ILDA BASSO (Org.) JOSÉ CARLOS RODRIGUES ROCHA (Org.) MARILEIDE DIAS ESQUEDA (Org.) II SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO LINGUAGENS EDUCATIVAS: PERSPECTIVAS INTERDISCIPLINARES NA ATUALIDADE BAURU 2008 S6126 Simpósio Internacional de Educação (2. : 2008 : Bauru, SP) Anais [recurso eletrônico] / 2. Simpósio Internacional de Educação / Ilda Basso, José Carlos Rodrigues Rocha, Marileide Dias Esqueda (organizadores). – Bauru, SP : USC, 2008. Simpósio realizado na USC, no mês de junho de 2008, tendo como tema : Linguagens educativas – perspectivas interdisciplinares na atualidade. ISBN 978-85-99532-02-7. 1. Educação – simpósios. 2. Linguagens educativas. I. Basso, Ilda. II. Rocha, José Carlos Rodrigues. III. Esqueda, Marileide Dias. VI. Título. CDD 370 PSICOTERAPIA PSICANALÍTICA NOS TRANSTORNOS DE ANSIEDADE Maria Ignez MONTEIRO Ana Celina P. GUIMARÃES Universidade do Sagrado Coração RESUMO A Psicanálise tem passado por sucessivos movimentos de reformulação e aperfeiçoamento, iniciados por Freud e continuados por seus seguidores. Isso proporcionou um grande desenvolvimento em sua teoria e técnica e promoveu novas abordagens, baseadas no aqui-eagora, no atendimento com menos ênfase na interpretação e transferência, permitindo ao paciente uma participação ativa como: dar sua opinião, contestar, refletir a respeito das queixas trazidas para a terapia. Uma maior importância é dada ao papel do analista, que contém os conteúdos do paciente e os devolve re-significados, buscando as transformações necessárias para minimizar o sofrimento deste. O propósito deste estudo é apresentar o relato de um caso cuja hipótese diagnóstica é de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), tratado com a abordagem da psicoterapia psicodinâmica. Vários núcleos foram trabalhados nos anos de 2005 e 2006. A paciente, uma mulher de 35 anos, relatou impulsividade e ansiedade em todas as áreas de sua vida profissional, familiar, pessoal, que colocava em risco sua qualidade de vida gerando um comer compulsivo e obesidade. O objetivo do tratamento foi elaborar seus conflitos – perfeccionismo, comer compulsivo, mágoa e raiva por ter sido abandonada pelo pai, problemas com a família do marido, impaciência com a filha, culpa, entre outros – proporcionando uma melhor integração para minimizar sua ansiedade e sofrimento físico. O processo terapêutico foi realizado na Clínica de Psicologia e Fonoaudiologia da “Universidade do Sagrado Coração”, totalizando 55 atendimentos. O referencial teórico foi baseado na Psicoterapia Psicanalítica. Os atendimentos foram oferecidos uma vez por semana, durante 50 minutos cada. Tornou-se evidente a luta interna entre os aspectos doentes e sadios da personalidade da paciente. A psicoterapeuta fez vínculos com o lado saudável da paciente e juntas tentaram alcançar as mudanças desejadas. Durante os dois anos de tratamento, os resultados obtidos foram significativos e a maioria das queixas obteve importantes melhoras, ocorrendo um bom vínculo entre paciente e terapeuta. Após dois anos de terapia, a paciente expressou o desejo de “caminhar com suas próprias pernas”. O término de uma terapia não significou uma resolução completa de todos os problemas, nem tampouco um crescimento e desenvolvimento mental completo. Contudo a alta é indicada quando existe uma melhora significativa dos sintomas apresentados no início do tratamento. Pode-se concluir que a terapia foi bastante bem sucedida. A queixa da obesidade, permaneceu ainda pendente, por depender de outras especialidades médicas. A paciente foi orientada a procurar esses especialistas e continuar o processo de auto-conhecimento que ela iniciou na terapia. Palavras-chave: Ansiedade Generalizada, Obesidade, Psicoterapia Psicanalítica. ABSTRACT Psychoanalysis has going through successive movements of reformulation and enhancement initiated by Freud and continued by his followers. This provided a great development in its technique and theory which promoted new approaches based on what is happening here-andnow with the patient in the attendance, and less emphasis on interpretation and transference as it was given in the past, permitting the patient an active participation such as giving his/her opinion, contesting, reflecting about the complaints brought to therapy. The therapy