Revista Contexturas, n. 23, p. 62 - 80, 2014. ISSN: 0104-7485 A NATUREZA DO ENSINO DE LÍNGUAS PARA FINS ESPECÍFICOS (ELFE) E AS POSSIBILIDADES DE AQUISIÇÃO/APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS1 Renata Mourão GUIMARÃES2 Magali BARÇANTE3 Vanessa Cristina da SILVA4 RESUMO Este artigo apresenta uma reflexão quanto à natureza do ensino de línguas para fins específicos (ELFE), partindo dos pressupostos das duas macro abordagens de ensinar (gramatical e comunicativa). Buscou-se, também, articular as características de ELFE à Operação Global de Ensino (OGEL), justificando a natureza de um curso a partir de análise de objetivos. Palavras-chave: ELFE, Abordagens, Aquisição/Aprendizagem. 1 Trabalho final da disciplina “Ensino de Línguas em Contexto Superior Tecnológico ”, ministrada pela professora Dr. Magali Barçante do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PGLA) da Universidade de Brasília (UnB). 2 Aluna regular do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PGLA/2014) da Universidade de Brasília (UnB). Professora de Língua Espanhola do Instituto Federal de Brasília (IFB). [email protected] 3 Docente colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PPGLA) da Universidade de Brasília (UnB) e professora de inglês da Faculdade de Tecnologia de Indaiatuba (FATEC). [email protected] 4 Aluna regular do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PGLA/2013) da Universidade de Brasília (UnB). Professora de Língua Espanhola do Instituto Federal de Brasília (IFB). [email protected] 62 Revista Contexturas, n. 23, p. 62 - 80, 2014. ISSN: 0104-7485 ABSTRACT This article presents a reflection on the nature of teaching language for specific purposes (TLSP), based on the assumptions of the two macro approaches (grammar and communicative). In addition, we sought to articulate the characteristics of Teaching Language for Specific Purposes with the Language Teaching Overall Operation Model (OGEL), so as to justify the nature of Foreign Language Courses based on its objectives analysis. Key-words: TLSP, Approaches, Acquisition / Learning. Introdução Tratar do ensino de línguas para fins específicos (doravante ELFE) nos remete à própria escolha lexical sobre o que é específico e o que é geral no processo de ensino e aprendizagem de línguas. Além disso, a natureza desse tipo de ensino também nos leva a refletir sobre o cerne desse processo, qual seja, o conceito de linguagem humana que, por sua vez, influencia e determina o que entendemos hoje por abordagens de ensinar, conforme publicações de Almeida Filho (1993, 2009; 2010; 2011; 2012). 63 Revista Contexturas, n. 23, p. 62 - 80, 2014. ISSN: 0104-7485 Entendemos que o processo de aprendizagem/aquisição5 e ensino de línguas (AELin) é determinado por uma dada abordagem. Abordagem pode ser compreendida como uma filosofia de ensinar, como uma força potencial e abstrata, que orienta as decisões e ações do professor (ALMEIDA FILHO, 1993, 2010), materializadas em quatro dimensões, no planejamento de cursos e de currículo, na produção e/ou seleção de materiais didáticos, na construção de oportunidades para se vivenciar a língua-alvo (o método ou a maneira de se ensinar) e na avaliação do processo. Tendo o conceito de língua(gem) como central em sua natureza e definição, concordamos com o autor quando discorre sobre duas abordagens de ensinar, aquela que se constitui pelo entendimento de que a língua(gem) humana é de natureza dialógica, interacional e, portanto serve a propósitos comunicativos, e a que se constitui pela compreensão de língua(gem) que se circunscreve a sua gramática e vocabulário. O conceito de língua(gem), por manter relação com o ensino-aprendizagem de línguas (ALMEIDA FILHO, 2012), o determina e influencia. Diante disso, nos perguntamos qual a relação do ELFE com o conceito de língua(gem), já que este ensino nasce de uma nova percepção do que é ensinar e aprender, influenciado pelas mudanças ocorridas no campo da linguística e pelas novas psicologias educacionais (RAMOS, 2005). O ELFE e as abordagens 5 Neste trabalho não faremos distinção entre esses dois termos. 