AS SANÇÕES POLÍTICAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO
Este trabalho tem por escopo abordar as chamadas sanções políticas no âmbito
do Direito Tributário, ou seja, as hipóteses de restrições de liberdade que o Estado impõe
aos contribuintes. As denominadas sanções são nada mais do que meios oblíquos para
forçar a satisfação de um débito tributário. Estas medidas se revestem de extrema
coercitividade, desrespeitando princípios essenciais protegidos pela Carta Magna, como
o principio da livre atividade (artigo 5º, XIII), principio da ampla defesa, princípios da
Administração Pública (artigo 37, caput - princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência), do contraditório e do devido processo legal. Na
concepção social de Estado democrático de Direito, ainda que a Fazenda figure como
parte privilegiada na relação tributária, não podemos ignorar a significância formal do ato
de recolhimento de impostos. Há de se observar que, ao constituir-se como tal, o próprio
Estado necessariamente assegura a existência de uma supremacia do Interesse Público,
assim como a vinculação desta supremacia aos limites estabelecidos em lei, por um
ordenamento jurídico que compreenda além dos direitos públicos essenciais aos seus
indivíduos, a estruturação e o poder de fazer ou não fazer do Poder Estatal. Este
ordenamento, chamado no caso brasileiro de Constituição Federal, demonstra
positivamente o alcance da preeminência pública, e deve conduzir, sempre, as decisões
particulares de conflitos que adentram o mundo jurídico. Neste contexto, podemos
indagar, por exemplo, a (in)validade destas restrições ou as suas consequências. Ou
ainda, como e quando se justificam, e sob quais argumentos. Por conseguinte, para a
compreensão da matéria, será realizado um estudo comparativo, dedutivo e
exemplificativo, sob a ótica do judiciário brasileiro, especialmente o Supremo Tribunal
Federal, e da regulação imposta pela Magna Carta no sistema jurídico brasileiro. É
essencial que se faça uma distinção entre aquelas imposições que o Estado comina aos
contribuintes para assegurar o cumprimento de medidas necessárias ao bem comum
daquelas que restringem a liberdade dos cidadãos apenas para arrecadar de forma mais
célere, desrespeitando o procedimento legal previsto.
Palavras-chave: Sanções políticas. Direito Tributário. Inconstitucionalidade
das restrições de liberdade. Restrições à atividade econômica. Limitações do Poder
Público.
1 INTRODUÇÃO
As sanções políticas são formas enviesadas de cobrança que se vale a
Administração pública para forçar o adimplemento de débitos. Apesar de
evidentemente inconstitucionais, estas restrições adotam as mais variadas formas e
são comumente utilizadas pelos agentes administrativos. Ainda que tenham como
embasamento a tentativa de arrecadar mais, e de forma mais célere, o Executivo
não vê incomodo algum em restringir os Direitos Fundamentais constitucionalmente
consagrados, como por exemplo, o devido processo legal, em nome destas
limitações desproporcionais.
Neste aspecto, faz-se necessária uma visão detalhada do conceito destas
medidas repressivas, tratando de avistar o que as diferencia das demais atitudes,
isto é, porque as Sanções Políticas são consideradas injustas. É notório que o
Estado goza de um poder coercitivo, que é essencial a sua função regulatória na
sociedade, assim como os direitos, mesmo os fundamentais, não são absolutos. Por
isso, trataremos de refletir em quais oportunidades as atitudes restritivas da
administração são incompatíveis com a noção do Estado Democrático de direito.
Para tanto, será realizado um estudo comparativo, onde serão apresentadas
as Sanções Políticas, a visão doutrinária a respeito destas, e a forma como a
jurisprudência decide nos casos em que são aplicadas. Seguidamente, serão
distinguidas as hipóteses em que o executivo adota outras práticas que também
limitam os direitos dos contribuintes, contudo motivado na intenção de proteger os
verdadeiros interesses comuns. Ao final, serão expostas as conclusões a respeito de
ambas, e os limites que identificam a ocorrência de uma ou outra.
Assim, sem pretensão exaustiva, este artigo trata de definir as Sanções
Políticas no Direito Tributário, tornando conhecido este tema. Não é possível que
numa sociedade democrática como a que vivemos ações como estas permaneçam
camufladas, seja pelo alegado Interesse Comum da Administração, seja pela
ignorância daqueles que são ameaçados.
2 SANÇÕES POLÍTICAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO
2.1 CONCEITO
As sanções políticas têm uma abordagem difusa no âmbito jurídico tributário.
A maioria dos autores que as citam, utilizam o conceito de Hugo de Brito Machado1
“restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo
ao pagamento de tributo”.
Ives Gandra da Silva Martins2 contextualiza estas sanções quando as define
como resquícios da ditadura Vargas, visto que a Administração aspira, através da
impossibilidade dos demais de com ela transacionar, forçá-los a acordarem os
supostos débitos tributários. Nesse sentido, Rôla3 também afirma que as sanções
políticas no direito tributário são “certas medidas cavilosas, não previstas na lei, mas
empregadas, usual e abusivamente como coação para forçar a arrecadação
pretendida, quase sempre indevida”. O mesmo autor ainda complementa o seu
conceito quando considera que as sanções são “uma forma ilegal de a
Administração tributária coagir o contribuinte para forçá-lo a pagar tributos, muitas
vezes indevidos, revelando-se por meio de restrições e/ou proibições de certos atos,
exigidos arbitrariamente”
Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal encontramos outras tantas
variáveis deste conceito, (v. g.):
•
•
•
1
Punições não-pecuniárias desproporcionais como forma de coagir o
contribuinte ao pagamento do crédito tributário;
Normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao
recolhimento do crédito tributário;
Restrições não razoáveis ou desproporcionais ao exercício da atividade
econômica ou profissional lícita, utilizadas como forma de indução ou
coação ao pagamento de tributos;
Sanções Políticas no Direito Tributário. In: Revista Dialética de Direito Tributário, n. 30, p. 46, mar.
1998
2
MARTINS, Ives Gandra da Silva. 1935. Da Sanção Tributária. 2. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 1998, p.36
3
RÔLA, José Alberto. Direitos fundamentais e certidões Negativas, p.473. In: MACHADO, Hugo de
Brito (org.). Certidões Negativas e Direitos Fundamentais do Contribuinte. São Paulo: Dialética, 2007
•
Formas oblíquas para a cobrança de tributos, assim execução política;
ações que culminam por asfixiar, arbitrariamente, o sujeito passivo da
obrigação tributária, inviabilizando-lhe, injustamente, o exercício de
atividades legítimas; etc.
Finalmente, Ruy Barbosa Nogueira4 as identifica como “injunções obliquas
que coagem o contribuinte antes da própria manifestação judicial, o que corresponde
a sancionar o direito da Fazenda Federal, apenas presumido e ainda não
reconhecido em Juízo”.
Em outras palavras, as referidas imposições são as atitudes que permitem à
Fazenda ignorar os procedimentos de cobrança instituídos em Lei, para valer-se de
estratégias oblíquas, obrigando o contribuinte ao pagamento de tributos sem permitir
eventual discussão acerca da legalidade do débito.
2.2 CARACTERÍSTICAS
É curiosa a nomenclatura adotada no meio jurídico para estas restrições.
