que chamou a atenção da Inquisição que o adverte, proibindo-o de difundir as ideias heliocêntricas. Ao mesmo tempo, são colocados no Índice de livros proibidos pela Igreja Católica todos aqueles que defendiam o modelo heliocêntrico. A razão desta proibição devia-se ao facto de no Salmo 104:5 da Bíblia estar escrito “Deus colocou a Terra em suas fundações para que não se mova por todo o sempre”. Contudo, Galileu não obedece à proibição pois para ele as descobertas alcançadas pelo cientista através das suas observações e demonstrações não podiam ser ignoradas apenas por não estarem de acordo com as certezas dogmáticas inscritas nas Sagradas Escrituras. Segundo Galileu a autoridade dos textos sagrados não devia ser tida como critério na discussão de problemas da Física mas sim as experiências. Como ele mesmo afirma na obra Cartas, discussões, diálogos “[…] as Escrituras Sagradas e a Natureza procedem igualmente do Verbo Divino […] e Deus não se revela menos excelentemente nos efeitos naturais do que nas palavras sagradas das Escrituras”, até porque “[…] enquanto as Escrituras se acomodam à inteligência da generalidade humana, falam em muitos passos segundo as aparências e em termos que, tomados à letra, se afastam da verdade; a Natureza, muito pelo contrário, conforma-se inexorável e imutavelmente com as leis que lhe são impostas […]”. Em 1632 publica o Diálogo sobre os dois grandes sistemas do mundo que tem mais o carácter de uma obra pedagógico-filosófica do que estritamente científica, na qual Galileu evidencia como o sistema de Copérnico explica os fenómenos celestes. O Papa da altura, Maffeo Barberini, apesar de amigo pessoal de Galileu, viu-se obrigado a enviar o caso para a Inquisição (devido à grande oposição política que enfrentava) que exige a presença de Galileu em Roma. Assim, devido à ausência de liberdade de expressão, foi julgado e condenado por heresia em 1633, vendo-se obrigado a renegar as suas conclusões de que a Terra não era o centro do Universo nem imóvel. A sentença ao exílio foi convertida a prisão domiciliária na sua residência de Arcetri, local onde permaneceu até à sua morte a 8 de Janeiro de 1642. Para além disso, Galileu foi proibido do contacto público e de publicar novos livros e apenas em 1822 foram retiradas as suas obras do Índice de livros proibidos pela Igreja Católica. Immanuel Kant Quanto a Immanuel Kant, foi uma das maiores figuras da história da Filosofia (que levou uma existência de rigor, sempre entregue aos seus pensamentos), tendo nascido a 12 de Abril de 1724 na antiga Prússia, na cidade de Königsberg (aliás o único sítio que conheceu pessoalmente já que nunca saiu da sua cidade natal), hoje Kalininegrado, na Rússia. Era um homem metódico, o que permitia às pessoas acertarem o seu relógio quando o viam passar pois saía de casa sempre à mesma hora. O seu pensamento filosófico começou cedo, distinguindo-se no período pré-crítico (no qual segue, mais ou menos, os caminhos do pensamento dominante das primeiras décadas do século XVIII) e no período crítico (onde descobre e consolida a sua forma típica de pensar) durante o qual publica as suas grandes obras críticas: a Crítica da Razão Pura (1781), a Crítica da Razão Prática (1788) e a Crítica do Juízo (1790)*. Estas suas obras de maturidade marcam um estilo novo e Kant tem plena consciência disso mesmo pois diz que se trata de uma “revolução copernicana” (ao pensar na revolução da concepção astronómica de Ptolomeu por Copérnico com a qual estabelece a comparação). Este novo estilo tem que ver, essencialmente, com a tendência de evitar o erro mais do que a descoberta da verdade (apesar de ser lógico que a erradicação do erro leva a uma consequente verdade). Immanuel Kant viveu num período histórico bastante importante e revolucionário, o que certamente o influenciou nas suas obras: o Iluminismo. menoridade de que ele próprio é culpado” (Kant, Resposta à pergunta: Que é o Iluminismo?, 1784). Esta menoridade (incapacidade de se servir do entendimento próprio sem a orientação de um agente exterior) é por culpa própria quando o que a causa não é a falta de entendimento mas a falta de decisão e de coragem em ultrapassá-la. Como tal, a palavra de ordem do Iluminismo é Sapere aude! (Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento!). Os