64 Revista Contexturas, n. 23, p. 62 - 80, 2014. ISSN: 0104-7485 Conforme dissemos, consideraremos neste trabalho, duas vertentes ou abordagens de ensinar línguas, a de base gramatical e a de base comunicativa. Não é incomum haver confusão conceitual entre abordagem e método e entre esse e técnica usada em sala de aula. Almeida Filho (1993), tomando como base o modelo proposto por Anthony (1963) e ao definir abordagem como uma filosofia de ensinar, abstrata por excelência, entende método como as oportunidades criadas para se experienciar a língua, ou a maneira de se ensinar, e como técnica procedimentos usados em sala de aula, a que acrescentamos imitáveis porque tangíveis. O método, no modelo proposto, estaria, se imaginarmos uma ilustração, abaixo da abordagem, compondo as quatro dimensões ou materialidades da operação global de ensino (OGEL), mencionadas acima. Grosso modo, o movimento comunicativo começa a partir da década de 70 como uma resposta ou reação às insatisfações quanto aos resultados obtidos com o uso de padrões estruturalistas no ensino de línguas, e junto a ele surgem, também, nomenclaturas novas, que refletem a concepção de língua(gem) enquanto uso e interação com propósitos comunicativos, entre elas: funções comunicativas, temas, tópicos, tarefas, projetos, cenários, necessidades dos alunos, interação, especificação de objetivos etc. A materialização ou a transposição didática de um conceito não é tarefa simples, especialmente se esse conceito se constrói a partir de algo difícil de ser “congelado”, dada a sua natureza dinâmica e imprevisível, como as interações humanas permeadas pela língua (estrangeira). Isso pode explicar, em parte, porque fazer recortes comunicativos é uma tarefa complexa. 65 Revista Contexturas, n. 23, p. 62 - 80, 2014. ISSN: 0104-7485 Dentre essas novas nomenclaturas, que refletem uma concepção de língua(gem), a especificação de objetivos e as necessidades dos alunos nos levam a pensar no que é específico no processo de ensino e aprendizagem. Se os objetivos podem ser bem definidos, delimitados, atendendo a necessidades/interesses dos aprendizes, teremos então um curso de ELFE. Considerando-se que o levantamento de necessidades é o ponto de partida para um curso de ELFE (HUTCHINSON e WATERS, 1987; DUDLEY-EVANS e ST JOHN, 1998; ROBINSON, 1991; AUGUSTONAVARRO, 2008; RAMOS, 2005), e que o aluno é o centro do processo de AELin, as materialidades (planejamento, materiais didáticos, experiências de vivenciar a língua-alvo e avaliação) devem ser baseadas nos objetivos (necessidades, interesses, fantasias e projeções) dos alunos, como previsto na OGEL (ALMEIDA FILHO, 1993). Quando os objetivos são bem definidos e bem marcados, quer dizer, passando do nível 4 (projeções) e 3 (fantasias) e englobando mais fortemente o nível 2 (interesses) e 1 (necessidades), podemos definir o curso como o ELFE. (Figura 1 - modelo 1993 e 2012 - com adaptações) 66 Revista Contexturas, n. 23, p. 62 - 80, 2014. ISSN: 0104-7485 Na década de 90, o ELFE começa a ser criticado por uns e repensado por outros. Augusto (1997) atribui esse fato à dificuldade de se definir o que seja exatamente o ELFE. Para Hutchinson e Waters (1997), Ramos (2005, 2009) o ELFE deve ser considerado como uma abordagem para a aprendizagem de uma língua que se fundamenta na necessidade do aluno. Para os autores, uma abordagem instrumental. Borges (2011, p.827) aponta uma “tensão” sobre o uso do termo instrumental (ELFE) entre diversos pesquisadores da Linguística Aplicada, abaixo elencados. Widdowson (UniVie, Áustria): o comunicativo e o instrumental não são separados, são parte de um mesmo desenvolvimento. Foi de muitas formas o precursor do comunicativo como uma abordagem geral de ensino de língua. Prabhu (pesquisador independente): o instrumental é guiado pelo propósito de aprendizagem, com uma visão de linguagem que se adéqua a usos particulares; o comunicativo é guiado por uma visão de linguagem como constituindo