process was carried out at the “Clínica de Psicologia e Fonoaudiologia of the “Universidade do Sagrado Coração” totalizing 55 attendances. The theoretical referential was based on the Psychoanalytic Psychotherapy. The attendances were offered once a week during 50 minutes each. It became evident the internal struggle between the sick and healthy aspects of the patient’s personality.A greater importance is given to the continent role of the annalist who contains the content of the patient’s complaints and gives them back to him/her re-signified seeking the transformations needed to minimize the patient’s suffering. The purpose of this study is to present a case report with the diagnosis hypothesis of Generalized Anxiety Disturbance which was treated in the psychodynamic psychotherapy approach. Several nuclei were worked out both in 2005 and 2006. The patient, a 35 years old female, reported impulsivity and anxiety in all areas of her professional, familial, personal life, which jeopardize her life quality generating a compulsive eating and obesity. The aim of the treatment was to elaborate her conflicts perfectionism, compulsive eating, sorrow and anger for her father who has abandoned her, problems with the husband’s family, impatience with her daughter, guilty, among others providing a better integration in order to reduce her anxiety and psychical suffering. The psychotherapist made a link to her healthy side and both of them tried to achieve the desired changes. During the two years treatment the results obtained were significant and most of her complaints had important improvements due to the strong therapeutic link between the patient and the psychologist. After two years of therapy, the patient expressed the desire of “walking with her own legs”. The end of a therapy does not means a complete mental growth and development. It is indicated when there is a significant improvement or elimination of the symptoms presented at the beginning of the treatment. It can be concluded that the therapy was very successful. The obesity complaint, being a multidisciplinary issue, remained unresolved for depending on other medical specialties. She was oriented to seek these specialties and to continue the self knowledge process she had initiated in the therapy. Keywords: Generalized Anxiety; Obesity; Psychoanalytic Psychotherapy. INTRODUÇÃO Freud define a psicanálise como um procedimento para a investigação de processos mentais, um método para o tratamento de distúrbios neuróticos e uma coleção de informações psicológicas obtidas através deste método, que gradualmente se acumularam numa nova disciplina científica. (FREUD, 1923) Desenvolveu um método especial para se aproximar do seu objeto, o inconsciente. Por tratar-se de um objeto de difícil acesso, foram necessários métodos e condições especiais para atingi-lo. Freud era um investigador curioso, interessado na natureza e no homem. Valorizava a observação como fundamento do pensar científico. A ansiedade foi um afeto muito importante no nascimento da psicanálise e da psicoterapia psicodinâmica. Há aproximadamente 100 anos Freud cunhou o termo neurose de ansiedade e identificou duas formas de ansiedade. Uma era o sentimento difuso de preocupação e medo que se originava num pensamento ou desejo reprimido sendo curável por meio de intervenções psicoterapêuticas. A segunda forma de ansiedade era caracterizada por uma avassaladora sensação de pânico, acompanhada por manifestações de descarga autonômica, incluindo sudorese profusa, aumento das freqüências respiratórias e cardíaca, diarréia e uma sensação subjetiva de terror. Esta última forma, na visão de Freud, não resultava de fatores psicológicos. Ao contrário, era conceitualizada como resultado do acúmulo fisiológico de libido relacionada a uma falta de atividade sexual. Ele se referiu a esta forma como neurose real. Em 1926, Freud redefiniu sua compreensão da ansiedade em função de sua recente criação, o modelo estrutural. A ansiedade era agora vista como resultado do conflito psíquico ente impulsos sexuais ou agressivos inconscientes com origem no id e as correspondentes ameaças foi compreendida como um sinal da presença de perigo no inconsciente. Neste caso, a ansiedade foi definida por Freud tanto como uma manifestação sintomática de conflito