preceitos e as fórmulas (que segundo Kant, no seu opúsculo Resposta à Pergunta: Que é o Iluminismo, são “[…] instrumentos mecânicos do uso racional ou, antes, do mau uso dos seus dons naturais […]”) são as correntes que prendem a uma menoridade perpétua, sendo o dogmatismo (modo de proceder intelectual incapaz de se pôr a si mesmo em questão) o grande inimigo a enfrentar. No entanto, é perfeitamente possível que um público se esclareça a si mesmo. Mais ainda “[…] é quase inevitável, se para tal lhe for dada liberdade” (Kant, Resposta à pergunta: Que é o Iluminismo?, 1784). Por esta razão é que era (até então) inconveniente uma liberdade de expressão pois tornava-se tão fácil aos chamados tutores a superintendência dos menores (preguiçosos e cobardes que não viam o porquê de se esforçarem se outros o podiam fazer por eles). Defende Kant que através de uma revolução poderia talvez acabar-se com o despotismo pessoal e com esta opressão gananciosa ou dominadora, mas nunca se atingiria uma verdadeira reforma do modo de pensar; novos preconceitos (tal como os antigos) “[…] servirão de rédeas à grande massa destituída de pensamento” (Kant, Resposta à pergunta: Que é o Iluminismo?, 1784). Para se atingir a ilustração (objectivo do Iluminismo) exige-se a liberdade, e, como tal, o direito de um indivíduo de expressar livremente, em público (sim, em público, porque não adianta nada ter liberdade de pensar se existir censura que impeça a publicidade desses pensamentos), as suas opiniões e convicções, evitando assim o que aconteceu com Galileu. Pode-se portanto afirmar que Kant foi um filósofo privilegiado ao viver num período em que se procurava cultivar a liberdade de expressão. Raramente se viu limitado ou proibido pela falta de liberdade de expressão (excepto no caso de que se fala mais adiante). Verifica-se assim uma evolução do princípio de liberdade de expressão desde a época de Galileu até ao século XVIII, tornando-se mais “tolerante” (na mais recente concepção da palavra). Pode, inclusivamente, dar-se um exemplo da facilidade (comparada com a época de Galileu) com que Kant difundia as suas ideias mesmo sem estarem concordantes com aquilo que se pensava até à altura. Ora, Kant vai empreender uma dura tarefa nas suas obras: a da crítica da razão (*), de estabelecer os seus limites, as suas possibilidades. Normalmente considera-se que o pensamento conhece as coisas tal como são, pelo que se costuma dizer frequentemente “a coisa em si”. Kant diz que não, que tal não é possível pois o que eu conheço (utiliza-se aqui a primeira pessoa para evitar confusões que espaço, ao meu tempo, às minhas categorias; quando eu conheço algo, transformo e modifico “a coisa em si” (que, como tal, é inadmissível) pelo que passa a estar em mim, entranhada na minha subjectividade. Então, para Kant, ao que se chamava “a coisa em si” deveria antes referir-se como “a coisa em mim”. Logo, o conhecimento é, de certo modo, uma transformação do real. Isto é algo decisivo que vai iniciar uma nova maneira de propor os problemas filosóficos (justamente o que a Crítica da Razão Pura vai explorar). É realmente uma “revolução copernicana” (como se referiu anteriormente), uma mudança profundíssima na maneira de ver as coisas; é uma renúncia à crença ingénua de que se conhecem “as coisas em si mesmas”, renúncia essa que rompe os parâmetros tradicionais e que não é punida por aqueles a quem a liberdade de expressão não agradava. Aqui está um exemplo do espaço de manobra permitido a Kant pela liberdade de expressão da altura. Apesar de toda esta liberdade, Kant também foi vítima de algum desrespeito por ela. Embora muito poucos os casos em que tal se verifica (eu apenas encontrei um), o que é certo é que existiram. Talvez o exemplo mais notável tenha sido o da segunda edição do seu livro Religião nos Limites da Razão (1794) proibida pelo então rei da Prússia, Frederico Guilherme II, por desrespeitar pontos fulcrais da Bíblia e do cristianismo. Kant (embora discordasse da acusação) garantiu obedecer à ordem real (apesar da intenção de que a promessa se limitaria à vida do rei). De facto, com a subida ao trono de Frederico Guilherme III, os mesmos conteúdos antes proibidos (ou muito semelhantes) viram a luz do dia com a