um significado ou processo de comunicação; Kumaravadivelu (SJSU, EUA): o instrumental é um tema do comunicativo; 67 Revista Contexturas, n. 23, p. 62 - 80, 2014. ISSN: 0104-7485 Swales (UMich, EUA): o instrumental e o comunicativo compartilham interesses; Almeida Filho (UnB, Brasil): o instrumental faz parte do paradigma comunicacional; Moita Lopes (UFRJ, Brasil): o instrumental e o comunicativo possuem a mesma visão de linguagem, mas diferentes propósitos de aprendizagem; Paiva (UFMG, Brasil): o instrumental faz parte do paradigma da simplificação e o comunicativo do paradigma da complexidade; Celani (PUC/SP, Brasil): o instrumental é uma abordagem, e é comunicativa, o instrumental está incluído na abordagem comunicativa; Scaramucci (UNICAMP, Brasil): o instrumental se insere dentro de uma abordagem comunicativa. Todos os especialistas entrevistados, com exceção de Prabhu e Paiva, concordam que o instrumental (ELFE) e o comunicativo mantêm uma relação. Essa é uma, dentre outras questões, que são discutidas no âmbito da Linguística Aplicada, mas precisamente na AELin em relação ao ELFE, e que vem ganhado força em nosso país por meio de pesquisas, eventos nacionais e regionais, projetos e livros voltados para a área. As contribuições têm sido para a definição da melhor terminologia; para a desconstrução dos mitos (RAMOS, 2005) e ideias errôneas (AUGUSTO-NAVARRO, 2008) que circundam este ensino, como por exemplo: que instrumental é sinônimo de leitura, que esse tipo de curso deve ser dado em língua materna, que tem foco exclusivamente em uma das habilidades linguísticas; e também 68 Revista Contexturas, n. 23, p. 62 - 80, 2014. ISSN: 0104-7485 contribuições em relação ao levantamento das necessidades/interesses de um determinado grupo ou de uma determinada área de atuação, construção de planejamentos de cursos de ELFE entre outros. Segundo Barçante (texto online6), outras iniciativas vêm sendo tomadas, no que se refere à busca de reunir inquietações e proposições para o ELFE e cita, por exemplo, a realização do I Congresso Brasileiro de Línguas Estrangeiras na Formação Tecnológica7 e a edição especial da Revista Reverte8. O programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PPGLA) da Universidade de Brasília (UnB) tem buscado, também, suscitar discussões e reflexões sobre o ensino de ELFE, e para isso, desde 2010 tem ofertado a disciplina Ensino de Línguas9 em Contexto Superior Tecnológico, na modalidade semipresencial. Além da oferta de tal disciplina o programa tem incentivado a produção de dissertações e artigos, desde 2006, sobre o ELFE e mais especificamente sobre o ensino da LE em contexto de educação técnica e tecnológica, por citar alguns10: Chaves (2006); Bonfim (2006); Santos (2010); Santos (2010); Sousa (2013); Brasil (2013); Souza (2013). 6 BARÇANTE, M. Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade de Brasília. Projeto de pesquisa. Disponível em: <http://www.pgla.unb.br/index.php?option=com_content&view=article&id=155:magalibarcante-alvarenga&catid=3:pesquisa&Itemid=62> Acesso em: 30/05/14. 7 http://www.fatecid.com.br/1/index.php/eventos-externos/cbtecle.html 8 http://fatecindaiatuba.edu.br/reverte/index.php/revista/issue/view/10/showToc 9 No cenário brasileiro de pós-graduação, no âmbito da Linguística Aplicada, esta é a única disciplina ofertada sobre o ELFE na modalidade semipresencial. 10 CHAVES, Daniele Fonseca (2006). O ensino de línguas para fins específicos como uma proposta de abordagem da língua estrangeira no ensino médio; BONFIM, Rafaela (2006). BABEL DE VOZES: crenças de professores de inglês instrumental sobre tradução; 69 Revista Contexturas, n. 23, p. 62 - 80, 2014. ISSN: 0104-7485 Embora muitos desses trabalhos já tenham levantado características do ELFE, crenças de professores sobre este ensino, tipos de planejamentos e materiais desejáveis para estes cursos, ou, ainda, mapeado necessidades de alunos e de áreas em diferentes contextos, ainda existem lacunas que precisam ser preenchidas. Almeida Filho (2008) chama a