neurótico quanto um sinal adaptativo para desviar o conflito neurótico da consciência. No modelo de Freud, a ansiedade é um afeto do ego. O ego controla o acesso à consciência e, por meio da repressão, se separa de qualquer associação com impulsos instintivos do id. Ele censura tanto o próprio impulso quanto à representação intrapsiquíca correspondente. Um desejo ou impulso instintivo reprimido pode ainda encontrar expressão como um sintoma, embora ele tenha probabilidade de ser deslocado e disfarçado no momento em que atinge a expressão sintomática. As contribuições trazidas por Sigmund Freud sobre a descoberta do inconsciente, marcaram de forma definitiva a história da psicologia do século XX.. A Psicanálise rompeu com o paradigma de que o homem é mero produto do meio, descobrindo a riqueza da vida mental e dos processos mentais inconscientes. O método psicanalítico se define, desde seus primórdios, como um caminho para a investigação das atividades da mente humana. Foi iniciado com a hipnose, depois com a associação livre e a interpretação de sonhos. A pesquisa em psicanálise desdobra-se em duas vertentes: a que investiga a história das idéias psicanalíticas e a que investiga os processos psíquicos. A psicanálise tem passado por sucessivos movimentos de ampliação e reformulação, iniciados por Freud e continuado por seus seguidores, gerando sete escolas de psicanálise. Isso propiciou um grande desenvolvimento na técnica e na teoria: maior atenção à necessidade e ao funcionamento do paciente no aqui-e-agora da sessão, menor ênfase na interpretação da neurose de transferência e uma atenção maior à função de continência da análise. Podemos dizer que é mediante a relação emocional entre analista e analisando, dentro de um setting apropriado e terapêutico, que se buscam transformações, dando maior relevância em relação à pessoa real do analista, como fator fundamental no processo de uma analise vincular. (ZIMERMAN, 2004) Dentre as sete escolas de psicanálise, utilizamos predominantemente em nosso campo de estágio autores ligados à Psicologia do Ego – fundada por Hartmann, juntamente com Kris e Lowenstein – que teve como grande inspiradora, Anna Freud. Nessa corrente, há uma maior valorização do ego e das funções conscientes, das representações inconscientes e dos mecanismos de defesa provenientes do ego. Podemos destacar importantes nomes, como Erikson, que estudou a influência da cultura e a formação do sentimento de identidade, Edith Jacobson, que descreveu os primitivos processos na formação do self; Margareth Mahler, que estudou os processos de separação e individuação de crianças pequenas, e, Otto Kernberg, considerado representante da “contemporânea psicologia do ego”, que estabeleceu uma ponte com os teóricos das relações objetais e desenvolveu importante trabalho sobre o transtorno de personalidade borderline (ZIMERMAN, 2004). Quando Freud criou a psicanálise, o predomínio dos quadros atendidos era de neurose. Esse cenário, entretanto, modificou-se e observa-se, atualmente, uma grande incidência de outros transtornos, entre eles, os de personalidade. Isso fez com que a clínica-escola criasse novas modalidades de atendimento, suporte e intervenção para essa clientela cada vez mais freqüente. Muito se discute, atualmente, sobre os pontos convergentes e divergentes da clínica em psicanálise, e da psicoterapia psicanalítica, que se fundamenta no referencial teóricopsicanalítico, com alguns pontos da técnica flexibilizados: o número de sessões é menor e, por essa razão, deixa de ser tão regressiva; apóia-se numa intervenção baseada no aqui-e-agora; não se interpreta as reações transferenciais primitivas, porém, elas servem para conduzir o analista durante o processo. OBJETIVOS GERAL Oferecer ao aluno a possibilidade de obter habilidades e competências na psicoterapia psicanalítica e à comunidade a oportunidade de receber atendimento na abordagem psicanalítica. ESPECÍFICO Intervir através da técnica psicanalítica em um caso de transtorno de ansiedade. MÉTODO O processo terapêutico foi realizado na Clínica de Psicologia e Fonoaudiologia da Universidade do Sagrado Coração, totalizando 55 atendimentos. O atendimento psicoterápico foi realizado com base no referencial teórico da psicanálise. Esses atendimentos foram realizados uma vez