publicação do Conflito das Faculdades (1798), no qual já pôde reivindicar a liberdade de pensamento e de palavra contra as arbitrariedades do despotismo (mesmo a respeito da religião, o que na altura de Galileu era impensável, demonstrando assim a já referida evolução do princípio de liberdade de expressão). Immanuel Kant era acérrimo defensor da liberdade de expressão, facto que se pode justificar tanto pelos seus ideais filosóficos como pelos políticos. Em relação aos primeiros, Kant defendia três parâmetros fundamentais: o pensar por si próprio (ou seja, pensar livre de preconceitos que limitam o pensamento); o pensar sempre de acordo consigo próprio (isto é, ter coerência); o pensar colocando-se no lugar do outro (este outro representa qualquer outro e, como tal, todos, simbolizando assim a Humanidade). Afirma que a finitude do ser humano é sinal de liberdade pois é livre o homem que tem consciência dos seus limites, das suas fronteiras. Para Kant “[…] muitas vezes, quem é excessivamente rico de conhecimentos é muito menos esclarecido no uso dos mesmo” (Kant, Que significa orientar-se no pensamento?, 1786) pois não tem consciência dos seus limites, sendo inconsciente e consequentemente não sendo livre. Em consequência dos seus ideais políticos (e impulsionado pela Revolução Francesa), lançou em 1795 a obra Para a Paz Perpétua (que provocou um enorme sucesso junto ao público culto da sua época), um projecto que visava estabelecer uma paz eterna entre os povos europeus, primeiro, e depois espalhá-la pelo mundo inteiro. Kant afirmava que a paz só poderia emergir de regimes republicanos com uma constituição fundamentada no princípio da liberdade de todos os membros de uma sociedade, no princípio de dependência em que todos estão submetidos a uma única legislação em comum e no princípio da igualdade de todos os cidadãos. Para ele, a constituição republicana, ao ampliar a base das decisões, tornava muito mais difícil uma declaração de guerra do que um regime monárquico, em que muitas vezes os conflitos eram fruto de caprichos ou do orgulho ferido de um príncipe. Para evitar que isto mesmo acontecesse e para assegurar a paz, Kant previa a formação de uma Sociedade das Nações (que mais tarde se veio a concretizar, apesar de ter sido um fracasso), composta por uma federação de repúblicas livres e independentes. Após uma vida de reflexão, Immanuel Kant acabou por morrer a dois meses de completar 80 anos, a 12 de Fevereiro de 1804, na cidade de Königsberg, donde nunca saiu. Contemporaneidade Voltando um pouco atrás e recapitulando certas partes das vidas de Galileu Galilei e de Immanuel Kant, é possível verificar uma clara evolução do princípio de liberdade de expressão (e uma evolução positiva, diga-se de passagem), condicionado pelas diferentes épocas históricas em que os dois filósofos viveram, pois se por um lado encontramos a Inquisição no tempo de Galileu, por outro destaca-se o Iluminismo na altura de Kant. Por isto é que Kant não sentiu tanto “na pele” os obstáculos criados pela ausência desta liberdade (já que havia liberdade de expressão no período em que viveu), como o sentiu Galileu. No entanto, e apesar da grande transformação que o princípio da liberdade de expressão sofreu entre os séculos XVI e XVIII, não estagnou no Iluminismo. Pelo contrário, continuou numa progressiva evolução e hoje debatemos os problemas que ela nos causa (mas já lá iremos). Hoje em dia, a liberdade de expressão, em todas as suas formas e manifestações, é um direito humano básico e fundamental inerente a todas as pessoas, constando, inclusivamente, na Declaração Universal dos Direitos Humanos (da Organização das Nações Unidas), onde segundo o 19.º artigo se declara que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão; este direito inclui o de […] investigar e receber informações e opiniões e o de divulgá-las, sem limitação de fronteiras, por qualquer meio de expressão”. É, actualmente, condição sine qua non para a existência, consolidação e desenvolvimento de uma sociedade democrática. Como tal, e segundo o 5.