O método instrumental em psicologia
L. S. Vigotski (1930)
Organização do material: Achilles Delari Junior
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MARINGÁ, NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2012
O método instrumental em psicologia - L. S. Vigotski (1930)
1
“No comportamento do homem surge uma série de dispositivos artificiais
dirigidos para o domínio dos próprios processos psíquicos. Por analogia
com a técnica, esses dispositivos podem receber, de pleno direito, a
denominação convencional de ferramentas ou instrumentos psicológicos
(técnica interna segundo a terminologia de E. Claparède, modus operandi,
segundo R. Thurnwald).” (Vigotski, 1930/1996. p. 93)
(a) “Artificiais”: criados culturalmente pelo próprio homem, como coletividade;
não presentes antes na natureza.
(b) “Dirigidos”: alguém os dirige, trata-se do próprio sujeito, com papel ativo.
(c) “Próprios”: para o domínio dos próprios processos primeiro se dirige ao
domínio dos processos de outras pessoas, do inter para o intrapsíquico.
(d) “Instrumentos psicológicos”: isto é uma analogia com os instrumentos,
ferramentas de trabalho, contudo são análogos mas não são iguais, o
instrumento psicológico é mediação sujeito-instrumento-sujeito, e o
instrumento propriamente dito é mediação sujeito-instrumento-objeto.
(e) “modus operandi”: não só uma “coisa”, mas uma “ação”, “modo de operar”.
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“Essa analogia como qualquer outra, não pode chegar a suas últimas
consequências até a total coincidência de todos os traços de ambos os
conceitos; por isso não se pode esperar de antemão que encontremos
nesses dispositivos todos os traços dos instrumentos de trabalho.”
(Vigotski, 1930/1996. p. 93)
(a) (sem) “Total coincidência”: não há total coincidência entre “instrumentos
psicológicos” (signos) e “instrumentos propriamente ditos” (ferramentas), como
dito antes, a mediação que realizam é diferente, o signo é mediador sujieto-xsujeito; e o instrumento é mediador sujeito-x-objeto. Ora um instrumento pode
ter o valor de signo, por exemplo, erguer uma arma para intimidar, mesmo que
não se atire. Mas um signo não pode transformar os objetos, por exemplo
dançar para fazer chover, ou conversar com os livros na estante e esperar que
respondam nossas perguntas. Os signos não afetam os objetos, mas afetam
nossa ação para que nossa ação afete os objetos, e assim sejamos afetados
também pelo nosso próprio modo de agir com eles...
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“Os instrumentos psicológicos são criações artificiais; estruturalmente,
são dispositivos sociais e não orgânicos ou individuais; destinam-se ao
domínio dos processos próprios ou alheios, assim como a técnica se
destina ao domínio dos processos da natureza.” (Vigotski, 1930/1996. p.
93)
(a) “artificiais”: isto é, são obra da cultura, não são naturais, não nascem conosco.
Por exemplo: “a palavra”, nosso organismo tem a capacidade de emitir sons,
mas só se aprende a falar com outras pessoas, e cada cultura terá sua própria
língua, seu próprio sistema linguístico.
(b) “sociais”: é imprescindível a relação com outras pessoas para o bebê, o filhote
humano, se apropriar das ferramentas psicológicas de sua cultural, sem relação
com o outro tais ferramentas nem chegam a ter uma função.
(c) “próprios ou alheios”: o signo, instrumento psicológico, se dirige primeiro ao
comportamento de outra pessoa, com o desenvolvimento é que passaremos a
realizar ações simbólicas que afetam nosso próprio comportamento.
(d) “natureza”: mais uma vez, os instrumentos propriamente ditos afetam “coisas”
não pessoas, pelo menos essa é a sua função primeira, transformar objetos...
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“Como exemplo de instrumentos psicológicos e de seus complexos
sistemas podem servir a linguagem, as diferentes formas de numeração e
cálculo, os dispositivos mnemotécnicos, o simbolismo algébrico, as obras
de arte, a escrita, os diagramas, os mapas, os desenhos, todo tipo de
signos convencionais, etc.” (Vigotski, 1930/1996. p. 93-94)
(a) “complexos sistemas”: vê-se que os signos não atuam de modo isolado mas
num sistema, por exemplo a Língua Brasileira de Sinais, é um sistema, um gesto
sozinho não consegue dar conta de toda a complexidade da realidade natural e
humana a ser comunicada aos demais.
(b) “linguagem”: aqui ele deve estar falando da “linguagem verbal oral”, ou “fala”,
pois logo abaixo virá “escrita”, e escrita também é uma forma de linguagem
verbal.
(c) “obras de arte”: isto é muito amplo, temos a música (instrumental, canção), as
artes plásticas (pintura, escultura), a dança, a literatura (poesia, diversas formas
de fazer poesia, prosa, diversos gêneros de prosa), o teatro, o cinema...
(d) “todo tipo” e “etc.”: o que seria esse “todo tipo” podemos pensar, mas e o
“etc.”?
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“Ao inserir-se no processo de comportamento, o instrumento psicológico
modifica de forma global a evolução e a estrutura das funções psíquicas e
as suas propriedades determinam a configuração do novo ato
instrumental do mesmo modo que o instrumento técnico modifica o
processo de adaptação natural e determina a forma das operações
laborais” (Vigotski, 1930/1996. p. 94)
(a) “funções psíquicas”: há várias classificações de funções psíquicas em Vigotski,
todas incompletas, mas podemos lembrar a percepção, a memória, a atenção, o
intelecto, a imaginação, a própria linguagem, ou a própria volição, contudo
umas se relacionam com as outras, e algumas são mais complexas e
abrangentes.
(b) “ato instrumental”: é importante que não se destaca só o “instrumento
psicológico” em si, mas toda a atividade humana de valer-se desse instrumento.