por semana, com sessões durando cinqüenta minutos em uma das salas da clínica de psicologia onde o setting terapêutico constava de uma mesa, com uma cadeira de um lado, e duas do outro. Havia também uma poltrona e uma pia. Desde o primeiro dia de atendimento a paciente escolheu sentar-se em uma das duas cadeiras de um lado da mesa e a estagiária sentava-se à sua frente. Esse setting terapêutico foi preservado do início ao fim. Com relação à técnica, “o paciente é orientado a expressar livremente e sem censura seus pensamentos, sentimentos, fantasias, sonhos, imagens, sem prejulgar sobre sua relevância e significado, bem como as associações que lhe ocorrem”. (CORDIOLI, 1993 p. 21) De acordo com Gabbard (1998), a resistência surge do “desejo do paciente de preservar seu status quo, contrapondo os esforços do terapeuta de produzir insight e mudanças”. (GABBARD, 1998, p. 29) O terapeuta reconhece a “difusão do fenômeno da transferência, compreendendo que os problemas de relacionamento, dos quais o paciente se queixa, irão por fim manifestar-se na sua relação terapêutica com o paciente, pois as duas características mais notáveis da transferência são a inadequação à relação atual e a sua repetição do passado. (GABBARD, 1998 p.28/29) Os elementos de resistência, transferência, e contratransferência são identificados no setting terapêutico e utilizados para nortear as intervenções. Segundo Gabbard (1998), as intervenções realizadas pelo terapeuta durante o processo psicoterápico podem ser classificadas em sete categorias ao longo do continuum expressivo /apoio. 1. Interpretação: uma afirmação elucidativa que liga um sentimento, pensamento, comportamento ou sintoma à sua origem ou significado inconsciente. Em outras palavras, torna consciente algo que era previamente inconsciente. O terapeuta não enfoca conteúdos inconscientes via interpretação até que o material esteja quase consciente e, portanto, relativamente acessível à compreensão do paciente. 2. Confrontação: enfoca algo que o paciente não quer aceitar, ou identifica algo que o paciente minimiza ou evita. 3. Clarificação: tem como objetivo auxiliar o paciente a articular algo que está difícil de colocar em palavras. 4. Encorajamento para elaborar: solicitar informações adicionais acerca de um tópico trazido pelo paciente. 5. Validação empática: é uma demonstração da sintonia empática do terapeuta com o estado interno do paciente 6. Conselho e elogio: o conselho envolve sugestões diretas a respeito de como se comportar, enquanto o elogio reforça certos comportamentos do paciente através de sua aprovação expressa. 7. Afirmação: diz respeito a comentários sucintos em apoio a comentários e atitudes do paciente. RESULTADOS A paciente relatou, na ficha de solicitação de atendimento, ser muito perfeccionista e muito ansiosa. Também queria melhorar como mãe, pois era muito exigente com a filha e, por vezes, por não ser obedecida,a agredia fisicamente. Enfim sua motivação era melhorar como pessoa, como mãe, esposa e também no ambiente do trabalho. A hipótese diagnóstica é de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), tratado com a abordagem da psicoterapia psicodinâmica. Vários núcleos foram trabalhados nos anos de 2005 e 2006. A paciente, uma mulher de 35 anos, relatou impulsividade e ansiedade em todas as áreas de sua vida profissional, familiar, pessoal, que colocava em risco sua qualidade de vida. Apresentava mágoa e raiva por ter sido abandonada pelo pai, problemas com a família do marido, impaciência com a filha, culpa, entre outros. A paciente Joana* ( nome fictício), na primeira sessão, relatou a grande ansiedade que a acompanha, e também o receio de não gostar da nova terapeuta, pois havia se afeiçoado à terapeuta anterior e fez com ela um forte vínculo terapêutico. Logo na primeira sessão, esse receio se desfez e ela falou muito. Joana fala compulsivamente e a estagiária quase não conseguia intervir, mesmo quando gostaria de clarificar ou interpretar algo. Houve no início, apenas a escuta empática e, aos poucos, a transferência foi ocorrendo de maneira positiva e favoreceu a regressão da paciente que agora se lembra de coisas da infância que pareciam estar esquecidas ou “jogadas fora” como ela disse. A estgiária é bem mais velha que ela e pode ter resgatado nela, na transferência, a