º ponto da Declaração dos Princípios da Liberdade de Expressão (da Organização dos Estados Americanos), as restrições quanto à livre circulação de ideias e opiniões, a imposição arbitrária de informações e a criação de obstáculos à liberdade de informação violam o direito à liberdade de expressão. Não se pode, no entanto, afirmar que o desrespeito por esta liberdade não exista só porque se enunciaram leis que o proíbem. Contudo, existem imensas formas de o combater, nomeadamente através da criação de instituições internacionais, como por exemplo a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização de Segurança e Cooperação da Europa (OSCE), entre outras. O progresso do princípio de liberdade de expressão ao longo da história coloca-nos hoje uma difícil questão: Será que a liberdade de expressão não traz gigantescas desvantagens por permitir mentiras, fraudes, distorções e falsificações da realidade, através dos diversos meios em que se expressa? Na minha opinião penso que sim (embora a crítica pessoal se desenvolva mais na Conclusão) mas ao estabelecer a liberdade de expressão como direito, a sociedade tem de estar consciente dos problemas que pode vir a causar, quando utilizada por pessoas que agem de um modo oportunista e servindo-se das fraquezas deste mesmo direito. C CO ON NC CLLU USSÃ ÃO O Como já foi referido ao longo do Desenvolvimento, o princípio de liberdade de expressão sofreu uma nítida evolução ao longo da história, pelo menos durante o espaço de tempo que medeia entre o século XVI e o XVIII e o século XVIII e XXI. É certo que pelo meio podem ter ocorrido oscilações deste princípio mas se se fosse a analisar a progressão desta noção de “ano a ano”, apesar de se obter uma ideia de progresso mais exacta, não seria possível identificar tão facilmente as principais diferenças que ocorreram. Visto que já foram esclarecidas no Desenvolvimento estas diferenças que existiram entre as épocas de Galileu Galilei e Immanuel Kant, distinguindose um maior grau de liberdade de expressão no tempo de Kant (por se tratar do Iluminismo, no qual se cultiva este tipo de liberdade) do que no de Galileu (que foi inclusivamente condenado pela Inquisição pelas suas teorias heliocêntricas, que rompiam a “verdade” inscrita nos textos bíblicos), convém agora reforçar o tremendo salto que se deu a nível do princípio de liberdade de expressão na Contemporaneidade. Pois bem, actualmente a liberdade de expressão é tida como um direito importante e são penalizadas todas as formas de desrespeito por esse direito. Até a própria Igreja Católica, o principal organismo responsável pela ausência de liberdade de expressão na altura de Galileu, evoluiu nesse sentido. Em 1980, o Papa João Paulo II ordenou um re-exame do processo levantado contra Galileu, decidindo a Igreja pela sua absolvição quase 350 anos após a sua condenação, o que eliminou os últimos vestígios de resistência (por parte da Igreja Católica) à revolução de Copérnico. No entanto, nem tudo são boas notícias no que respeita à evolução do princípio de liberdade de expressão. A resposta à pergunta “Será que a liberdade de expressão não traz gigantescas desvantagens por permitir mentiras, fraudes, distorções e falsificações da realidade, através dos diversos meios em que se expressa?”, já por duas vezes colocada neste trabalho, é, portanto, complicada e distinta de pessoa para pessoa, de estado para estado. Para alguns não faz sentido a ideia de que a liberdade de expressão só vai até certo ponto. Para essas pessoas ou há liberdade para pensar e expressar esse pensamento ou então não há (e aqui opera o princípio do terceiro excluído). Não importa se esse pensamento é algo de verdadeiramente genial ou um amontoado de “idiotices”. De facto, a lei não pode colocar obstáculos à plenitude do pensamento, o que seria (de acordo com a Declaração dos Princípios da Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos) um desrespeito pela liberdade de expressão que hoje tem o estatuto de direito. Consequentemente, a permissão da liberdade de expressão em toda a sua extensão, para se respeitar esse direito, implica renunciar ao controlo sobre qualquer que seja o conteúdo do pensamento. Não é que eu defenda esta forma de controle, de superintendência, mas imaginemos que um fanático pelo nazismo resolve publicar um livro em que apele ao antisemitismo. Então aí já estaria a divulgar ideias racistas e discriminatórias que poderiam influenciar pessoas não muito esclarecidas