Sanção tributária propriamente dita seria a prestação pecuniária compulsória
instituída em lei ou contrato em favor de particular ou do Estado, tendo por causa o
descumprimento de um dever legal ou contratual. O mestre Sávio Carmona de Lima5
quando trata da responsabilidade do Estado em decorrência destas restrições,
define:
Muitas vezes, a Administração tributária extravasa os limites que a
Constituição Federal lhe concede, e chega a impedir o pleno
desenvolvimento das atividades empresariais de contribuintes, os quais, por
algum infortúnio, encontram-se devedores para com as respectivas
Fazendas Públicas. E esses agentes públicos, lançando mão de
instrumentos malévolos, chegam a impedir o próprio desenvolvimento da
atividade empresarial, sendo estes instrumentos considerados como
inconstitucionais em face das disposições contidas na Magna Carta.
4
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: IBDT, 1976. p. 175.
LIMA, Sávio Carmona de. A Responsabilidade Civil do Estado em Razão dos Danos
Decorrentes das Sanções Políticas Inconstitucionais. São Paulo: Repertório IOB de
Jurisprudência, 2006. p. 158
5
Câmara6 avança na discussão quando afirma:
(...) em regra, se não impedem o exercício e desenvolvimento das práticas
rotineiras e produtivas que o empresário habitualmente exercita, embaraça,
dificulta e muitas vezes impõem restrições manifestamente injustificáveis
que, com o intuito de fomentar a arrecadação de tributos, acaba por reduzila ao desestimular, impedir, ou tornar menor o exercício da atividade
empresarial.
Paulo de Barros Carvalho7 as menciona no capítulo que trata de sanções
tributárias:
Todavia, acerca dessa medida sancionatória, consistente na retenção de
bens para forçar o recolhimento de tributo ou de multa, já se manifestou o
Supremo Tribunal Federal, entendo que “é inadmissível a apreensão de
mercadoria como meio coercitivo para pagamento de tributos” (Súmula 323).
Em sua obra, Ives Gandra8 cita o livro que ele mesmo coordena de Roberto V.
Calvo (Caderno de Pesquisas Tributárias nº. 4), o qual divide as sanções políticas
como Sanções Penais Lato Sensu, e descreve-as como sanções administrativas,
explicando que elas pertencem ao ramo do “direito administrativo penal tributário: a
competência para legislar pertence à ordem parcial de governo que detém o poder
de tributar”, diferenciando-as da multa, se referindo às espécies.
Em relação às espécies, poderíamos citar uma infinidade de exemplos. Neste
ponto, a doutrina e a jurisprudência são claras ao destacar a existência de uma
variedade enorme destes meios que se caracterizam como sanções políticas, a
saber:
Exemplos não faltam: proibição de emissão de notas fiscais, proibição de
acesso a certidões negativas, vedação à distribuição de lucros a pessoas
jurídicas com débito “não garantido” perante o fisco, negativização do nome
dos contribuintes através do protesto de certidões de dívida ativa, inscrições
9
em órgãos de restrição ao crédito, etc.
6
CÂMARA, Aristóteles de Queiroz. Certidões Negativas e Direitos Fundamentais do Contribuinte.
In: MACHADO, Hugo de Brito (org.). Certidões Negativas e Direitos Fundamentais do Contribuinte.
São Paulo: Dialética, 2007. p. 128.
7
Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário – 19 ed. rev.São Paulo: Saraiva, 2007, p.5523.
8
MARTINS, Ives Gandra da Silva. 1935. Da Sanção Tributária. 2. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 1998. p. 39.
9
ELIAS, Eduardo Arrieiro. A liberdade como prerrogativa fundamental dos contribuintes e as
limitações ao poder de polícia fiscal. In: Revista Bonijuris, ano XVIII, n. 513, p. 10, ago. 2006.
São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de
mercadorias sem que a presença física destas seja necessária para a
comprovação do que o fisco aponta como ilícito; o denominado regime
especial de fiscalização; a recusa de autorização para imprimir notas fiscais;
a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí
decorrentes; a recusa de certidão negativa de débito quando não existe
lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão e até o
cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre
10
muitos outros.
Como se depreende do perfil apresentado e da jurisprudência da Corte, as
sanções políticas podem assumir uma série de formatos. A interdição de
estabelecimentos e a proibição total do exercício de atividade profissional
11
são apenas os exemplos mais conspícuos.
Machado12 conclui dizendo que “É uma prática reiterada, que a cada dia
ganha novas formas e se faz mais intensa, não obstante seja flagrantemente
inconstitucional, como já tivemos oportunidade de demonstrar”. Logo, as sanções
políticas são reincidentemente utilizadas no âmbito da Administração Pública pela
praticidade que significam.
No mais, como bem explica a Professora Germana de Oliveira Moraes, é
preciso questionar se as medidas previstas para o descumprimento das normas
guardam compatibilidade com o sistema constitucional tributário, designadamente
com
os
princípios
constitucionais
e,
em
especial,
com
o
principio
da
proporcionalidade. Em relação a este, pelo qual se observa a preocupação em
limitar a atuação estatal às diretrizes constitucionais, temos que estas restrições de
direito são conflitantes com o sistema tributário constitucional. Tal princípio se baseia
em três dimensões: adequação, necessidade e proporcionalidade (em sentido
estrito): “pode-se dizer que uma medida é adequada, se atinge o fim almejado;
exigível, por alcançar o menor prejuízo possível, e finalmente, proporcional em
sentido estrito, se as vantagens que trará superará as desvantagens”.13
10
MACHADO, Hugo de Brito. Sanções Políticas no Direito Tributário. In: Revista Dialética de Direito
Tributário, n. 30, p. 46, mar. 1998.
11
BRASIL. STF. ADI 173. Min. Joaquim Barbosa. DJe-053, publicada em 20-03-2009.
12
Sanções Políticas como Meio Coercitivo na Cobrança de Tributo. Incompatibilidade com as
Garantias Constitucionais do Contribuinte. In: Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.
150, mar. 2008, p.88
13
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria Processual da Constituição. São Paulo: Celso Bastos
Editora, 2000. p. 84-5.
Estas sanções, de acordo com a didática apresentada, ameaçam o principio
da proporcionalidade em relação à exigibilidade e a proporcionalidade estrita. Isso
porque, segundo a autora14 as sanções “impostas antes da cobrança de tributos e
para o fim de compelir seu pagamento constituem, à evidência, medidas mais
lesivas do que os meios administrativos e judiciais de cobrança dos débitos
tributários”.
Finalmente, Aliomar Baleeiro15 cita diversos exemplos de sanções políticas e
afirma que elas se constituem:
Apenas abuso e arbítrio, ofensa a impessoalidade e à moralidade
administrativa. Verdadeiro excesso na exação, uma vez que muitas dessas
medidas trazem prejuízos muito maiores aos contribuintes do que o próprio
tributo exigido (devida ou indevidamente).
Em suma, as sanções políticas são condutas decorrentes de ações
coercitivas da Administração Pública, que apesar de guardiã do Estado Democrático
de Direito, ignora os princípios basilares deste regramento, cometendo ações
desproporcionais, na realidade para beneficio próprio.
2.3 FUNDAMENTOS PARA SUA VEDAÇÃO
Para travar a aplicação das sanções políticas, o principal fundamento é a
ameaça de direitos fundamentais, especialmente aqueles consagrados pela Carta
Política da República. Igualmente, segundo se depreende dos acórdãos do Supremo
Tribunal Federal, há de se observar quais os verdadeiros impactos destas restrições
na vida dos contribuintes a que são imputadas. Quando a aplicação das sanções
políticas fere o direito da livre atividade econômica, por exemplo, as conseqüências
decorrentes são extremamente desproporcionais. Neste sentido está o entendimento
do Mestre Hugo de Brito Machado:16
14
MORAES, Germana de Oliveira. As sanções Políticas em Direito Tributário e o Princípio da
Proporcionalidade. In: Revista de Direito Tributário, São Paulo, Malheiros, n. 82, 2001 - p. 236
15
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi.
Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 987.
16
MACHADO, Hugo de Brito. Sanções políticas no Direito Tributário. In: Revista Dialética de
Direito Tributário, n. 30, p. 48, mar. 1998.
Mesmo o contribuinte mais remitente na prática de infrações à lei tributária
não pode ser proibido de comerciar. Mesmo aquele que tenha sido
condenado, no juízo criminal competente, por prática do crime de
sonegação de tributos, tem o direito de continuar exercendo o comércio,
porque a lei não comina aos que cometem esse crime a pena de proibição
do exercício do comércio.
Aliás, mesmo a lei penal, lei ordinária federal posto que à União compete
legislar em matéria penal, não pode cominar a pena de cancelamento da
inscrição do contribuinte, posto que estaria instituindo pena de caráter
perpétuo, que a Constituição proíbe (CF/88, art.5º, inciso XLVII, alínea “b”).
Nesta esteira, cito trechos de acórdãos do STF:
A circunstância de não se revelarem absolutos os direitos e garantias
individuais proclamados no texto constitucional não significa que a
Administração Tributária possa frustrar o exercício da atividade
empresarial ou profissional do contribuinte, impondo-lhe exigências
gravosas, que, não obstante as prerrogativas extraordinárias que (já)
garantem o crédito tributário, visem, em última análise, a constranger o
17
devedor a satisfazer débitos fiscais que sobre ele incidam (Grifei).
Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição
constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao
exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170,
parágrafo único, da Constituição Federal), a violação do devido processo
legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas
gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de
créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado
no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto
para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência
pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do
18
próprio ato que culmina na restrição.
Marciano Seabra de Godoi19 ilustra empiricamente essa desproporcionalidade
com o julgamento do RE 413.782,20 e analisa a constitucionalidade do Decreto
Catarinense que obrigava o recorrente a emitir notas fiscais avulsas a cada negócio
jurídico, pois em débito para com o fisco. Segundo o Relator deste acórdão, a
prática adotada era descabida, pois:
17
BRASIL. STF. RE 402769. Min. Celso de Mello. DJ 06/04/2005.
BRASIL. STF. ADI 173. Min. Joaquim Barbosa. DJe-053, publicada em 20-03-2009.
19
GODOI, Marciano Seabra de. Questões Atuais do Direito Tributário na Jurisprudência do
STF. São Paulo: Dialética, 2006. p. 56.
20
DÉBITO FISCAL - IMPRESSÃO DE NOTAS FISCAIS - PROIBIÇÃO - INSUBSISTÊNCIA. Surge
conflitante com a Carta da República legislação estadual que proíbe a impressão de notas fiscais em
bloco, subordinando o contribuinte, quando este se encontra em débito para com o fisco, ao
requerimento de expedição, negócio a negócio, de nota fiscal avulsa. (BRASIL. STF. RE 413782,
Relator: Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2005, DJ 03-06-2005).
18
Na dinâmica da própria atividade desenvolvida, fica inviabilizada a atuação,
se aquele que a implementa necessita, caso a caso, de recorrer ao fisco,
para obtenção de nota fiscal avulsa. Em Direito, o meio justifica o fim, mas
não este, aquele. Recorra a Fazenda aos meios adequados à liquidação
dos débitos que os contribuintes tenham, abandonando a prática de fazer
justiça pelas próprias mãos, como acaba por ocorrer, levando a empresa ao
caos, quando inviabiliza a confecção de blocos de notas fiscais.
O autor ora mencionado resume outra questão do referido julgado:
O Ministro Nelson Jobim trouxe à baila um argumento adicional, afirmando
que o ônus da emissão de nota fiscal avulsa impediria que o contribuinte
aproveitasse os créditos do ICMS e, portanto, fosse posta em prática a
regra da não-cumulatividade do imposto. Esse argumento tinha por
premissa que o contribuinte, além de requerer as notas avulsas, estava
obrigado ao pagamento imediato do imposto destacado na respectiva nota.
Contudo, como o acórdão recorrido não oferecia meios seguros de aferir
essa sistemática de apuração e não pagamento, os demais ministros
deixaram de fundamentar seus votos numa possível violação da nãocumulatividade.
Sintetizando: o Supremo Tribunal Federal tem historicamente ratificado e
assegurado a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o
direito ao livre exercício de atividades econômicas, o devido processo legal e o
acesso ao judiciário. Além disso, o conceito de sanção política implica numa ação
oblíqua para cobrança de débito. Isso, principalmente, porque a incidência destas
sanções repele a discussão do débito. O devedor que é ameaçado prefere quitar a
dívida e prosseguir com suas atividades, do que ingressar com uma ação judicial
para discutir a cobrança, sofrendo com a morosidade característica da máquina
judiciária. Sobre este rumo Fontenele21 explica muito bem:
(...) os transtornos e dificuldades impostos são tantos que o contribuinte vêse obrigado a desistir de suas garantias fundamentais – como o devido
processo legal, a ampla defesa e o contraditório - para se submeter a essas
Sanções Políticas, tantas vezes repudiadas pelo Supremo Tribunal Federal
e por todos os demais órgãos do Poder Judiciário, conforme visto ao longo
deste trabalho. (...) Somado a isso, encontra-se o problema da morosidade
das demandas no Poder Judiciário, dado que um processo judicial pode
demorar vários anos para transitar em julgado, já a atividade econômica do
contribuinte perece em tempo mínimo, motivo pelo qual muitas vezes o
contribuinte prefere abrir mão do seu direito de defesa processual e realizar
o pagamento cobrado pelo Fisco, a ver a falência de seu empreendimento,
cujas atividades ficaram condicionadas ao adimplemento fiscal.
21
FONTENELE, Alysson Maia. As Sanções políticas no direito tributário e os direitos fundamentais do
contribuinte. In: Coleção Jornada de Estudos ESMAF, Distrito Federal, v. 1, dez. 2009, P.50-1
Harada22 define que “Muitos contribuintes, coagidos de forma ilegítima e
inconstitucional, acabam abrindo mão do contraditório e, quando possível
financeiramente, pagando o que, na verdade, não devem, como meio de manter sua
subsistência.” Machado23 associa as idéias:
Todas essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras
razões, porque: a) implicam indevida restrição ao direito de exercer
atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos
públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente Constituição
Federal; e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave
violação do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a
este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a
exigência é ou não legal.
A liberdade de atuação que é conferida ao executivo na incidência destas
restrições, é outro embasamento para a vedação destas atividades.
Primeiro, porque, mais uma vez nas palavras do Juíz Federal aposentado
Hugo de Brito Machado, “a autoridade que a este impõe a restrição não é
autoridade competente para apreciar se a exigência do tributo é ou não
legal”. Depois, porque o Fisco ignora visivelmente o procedimento formal
instituído em lei para tal cobrança.
Por fim, em relação à afirmativa de necessária Supremacia do Interesse
Público em relação aos interesses privados, Fontenele24 afirma:
O Fisco ao praticar esse tipo de atividade, qual seja, a imposição de
Sanções Políticas como condição ao exercício dos diversos direitos
fundamentais já analisados, muitas vezes, defende a constitucionalidade
desse comportamento, refugiando-se no principio administrativo da
Supremacia do Interesse Público.