mãe “suficientemente boa (WINNICOTT, 1955) A relação terapêutica é o veículo através do qual se processam os tratamentos psicoterápicos. Das características pessoais do paciente e terapeuta, das reedições de vivências passadas, que ambos trazem para a situação presente e da interação desses elementos com a dupla terapêutica, (CORDIOLI, 1993). Na terceira sessão, a paciente fez uma linda descrição do inconsciente: Joana relata que “ficou boba de ver” como ela conseguiu falar de coisas de sua infância que nunca tinha conseguido falar com ninguém, nem mesmo a sua mãe. Disse que parecia que as lembranças todas estavam guardadas intactas numa caixinha e que nenhuma havia se perdido, fazendo uma clara alusão ao inconsciente. Sua queixa inicial foi de “perfeccionismo”, mas subjacente a essa característica há ansiedade que ficava presente em todas as suas atividades diárias, denunciando um medo inconsciente que várias vezes veio à tona como ansiedade catastrófica. Relatava sempre que gostava de ser a funcionária perfeita, que fazia tudo com perfeição e não admitia erros dos outros, pois, se ela conseguia ser perfeita, porque os outros também não o conseguem? É nessa armadilha que ela se via enredada e quando seus colegas pediam que ela fizesse o trabalho deles, já ninguém fazia melhor do que ela. Há aqui uma sugestão de conteúdo narcisista. O DSM-IV, apresenta nove critérios para o transtorno de personalidade narcisista: 1sentimento grandioso da própria importância; 2-preocupações com fantasias de ilimitado sucesso, poder, inteligência, beleza ou amor ideal; 3-crença de ser especial e único ;4exigência de admiração excessiva;5-sentimento de intitulação – possui expectativa irracionais de receber um tratamento especialmente favorável ou obediência automática às suas expectativas; 6-é explorador em relacionamentos interpessoais; 7-ausência de empatia; 8-freqüentemente sente inveja de outras pessoas ou acredita ser alvo de inveja alheia; 9- comportamentos e atitudes arrogantes e insolentes. Na paciente se identifica com os critérios: 1, 3, 5,7 e 8. (GABBARD, 1998, p. 327). A terapeuta trabalhou esses conteúdos narcísicos, pontuando que as pessoas são diferentes, cada ser humano é único e que é importante aceitar o diferente. As pessoas têm gostos, preferências, ritmos diferentes que devem ser respeitados. Sempre que Joana se queixava de que os colegas abusavam dela por deixarem muitas coisas para ela fazer, a terapeuta intervinha: “Como você gostaria que fosse?” Ela dizia que gostaria de fazer só o trabalho dela. Novamente a terapeuta intervinha: “E por que não faz?” Ela dizia que era porque não sabia dizer “não”. Foi ensinada pela mãe, pelo pai, e pelo padrasto a fazer tudo certinho, senão apanhava, principalmente do padrasto. Suas vitórias, no trabalho, foram ocorrendo pequenas, mas freqüentes e logo ela já não ficava na hora de almoço trabalhando, não fazia mais o serviço dos colegas. Calou-se quando sua chefe muito brava esmurrou a mesa e falou que alguém tinha que trabalhar no feriado. Todos olharam para ela, mas ela retirou-se dizendo que tinha um compromisso com a terapia na USC. Ocorreu que ninguém quis trabalhar no feriado, e ela descobriu que não se deixando explorar ninguém a tratou “diferente” no dia útil seguinte. Teve um insight e disse: “Agora não vou mais ficar quieta pois sei que eles vão me respeitar da mesma maneira”. Seu ego foi se fortalecendo, de modo a conseguir dizer “não”. A paciente foi a uma palestra na qual o palestrante disse que não podemos dar a vida pelo trabalho, o que confirmou tudo o que havia sido trabalha na terapia. Após as férias, Jane trouxe para a estagiária desenhos muito infantis, que demonstravam sua regressão durante a interrupção da psicoterapia. A estagiária foi continente para a paciente. É em função do holding suficientemente bom que o bebê desenvolve o sentido do “eu sou”. A idéia de Winnicott de holding suficientemente bom inicia-se com a relação mãe-bebê e expande-se para os grupos sociais. A “convivência” diz respeito à capacidade do bebê de estabelecer uma separação entre o “eu” eo“não-eu” que é conseqüência de um holding bem sucedido. (WINNICOTT, 1955) Por vezes a paciente chegava ofegante e muito ansiosa e a terapeuta a ensinou a respirar devagar e profundamente, fechar os olhos e