(c) “instrumento técnico”: ou instrumento propriamente dito, ou ferramenta,
afeta a relação do homem com os objetos da natureza e objetos em geral, por
isso que se relaciona às operações laborais
(d) “operações laborais”: por exemplo, serrar, pregar, polir, cortar, carregar, etc.
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“Além dos atos e processos de comportamento naturais, é preciso
distinguir as funções das formas de comportamento artificiais ou
instrumentais. Os primeiros surgiram e se desenvolveram como
mecanismos especiais ao longo do processo da evolução [da espécie] e
são comuns ao homem e aos animais superiores; os segundos constituem
uma realização posterior da humanidade, um produto da evolução
histórica e são a forma específica de comportamento do homem. Nesse
sentido, T. Ribot chamou de natural a atenção involuntária e de artificial a
voluntária, vendo nela um produto do desenvolvimento histórico (cf. o
ponto de vista de P. P. Blonski” (Vigotski, 1930/1996. p. 94)
(a) “natural e artificial”: note-se que o “artificial” significa o que é produto do
trabalho do “artífice”, ou seja algo próprio da cultural. Não a palavra “artificial”
no sentido como de algo “superficial” ou “falso”: “Tal pessoa é muito artificial”.
(b) “evolução”: ao longo de milênios ocorreram mutações genéticas e algumas
foram mais adaptadas outras não, várias espécies hominídeas houve, o Homo
sapiens sapiens foi a única que sobreviveu, inclusive exterminou outras.
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(c) “realização posterior da humanidade”: tema controverso, Vigotski não está de
todo certo, depende do sentido que se dá para a palavra “Humanidade”, pois houve
hominídeos antes de haver a humanidade como ela é hoje, e estes já usavam
instrumentos técnicos e possivelmente instrumentos psicológicos, pois estes são
necessários para criar aqueles. Certamente o que houve foi uma diversificação e
complexificação muito desses instrumentos com a história do Homo sapiens
sapiens. Mas os estudiosos ainda se debruçam sobre o que teríamos nós de
exclusivo com relação aos nossos parentes, seja em termos quantitativos (mais
massa encefálica) ou qualitativos (uma forma de pensar realmente nova).
(d) “Ribot”: Já Ribot via as formas culturais de processo mental como produto do
processo histórico, o que significa que se os hominídeos anteriores ou
concomitantes ao homem atual, tiveram instrumentos psicológicos eles também já
tinham “história”.
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“Os atos artificiais (instrumentais) não devem ser considerados como
sobrenaturais ou supranaturais, criados segundo determinadas leis novas,
especiais. Os atos artificiais são precisamente os mesmos atos naturais,
que podem ser decompostos até o fim e reduzidos a estes últimos, da
mesma maneira que qualquer máquina (ou instrumento técnico) pode ser
decomposta em um sistema de forças e processos naturais.
O artificial é o resultado de uma combinação (construção), e é ao que
tende a substituição e o emprego desses processos naturais [isolados]. A
relação entre os processos instrumentais e os naturais pode ser explicada
por meio do seguinte esquema: um triângulo.
Na lembrança natural estabelece-se uma conexão associativa direta (um
reflexo condicionado [condicional]) A – B entre os dois estímulos A e B. Na
lembrança artificial, mnemotécnica, dessa mesma através do instrumento
psicológico X (nó no lenço, esquema mnemônico), no lugar da conexão
direta A – B estabelecem-se duas novas conexões:
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A
B
X
A – X e X – B, cada uma das quais é um reflexo condicionado [condicional],
determinado pelas propriedades do tecido cerebral, da mesma forma que
a conexão A – B. O novo, o artificial, o instrumental é dado pela
substituição de uma conexão A – B por duas: A – X e X – B, que conduzem
ao mesmo resultado, mas por outro caminho. O novo é a direção artificial
que o instrumento imprime ao processo natural de fechamento da
conexão condicionada, ou seja, a utilização ativa das propriedades
naturais do tecido cerebral” (Vigotski, 1930/1996. p. 94-95)
(a) “sobrenaturais ou supranaturais”: pode parece paradoxo, mas trata-se que
nada no homem está além da natureza, isto é somos seres naturais, mas de tipo
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especial, que não traz no genoma tudo o que vai nos ajudar a desenvolver nossa
própria natureza. Luria falou dos signos, instrumentos psicológicos, como recursos
“extra-corticais”, ao mesmo tempo existem em nós e fora de nós, como quando
pronunciamos uma palavra e a podemos ouvir, como quando há na nossa frente
uma palavra escrita num papel, mas a estamos vendo e ela está também
representada em nosso cérebro.
(b) “mesmos atos naturais”: Aqui Vigotski provavelmente estava ainda preso à ideia
de que as funções psíquicas superiores seriam sistemas complexos de reflexos
condicionais, e a consciência um mecanismo de transmissão entre sistemas de
reflexos, de tal modo que decompondo a função parte por parte se chegaria ao
mesmo mecanismo biológico básico: o reflexo. Mas o desenvolvimento posterior da
teoria, e da neuropsicologia mostraram que as fps’s são formadas por “sistemas
funcionais dinâmicos” bem mais complexos que a junção de reflexos. Então os atos
instrumentais não são “os mesmos” atos naturais. São naturais também, mas de
outra ordem, de ordem superior.
(c) “combinação”: o mesmo problema anterior, o instrumental não é só combinação
de reflexos. O conceito de “natural” teria que ser revisto, o cérebro é natural mas é
um sistema ultra-complexo e aberto.
(d) “triângulo”: Este desenho parte da base dos reflexos, mas o “X” é o homem que
insere ativamente, por isso há um mérito nessa formulação, mas quem é o homem?
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(e) “lembrança natural e artificial”: supõe-se que na lembrança natural a ligação
entre “A” e “B” seja direta, como se a “imagem de um copo” (A) se conectasse por
justaposição à “imagem de uma quantidade de suco de laranja” (B) dentro do copo.