atenção para a ausência de projetos de investigação dessa modalidade no país, da escassez de revistas especializadas, de livros e de artigos que orientem novas práticas para o ensino de línguas estrangeiras, principalmente no contexto técnico e tecnológico, bem como a necessidade de se entender melhor o papel da LE, nesses cursos. Mapear as necessidades de uso da língua estrangeira, segundo Barçante (texto online), nesses contextos, é um possível caminho para se entender melhor algumas questões do ELFE, sem perder de vista a perspectiva educativa do processo de ensinar línguas, no diálogo franco entre a instituição formadora e a situação-alvo. Análise de objetivos SANTOS, Eduardo Ferreira dos (2010). Crenças sobre o ensino-aprendizagem de inglês (LE) em contexto de formação profissional: um estudo de caso; SANTOS, Liberato Silva (2010). Sob Medida: uma proposta de produção de material didático de Língua Estrangeira (inglês) para aprendizes de um curso do Ensino Médio profissionalizante de jovens e adultos, na modalidade PROEJA; SOUSA, Alessandra Silva de (2013). O Ensino de Língua Espanhola no Instituto Federal de Brasília: o Dito, o Feito e o Pretendido; BRASIL, Paolla Cabral Silva (2013). ¿Piedras en el camino? ¡Construyamos un castillo! Necessidades e interesses de aprendizes de espanhol de um curso técnico integrado; SOUZA, Sheilla Andrade de (2013). Ressignificando o ensino de inglês instrumental em contexto profissional de nível médio: uma proposta baseada em sequência didática. 70 Revista Contexturas, n. 23, p. 62 - 80, 2014. ISSN: 0104-7485 A natureza de um curso é definida a partir dos objetivos, quando os objetivos são difusos podemos dizer que o curso é de natureza geral; quando os objetivos são bastante definidos, com necessidades/interesses dos alunos bem específicos e localizados, dizemos que este curso é para fins específicos. Assim, a análise de objetivos se torna uma etapa imprescindível em um curso de ELFE, pois é essa análise que guia o planejamento desses cursos, indicando o que é específico com relação à LE (AUGUSTONAVARRO, 2008). A autora sugere que essa análise seja processual, investigando-se todo o ambiente e os contextos de uso da língua-alvo na vida profissional e/ou acadêmica dos alunos, bem como o nível de conhecimento linguístico dos alunos na língua-alvo. Para definir os objetivos do curso, segundo Almeida Filho (2013, p.39) é necessário que o professor conheça a situação ou contexto de ensino e antecedentes. Para conhecer tal situação ou contextos o professorplanejador deve buscar “dados sobre os alunos, história do curso, perfis de formação de professores que o implementarão, cultura de aprender dos alunos e cultura de ensinar da escola, papel da língua-alvo na comunidade”. O autor explica que, “geralmente se coletam os registros com informações no próprio local com pessoas familiarizadas com a situação através de conversas, entrevistas e questionários”. Para Viana (2009) essa etapa de levantamento de objetivos deve incluir dados do contexto, como por exemplo, questões de política educacional, número de aulas, recursos físicos e humanos; e aspectos individuais dos alunos - necessidades, interesses, motivações, fantasias, desejos, conhecimento prévio, disponibilidade de tempo, entre outros. 71 Revista Contexturas, n. 23, p. 62 - 80, 2014. ISSN: 0104-7485 Para a realização dessa análise, os instrumentos mais frequentes são questionários, entrevistas, observação, texto, consultas informais com empregadores, alunos e outros (HUTCHINSON e WATERS, 1987). Existe também, a análise documental, que considera o que é produzido na área específica, como as publicações, seminários, correspondências, fóruns de discussão etc., e a análise da situação-alvo, em que se examinam os ambientes onde a língua-alvo é usada (ROBINSON, 1991 apud AUGUSTONAVARRO, 2008). Essa análise não deve ser vista como uma atividade acabada, ela deve ser contínua durante todo o processo. Por meio do levantamento dos objetivos de aprendizagem e da situação-alvo é possível definir as