DECISÃO: Albérico de França Ferreira Filho impetra mandado de segurança contra ato de Mesa da Câmara dos Deputados que sobrestou o procedimento de declaração de perda de mandato parlamentar do litisconsorte passivo, Deputado Paulo Celso Fonseca Marinho – cuja bancada o impetrante é o 1º suplente -, tendo em vista a inocorrência do trânsito em julgado da decisão judicial, proferida em ação de improbidade administrativa, que suspendeu por seis anos os direitos políticos do titular. Alega o impetrante desrespeito ao artigo 55, IV e § 3º, da Constituição Federal 1 , uma vez que, fora das “hipóteses de competência do Plenário não é dado à Casa do Parlamento negar, por suas Mesas, imediata eficácia à decisão judicial que determina a suspensão dos direitos políticos, declarando-se a perda de mandato do litisconsorte passivo” (f. 18). Requer, então, a concessão de medida liminar, “tendo em vista a manifesta ilegalidade cometida contra o impetrante, que está impedido de iniciar o exercício do mandato parlamentar a que tem direito”, e, ainda, o fato de ser “indiscutível a possibilidade de dano irreparável, uma vez que os mandatos têm prazo certo para terminar” (f. 21/22). Solicitadas informações (f. 303), aduziu o il. Presidente da Câmara dos Deputados que, tendo em vista “sinalizações aparentemente contraditórias em torno do trânsito em julgado da sentença que suspendeu os direitos políticos do Sr. Deputado PAULO MARINHO”, decidiu-se pela suspensão do referido procedimento até decisão de agravo de instrumento submetido ao Supremo Tribunal Federal. II 1 “Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: (...) IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; (...) § 3º Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.” O desenvolvimento processual da questão é complexo, e foi assim resumido pelo impetrante, com fidelidade à documentação que instrui o pedido: “Em face da sentença que em 04 de janeiro de 1999 o condenou por ato de improbidade administrativa (doc. 07) e tendo em vista que transcorreu in albis o prazo recursal, o referido Deputado PAULO MARINHO impetrou mandado de segurança junto ao colendo Tribunal de Justiça do Maranhão, visando a declaração da nulidade do ato judicial, pretextando vício na citação. No mandado de segurança, foi concedida, em 27 de janeiro de 1999, pela egrégia Corte de Justiça Estadual, medida liminar com o fim de sustar a decretação de seus direitos políticos até o julgamento do mérito. O conspícuo Superior Tribunal de Justiça, contudo, em autos de Suspensão de Segurança nº 722, suspendeu os efeitos da Liminar referida, consoante decisão de 1º de fevereiro de 1999 (doc. 08). Verificando que pela via eleita não obteria os efeitos almejados, o Deputado PAULO MARINHO desistiu do mandado de segurança, optando, mesmo a destempo, interpor recurso de apelação, que, evidentemente, não foi recebido pelo Magistrado de primeiro grau, por se voltar contra decisão transitada em julgado. Foi, então, interposto o Agravo de Instrumento nº 2069/1999 (12268/1999) – Caxias, pelo qual se pretendeu a reforma da decisão de não recebimento da apelação, inclusive com a concessão de efeito suspensivo (doc. 09). Também foi ajuizada Medida Cautelar Inominada junto ao Tribunal de Justiça do Maranhão para suspender os efeitos da sentença de improbidade (doc. 10). A liminar na ação cautelar foi deferida pela Corte Estadual (doc. 11), assim como foi provido o agravo de instrumento, em 31 de agosto de 1999 (doc. 12). Contra essa última decisão, o Município de Caxias interpôs recurso especial. Entrementes, foi ajuizada junto ao Superior Tribunal de Justiça a Reclamação nº 630, sob o fundamento de que as decisões proferidas na Ação Cautelar e no Agravo de Instrumento antes mencionados estariam a violar a autoridade da decisão proferida por aquele mesmo conspícuo Tribunal na citada Suspensão de Segurança nº 722. O pleito foi deferido pelo eminente Presidente de então, Ministro Pádua Ribeiro, com r. decisão lavrada, na sua parte dispositiva, nos seguintes termos (f. 13): ‘Assim, com fundamento no art. 4º da Lei nº 8.437/92 e, também, adotando, como razão de decidir o douto parecer do Ministério Público Federal, defiro o pedido formulado para cassar os efeitos das decisões prolatadas nos autos do Agravo de Instrumento nº 01.002.12268/99 e da Ação Cautelar Inominada nº 02.17.12179/99, relatadas pelo eminente Desembargador Antonio Guerreiro Júnior, do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, restabelecendo-se, na espécie, a autoridade da coisa julgada hostilizada e ensejando, desse modo, a possibilidade de execução de sentença.’ Tal decisão foi atacada por meio de agravo regimental, que não foi conhecido. Em razão desse fato, o eminente Presidente da Corte Estadual declarou que o recurso especial aforado contra o v. acórdão que deu provimento ao referido Agravo de Instrumento nº 2069/1999 (12268/1999) – Caxias (identificado na decisão do STJ como nº 01.002.12268/1999) ficou sem objeto, tendo em vista que ‘no trâmite do processo sobreveio decisão proferida pelo Ministro Antonio Pádua Ribeiro, Presidente do Superior Tribunal de Justiça, nos autos da Reclamação nº 630/MA (99/00990493-5), que cassou os efeitos das decisões ora atacadas, do que resultou na falta de interesse recursal para o recorrente’(doc. 14). o Adotando a mesma linha de entendimento, litisconsorte passivo PAULO MARINHO ajuizou, então, perante o colendo Tribunal de Justiça do Maranhão a Ação Rescisória nº 4.411/2000, em 03 de abril de 2000 (doc. 15), tendo o eminente Desembargador Antônio Guerreiro Júnior, relator por prevenção, deferido pedido de tutela antecipada (doc. 16). (...) (...) Ou seja, ao ajuizar a ação rescisória, o Deputado PAULO MARINHO foi expresso em reconhecer que a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça na Reclamação nº 630 acabou por cassar as decisões proferidas nos autos do Agravo de Instrumento nº 01.01.12268/99 (ou 2069/99). Concedida a tutela antecipada, a ação rescisória mereceu acolhimento por parte da colenda Corte do Estado do Maranhão (doc. 17). Ocorre, contudo, que o egrégio Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Recurso Especial nº 471.732, por sua Primeira Turma, houve por bem conhecer e dar provimento ao apelo derradeiro, reformando a decisão que dera pela procedência da rescisória (doc. 18). A mesma Corte Superior determinou a imediata comunicação da decisão ao MM. Juiz de Primeiro Grau, para imediato cumprimento da sentença transitada em julgado (doc. 19). Daí o Ofício nº 242, de 13 de setembro de 2004, proveniente do MM. Juiz da 1ª Vara de Caxias mencionado logo no início da presente exposição. Houve, é certo, a interposição de recurso extraordinário pelo Deputado Paulo Marinho, que, como cediço, é destituído de efeito suspensivo. De qualquer sorte, não foi ele admitido por despacho do eminente Vice-Presidente do STJ, estando pendente de apreciação o Agravo de Instrumento nº 543.548, distribuído à ilustre Ministra ELLEN GRACIE (doc. 20). Com a finalidade de obstar essa douta Mesa de dar curso ao procedimento de declaração de perda de mandato, o Deputado PAULO MARINHO ajuizou junto ao Supremo Tribunal Federal o Mandado de Segurança nº 25.004, no qual obteve medida liminar concedida pelo insigne Ministro NELSON JOBIM, sob o argumento de que a decisão do STJ, relativa ao recurso especial da ação rescisória, não teria transitado em julgado (doc. 21). Nada obstante, o mencionado Deputado terminou por desistir dessa primeira impetração (doc. 22), para logo em seguida ajuizar o Mandado de Segurança nº 25.131, distribuído ao eminente Ministro EROS GRAU, em que pela vez primeira passou a sustentar a esdrúxula tese aqui discutida, qual seja, a de inexistência de trânsito em julgado da sentença condenatória em face do provimento do agravo de instrumento que determinou o processamento da apelação. Pede-se vênia para se destacar a parte final da decisão proferida pelo eminente Ministro EROS GRAU, pela qual indeferiu de plano o processamento do writ (doc. 23): “22. Em verdade, busca o impetrante com o presente mandado de segurança suspender a execução da coisa julgada, o que, no caso, é inadmissível. 23. Ademais, dos fatos noticiados na impetração, bem como das decisões acostadas aos autos, vê-se que o impetrante procura, a todo custo, mediante a interposição de todos os recursos e incidentes processuais que entende cabíveis, obstar a execução da sentença de primeiro grau, que determinou a suspensão de seus direitos políticos, o que caracteriza as condutas descritas nos incisos II e III do art. 17 do CPC. A par do exposto, nego seguimento ao presente mandado de segurança, com base no art. 21, § 1º, do RISTF.” Ou seja, por voz abalizada e insuspeita, proclamou-se a litigância de má fé por parte do Deputado PAULO MARINHO. Mas este não se fez de rogado, desistindo do referido mandamus. Entrementes, o Presidente da Mesa da Câmara, à época o Deputado JOÃO PAULO CUNHA, acolhendo o pronunciamento do eminente Corregedor da Casa, resolveu submeter a questão à colenda Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Contra tal decisão, o ora peticionante ajuizou também junto ao Supremo Tribunal Federal o Mandado de Segurança nº 25.163, distribuído ao nobre Ministro JOAQUIM BARBOSA (doc. 24). S. Exa. indeferiu o pedido de medida liminar (doc. 25), entendendo que os fatos se apresentavam duvidosos, especialmente a questão dos efeitos da decisão proferida nos autos do agravo de instrumento. O ora peticionante, entendendo que, de fato, havia falta de elementos no processo, preferiu de plano pedir desistência (doc. 26). Por seu turno, a douta Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania acolheu, por maioria de votos, o parecer apresentado pelo insigne Deputado Paulo Magalhães, que concluiu que não havia trânsito em julgado, fazendo menção especialmente ao Agravo de Instrumento nº 543.548STF. O processo administrativo, então, foi encaminhado de volta à Mesa requerida, que, assim, praticou o ato objeto de impugnação. Caracterizada a violação de direito líquido e certo do impetrante por parte da impetrada, impetra-se a presente segurança.” Além do relatado pelo impetrante, a novidade é a decisão de negativa de seguimento do agravo submetido à Ministra Ellen Gracie, proferida em 2.8.2005 e pendente de publicação. III Certo, ao apreciar caso similar, onde se pretendeu a concessão de efeito suspensivo a RE interposto de decisão do TST que julgou procedente ação rescisória e, com isso, sustar o processo de execução da decisão rescindenda, afirmei (PET 2343, DJ 24.8.01): “A doutrina - alguns de cujos melhores expoentes o requerente evoca (v.g., Galeno Lacerda, Comentários ao C. Pr. Civil, Forense, III. I/65; Manoel Teixeira Filho, As Ações Cautelares no Proc. do Trabalho, 3ª, LTr, 174; Sérgio Bermudes, Dir. Proc. Civil - Estudos e Pareceres, 2ª série, Saraiva, p. 268) - tende a admitir que o art. 489 CPrCiv - a teor do qual "a ação rescisória não suspende a execução da sentença rescindenda" -, não exclui o exercício, quando necessário, do poder cautelar, a fim de obviar que a execução da decisão rescindenda frustre a eficácia da sua rescisão provável. O Supremo Tribunal - posto não admita que a lei determine a suspensão da eficácia da decisão rescindenda como efeito ipso jure da propositura da ação rescisória (ADIn 1459, Sanches, RTJ 169/154) -, também considera válida a suspensão, caso a caso, se e quando demonstrados os pressupostos da medida cautelar adequada (AgSS 510, Brossard, 21.10.93, Lex 184/242; Pet 1347, Jobim, 17.09.97, 24.09.97; ADInMC 1718, Gallotti, 15.12.97, Inf. STF 97). Se assim é quando evidenciada a plausibilidade da pretensão veiculada pela ação rescisória apenas proposta, a fortiori há de admitir-se o pedido cautelar suspensivo da execução da decisão rescindenda, quando, julgada procedente a ação rescisória, a decisão dela penda de recurso extraordinário do vencido, despido, por lei, de efeito suspensivo.” No caso sob exame, a hipótese é inversa. Busca-se a execução da sentença rescindenda, obstada pelo ato coator da Mesa da Câmara dos Deputados, fundado na ausência do trânsito em julgado do agravo de instrumento oriundo da ação rescisória, julgada procedente na origem, mas reformada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do recurso especial interposto, quando se afirmou que “a sentença não teve por base referida prova falsa, o que inibe a causa petendi consistente na aplicação do art. 485, VI, do CPC” (f. 203). Assim, a medida excepcional de suspensão da decisão rescindenda não produz mais efeitos, voltando a prevalecer a regra do art. 489 do C.Proc.Civil. Não há falar, portanto, nesse estranho efeito inibitório da autoridade da coisa julgada, que garante o exercício do mandato político àquele cidadão cujos direitos políticos foram suspensos, por força de simples ato de sua própria vontade, o de propor uma ação rescisória, julgada improcedente com base na legislação processual judiciária, e insistiu em recurso extraordinário, que padece de manifesta inviabilidade. Bem por isso, para improver o agravo instrumento, assentou a em. Ministra Ellen Gracie: de “1. A questão relativa ao reexame dos julgamentos proferidos em grau de embargos de declaração, para fins de nulidade, por negativa de prestação jurisdicional, é de índole processual ordinária. Inviável, portanto, o trânsito do apelo extremo, interposto a pretexto de ofensa aos arts. 5º, LIV e LV, e 93, IX, da Constituição Federal. 2. O Superior Tribunal de Justiça examinou, no âmbito de sua competência, matéria de índole estritamente processual, referente a pressupostos de cabimento do recurso especial. Assim, eventual contrariedade ao art. 105, III, a, da Lei Maior somente poderia ocorrer de forma indireta, o que impede o acesso à via extraordinária. 3. A aplicação da multa prevista no parágrafo único do art. 538 do Código de Processo Civil não oferece implicação constitucional. 4. Nego seguimento ao agravo.” Esse o quadro, deixar subsistir a situação atual é sacralizar a chicana, reduzir a nada a eficácia da coisa julgada e o direito do impetrante ao exercício do mandato, que, há anos, vem sendo obstado pela litigância de má fé. De tudo, defiro a Câmara dos Deputados dê curso declaração de perda de mandato Celso Fonseca Marinho, e impetrante no mandato. liminar para que a Mesa da imediato ao procedimento de parlamentar do Deputado Paulo conseqüente investidura do Brasília, 03 de agosto de 2005. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE - Relator