Por associação quando eu voltasse a ver o copo lembraria do suco; ou quando
voltasse a ver o suco lembraria do copo. Por reflexo. Assim também o estímulo já
determinado faria emergir em meu cérebro a lembrança como se o objeto A
trouxesse a recordação “rec-B”. Na lembrança artificial não só objetos bastariam
para lembrar, mas seria preciso um instrumento psicológico como a frase “copo com
suco de laranja” (X) fizesse a união dos estímulos (A) e (B), e eu pudesse lembrar
tanto de “A” quanto de “B” apenas com alguém pronunciando a frase, se a presença
de objeto físico nenhum, mas o som da frase, ou sua forma escrita. Não é
exatamente o que Vigotski trabalhará quando diz que entre “S” (estímulo) e “R”
(resposta) se interpõe um “X” (signo) – mas tem correlação.
(f) “reflexo condicionado”: Mais uma vez uma limitação de Vigotski, ele pensa que
é um problema de um sistema “duplo” de reflexos, que se estabelece no “tecido
cerebral”. A-X/X-B. Dificulta pois não dá exemplos.
(g) “fechamento da conexão condicionada”: idem...
(h) “utilização ativa”: essa é a novidade do modelo, a pessoa é quem dá o estímulo
mediador, instrumento psicológico “X” para si mesma. Mas para fazer isso quais
áreas cerebrais precisam estar em ação? Ver: do interpsíquico para o intrapsíquico.
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“Nesse esquema, aprende-se a essência do método instrumental e a
singularidade implicada nesse enfoque sobre o comportamento e seu
desenvolvimento em relação aos outros dois métodos científico-naturais
de estudo do comportamento, nos quais não interfere em momento
algum e que tampouco rebate. Às vezes estudaremos o comportamento
humano como um complexo sistema de processos naturais cujas leis
diretrizes podem ser desveladas, da mesma maneira que se poderia fazer
com a atuação de qualquer máquina enquanto sistema de processos
físicos e químicos. Outras vezes, faremos o estudo sob o ponto de vista da
utilização dos processos psíquicos naturais que lhe são próprios e das
formas que essa utilização adota, procurando compreender como o
homem maneja as propriedades naturais de seu tecido cerebral e como
controla os processos que nele ocorrem” (Vigotski, 1930/1996. p. 95)
(a) “dois métodos”: um deles é o método do reflexo condicional, o outro...
(b) “não interfere”: o método dos reflexos condicionais continua válido
(c) “complexo sistema”: repete o mesmo problema: complexidade é só número?
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(d) “qualquer máquina”: aqui só pode ser uma metáfora, mas se trata de uma
metáfora imprópria, pois nenhum organismo vivo pode ser comparado com uma
máquina, pois como o próprio Vigotski coloca em vários outros textos, seguindo as
orientações dos gestaltistas: no psiquismo humano “o todo é mais do que a soma
das partes”. O mesmo não acontece com a máquina.
(e) “processos naturais”: basicamente seriam vistos como “reflexos”
(f) “homem maneja”: problema filosófico, se o homem é um conjunto complexo
(numeroso) de “reflexos” o que está no controle, no manejo seria apenas um
conjunto de reflexos, que pode ser decomposto como máquina. Vigotski não se
apercebe de sua contradição, mas enfatiza corretamente que quem está no controle
é o homem e não seus reflexos... O homem é um ser social – isso nos leva a tópicos
mais avançados de que este texto não trata.
(g) “tecido cerebral”: o tecido cerebral está sob “controle” do “homem”, mas em
verdade o homem põe em movimento áreas cerebrais mais complexas para
sobrepujar os simples reflexos. Esse “pôr-se em movimento” é um movimento de
todo o ser humano, mas também de seu próprio cérebro em suas áreas mais
avançadas.
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“O método instrumental estabelece um novo ponto de vista sobre a relação entre o
ato de conduta e o fenômeno externo. Dentro da relação geral estímulo-reação
(excitante-reflexo), formulada pelos métodos científico-naturais em psicologia, o
método instrumental distingue dois tipos de relação entre o comportamento e o
fenômeno externo: este último, o estímulo, pode em certos casos, desempenhar o
papel de objeto para o qual se dirige o ato de comportamento para resolver alguma
das tarefas a eu o indivíduo se propõe (lembrar, comparar, escolher, valorar,
ponderar etc.); em outros casos, pode desempenhar o papel de meio com a ajuda
do qual dirigimos e executamos as operações psíquicas necessárias para resolver
essas tarefas (lembrança, comparação, escolha etc.). A natureza psicológica da
relação entre o ato de comportamento e o estímulo externo é essencialmente
distinta nos dois casos: o estímulo determina, condiciona e organiza o
comportamento de forma totalmente diferente e por meio de procedimentos
absolutamente singulares. No primeiro caso, o correto seria denominar o estímulo
de objeto e, no segundo, de ferramenta psicológica do ato instrumental” (Vigotski,
1930/1996. p. 95-96)
(a) “ato”: um ato não é uma reação. Na reação o ser é passivo, no ato é ativo.
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(b) “fenômeno externo”: tudo aquilo que está no mundo para além de nossos
corpos e nos afeta de algum modo, pelos órgãos dos sentidos.
(c) “métodos científicos naturais”: continua pondo no plural, mas não explica qual
outro método científico-natural haveria além do método do reflexo condicional.
(d) “papel de objeto”: O método instrumental assume que o fenômeno externo
pode ser um “estímulo objeto” (age diretamente sobre o sujeito, o sujeito reage)
(e) “papel de meio”: O método instrumental assume que o fenômeno externo pode
ser um “estímulo meio” (é utilizado pelo sujeito como meio de regular sua conduta)
(f) “dois casos distintos”: a relação entre o ato e o fenômeno externo é diferente de
acordo com o tipo de estímulo, num caso é passiva (estímulo objeto) noutro caso é
ativa (estímulo meio) – ora, o primeiro poderia ser chamado melhor de “reação” e o
segundo de “ato propriamente dito”.