relaxar. Ela dizia “que gostoso”, “eu tive um dia tão duro”. Depois disso, sua fala ficava menos rápida e não saltava de um assunto para outro, quase sem respirar. Nas sessões finais antes deste relato, a paciente já conseguia ouvir a terapeuta enquanto esta interpretava ou clarificava seus conteúdos da sessão. Na penúltima sessão houve até um grande silêncio... de um minuto, quando na devolutiva a estagiária pontuou todas as suas vitórias. Joana, freqüentemente, entrava em discussão com a professora da filha, achava que ela não era boa profissional e a culpava pelo mau desempenho escolar da filha. Houve melhoras nessa área também. Foi-lhe ensinada a assertividade e Joana conseguia se calar na reunião de pais e, depois dela, falar com a professora e conversarem sem atritos. Joana é uma mãe responsável e se envolve com os deveres da filha, ensina, reforça, mas também exige, bate, “quando necessário”, segundo ela. Na terapia foi clarificado que ela não deveria bater, nem gritar com a filha, pois esta “ficava paralisada de medo”, por sua sofrida história de vida, e que também não a comparasse com as outras crianças. No final da terapia, salvo uma recaída, Joana não mais batia na filha e esta melhorou sensivelmente na escola e nunca mais trouxe bilhetes de reclamação da professora. Uma vez, ao sair da terapia, a paciente tomou um ônibus para ir embora e esse ônibus foi assaltado. Os passageiros tiveram que esperar a polícia para darem seu depoimento. Joana apavorou-se e mentiu que estava amamentando e que tinha que ir para casa. Saiu sozinha, na chuva e andou um grande percurso com medo de que algo pudesse estar acontecendo com a sua família. Muitas vezes ocorreu o questionamento da terapeuta sobre contratransferência negativa, pois poderia ser algum tipo de resistência da terapeuta que às vezes sente que não está conseguindo ajudar a paciente. Zimerman, (1981) descrevendo os atributos do terapeuta fala sobre a paciência que está intimamente ligado ao amor à verdade, e explica que a palavra paciência vem de Pathos, que em grego significa “sofrimento”. Ela exige que o analista suporte a dor da espera, enquanto não surge uma luz no fosso do túnel depressivo. Também Freud exaltou a virtude da paciência e, citando o poeta Goethe, escreve: “Nem só a arte e a ciência servem: no trabalho deve ser mostrado paciência”. Bion citado por Zimerman (1981) diz que a capacidade negativa nos mostra “o quanto odiamos estar ignorantes e que temos um horror ao vazio, ao não saber o que está se passando, na experiência da situação analítica”. (ZIMERMAN, 1981, p.203) Joana trazia com freqüência sonhos para a terapia. Num deles, ela se encontrava em um lugar aberto, num campo ensolarado, como se fosse um parque. Ela [Joana] estava muito linda e bem vestida. Vestia calças jeans, uma blusa florida e uma sandália Anabela de salto muito alto. Estava magra e se sentia muito atraente. Um homem vinha em sua direção, e ela teve medo de ser assaltada, porém quando ele chegou mais perto, ela viu que era seu pai (já falecido). Eles se cumprimentaram, se abraçaram e o pai perguntou se ela já o havia perdoado. Ela disse que quem perdoa é Deus. Ele disse que o que havia feito era para o bem dela. Joana retrucou: Como para o meu bem? O senhor deu tudo para meus irmãos, foram para os Estados Unidos e vivem com muito dinheiro e eu na miséria, isso é o meu bem? O pai disse que ela não era filha dele e sim, de um outro homem. Que sua mãe tinha ficado grávida e ele assumiu a paternidade mas ela não era filha dele. Nesse momento Joana, no sonho, começou a esmurrá-lo dizendo que ele estava depondo contra a honra da mãe dela e que isso ela não permitia, pois a mãe sempre o protegera e nunca falara mal dele. Foi acordada pelo marido. Este sonho de Joana foi elaborativo, quando esmurrou o pai, ocorreu uma catarse. Hoje diz que já não sente tanta mágoa do pai. Antes da terapia, o assunto do pai era um tabu para a paciente, mas através da aliança terapêutica, do acolhimento, da transferência para a terapeuta da figura da mãe boa, esses conteúdos emergiram e foram re-significados. “Aliança terapêutica como a parte racional e intencional dos sentimentos do paciente para com o terapeuta. Para ele, a origem da aliança terapêutica está na motivação do paciente para superar sua doença e sua sensação de desamparo(...) considerando-se que a relação terapêutica contém aspectos racionais e irracionais, o paciente deve ser capaz de regredir e de desenvolver reações transferenciais neuróticas e, por outro lado, ter uma elasticidade do ego que lhe permita interromper a regressão e restituir uma aliança de trabalho racional com o terapeuta”.