Porém, não é legitimo concluir que o referido principio se confunda com
mero interesse arrecadatório da Administração Fazendária, haja vista que o
Interesse Público- isto é, a finalidade geral de todos os atos da
Administração Pública – é justamente caracterizado pelo atingimento dos
objetivos do estado democrático de Direito, ou seja, pelo respeito dos
direitos fundamentais previstos no ordenamento jurídico pátrio.
Assim, não se pode dizer que a Supremacia do Interesse Público é
fundamento para a aplicação de Sanções Políticas. A Administração Pública deturpa
este conceito na tentativa de justificar suas atitudes, da mesma forma que restringe
indevidamente
os
direitos
fundamentais,
quando
aplica
as
medidas
desproporcionais.
22
HARADA, Kyoshi. Sanções Políticas como Meio Coercitivo Indireto de Cobrança do Crédito
Tributário. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/39530>. Acesso em: 17 set. 2010.
23
Op. Cit., 1998, p.46-7
24
Op.Cit. p.57
2.4 ENTENDIMENTO SUMULADO PELO STF
O Supremo Tribunal Federal rechaça reincidentemente as denominadas
Sanções Políticas. Quando analisamos o entendimento sumulado por esta Corte,
observamos que esta prática é muito antiga, tanto que as primeiras súmulas a
respeito do tema são as súmulas 7025 e 323,26 aprovadas em sessão plenária no dia
13 de dezembro de 1963.
Como se não bastasse, na sessão plenária de 03 de dezembro de 1969, foi
aprovada a súmula 547,27 que teve como fundamento para a sua formação quatro
precedentes (RE 63045; RE 60664; RE 63047 e RE 64054), nos quais, os
recorrentes se insurgiam contra a aplicação de Decretos que previam a interdição do
estabelecimento, a vedação em adquirir estampilhas, etc. No julgamento do Recurso
Extraordinário 63047 (19/06/1968), o Min. Aliomar Baleeiro fundamentou seu voto
em argumentos que até hoje parecem atuais:
Estou de acordo com esta decisão. A Fazenda há de valer-se da ação
competente para cobrança do débito, não pode determinar a interdição de
estabelecimento, nem fazer determinações do art. 1º transcrito. O
constitutivo há que estimular a produção e não fechar os estabelecimentos
que produzem sob alegação de que impostos são devidos.
No mais, parece pertinente demonstrar que as sanções políticas vão
rechaçadas em todos os graus de jurisdição. Sendo o entendimento do Supremo
Tribunal Federal o prevalente em caso de irresignação, reflete-se aos demais
colegiados o entendimento por este firmado. Neste sentido, apenas exemplificando:
TRIBUTÁRIO. IPI. MANDADO DE SEGURANÇA. OBTENÇÃO DE SELOS
DE CONTROLE DE BEBIDAS ALCOÓLICAS. DÉBITOS COM A FAZENDA
PÚBLICA. PRINCÍPIO DO LIVRE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE
ECONÔMICA. ARTIGO 170, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. SÚMULA Nº 547 DO STF.
25
BRASIL. STF. Súmula 70. É INADMISSÍVEL A INTERDIÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMO
MEIO COERCITIVO PARA COBRANÇA DE TRIBUTO.
26
BRASIL. STF. Súmula 323. É INADMISSÍVEL A APREENSÃO DE MERCADORIAS COMO MEIO
COERCITIVO PARA PAGAMENTO DE TRIBUTOS.
27
BRASIL. STF. Súmula 547. NÃO É LÍCITO À AUTORIDADE PROIBIR QUE O CONTRIBUINTE
EM DÉBITO. ADQUIRA ESTAMPILHAS, DESPACHE MERCADORIAS NAS ALFÂNDEGAS E
EXERÇA SUAS ATIVIDADES PROFISSIONAIS.
- Violação que o Poder Público pratica, pelo ato de seus agentes, negando
ao comerciante em débito de tributos à aquisição dos selos necessários ao
livre exercício das suas atividades. Artigo 170, parágrafo único da Carta
Magna.
- Ratio essendi das Súmulas 70, 323 e 547 do E. STF e 127 do STJ no
sentido de que a Fazenda Pública deve cobrar os seus créditos através de
execução fiscal, sem impedir direta ou indiretamente a atividade profissional
do contribuinte.
- É defeso à administração impedir ou cercear a atividade profissional do
contribuinte, para compeli-lo ao pagamento de débito, uma vez que tal
procedimento redundaria no bloqueio de atividades lícitas, mercê de
representar hipótese da autotutela, medida excepcional ante o monopólio da
jurisdição nas mãos do Estado-Juiz.
- Recurso improvido.
(REsp 414486/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em
07/05/2002, DJ 27/05/2002 p. 142).
Na corte estadual:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE
SEGURANÇA. AIDF. LIMINAR. CABIMENTO. A ausência do despacho
administrativo que indeferiu a autorização de impressão de documentos, é
de todo dispensável, porque a negativa do Fisco quanto ao pedido de
impressão de notas fiscais se consubstancia na retenção do formulário, o
qual constitui condição para que a impressão seja realizada. Ademais, é
sabido que as sanções políticas que impedem o livre exercício do comércio
são vedadas, consoante reiteradas decisões do STF e deste Tribunal
AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, POR MAIORIA, VENCIDO O
RELATOR. (Agravo de Instrumento Nº 70020550521, Segunda Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang, Julgado em
12/09/2007).
Atinente ao estudo destas decisões são as palavras do Min. Marco Aurélio,
relator no julgamento do RE 413.782 (D.J. 03.06.2005): “não aplico sumula, não
reconheço a verbete de sumula contornos normativos”. Assim, as sumulas não se
limitam às situações fáticas que lhe deram causam, os princípios que as preenchem
são subjacentes.
3
RESTRIÇÕES
ASSEMELHADAS
ÀS
SANÇÕES
POLÍTICAS,
PORÉM
ADMITIDAS PELA JURISPRUDÊNCIA DO STF
Em contrapartida às verdadeiras sanções políticas, estão as situações em
que o Fisco se vê obrigado a aplicar medidas sancionadoras em contribuintes que
insistem em burlar as normas tributárias. A respeito dessas, podemos afastar o
conceito de sanção política, concluindo que não são reprováveis, visto que a
natureza da norma jurídica tributária é a de uma norma de garantia, portanto, pode
ser sancionadora, e ainda assim, consagrada, e reconhecida pelo Estado. O Ministro
Joaquim Barbosa elucida a questão quando da relatoria da ADI 173 (D.J. nº53,
publicação 20/03/2009):
É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal
Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à
legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as
restrições à prática de atividade econômica objetivam combater
estruturas empresarias que têm na inadimplência tributária sistemática
e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como
inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve
ser desproporcional e não razoável (grifei).
Assim como as sanções anteriormente estudadas, estas se valem de variadas
formas no nosso ordenamento jurídico. Contudo, serão abordadas somente algumas
espécies, a título exemplificativo, para que seja possível estabelecer uma visão
comparativa entre ambas.
3.1 ESPÉCIES
Da leitura da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 395 (D.J.17/08/2007,
Min. Cármen Lúcia) percebe-se uma das espécies de restrição mais aplicada aos
contribuintes, porém que, em determinadas situações, não se caracteriza como
sanção política: a apreensão de mercadorias. A decisão que se referiu à legalidade
do art. 163, § 7º, da Constituição de São Paulo28, teve como resultado do seu
julgamento a ausência de afronta ao art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal.
Restou ementado que “a retenção da mercadoria, até a comprovação da
posse legítima daquele que a transporta, não constitui coação imposta em
desrespeito ao princípio do devido processo legal tributário”. A Corte Suprema
afirmou que o direito de livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art.