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“A singularidade do ato instrumental, cuja descoberta é a base do método
instrumental, apoia-se na presença simultânea nele de estímulos de
ambas as classes, isto é, de objeto e de ferramenta, cada um dos quais
desempenha um papel distinto qualitativa e funcionalmente. Por
conseguinte, no ato instrumental entre o objeto e a operação psicológica
a ele dirigida, surge um novo componente intermediário: o instrumento
psicológico, que se converte no centro ou foco estrutural, na medida em
que se determinam funcionalmente todos os processos que dão lugar ao
ato instrumental. Qualquer ato de comportamento transforma-se então
em uma operação intelectual” (Vigotski, 1930/1996. p. 96)
(a) “presença simultânea”: no ato instrumental, há tanto o fenômeno externo que
independe da vontade do sujeito, quanto aquele que depende da vontade do
sujeito.
(b) “papel distinto”: apesar dos dois tipos de estímulos ocorrerem ao mesmo
tempo, têm funções diferentes. No ato instrumental “entre o estímulo objeto e a
ação” a ele correspondente é posto em jogo o instrumento psicológico (signo)
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(c) “Qualquer ato”: é um tanto exagerada essa afirmação de que “qualquer ato de
comportamento transforma-se então em uma operação intelectual”... Talvez
pudéssemos considerar que qualquer ato de comportamento “pode” se
transformar em operação intelectual, mas para isso teríamos que retirar de
comportamento os reflexos incondicionais, como “contração da pupila” frente à luz,
“arrepio” frente ao frio, a “tirada imediata da mão” quando posta por acidente
numa chapa quente, etc.
(d) “Operação intelectual”: entende-se que algo para ser uma operação intelectual
necessita reflexão, raciocínio, planejamento prévio, capacidade de auto-regulação e
auto-avaliação; se a medida que um, ou alguns atos instrumentais se estabelecem,
isso venha a bastar para que todo o sistema de funções psíquicas se torne uma
forma ou outra de operação intelectual, teríamos que tomar sob nosso controle
voluntário até mesmo nossas reações mais viscerais. Não que não seja
potencialmente realizável, mas desconhece-se ainda um ser humano que seja capaz
disso.
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“A inclusão do instrumento [psicológico?] no processo de comportamento
provoca, em primeiro lugar, a atividade de toda uma série de funções
novas, relacionadas com a utilização do mencionado instrumento e de seu
manejo. Em segundo lugar, suprime e torna desnecessária toda uma série
de processos naturais, cujo trabalho passa a ser efetuado pelo
instrumento. Em terceiro lugar, modifica também o curso e as diferentes
características (intensidade, duração, sequência etc.) de todos os
processos psíquicos que fazem parte do ato instrumental, substituindo
certas funções por outras. Ou seja, recria e reconstrói por completo toda
a estrutura do comportamento, do mesmo modo que o instrumento
técnico recria totalmente o sistema de operações de trabalho. Os
processos psíquicos globalmente considerados (na medida em que
constituem uma completa unidade estrutural e funcional) orientam-se
para a resolução de uma tarefa – que é proposta pelo objeto – de acordo
com a evolução do processo, que é ditada pelo instrumento. Nasceu uma
nova estrutura: o ato instrumental” (Vigotski, 1930/1996. p. 96-97)
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(a) “funções novas”: mais uma vez sem exemplos, só podemos entender que o uso
dos instrumentos psicológicos, pode por em movimento funções que nem estavam
relacionadas com ele antes, talvez por exemplo quando a memória imediata, se
torna memória mediada permita o surgimento de funções mais complexas como a
imaginação... Embora isso, como se sabe só irá se dar a partir da atividade guia da
brincadeira... Mas seria um exemplo hipotético.
(b) “suprime processos naturais”: suprime porque eles não estão sendo usados,
mas não aniquila, pois eles podem voltar à tona em processos de lesões, ou
adoecimento, etc.
(c) “modifica o curso”: os processos do próprio ato instrumental mudam de rumo,
surge, digamos, uma nova relação inter-funcional (tema bastante atual), certas
relações entre as funções são “substituídas por outras”.
(d) “toda a estrutura”: toda a estrutura é recriada, isso significa que o todo é outro,
de modo que cada parte tem um novo lugar no todo, contudo ainda fica a dúvida
sobre poderem todos os processos elementares serem mesmo colocados sob o
controle do ato instrumental.
(e) “tarefa”: os processos, “globalmente”, isto é, em sua estrutura geral
(consciência, personalidade) se orientam para uma tarefa (fim). Tarefa dada pelo
meio social, como problema objetivo a ser resolvido, por isso advém do “objeto”.
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“Se consideramos do ponto de vista da psicologia científico-natural, a
totalidade dos conteúdos do ato instrumental cabe integralmente dentro
de um sistema de estímulos e reações. A natureza de conjunto do ato
instrumental determina a singularidade de sua estrutura interna, cujos
aspectos mais importantes foram enumerados anteriormente (estímuloobjeto e o estímulo instrumento, ou seja, a recriação e combinação ds
reações com ajuda do instrumento). Em termos da psicologia científiconatural, podemos defini-lo por seus componentes como uma função
complexa, globalmente sintética (sistema de reações), mas que é ao
mesmo tempo o fragmento mais simples de comportamento com que
depara a investigação e a unidade elementar de comportamento do
ponto de vista do método instrumental.” (Vigotski, 1930/1996. p. 97)
(a) “estímulos e reações”: parece estar assumindo de novo que tudo é feito de
reflexos.