( CORDIOLI, 1993 , p.39) Para Freud, (1993) o sonho é o guardião do sono, porque protege o indivíduo que dorme de uma irrupção das pulsões do id. É a expressão das fantasias inconscientes relacionadas com objetos internos. Bion aceita esses aspectos, porém ele preferiu entender o sonho como sendo uma forma de pensamento simbólico. A propósito da concepção referente aos sonhos e ao ato de sonhar, Bion, seguindo seu modelo digestivo do aparelho mental, afirmava que os sonhos podem ter uma função de armazenamento de um pensamento, sentimento, ou imagem (transformados em ideogramas), quanto uma função de evacuação, quando os mesmos não são digeríveis. Portanto, para Bion, os sonhos podem ser evacuativos (como nas esquizofrenias), elaborativos (nas neuroses ou mistos (...) O importante do sonho não é tanto o fato de que ele seja interpretado simbolicamente, mas, sim, o fato de o paciente ter sonhado e com qual estado de espírito o fez. (ZIMERMAN, 1981, p.147) Depois deste sonho, Joana teve um insight na sessão e disse: Eu sempre quis estar grávida. Sinto um vazio na barriga: Será que é por isso que eu como tanto? A paciente, apesar de ter tido o insight na sessão anterior, quando disse que comia compulsivamente para encher o vazio em sua barriga que nunca teve uma criança dentro, na sessão seguinte parece ter esquecido tudo e não entende porque come tanto. Diz que a medicação não está respondendo. Joana fez o “balanço” dos dois anos de terapia e concluiu que queria e conseguiria “andar com suas próprias pernas”. Zimerman, (1981) diz que “uma das características do término” é reviver os antigos conflitos como se fosse um “trailer” de um filme já visto. Essa é uma forma de vivenciar fortes emoções já vividas no início do tratamento, agora, com uma resolução muito mais breve e que conta com uma participação ativa e cooperadora do paciente que mantém uma aliança terapêutica com o psicoterapeuta. Isso o ajudará a adquirir a “função psicanalítica da personalidade” o que o torna capaz de prosseguir numa permanente função auto-analítica. CONCLUSÃO A paciente e a estagiária avaliaram que havia chegado o momento do desligamento do processo psicoterápico na clínica-escola, sendo contudo sugerido que poderia continuar seu processo de auto-conhecimento através de uma psicoterapia na comunidade. O término não significa o completo crescimento e desenvolvimento mental. Ele é indicado, quando há melhora significativa ou eliminação dos sintomas apresentados ou, ao menos, evidência de melhora na capacidade de tolerar os sintomas ou conflitos que permaneceram; melhor capacidade de estabelecer relações objetais maduras e trabalhar em qualquer forma ou campo que tenha escolhido, além da capacidade de reconhecer e explorar seus conflitos por si próprio. O critério para o término não é a completa eliminação do stress ou conflito, mas a sim a capacidade progressiva do indivíduo identificá-los e se adaptar a eles. A experiência vivida neste caso foi de uma riqueza ímpar. É maravilhoso ver acontecer, diante dos olhos a vivência da teoria e técnica estudadas. Houve momentos de muita angústia, de impotência, de espera, de paciência, mas em contrapartida, houve momentos de grande crescimento compartilhado. Não apenas na sessão, mas também na supervisão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CORDIOLI, A.V. Psicoterapias” Abordagens Atuais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. FREUD, S. (1923) Artigo publicado em Dezembro de 1911 “O Manejo da Interpretação de Sonhos na Psicanálise”.Rio de Janeiro: Imago, 1969. GABBARD,G.O. Psiquiatria Psicodinâmica. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. ZIMERMAN, D. E. Bion da Teoria à Prática: Porto Alegre: Artes Médicas, 1981. ZIMERMAN, D. E. Manual de Técnica Psicanalítica: uma re-visão. Porto Alegre: Artmed, 2004. WINNICOTT, D. W. Group Influences and the Malajusted Child. The school aspect. The Family and Individual Development. London: Tavistock, 1955.