Dráuzio Varella e a Fitoterapia no Brasil I
Prof. Francisco José de Abreu Matos (1924-2008)
Autor de “Farmácias Vivas” (1994)
As plantas brasileiras não curam, fazem milagres.
Karl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868)
Coordenador da "Flora Brasiliensis"
Sou antropólogo e pesquisador de medicina popular e fitoterapia
há vários anos no Brasil. Imaginem a surpresa e a indignação ao ler a
matéria na revista Época de Agosto/2010 sobre a prática da fitoterapia
no serviço público no Brasil. No entanto é necessário agradecer ao Dr.
Dráuzio Varella pela iniciativa. Agora temos um representante da
indústria farmacêutica com quem dialogar. Sinal dos tempos! A
fitoterapia e o projeto Farmácias Vivas já começam a incomodar e a
causar prejuízos à indústria farmacêutica …
Analisando os países mais avançados do mundo e que utilizam em
grande
escala
os
medicamentos
produzidos
pela
indústria
farmacêutica, verificamos que os resultados obtidos pela medicina
considerada científica são pífios. Os Estados Unidos possuem os
índices de câncer de mama e de próstata mais elevados do mundo. Em
1993 haviam nos EUA, 8 milhões de diabéticos, uma das mais altas do
mundo. Com relação às doenças cardio-vasculares também os
americanos são campeões. Nesse país onde se utiliza a “medicina de
rico”, no entender esclarecido do Dr. Dráuzio Varella, os pacientes são
tratados com medicamentos de última geração e equipamentos
modernos de alto custo. Investe-se muito em medicina e quase nada
em saúde da população.
Por outro lado, nos países onde se pratica a “medicina de pobre”,
para citar novamente o ilustre médico Dr. Dráuzio Varella, os índices
de doenças degenerativas, tais como, cânceres, doenças cardiovasculares, diabetes, são baixíssimos. Nos EUA, ocorrem 120 casos de
câncer de mama por 100.000 habitantes, enquanto na China apenas
20.
Inclusive as imigrantes chinesas que vivem nos Estados Unidos,
acabam atingindo os índices absurdos e epidêmicos da população
americana. Em São Francisco, a cada ano surgem 160 casos de câncer
de mama por 100.000 habitantes que migraram da cidade de Xangai,
na China, enquanto, na mesma faixa etária, as que permaneceram,
apenas 40 casos surgiram da mesma doença.
Portanto a medicina avançada dos países do primeiro mundo não
colabora em nada para promover a saúde de seus habitantes. Por que
então importarmos a mesma medicina que não se preocupa com a
promoção da saúde e que parece considerar a doença um negócio
melhor do que a saúde?
O que diferencia as populações dos países asiáticos é a prática de
terapêuticas de origem milenar: fitoterapia, acupuntura, shiatsu, assim
como os medicamentos alopáticos, sempre que necessário.
Portanto, Dr. Dráuzio Varella, que modelo de medicina devemos
escolher e utilizar no tratamento das doenças da população brasileira
de baixa renda? O modelo americano ou o asiático? Como confiamos
na sua boa formação matemática e que as estatísticas epidemiológicas
não são mentirosas, o melhor caminho para o Brasil forçosamente terá
que ser o modelo asiático.
Mesmo sabendo que todos os profissionais da saúde, pesquisadores,
fitoquímicos,
fitofarmacologistas,
etnobotânicos,
farmacêuticos,
fitoterapeutas e antropólogos da saúde são ignorantes, segundo a
douta opinião do Dr. Dráuzio Varella, acreditamos que um dia vamos
conseguir atingir os índices baixos de morbidade obtidos atualmente
pelos países asiáticos.
Para melhorar o nível de nossos profissionais, pesquisadores da
área de plantas medicinais, basta que o próprio governo aumente as
verbas para pesquisa com plantas medicinais, que há séculos vem
sendo utilizadas sem nenhum apoio do governo no tratamento de seus
problemas de saúde pela população pobre, sem recursos, que conta
apenas com a experiência de seus ancestrais para tratar de suas
doenças. Esta é a realidade da nossa população humilde de interior,
cujos serviços de saúde, todos sabemos, são precários e péssimos.
Imagine o Dr. Dráuzio Varella, se a população simples do interior
não possuísse nenhum conhecimento da ação das plantas medicinais.