(b) “conjunto do ato”: parece tomar a singularidade como um problema de um
conjunto inédito de mecanismos particulares que continuam sendo os mesmos...
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(a) “sistema de reações”: mais uma vez o ato instrumental se coloca como um
sistema de reações simples, estaria implícito que esse sistema gera um salto de
qualidade com relação à soma das partes, exceto pela afirmação de que o sistema
pode ser decomposto em suas partes como uma máquina.
(b) “unidade elementar do comportamento”: o ato instrumental mesmo sendo um
sistema, uma síntese de várias partes menores, é ainda assim unidade elementar de
estudo, ou seja, supõe-se que não se deve estudar os reflexos como tais como
unidade para compreender as funções psíquicas propriamente humanas. De todo
modo o ato instrumental nos leva para a cultura e as relações sociais. Entretanto o
termo “unidade elementar” é estranho comparado a etapas mais avançadas do
pensamento de Vigotski já que ele fará uma importante diferenciação entre
unidades (e.g. a molécula da água) e elementos (o hidrogênio e o oxigênio).
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“Uma diferença muito importante entre o instrumento psicológico e o
técnico é a orientação do primeiro para a psique e o comportamento, ao
passo que o segundo, que também se introduziu como elemento
intermediário entre a atividade do homem e o objeto externo, orienta-se
no sentido de provocar mudanças no próprio objeto. O instrumento
psicológico, ao contrário, não modifica em nada o objeto: é um meio de
influir em si mesmo, (ou em outro) – na psique, no comportamento –, mas
não no objeto. É por isso que no ato instrumental reflete-se a atividade
relacionada a nós mesmos não ao objeto.” (Vigotski, 1930/1996. p. 97)
(a) “orientação do inst. psicológico”: transformar a psique e o comportamento
(b) “orientação do inst. técnico”: transformar a materialidade externa ao ser
humano, exceto quando se toma o ser humano apenas nos seus aspectos corporais
mais evidentes (e.g. um bisturi é instrumento técnico de uma cirurgia, afeta o
homem como objeto do corte, mas não exatamente seus “processos psíquicos”).
(c) “não modifica o objeto”: práticas mágicas pretendem que modifique (e.g. vodu)
(d) “nós mesmos”: para voltarmo-nos a nós mesmos é preciso voltarmo-nos aos
outros
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“Na singular direção que adquire do instrumento psicológico não há nada
que contradiga a própria natureza, já que, nos processos de atividade e de
trabalho, o homem “se confronta como um poder natural com a matéria
da natureza” (K. Marx, F. Engels, Obras, t. 23, p. 188), entendendo por
matéria a substância e o produto desse processo sobre a natureza exterior
e a modifica, também está atuando sobre sua própria natureza e a está
modificando, fazendo com que dependa dele o trabalho de suas forças
naturais. Subordinar também essa “força da natureza” a si mesmo, ou
seja, a seu próprio comportamento, é a condição necessária do trabalho.
No ato instrumental o homem domina a si mesmo a partir de fora, através
de instrumentos psicológicos” (Vigotski, 1930/1996. p. 97-98)
(a) “nada contra a natureza”: filosoficamente, tudo é natureza, tudo é matéria, e “A
natureza só se vence obedecendo-a” (Bacon citado por Vigotski), contudo nem tudo
na natureza tem igual complexidade, o homem por exemplo é um ser natural que só
em sociedade pode se desenvolver, e precisa dos recursos da cultura, e da história
das gerações passadas, assim se destaca dos demais seres naturais.
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(b) “e a modifica”: o homem não vai contra a natureza mas a modifica. Ora, só pode
modificá-la dentro dos limites que as leis da natureza permitem modificação (não se
pode transformar ferro em ouro), o homem está subordinado aos limites da
natureza. Contudo, estes limites são muito amplos e estão longe de terem sido
totalmente explorados.
(c) “sobre sua própria natureza”: o homem como outros animais, ao transformar a
natureza também se transforma, um animal ao interferir sobre seu meio sofre
também as consequências de suas ações. A diferença entre o homem e o animal é
que modifica a natureza de acordo com finalidades previamente estabelecidas, às
quais subordina sua vontade, com as quais orienta seu comportamento
transformador, para criar os mais variados efeitos sobre a natureza, sem no entanto
se tornar “sobrenatural”.
(d) “a partir de fora”: na verdade o instrumento psicológico está no limite entre o
“dentro” e o “fora”, um palavra que pronuncio existe fora de mim como onda
sonora, mas ao mesmo tempo a ouço e ela tem seu reflexo na transmissão das
ligações neuronais em meu cérebro sendo eu capaz de ouvir o que digo. Por isso o
signo é extra-cortical – está “para além” do córtex cerebral, isto é, nele e para fora
dele.
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“É evidente que alguns estímulos não se transformam em instrumentos
psicológicos pelas propriedades físicas que atuam no instrumento técnico
(dureza do aço etc.). No ato instrumental atuam as propriedades
psicológicas do fenômeno externo, o estímulo se transforma em
instrumento técnico [psicológico] graças a sua utilização como meio de
influência da psique e no comportamento. Por isso, todo instrumento é
necessariamente um estímulo: se não fosse, ou seja, se não gozasse da
faculdade de influir no comportamento, não poderia ser um instrumento.
Mas nem todo estímulo é um instrumento” (Vigotski, 1930/1996. p. 98)
(a) “alguns estímulos não se transformam”: muitos objetos podem emanar
diferentes formas de energia capazes de serem captadas pelos nossos órgãos dos
sentidos, ou pela nossa propriocepção e interocepção, sendo essas emanações
capazes de serem usadas como sinal de algo que não está presente, pode-se dizer
que até um aroma pode servir de instrumento psicológico. Degustadores,
distinguem diversos tipos de vinho, etc. A questão aqui é outra, a de se toda e
qualquer estimulação pode ajudar a formar um sistema de signos, uma linguagem
com a qual possamos controlar nossas funções mentais e nossas ações...