nessas questões, que se calhar até já tiveram problemas com indivíduos de raça judia. Além disso, sabemos que o racismo é também ele um desrespeito pelos Direitos Humanos e punível por lei. Então neste caso o que fazemos como primeiro-ministro de um país? Restringimos a liberdade de expressão e evitamos este possível problema ou possibilitamos o desrespeito por outros Direitos Humanos tão importantes como esta forma de liberdade? Em Portugal, por exemplo, é proibida a divulgação de ideias fascistas mas nos E. U. A. já não. Aqui é possível defender qualquer tipo de posição pessoal, quer a nível religioso, político, étnico, etc. Talvez eu esteja mais de acordo com a política que os Estados Unidos estabelecem. Cada um é como cada qual e como não somos simples “máquinas programáveis” não devemos estabelecer uma sociedade democrática baseada em restrições e proibições. Temos de permitir aos cidadãos que cheguem às suas próprias conclusões e não considerá-los “desviados da verdade” apenas porque defendem posições diferentes das nossas (pois quem é que se pode julgar detentor da verdade?). O que é considerado evidente e lógico para uns pode ser interpretado como ridículo por outros e nunca chegaremos a saber quem é que está “matematicamente” certo (talvez a fórmula mágica da verdade nem exista perante tamanha diversidade cultural). O que eu penso é que sempre existirá oportunismo; nunca deixarão de existir pessoas que se aproveitam das fraquezas de um direito para atingirem determinados fins pessoais (no caso do presumível fanático nazi, o de aproveitar a liberdade de expressão, tendo em mente propagar e incentivar a segregação para com os judeus e outras raças), e, como tal, não se pode limitar a verdadeira dimensão do pensamento. Têm sim que se tomar consciência dos problemas que a liberdade de expressão pode vir a provocar e tentar encontrar maneira de os enfrentar, sem, no entanto, restringir a liberdade de expressão até certo ponto. Mas esta é apenas a minha opinião… *Convém aqui esclarecer ao leitor não filósofo que quando se fala de crítica da razão pura e de crítica da razão prática não existe contraposição entre puro e prático. A razão pura (que por sua vez significa independente da experiência) é toda a razão; é a razão pura teórica e a razão pura prática (a diferença é que uma é teórica e a outra é prática). * Convém igualmente esclarecer que para Kant a liberdade e a razão estão intimamente ligadas, não havendo liberdade sem razão nem razão sem liberdade. BIBLIOGRAFIA FERREIRA, Manuel J. do Carmo (1981), O socratismo de Kant, Lisboa, Comunicação ao Colóquio “Kant”, org. Dep. Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (p. 17-37); KANT, Immanuel (1988), A Paz Perpétua e outros opúsculos, Lisboa, Edições 70, Lda., colecção Textos Filosóficos, n.º 18 (p. 11-19/54-55); Diciopédia 2000 (1999), Porto, Porto Editora Multimédia; Realizar um trabalho escrito (2000), Almada, Escola Secundária Emídio Navarro; Os filósofos e a liberdade de expressão (2002), Almada, Escola Secundária Emídio Navarro; Internet: www.uol.com.br/folha/pensata/ult510u46.shtml, 15/02/02, 21:27; www.oas.org/OASNews/2000/Portuguese/Janero-Fevereiro2000/artigo10.htm, 15/02/02, 21:30; www.icfj.org/libertad-prensa/cidhdeclaration-port.html, 15/02/02, 21:36; www.cejil.org/INSTRUMENTOSpor/DeclaraLE.htm, 20/02/02, 22:00; www.icfj.org/libertad-prensa/enlaces-port.html, 20/02/02, 22:06; www.impunidad.com/articles/resol_unescoP.htm, 20/02/02, 22:12; www.cne.pt/dicionel/entradas/liberexp.htm, 20/02/02, 22:14; http://astro.if.ufrgs.br/bib/bibkepler.htm, 08/03/02, 10:46; http://members.fortunecity.com/planetarium/galileu.htm, 08/03/02, 10:50; www.filosofia.pro.br/curso/galileu_galilei.htm, 08/03/02, 10:52; http://br.geocities.com/pensabr/galileu/sobreomesmo.htm, 08/03/02, 10:55; www.hottopos.com/harvard4/jmskant.htm, 08/03/02, 15:01; www.terra.com.br/voltaire/cultura/kant_paz.htm, 08/03/02, 15:05; www.terra.com.br/voltaire/cultura/kant_paz2.htm, 08/03/02, 15:06; www.aultimaarcadenoe.com/cidadaniafilosofia.htm, 08/03/02, 15:10; www.micropic.com.br/noronha/filosofo8.htm, 08/03/02, 15:12; www.oclick.com.br/colunas/geraldo23.html, 08/03/02, 17:15; www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/russell/russel.htm, 08/03/02, 17:21.