28
BRASIL. Artigo 163 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao
Estado: § 7º - Para os efeitos do inciso V, não se compreende como limitação ao tráfego de bens a
apreensão de mercadorias, quando desacompanhadas de documentação fiscal idônea, hipótese em
que ficarão retidas até a comprovação da legitimidade de sua posse pelo proprietário.
5º, inc. XIII, da C.F.) , assim como os demais direitos fundamentais, não é um direito
absoluto. No caso, a “retenção temporária de mercadorias prevista no art. 163, § 7º,
da Constituição de São Paulo, é providência para a fiscalização do cumprimento da
legislação tributária no território e consubstancia no exercício do poder de polícia da
Administração Pública Fazendária”.
Consta no corpo do referido acórdão:
Não se tem no caso em pauta, hipótese normativa de coação para fins de
pagamento de valores ao Fisco, porque a mercadoria fica retida até a
comprovação da posse legítima por parte daquele que a transporta e que,
então, a tem em sua posse lícita.
Também não procede o argumento de que o §7º do art.163 da Constituição
de São Paulo afrontaria o art. 5º, inc. XIII, da Constituição da República.
A garantia fundamental do livre “... exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão...” está subordinada ao atendimento das “...qualificações
profissionais que a lei estabelecer...”.
É este o entendimento assentado na Suprema Corte, consoante o trecho
abaixo colacionado:29
É inequívoca a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal relativa
às sanções políticas, isto é, à proibição do uso de punições não-pecuniárias
desproporcionais como forma de coagir o contribuinte ao pagamento do
crédito tributário (cf. Súmula 323/STF). Contudo, a orientação firmada pela
Corte não escusa o contribuinte e o responsável tributário de
observarem rigorosamente as normas que dispõem sobre a
fiscalização e a cobrança do tributo. Entendo, ao menos neste momento
de juízo inicial, que não se caracteriza como apreensão vedada pela
Constituição a retenção de mercadoria, por prazo determinado e
razoável, destinada a assegurar às autoridades fiscais a possibilidade de
determinar os sujeitos passivos da relação jurídica tributária e a obediência
à legislação de regência (grifei).
A obra de Fontenele30 também discorre sobre o assunto:
Diante disso, conclui-se que a partir do momento em que a posse legítima
de mercadoria for comprovada, não mais se justifica a sua apreensão,
devendo a mercadoria ser imediatamente liberada. Vale dizer, não importa
se o Fisco entenda que o modelo de nota fiscal está errado ou que o preço
não corresponda ao valor da mercadoria, visto que a apreensão, como já
mencionado, só se justifica até o momento de identificação do possuidor
para fins do lançamento do crédito tributário e de eventual multa.
29
BRASIL. STF. ACO 1216, Min. Joaquim Barbosa, DJe-164, publicada em 02/09/2008.
FONTENELE, Alysson Maia. As Sanções políticas no direito tributário e os direitos fundamentais do
contribuinte. In: Coleção Jornada de Estudos ESMAF, Distrito Federal, v. 1, p. 19-58, dez. 2009
30
Semelhante aos casos supracitados é a questão suscitada por Ives Gandra
da Silva Martins31, em sua obra Da Sanção Tributária, onde, ao citar as espécies
mais aparentes de sanções políticas, o mestre menciona o contrabando. Sobre tal,
expõe que a apreensão é legítima e esclarece que “o fundamento jurídico dessa
perda não é o confisco; a mercadoria ilicitamente entrada no país não tem título de
legitimação ou propriedade e essa aquisição pela Fazenda visa impedir a
formatação de título ilegítimo.”
Hugo de Brito Machado levanta a questão que deu causa a parte da Ação
direta de Inconstitucionalidade 17332 quando comenta o Código Tributário
Nacional:33
Não há dúvida de que a exigência de quitação de tributos como condição
para participar em licitações e para contratar com o Poder Público constitui
forma de impor sanções ao contribuinte e configura também em muitos
casos uma via oblíqua de cobrança de tributos.
O mesmo concluiu falando “que o supremo tribunal federal já reconheceu que,
em princípio, não há inconstitucionalidade no dispositivo, mas o mesmo há de ser
considerado inconstitucional quando a exigência nele apoiada puder implicar
proibição ao livre exercício da atividade empresarial.” A decisão da Corte quanto a
matéria reside ao final da ementa34, afinal, como a “quitação de tributos” foi
legalmente substituída por “regularidade fiscal” não havia mais razões de
inconstitucionalidade, in verbis:
5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º,
II da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo
dispositivo da Lei 8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de
processo licitatório.
6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida
implica "exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de
discussão
judicial"
ou
"administrativa".
Ações
Diretas
de
Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida,
julgadas procedentes.
31
Op. Cit. p.37
BRASIL. STF. Relator: Min. Joaquim Barbosa, DJe-053, publicada em 20-03-2009.
33
MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas,
2005. v. III. p. 741.
34
BRASIL. STF. ADI 173, Min. Joaquim Barbosa, DJe-053. Publicada em 20-03-2009.
32
Novamente na lei tributária, o autor35 faz relevante declaração:
A nosso ver, a exigência de regularidade de situação há de ser entendida
em termos. Não devemos entendê-la como exigência de plena quitação das
fazendas federal, estadual e municipal. Nem mesmo como exigência de
quitação com tais fazendas no que concerne à atividade na qual licita ou
contrata. Há de ser entendida, isto sim, como prova de que o licitante, ou
contratante, cumpre regularmente suas obrigações tributárias e por isto não
está na clandestinidade, mas pode estar a dever, desde que em condições
de obter a denominada certidão positiva com efeitos de negativa.
A Fazenda entende que limitar a atuação do contribuinte faltoso é uma forma
de incentivar o seu adimplemento tributário. Nesta senda se justificam as restrições
aqui tratadas e assim ele esclarece:36
O próprio STF reconheceu a inconstitucionalidade apenas quando
houvesse impedimento absoluto ao exercício da atividade empresarial.
A simples limitação, tal como a proibição de contratar com instituições
financeiras governamentais, foi reconhecida como válida (grifei).
A imposição de Regime Especial pode ser empregada tanto como sanção
política quanto sanção válida. Mais uma vez esbarramos na adequação da norma
com a Constituição vigente e com o princípio da proporcionalidade, isto é, com a
análise da adequação e da proporcionalidade em sentido estrito. Oportunos os
esclarecimentos do magistrado H.B. Machado:37
Podemos dizer, portanto, que temos para cada tributo dois regimes
jurídicos, a saber: a) o regime jurídico substancial, ou material, que
concerne à obrigação tributária principal. Ou, em outras palavras, aos
critérios de determinação do montante do tributo devido; e b)o regime
jurídico formal, ou procedimental, que concerne às obrigações tributárias
acessórias e ao procedimento de controle, pelas autoridades da
Administração Tributária, do cumprimento das obrigações tributárias. (...)
Os regimes especiais devem constituir, ao menos em princípio, opções para
os contribuintes - que, se com eles não estiverem satisfeitos, podem optar
pelo regime ordinário de tributação. (...)
No IRPJ (imposto de renda das pessoas jurídicas), por exemplo, todos
têm o direito de pagar o imposto com base no lucro real. A opção pelo
regime do lucro presumido, exemplificando, tem a vantagem de
dispensar o contribuinte da exigência de escrituração contábil, que
tratando-se de pequenas empresas, pode ter custo bastante
significativo.(Grifei).(...)