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(b)“todo o instrumento é necessariamente um estímulo”: ser estímulo que então
dizer que é algo que impressiona nosso sistema nervoso, algo que emana de
objetos reais, objetivos, e impressiona nossos órgãos dos sentidos, ou nossos
receptores internos, como os interoceptivos e proprioceptivos, ou seja trata-se de
algo com existência material e que ainda sinaliza a existência material de outro
objeto, como a luz que emana do copo faz sinal de que existe ali um copo. Contudo
o que é mais importante no instrumento psicológico é que ele é um estímulo que
não vem apenas de um objeto, mas que nós mesmos o produzimos para agir sobre
nossas funções mentais e atividades. Nem todo o estímulo se torna um instrumento
psicológico parece razoável pois haveria uma grande sobrecarga neurofuncional se
fosse assim, também há a necessidade de escolher tipos de estímulos para formar
sistemas de instrumentos psicológicos, o som, a imagem podem ser mais bem
manuseáveis do que os cheiros para formar linguagens, pois podemos com
facilidade sentir os aromas mas não com a mesma facilidade produzir inúmeros
tipos de aromas, por exemplo.
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“O emprego de um instrumento psicológico eleva e amplia infinitamente
as possibilidades do comportamento, pois põe ao alcance de todos o
resultado do trabalho dos gênios (como se comprova na história da
matemática e de outras ciências)” (Vigotski, 1930/1996. p. 98)
(a) “infinitamente”: claro que se trata de uma hipérbole, a elevação e ampliação
tem limite, o limite são as leis mais profundas da natureza, do funcionamento de
nosso cérebro inclusive.
(b) “trabalho dos gênios ao nosso alcance”: na verdade o trabalho de toda a
humanidade, da qual os gênios são apenas uma expressão quantitativamente
pequena, nenhum gênio produz uma grande obra sem apoio de inúmeros
trabalhadores anônimos que fizeram antes dele inúmeras experiências práticas.
Aqui o mais importante é a capacidade que temos de ter acesso às experiências das
gerações passadas graças à linguagem, aos diversos sistemas de signos,
instrumentos psicológicos. Não precisamos inventar o fogo nem a roda novamente,
mesmo que não tenham sido dominados/criados por “gênios”, mas permanecem
sendo de grande importância.
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“Por sua própria essência, o método instrumental é um método históricogenético que proporciona à investigação do comportamento um ponto de
vista histórico. O comportamento só pode ser entendido como história do
comportamento (P. P. Blonski). Os principais âmbitos de observação em
que se pode aplicar com êxito o método instrumental são: a) o âmbito da
psicologia histórico-social e étnica, que estuda o desenvolvimento
histórico do comportamento e seus distintos graus e formas; b) o âmbito
da investigação das funções psíquicas superiores, isto é, as formas
superiores da memória (vide as investigações mnemotécnicas), a atenção,
o pensamento verbal ou matemático e assim por diante; e c) a psicologia
infantil e pedagógica. O método instrumental nada tem em comum
(exceto o nome) com a teoria lógica instrumental de Dewey e outros
pragmatistas. ” (Vigotski, 1930/1996. p. 98-99)
(a) “método histórico-genético”: isso é de capital importância, se o método
instrumental não for histórico-genético, não será dialético, nem histórico-cultural,
será apenas uma forma diferenciada de reflexologia ou behaviorismo social.
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(b) “psicologia histórico-social e étnica”: seria o caso de estudar como diferentes
povos e diferentes culturas ao longo do tempo na passagem de geração a geração,
criam e transformam seus principais sistemas de instrumentos psicológicos e de
atos instrumentais.
(c) “investigação das funções psicológicas superiores”: aqui fica redundante, pois
seja na psicologia étnica, seja na psicologia do desenvolvimento da criança ao
adulto; seja no estudo das patologias e disfunções, sempre o que a psicologia
estuda é o “processo de desenvolvimento das funções psíquicas superiores” – não
se sabe se nesse caso ele fez o destaque por estar preocupado com as funções no
adulto em especial, já que em seguida falará das crianças, ou se está preocupado
com cada função em separado e não com o seu desenvolvimento como um sistema
(o que não é do estilo do autor). Ficou um tanto redundante.
(d) “a psicologia infantil e pedagógica”: a psicologia infantil, ou psicologia do
desenvolvimento da criança, preocupa-se com as transformações no sistema das
funções psíquicas desde o nascimento até a adolescência, sem deixar de pensar o
papel da educação nesse processo, e a “psicologia pedagógica” ocupa-se da criação
das melhores formas de organizar o meio social educativo de modo a aproveitar as
aquisições de desenvolvimento já obtidas pelos estudantes e também a
potencializar essas aquisições para que eles possam ir além delas.
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“O método instrumental não estuda apenas a criança que se desenvolve,
mas também aquela que se educa, fato este que qualifica como uma
diferenciação crucial para a história do filhote humano. A educação não
[no russo não existe esse “não”] pode ser qualificada como o
desenvolvimento artificial da criança. A educação é o domínio artificial
dos processos naturais de desenvolvimento. A educação não apenas influi
em alguns processos de desenvolvimento, mas reestrutura as funções do
comportamento em toda a sua amplitude” (Vigotski, 1930/1996. p. 98-99)
(a) “a criança que se desenvolve e se educa”: trata-se da mesma criança, não existe
ser humano que não se educa (exceto os casos duvidosos na literatura sobre os
chamados “meninos lobos”); mesmo que não vá a escola algum tipo de educação a
criança recebe, aprende a fazer coisas, a seguir regras, a falar, se comunicar, etc.