atividades comunicativas ou recortes comunicativos de determinada situação de uso social da língua, seja ela relacionada à necessidade do aluno e/ou da situação onde o aluno irá atuar socialmente nesta língua (em seu cotidiano profissional, acadêmico etc.); e a partir daí definir qual será a ênfase em relação às habilidades que serão trabalhadas no curso, em maior ou menor proporção. (Figura 2 11) 11 Essa figura foi criada a partir de leituras e discussões realizadas durante os cursos de “Abordagens no Ensino de Línguas” e “Ensino de Línguas em Contexto Superior Tecnológico”, no PGLA da UnB, ministrados respectivamente pelos professores José Carlos Paes de Almeida Filho e Magali Barçante. 72 Revista Contexturas, n. 23, p. 62 - 80, 2014. ISSN: 0104-7485 A noção de recorte comunicativo é introduzida por Almeida Filho em 1989; para o autor a tarefa de uso da língua requer tipicamente um recorte comunicativo (atividades socialmente reconhecíveis e que integra as habilidades), isso porque na vida real, as atividades que realizamos em sala de aula, e mesmo fora dela poucas vezes se restringirão a uma única das quatro habilidades, como "falar", por exemplo (op. cit, p. 63). Assim um recorte comunicativo pode ser sinônimo, também, de prática social. É possível fazer recorte de uma determinada atividade comunicativa e verificar quais habilidades estão presentes, isto serve para guiar e facilitar o planejamento de curso, bem como a produção de materiais didáticos e as avaliações. Em um curso de ELFE, “uma habilidade pode ser o objetivo central, mas as demais podem ser trabalhadas colateralmente, inclusive dando suporte ao desenvolvimento da habilidade prioritária” (AUGUSTONAVARRO, 2008, p. 119-120). Para essa autora, não existe sentido em se segmentar a língua em habilidades nesse tipo de curso, deve-se apenas mudar o foco central de acordo com a necessidade mais pertinente em cada momento, pois o ELFE não é mono-skill, ou seja, não se trabalha apenas com uma única habilidade. Este é um entre muitos mitos que circundam sobre o ELFE, segundo Ramos (2005). Retomando o que nos fala Ramos (op.cit.) acerca dos mitos, a autora historiciza o momento de criação do Projeto Nacional de Inglês Instrumental em Universidades Brasileiras, na década de 80, que teve como objetivo o 73 Revista Contexturas, n. 23, p. 62 - 80, 2014. ISSN: 0104-7485 ensino do inglês para leitura de textos acadêmicos e científicos, pois a necessidade dos alunos à época era a de ter acesso às bibliografias de suas áreas de atuação. Logo, instrumental (ELFE) se tornou sinônimo de curso de leitura, sendo esse modelo também adotado em outras universidades e escolas técnicas e tecnológicas, chegando a influenciar, também a construção dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), sem observar que o modelo instrumental (leitura) do Projeto atendia àquela realidade no final da década de 70 e não necessariamente a outras realidades. Almeida Filho (2008) ressalta que, desde essa época, prevaleceu no país uma prática instrumental que suprimia a presença da oralidade nas salas, com uso de textos escritos da área, foco sistemático nas estratégias de leitura, restrição de conteúdo temático das áreas de formação profissional, instrução na língua materna, alguns tópicos gramaticais e vocabulário, não aportando assim para os alunos uma aprendizagem realmente significativa. Objetivos contemporâneos Considerando-se que diferentes situações impõem diferentes objetivos segundo o contexto histórico-social, ao se planejar um curso de ELFE deve-se considerar quais são as situações de uso da língua, em que contexto essa língua será utilizada e quem são os alunos - pessoas específicas, segundo Robinson (1991). Faz-se necessário verificar ademais dos objetivos específicos dos aprendizes e da situação-alvo, os chamados objetivos contemporâneos dos alunos. No tocante aos objetivos, segundo Almeida Filho (2011, p.117), o foco hoje está no desenvolvimento da 74 Revista Contexturas, n. 23, p. 62 - 80, 2014. ISSN: 0104-7485 capacidade de uso