35
MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas,
2005. v. III. p. 741.
36
Ibidem, p. 739.
37
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p.
86-7.
Da mesma forma que não é válido um regime especial atinente ao aspecto
substancial da obrigação tributária que implique tributação mais gravosa a
determinados contribuintes sem lhes dar a opção pelo regime ordinário de
tributação, também não é válido um regime especial atinente ao aspecto
formal ou procedimental da relação tributária – em alguns casos
denominado regime especial de fiscalização – que seja simplesmente uma
forma oblíqua de compelir o contribuinte a fazer o pagamento do tributo.
Em recente decisão38 a Suprema Corte definiu outra situação de restrição ao
contribuinte que não se configura como inconstitucional. Trata-se de regime
especial, porém, na espécie, o contribuinte foi excluído de tal regime, sendo este
condição essencial para a produção de cigarros. De acordo com o Decreto-Lei nº.
1.593 de 1977 e suas alterações, o cancelamento unilateral neste regime especial é
válido no caso de “não-cumprimento de obrigação tributária principal ou acessória,
relativa a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal.”39
Com efeito, o Ministro Cezar Peluso explica que sobre a produção de cigarros
incide a alíquota mais alta da tabela do IPI, sendo sabido que em cada maço do
produto há cerca de 70% de tributos (conforme memorial da ETCO). Por isso, a
inadimplência tributária da empresa poderia gerar uma vantagem comercial
incompatível com o principio da livre concorrência. Assim, ele aduz:
Ao investigar a ratio iuris da necessidade de registro especial para a
atividade de produção de cigarros, vê-se, logo, que provém de norma
inspirada não só por objetivos arrecadatórios, senão também por outras
finalidades que fundamentam a exigência jurídica dos requisitos previstos
para a manutenção do registro especial, entre os quais se inclui o da
regularidade fiscal.
Esta finalidade extrafiscal que, diversa da indução do pagamento de tributo,
legitima os procedimentos do Decreto lei n. 1.593/77, é a defesa da livre
concorrência. Toda a atividade da industria de tabaco é cercada de
cuidados especiais em razão das características deste mercado, e, por isso,
empresas em débito com tributos administrados pela SFR podem ver
cancelado o registro especial – que é verdadeira autorização para produzir-,
bem como interditados os estabelecimentos.
38
BRASIL. STF. AC 1657 MC, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Relator(a) p/ Acórdão: Min.
Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 27/06/2007, DJe-092.
39
BRASIL. Art 2º - O registro especial poderá ser cancelado, a qualquer tempo, pelo Secretário da
Receita Federal se, após a sua concessão, ocorrer um dos seguintes fatos: II - não-cumprimento de
obrigação tributária principal ou acessória, relativa a tributo ou contribuição administrado pela
Secretaria da Receita Federal; (Redação dada pela Lei nº 9.822, de 1999).
Foi um caso muito particular, que dividiu os ministros reunidos para
julgamento no tribunal pleno. Ao final, a lide que pretendia a atribuição de efeito
suspensivo para Recurso Extraordinário recebido pela união foi indeferida. Em
julgamento, restaram vencidos o relator e outros três ministros, os demais
entenderam que estavam ausentes os requisitos essenciais para o provimento da
cautela.
Desta forma, resta claro que os direitos fundamentais podem ser limitados.
Entretanto, apenas quando há previsão legal ou situação fática justificante para
tanto. Portanto, garantir a efetividade deste direito não se confunde, por exemplo,
com a certeza de que todos os contribuintes poderão realizar contrato público (ou
licitação) com a Administração Pública; ou até mesmo trafegar com mercadorias em
quaisquer condições.
Da
mesma
forma,
a
adoção
de
Regime
Especial
não
conduz,
necessariamente, à inconstitucionalidade, pois se impõe, por exemplo, uma análise
da possibilidade dessa adesão pelo contribuinte.
3.2 FUNDAMENTOS QUE JUSTIFICAM A SUA APLICAÇÃO
A restrição de direitos ou prerrogativas imposta pelo Estado aos seus
tutelados deve sempre ser evitada. Há casos em que estas atitudes são bem
motivadas, tornando-se válidas, mas em regra, as imposições neste sentido são
impróprias. O próprio Supremo já decidiu:
É certo – consoante adverte a jurisprudência constitucional do Supremo
Tribunal Federal – que não se reveste de natureza absoluta a liberdade de
atividade empresarial, econômica ou profissional, eis que inexistem, em
40
nosso sistema jurídico, direitos e garantias de caráter absoluto.
Deste modo, por não serem absolutos os direitos fundamentais, há casos em
que se faz necessária a sua restrição em nome do Interesse Público. Sobre este, se
faz mister esclarecer:
40
BRASIL. STF. RE 413782, Relator: Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2005,
DJ 03-06-2005.
(...) O Estado concebido que é para a realização de interesses públicos,
(situação, pois, inteiramente diversa da dos particulares), só poderá
defender seus próprios interesses privados quando, sobre não se
chocarem com os interesses públicos propriamente ditos, coincidam
41
com a realização deles.
Destarte, essencial a distinção feita pela doutrina dos interesses públicos
primários e secundários. Os interesses primários são aqueles que deram origem ao
Estado, toda a sociedade é titular desses interesses, como por exemplo, a saúde
pública, a justiça, a conservação dos recursos naturais, etc. Já os interesses
secundários, são aqueles que advêm da pessoa jurídica que a Administração
Pública incorpora nas relações em que participa, em outras palavras, é o interesse
do Erário. Assim, presume-se das palavras supracitadas do constitucionalista Celso
Bandeira de Mello, que os interesses públicos secundários não podem fundamentar
as limitações estatais eventualmente impostas.
Conforme disposto na Constituição Federal, a Fazenda Pública (da União,
dos estados ou dos Municípios) é quem deve se insurgir contra a violação de norma
tributária. Neste sentido se fortifica a alegação do Fisco pela necessidade de rígido
controle das atividades tributárias. Pois o descumprimento da obrigação de
pagamento
de
tributo
faz
com
que
os
demais
que
contribuem
sejam
sobrecarregados pelo erário. Neste caso, compelir o sujeito passivo de cada relação
tributária ao pagamento dos impostos seria uma preocupação com o bem comum.
Celso Antonio Bandeira de Mello42 prossegue:
Todo excesso, em qualquer sentido, é extravasamento de sua configuração
jurídica. É, a final, extralimitação da competência (nome que se dá, na
esfera pública, aos “poderes” de quem titulariza função. É abuso, ou seja,
uso além do permitido, e, como tal, comportamento inválido que o judiciário
deve fulminar a requerimento do interessado.
No mais, a Fazenda utiliza o fundamento denominado dever de tributar - uma
vez que o tal demonstra a essencialidade da imposição de tributos para a evolução
41
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros,
2008. p. 66.
42
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros,
2008, p.99
do estado Social de Direito. Principio este decorrente do dever de agir próprio da
Administração Pública:
O poder do administrador público, revestindo ao mesmo tempo o caráter de
dever para a comunidade, é insuscetível de renúncia pelo seu titular. Tal
atitude importaria fazer liberalidades com o direito alheio, e o poder público
43
não é, nem pode ser, instrumento de cortesias administrativas.
Neste sentido Machado refere: “Tem a Fazenda Pública o poder-dever, ou
direito potestativo, de constituir seus créditos tributários, contando ou não com a
colaboração do sujeito passivo, e mesmo contra a vontade deste.”44 Inclusive, em
outra obra, o mesmo autor continua:
(...) constitui ato de improbidade administrativa “agir negligentemente na
arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à
conservação do patrimônio público”. Essa definição legal, que nos parece
ser meramente explicitante, há de ser entendida em consonância com o
parágrafo único do art. 142 do Código Tributário Nacional, segundo a qual a
atividade administrativa é vinculada e obrigatória, sob pena de
45
responsabilidade funcional.