(b) “a educação é domínio artificial”: de fato Vigotski não está falando só da
educação formal, escolar, mas de todo tipo de educação, cuja essência reside no
fato de que alguém mais experiente transmite para a criança determinados modos
de utilizar-se de sistemas culturais de instrumentos psicológicos, dos vários tipos
que possam existir. No campo da pesquisa falar de “experimentos formativos”
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“Se a teoria do talento natural (A. Binet) procura captar o processo de
desenvolvimento natural da criança, independentemente da experiência
escolar e da influência da educação, ou seja, estuda a criança sem levar
em consideração seu nível de escolarização, a teoria da aptidão ou do
talento escolar tenta captar unicamente o processo de desenvolvimento
escolar, isto é, estudar o aluno de um determinado curso escolar,
independente do tipo de criança. O método instrumental estuda o
processo de desenvolvimento natural e da educação. O método
instrumental procura oferecer uma interpretação acerca de como a
criança realiza em seu processo educacional o que a humanidade realizou
no transcurso da longa história do trabalho, ou seja, “põe em ação as
forças naturais que formam sua corporeidade (...) para assimilar desse
modo, de forma útil para sua própria vida, os materiais que a natureza lhe
brinda” (K. Marx, F. Engels, Obras, t. 23, pp 188-9). Se a primeira
metodologia estuda a criança independentemente do fato de ser escolar,
e a segunda estuda o escolar independentemente de outras particularidaSlides disponíveis em: http://www.vigotski.net/instrumental.ppt
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des da criança como criança, a terceira estuda a criança como escolar.
O desenvolvimento de numerosas funções psíquicas naturais na idade
infantil (a memória, a atenção) ou não se reflete em absoluto no resultado
mais ou menos evidente de uma mensuração, ou, se se reflete, o alcance
é tão reduzido que não há maneira de justificar a enorme diferença que
existe entre a atividade da criança e a atividade correspondente do adulto.
A criança se equipa e se reequipa ao longo de seu processo evolutivo com
os mais diversos instrumentos; aquela que pertence ao nível superior se
diferencia, entre outras coisas, daquela que pertence ao nível inferior pelo
nível e pelo tipo de instrumental [psicológico], isto é, pelo grau de domínio
do próprio comportamento. Os principais marcos do desenvolvimento são
o período no qual não há linguagem e aquele no qual a linguagem
aparece” (Vigotski, 1930/1996. p. 99-100)
(a) “talento natural”: primeira teoria combatida = só se ocupa do inato
(b) “talento escolar”: segunda teoria combatida = só se ocupa do adquirido na
escola
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(c) “método instrumental”: é uma terceira teoria, ocupa-se da síntese dialética do
inato com o adquirido na escola. Fica no ar como faz para ter acesso ao que vem a
ser inato, já que a dialética inato-adquirido é praticamente indissolúvel, exceto em
casos patológicos.
(d) “história da criança e a do trabalho”: mais um ponto difícil, necessidade de se
conhecer toda a história do trabalho para ver como ela se relaciona com a história
do desenvolvimento da criança. Contudo diz Vigotski, que não se repetem ponto a
ponto.
(e) “as forças naturais”: no trabalho as forças naturais são postas em ação pelo
homem, sem deixarem de ser naturais, mas o homem está em sua direção, sem
deixar o homem se ser parte da natureza. O homem é algo novo na natureza, pois
não nasce com todas as suas capacidades dadas, precisa aprendê-las da cultura, ou
seja precisa apropriar-se de instrumentos técnicos e instrumentos psicológicos. Com
estes põe em ação forças naturais de si próprio...
(f) “a criança como escolar”: a escola tem suas próprias mediações mas é uma
criança que está sendo educada, não é um macaco que está sendo adestrado. O
desenvolvimento da criança tem suas próprias características e periodização que
cabe estudar e compreender, no mais genérico (para diferentes culturas) e no mais
específico (próprio de cada cultura) – há uma dialética do genérico-específico.
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(g) “mensuração”: os testes estandardizados que proporcionam “medidas” de
desenvolvimento das funções psíquicas não são o melhor modo de avaliar o
desenvolvimento. Noutros lugares Vigotski mostra não ser totalmente contra os
testes, mas aqui fica já claro que são ferramentas insuficientes. É preciso ter,
sobretudo uma concepção geral de desenvolvimento e o que ocorre em seus
diferentes períodos – nos contextos culturais específicos que proporcionam dados
sistemas de instrumentos psicológicos.
(h) “nível superior e inferior”: É um assunto polêmico, mas o que se está chamando
de inferior ou superior e o mais avançado ou menos avançado ao longo do tempo e
da apropriação dos recursos simbólicos da cultura, os instrumentos psicológicos,
supõe-se mais avançada uma pessoa que tem maior domínio sobre sua própria
conduta, o que não significa ser subserviente e controlada diante de tudo, o que
seria um “domínio de pessoas alheias sobre sua conduta” – Vigotski preza pelo
desenvolvimento como “caminho para a liberdade”.
(i) “linguagem”: a linguagem está como “sistema de signos verbais” (supõe-se que
surdos também possam ter sistemas complexos equivalentes mesmo não verbais).
Ela é o sistema de ferramentas psicológicas por excelência, faz a mediação com os
outros sistemas, por exemplo para compreender um mapa, ou um diagrama, ou
placas de trânsito, etc. Ela organiza todo o pensamento e a consciência.
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“A diferença nos tipos de desenvolvimento infantil (o talento, a
anormalidade) está estreitamente vinculada com as características do
desenvolvimento instrumental. Qualquer tipo de desenvolvimento infantil
é determinado, em grande medida, pela incapacidade [e capacidade] da
criança de utilizar por si mesma suas próprias funções naturais e de
dominar os instrumentos psicológicos” (Vigotski, 1930/1996. p. 100)
(a) “tipos de desenvolvimento”: a divisão entre o desenvolvimento talentoso e o
desenvolvimento anormal como “tipos” de desenvolvimento é um tanto
problemática, pois existem leis gerais que regem o desenvolvimento em qualquer
situação. E a própria “anormalidade” e o próprio “talento” são já ambos uma fusão
de fatores biológicos e culturais.