da língua-alvo e “da habilidade de se comunicar com propriedade social e cultural”, e não apenas com precisão de aspectos linguísticos. Consideramos, desta forma, que todos os aprendizes buscam como objetivo final “adquirir uma competência de uso que lhes sirva de base para circular socialmente nessa língua-alvo pretendida e para nela fazer coisas ou obter efeitos” (op. cit., 2011, p.52). “Circular Socialmente” e “Fazer coisas” na contemporaneidade implicam, principalmente, acesso às tecnologias. Almeida Filho (2008, p. 220-221) assim explica Vivemos a era do valor do conhecimento e parece certo pressupor que passaremos a ensinar línguas na vigência de valores e condições que o novo tempo vai nos impondo. A produção do conhecimento se faz mediante uso específico de língua, seja na L1 ou noutras que se façam úteis ou necessárias. O autor argumenta que para ser possível viver de maneira mais integrada com as novas características da sociedade do conhecimento e aos novos requisitos do âmbito da formação tecnológica em expansão há necessidade de acesso ao conhecimento produzido. Mais uma vez, em tal aspecto, “as línguas desempenham um papel crucial” (p.221). 75 Revista Contexturas, n. 23, p. 62 - 80, 2014. ISSN: 0104-7485 Desde a década de 70, os estudos têm sistematizado a existência de uma preocupação por parte dos professores e uma vontade por parte dos alunos em desenvolver uma competência comunicativa na língua-alvo. Diante disso, é pretendido que o professor busque ensinar para a aquisição. Isso significa ensinar menos língua (ALMEIDA FILHO, 2011) e ensinar mais linguagem O autor ressalta que para isso o professor pode trazer ou criar nas aulas amostras de uso de linguagem em forma de discurso autêntico, trabalhar com materiais realistas que possibilitem uma comunicação efetiva na nova língua e o desenvolvimento de pensamento crítico. Entendemos que de igual modo, o professor deva promover a participação efetiva, interação e troca de experiências entre os alunos, criando em sala um ambiente comunicativo. Para atender esses objetivos, é possível trabalhar com temas, tarefas comunicativas, projetos etc. Os temas devem ser relevantes e pertinentes para os alunos, devendo ser considerados como elementos motivadores para a interação. Por terem o foco no sentido, as tarefas comunicativas apresentam um resultado e um propósito comunicativo semelhantes com as experiências fora da sala de aula, alcançados pela interação. O projeto são atividades “temáticas de longa ou média duração em que os alunos são levados a se envolver, fazer buscas e aprofundar conhecimentos para a apresentação posterior de um trabalho completo aos colegas” (ALMEIDA FILHO, 2012, p.77). Um aluno de ELFE pode trabalhar, por exemplo, com a resolução de problemas e cumprimento de tarefas e/ou projetos, a partir de um tema gerador ou ainda a partir dos recortes comunicativos que poderão ser levantados por meio da análise de objetivos (dos alunos e da situaçãoalvo). 76 Revista Contexturas, n. 23, p. 62 - 80, 2014. ISSN: 0104-7485 Considerações finais Apesar das “tensões” entre os especialistas no que se refere ao ELFE, entendemos que este ensino compartilha dos pressupostos da abordagem comunicativa. Portanto, em um curso de ELFE as quatro materialidades (planejamento, material, método e avaliação) têm como foco o aprendiz e seus objetivos (necessidades, interesses), e mais timidamente suas fantasias e projeções. Pelas características de um curso de ELFE, e por sua natureza comunicativa podemos vislumbrar oportunidades de aquisição/aprendizagem de língua, ou seja, se utilizamos planejamento com foco no aluno, em seus objetivos, bem como desenvolvemos um ensino com foco no sentido, na aprendizagem significativa e na interação propositada entre os sujeitos, acreditamos ser possível que o aluno adquira uma competência de uso na língua-alvo, em um curso de ELFE. Ser específico não retira de um planejamento desse tipo a natureza dialógica e interativa da linguagem. 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