Concluindo, a restrição de direitos fundamentais se funda na lesividade que a
inadimplência significa para toda a sociedade. Até porque, o Estado impõe aos seus
contribuintes cobranças de cunho mais restritivo porque não essa cobrança não lhe
parece como uma opção, mas sim um dever.
4 DISTINÇÃO ENTRE AS SANÇÕES POLÍTICAS E AS DEMAIS FIGURAS
CARACTERÍSTICAS
Para diferenciar as limitações que se assemelham às sanções políticas das
próprias, faz-se necessário que se aviste o entendimento assentado pelo Supremo
Tribunal Federal, uma vez que, ao fim e ao cabo, é este quem define quais são as
práticas compatíveis com a Magna Carta, ou quais não, caracterizando,
eventualmente, as recém vistas Sanções Políticas.
43
Muito bem, já que nos dois
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 2. Tiragem. São Paulo: Malheiros
Editores, 1991. p. 89.
44
Op. Cit. 2008, 96
45
Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p.93-4
capítulos anteriores foram detalhadas as Sanções Políticas e as limitações
proporcionais, neste capítulo trataremos de fundir as características, com o intuito de
alcançar uma diferenciação objetiva.
Características próprias das Sanções Políticas:
1.
restrição à atividade econômica – como visto, quando não as restringem,
atrapalham de forma significativa;
2.
negativa à discussão do débito – isto é, impedem o acesso ao judiciário,
tanto em relação ao débito quanto à medida administrativa imposta;
3.
falta de opção à adesão da medida imposta – ou seja, arbitrariedade
excessiva de procedimento para o Fisco;
4.
aplicadas em razão de interesse do erário (em última análise, é o
argumento que fulmina a validade das restrições).
Características que afastam às Sanções Políticas.
1.
Limitação, não restrição, das atividades econômicas – por não
preenchimento dos requisitos legalmente previstos.
2.
Previsão Constitucional para a medida adotada – se a medida foi
recepcionada pela Constituição Federal, não há como ser considerada
inválida.
3.
Opção de aderir à imposição, ou, na escolha de não aderir, não ser
prejudicado.
4.
Aplicadas em razão de interesse social (característica capaz de
transformar uma sanção política em restrição válida, caso os
argumentos aplicáveis à situação concreta sejam proporcionais e
compatíveis com o interesse público).
4.1 BENS JURIDICOS PROTEGIDOS
Como bem afirma Fontenele, é imprescindível uma breve apresentação do
conceito de direitos fundamentais ao estudarmos os bens protegidos, já que são
encontradas diversas formas de denominar a expressão “direitos fundamentais”. A
respeito disso, “a doutrina, a exemplo de Sarlet, entende que o termo direitos
fundamentais melhor se aplica àqueles direitos reconhecidos pelo ordenamento
jurídico constitucional; enquanto os direitos humanos são aqueles retratados no
âmbito do direito internacional.”46
No estudo dos bens afetados pelas sanções políticas, acompanho a
sistemática de Aliomar Baleeiro47, mencionando a ameaça dos seguintes direitos:
a)
b)
c)
d)
e)
f)
g)
Exercer em plenitude suas atividades comerciais, em regime de livre
concorrência, a teor dos arts. 5º, XIII, e 170, IV da Constituição;
Ser tributado nos termos estritos da lei, com espeque nos arts. 5º, II e
150, I, da Constituição; arts. 97 e 128 do CTN;
Discutir, na via administrativa, plenamente as autuações e cobranças
que sofreram, sem garantia de instância mediante contraditório e ampla
defesa, conforme art. 5º LV.
Discutir suas pretensões jurídicas em face do Estado, seguindo o
devido processo legal, segundo o artigo 5º, XXXV, LIV e LV.
Não tolerar confisco nem perdimento de bens sem o devido processo
legal, conforme art. 5º, LIV.
Ser tratado com igualdade, mormente em face de seus concorrentes,
sem discriminações odiosas, como preceitua o art.5º, I, XIX, e 150, II,
combinados;
Ser tratado com respeito e dignidade, implicando a motivação dos atos
administrativos contra eles lavrados, conforme arts. 5º, V, LV, c/c art.37
da Lei Fundamental.
Em suma, as sanções políticas contrariam o principio da legalidade, porque a
Administração Pública não realiza a cobrança de acordo com o procedimento
legalmente previsto (o que também enseja o descumprimento do princípio
administrativo da vinculação, mas este não é fundamental). O professor Machado
esclarece “Sendo a lei manifestação legítima da vontade do povo, por seus
representantes nos parlamentos, entende-se que o ser instituído em lei significa ser
o tributo consentido.”48
Do mesmo modo, as restrições desproporcionais ferem o livre exercício da
atividade econômica, que prevê: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou
46
FONTENELE, Alysson Maia. As Sanções políticas no direito tributário e os direitos fundamentais
do contribuinte. In: Coleção Jornada de Estudos ESMAF, Distrito Federal, v. 1, p. 19-58, dez. 2009.
47
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi.
Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.986
48
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p.
53.
profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.” Sobre o
assunto, Fontenele esclarece que “a lei não pode dificultar a livre iniciativa e o livre
exercício de atividades econômicas, sob pena de violar de forma flagrantemente a
Constituição, e tornar-se inválida.”
Por fim, violam os princípios da igualdade por diferenciar contribuintes em
virtude de débito, e não de acordo com a capacidade contributiva, única reserva
prevista para a aplicação do principio da igualdade no Direito Tributário. Assim como
impedem o acesso ao judiciário, violam claramente os princípios da ampla defesa e
do devido processo legal. Sobre este, esclarecedor o voto do Min. Joaquim
Barbosa:49
A sanção política coloca desafios de duas ordens ao controle da restrição. A
primeira ordem de desafios se refere ao controle de validade da própria
restrição. Como as restrições ao exercício profissional e à atividade
econômica podem comprometer a própria existência da empresa ou o
desempenho empresarial, a sanção política pode por um fim abrupto ao
processo administrativo ou judicial de controle da validade da própria
sanção política. (...)
Na segunda ordem de desafios, a sanção política desestimula, pelo mesmo
modo, o controle da validade da constituição de créditos tributários. A
interdição de estabelecimento ou a submissão de contribuinte a regime mais
gravoso de apuração tributária pode impedir a discussão administrativa ou
judicial sobre matéria tributária, pois é incontestável que uma empresa
fechada terá menos recursos para manter um processo administrativo ou
judicial.
Dito de outro modo, a sanção viola o direito de acesso ao Estado, seja no
exercício de suas funções Administrativa ou Judicial, para que ele examine
tanto a aplicação da penalidade como a validade do tributo.
Enfim,
as
sanções
políticas
ferem
flagrantemente
várias
previsões
constitucionais, ameaçando os direitos fundamentais. Pior do que isso, o fazem em
nome do interesse do erário. Por outro lado, as restrições compatíveis com a Carta
da República por vezes restringem algum direito fundamental específico, porém o
fazem para proteger interesses comuns à sociedade. Essas restrições se afirmam
em três importantes institutos jurídicos:
a) Supremacia do Interesse Público
49
BRASIL. STF. ADI 173, Min. Joaquim Barbosa, DJe-053, publicada em 20-03-2009.