(b) “incapacidade e capacidade”: o tipo de desenvolvimento tem a ver com como a
criança pode vir a se apropriar dos diferentes sistemas de signos (instrumentos
psicológicos). Mas os casos de incapacidade não são dados de uma vez por todas,
justamente onde há dificuldades com sistemas de signos é que se deve trabalhar
mais intencional e intensamente para que eles sejam apropriados pela criança.
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“Investigar as características e a estrutura do comportamento da criança
exige desvendar seus atos instrumentais e levar em consideração a
reestruturação das funções naturais que o compõem. O método
instrumental é aquele que investiga o comportamento e seu
desenvolvimento por meio da descoberta dos instrumentos psicológicos
que estão implicados e do estabelecimento da estrutura dos atos
instrumentais” (Vigotski, 1930/1996. p. 100)
(a) “funções naturais”: fica por investigar quais são, mas geralmente se fala da
memória imediata, da atenção involuntária, etc. Os mesmos nomes das funções
superiores são os das naturais, contudo estas são biológicas, imediatas,
involuntárias e não conscientes.
(b) “desenvolvimento”: o critério do desenvolvimento é o mais importante da
psicologia e do método, supondo-se que se trata de um processo dialético.
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“O domínio de um instrumento psicológico e, por seu intermédio, da
correspondente função psíquica natural eleva esta última a um nível
superior, aumenta e amplia sua atividade e recria sua estrutura e seu
mecanismo. Os processos psíquicos naturais não são eliminados com isso,
mas entram em combinação com o ato instrumental e dependem
funcionalmente, em sua estrutura, do instrumento [psicológico] utilizado”
(Vigotski, 1930/1996. p. 100)
(a) “eleva”: De fato a função natural entra em relação de subordinação com a
função criada pelo uso do instrumento psicológico, a qual pode ser desfeita em
casos patológicos, de modo que a “elevação” não é irreversível, nem é exatamente
uma “elevação”, ela, por assim dizer “ganha um novo lugar” no sistema de funções.
(b) “aumenta e amplia”: O novo lugar no sistema faria com que as funções naturais
fossem mais bem aproveitadas do que se ficassem ao puro jogo das forças
biológicas
(c) “não são eliminados”: É o que quisemos lembrar ao discutir a “elevação”...
(d) “o instrumento utilizado”: Dependendo do tipo de sistema de signos em jogo a
potencialização das funções naturais é diferente em função e estrutura.
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“O método instrumental proporciona ao estudo psicológico da criança
tanto os princípios quanto os procedimentos e pode utilizar qualquer
metodologia, ou seja, qualquer procedimento técnico de investigação: o
experimento, a observação etc.” (Vigotski, 1930/1996. p. 100-101)
(a) “proporciona princípio”: é o que está visto nas teses anteriores
“proporciona procedimentos”: não fica claro, pois logo em seguida diz que pode
utilizar qualquer procedimento... Quais seriam os que especificamente
proporciona? Talvez o “método da dupla estimulação”.
(b) “experimento, observação, etc”: É importante de se ver que Vigotski, nessa
época, em 1930, não tem preconceitos quanto ao uso de diversos procedimentos,
desde que os princípios sejam mantidos... Entretanto, justo por manter-se os
princípios é possível que não todo e qualquer procedimento seja possível, como o
método dos reflexos condicionais puro e simples [ponto a desenvolver mais na
teoria e nas nossas pesquisas].
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“As investigações sobre a memória, o cálculo, a formação de conceitos,
nas crianças em idade escolar realizadas pelo autor e por iniciativa sua
podem ser consideradas como exemplos do método experimental”
(Vigotski, 1930/1996. p. 101)
(a) “memória”: Experimentos com Leontiev são um exemplo. Tinha-se as regras de
falar cores para objetos nomeados, não se podia falar uma cor (ex. verde), nem
repetir duas cores. Havia duas séries de provas, uma direta S-R outra indireta S-X-R
com cartões coloridos servindo como signos, “instrumentos psicológicos”
(b) “cálculo”: O capítulo 8 de “História do desenvolvimento das funções psíquicas
superiores, datado de 1931 contém uma discussão sobre “Desenvolvimento das
operações aritméticas, talvez trata-se de um resgate desses experimentos feitos até
1930, aqui relatados.
(c) “formação de conceitos”: Na coletânea “Pensamento e linguagem”, fechada em
1934, há dois capítulos que se referem à formação dos conceitos: capítulo 5 “Estudo
experimental do desenvolvimento dos conceitos” datado de 1931; e capítulo 6:
“Estudo do desenvolvimento dos conceitos científicos na infância” datado de 193334. As datas de realização e 1ª publicação podem não coincidir.
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REFERÊNCIAS
• Vigotski, L. S. (1930/1996) O método instrumental em psicologia. In:
______ Teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins Fontes. p.
93-101.
• Vygotski, L. S. (1931/2000) Historia del desarrollo de las funciones
psíquicas superiores. In: ______. Obras Escogidas. 2. ed. Madrid: Visor.
p. 11-340.
• Vigotski, L. S. (1931/2001) Estudo experimental do desenvolvimento
dos conceitos. In: ______ A construção do pensamento e da
linguagem. São Paulo: Martins Fontes. p. 151-239.
• Vigotski, L. S. (1933-34/2001) Estudo do desenvolvimento dos
conceitos científicos na infância – experiência de construção de uma
hipótese de trabalho. In: ______ A construção do pensamento e da
linguagem. São Paulo: Martins Fontes. p. 241-394.
Slides disponíveis em: http://www.vigotski.net/instrumental.ppt
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MUITO OBRIGADO!
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