A supremacia do interesse público é um conceito que está em constante
transformação, porém, para o estudo deste trabalho, não cabem grandes
explanações a respeito. Há de ser considerada a vasta aplicação deste principio
(segundo Humberto Ávila,50 deste axioma) no âmbito jurídico, assim como a
finalidade deste na sociedade. Ou seja, a supremacia do interesse público está
relacionada tanto com os atos mais simples que o Executivo opera, quanto às
questões mais complexas que o poder legislativo positiva ou o judiciário decide, e
em todos estes aspectos deve prevalecer o interesse social.
Para o estudo deste axioma, é recomendável o artigo de Aragão,51 que em
obra muito esclarecedora, explica de forma simples a referida supremacia e as
alterações no seu emprego:
Por essas razões, a mais moderna hermenêutica constitucional tem
formulado critérios de identificação e categorização dos argumentos
jurídicos, partindo, então, em um segundo momento, para a enumeração de
que espécies de argumentos devem ser consideradas prioritárias sobre as
outras.
Sintetizando: o que não pode ser feito é a invocação dos chamados
interesses públicos para justificar conceitos filosóficos e abstratos em detrimento dos
interesses sociais legalmente positivados. Há de se buscar o bem comum, porém
considerando os interesses da sociedade, os quais, na maioria das vezes,
encontram-se escrito nas normas.
b) Separação de Poderes
Humberto Ávila diz: “A Constituição Brasileira estabeleceu expressamente
que os poderes são independentes e harmônicos entre si (art. 2º). Isso significa que
cada poder possui uma função pormenorizada regulada na constituição.”52 Não
cabem aqui grandes indagações sobre o tema, mas é importante assinalar que esta
50
ÁVILA, Humberto. “Repensando o principio da Supremacia do Interesse Público sobre o
Particular”. In: Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de
Supremacia do Interesse Público. 3ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 177-9.
51
ARAGÃO, Alexandre Santos de. “A ‘Supremacia do Interesse Público’ no advento do Estado de
Direito e na hermenêutica do Direito Público Contemporâneo.” In: Interesses Públicos versus
Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público. 3ª tiragem.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 9.
52
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.66
independência assegura, numa situação hipotética, a presunção de legalidade dos
atos administrativos.
O legislativo transforma em lei os interesses do povo, o executivo, por sua
vez, os toma necessariamente como base (vinculação) para toda sua atuação de
fiscalização social e o judiciário assegura que ambos estão cumprindo com seus
deveres. Se pressupõe que a administração age de acordo com os preceitos legais,
assim sendo, para que seja provado o contrário, é necessário um processo
administrativo.
c) Livre Concorrência
Principio quase que financeiro, porém inclusive resguardado no artigo 170 da
Magna Carta. Prevê a intervenção estatal no mercado financeiro sempre que alguém
estiver gozando de situação favorável injustificadamente. Sobre este tema destacase o acórdão anteriormente citado, que restringiu a atividade tabagista em nome da
Livre Concorrência. Vide trecho abaixo:
Então a livre iniciativa é um valor estruturante do nosso Estado Federativo
Republicano. Ela já comparece, no corpo normativo da constituição, como
fundamento da Republica Federativa- artigo 1º, inciso III – e volta a desfilar
pela passarela dos mais excelsos valores da Constituição na cabeça do
53
artigo 170, ao lado da valorização do trabalho, evidentemente.
Na realidade, embora hajam sido mencionados apenas os bens acima, há
outros direitos fundamentais ameaçados ou tutelados pela Administração, porém
seria impossível abordar a todos.
5 CONCLUSÃO
O nome Sanções Políticas no Direito Tributário remete a uma idéia distorcida
desse instituto. Em realidade, o título correto para esta medida seria restrições
53
BRASIL. STF. AC 1657 MC, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Relator(a) p/ Acórdão: Min.
Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 27/06/2007, DJe-092.
desproporcionais que objetivam a cobrança de débito tributário, ainda assim, elas
são amplamente denominadas como sanções políticas. Hugo de Brito Machado
(1998, p. 47) foi responsável pelo conceito mais divulgado: “restrições ou proibições
impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento de tributo,
tais como a interdição de estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime
especial de fiscalização, entre outras.”
Entretanto, ao adentrar na análise desse instituto, se percebe que é essencial
uma distinção entre as verdadeiras sanções políticas e os meios restritivos de
liberdade que a Fazenda se vale para manter a ordem na Administração Pública. As
restrições
que
objetivam
a
cobrança
de
crédito,
utilizando
métodos
desproporcionais, ou ainda, causando impedimento muito grave à atividade
financeira do contribuinte, são as únicas que se caracterizam como Sanções
Políticas.
É sabido que a relação de supremacia do Estado em relação aos
contribuintes é inevitável e necessária. Porém, os entes estatais devem levar em
conta essa superioridade em detrimento dos direitos fundamentais que o Poder
Legislativo definiu como constitucionalmente resguardados. Nenhuma submissão ao
poder público, como se observou neste caso, especialmente na esfera executiva,
pode ferir ou ameaçar os direitos essenciais aos seres humanos, sob pena de
nulidade, por não coadunar-se com o estado democrático de direito.
Neste aspecto, as restrições impostas pela Administração pública devem
respeitar os direitos dos contribuintes ou, em casos excepcionais, onde for
imprescindível uma intervenção mais radical, tais atos devem ser aplicados da forma
menos prejudicial possível. Não se pode olvidar que as principais características das
sanções políticas são a ilegitimidade do agente coator, ou seja, aquele que
determina a aplicação da limitação não detém competência para tanto, a
inobservância do procedimento legalmente instituído para a cobrança do crédito e a
finalidade de constranger o devedor ao pagamento de tributos.
A doutrina não aborda de maneira clara e expressiva este tema. Assim
mesmo, quando o faz, se preocupa apenas em reafirmar que as Sanções Políticas
não condizem com a vida em sociedade, frisando a clara inconstitucionalidade que
as reveste. Em contrapartida, a jurisprudência cumpre seu papel de forma admirável.
Os ministros do Supremo aplicam seguidamente o principio da proporcionalidade,
tendo como principio norteador à supremacia do interesse público, sem esquecer os
ditames normativos previamente aceitos. Não obstante, na maioria das vezes, a
matéria sequer alcance a Corte Suprema, uma vez que é entendimento assentado,
sendo bem aplicado em quase todos os níveis de jurisdição.
Com efeito, de uma análise empírica, se constata a confusão que pode surgir
da generalização destas limitações, pois conforme estudado, a apreensão de
mercadorias significa uma sanção desproporcional quando o Ente que as retêm o
faz por não concordar com a Nota Fiscal apresentada, ou o tributo por elas
recolhido, porém, não tem o mesmo significado, se esta apreensão foi realizada
apenas até que se comprovasse a posse legítima de tais mercadorias. Destarte, a
distinção entre as restrições válidas e as Sanções Políticas, requer uma análise
prática e valorativa. Não há que se falar em limitação justa ou injusta antes de
observados os fundamentos e objetivos que as originaram. Assim, tanto os
contribuintes quanto as autoridades competentes devem fiscalizar a legalidade das
intervenções Públicas praticadas.
Logo, sempre que as restrições impostas aos contribuintes não seguirem as
ordens legalmente recepcionadas pela Constituição, ou, se mesmo seguindo estas,
ferirem direito líquido e certo de forma desmotivada, ocorreu uma Sanção Política no
direito tributário. Esta situação é notoriamente descabida, e não pode existir no
Estado Democrático de Direito.
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