Se toda vez que alguém adoecesse tivesse que procurar o serviço de
saúde de seu município. Imagine o caos que seria. Em primeiro lugar,
porque a maioria dos médicos está concentrada nas capitais dos
estados. Em segundo lugar, porque na medida em que nos afastamos
dos grandes centros, os recursos na área da saúde diminuem. E por
isso faltam medicamentos, faltam leitos de hospital, faltam médicos e
enfermeiros. Ainda assim os poucos profissionais que existem no
interior foram mal formados na faculdade. As faculdades atualmente
se preocupam em formar médicos especialistas em monitoramento de
UTI’s. Enfim são formados para exercer a “medicina de rico”. São
pouquíssimos os médicos clínicos disponíveis capacitados para receitar
fitoterápicos, mesmo porque não se estuda fitoterapia nas faculdades
de medicina no Brasil! E muito menos dispomos de faculdade de
fitoterapia, tais como, as que existem na Inglaterra, na França, na
Índia, na China.
Não estranhamos, portanto que o Dr. Dráuzio Varella, tenha
encontrado muita ignorância nos projetos de Farmácias Vivas
estabelecidos em diversas regiões do país. Há, na verdade, uma
carência muito grande pesquisas na área de plantas medicinais no
Brasil, para um país com as dimensões do Brasil. Merecia que se
pesquisasse muito mais e se investisse mais no setor. Por outro lado, a
ignorância encontrada pelo ilustre médico não é decorrente do descaso
ou por falta de amor pelo paciente. Além de não ter recebido nenhuma
informação, e, muito menos formação, na faculdade onde estudou, o
médico que atua nos atendimentos fitoterápicos não dispõe de
nenhum apoio logístico. Para praticar a fitoterapia as informações são
escassas e mesmo as pesquisas que a Universidade brasileira
promove, que o Dr. Drázio Varella, se referiu com tanto desprezo,
dificilmente chegam ao seu conhecimento.
Portanto tudo o que o douto Dráuzio Varella considera idiotices
são deficiências que ocorrem em um país que até hoje escolheu o
modelo da “medicina rica” que promove a doença e não investe na
saúde da população. Ao acusar um médico que receita fitoterápicos de
idiota, porque não conhece farmacologia, teria que acusar também os
demais médicos brasileiros que também não conhecem, porque todos
sabemos que a farmacologia moderna é uma caixa preta, cujo
conhecimento é de domínio exclusivo dos grandes laboratórios. Para o
médico chega apenas a bula dos medicamentos...
Mas agora sabemos que o único cidadão brasileiro que não é idiota
e que sabe farmacologia em profundidade é o Dr. Dráuzio Varella,
porque provavelmente recebeu informações confidenciais dos grandes
laboratórios e pode falar com conhecimento de causa. Como percebeu
a deficiência na formação dos médicos que entrevistou, vai agora
colaborar e esclarecer e orientar os idiotas, profissionais de saúde, que
atuam nos projetos de Farmácias Vivas, idealizado pelo provavelmente
também idiota, Dr. Francisco José de Abreu Matos, farmacêutico
químico e professor da Universidade Federal do Ceará, infelizmente
falecido em 2008. Se estivesse vivo com certeza explicaria as
dificuldades para desenvolver e implantar o projeto de Farmácias
Vivas no Ceará, com uma experiência profissional de 50 anos.
Sabemos que, segundo o Aurélio, idiota é um indivíduo pouco
inteligente, estúpido, ignorante, imbecil e em alguns casos, até
mesmo, uma categoria psiquiátrica, a idiotia. Portanto não
consideramos correto e muito menos ético, considerar idiotas
inúmeros profissionais da área da saúde, que atuam nos projetos de
Farmácias Vivas no Brasil. As deficiências por ventura encontradas
pelo ilustre médico deveriam, com certeza, ser avaliadas, mas
evidentemente com o respeito que qualquer indivíduo merece,
independente de sua formação intelectual.
Quanto à experimentação dos fitoterápicos, a que o Dr. Drázio
Varella se referiu, gostaríamos de questionar porque inúmeros
medicamentos alopáticos são proibidos e retirados do mercado, após
causar inúmeros danos aos pacientes. Por acaso a talidomida que
gerou inúmeras crianças defeituosas no mundo inteiro foi submetida a
experimentação científica antes de ser colocada á venda no mercado?
Quantos aditivos e demais produtos químicos são colocados no
mercado, expondo seres humanos e seres vivos aos seus efeitos
cancerígenos que somente são percebidos depois que contaminaram
todo o planeta. Basta lembrar dos PCB’s, os bifenilos policlorados, óleo
conhecido no Brasil como ascarel, que quando foram produzidos em
1929 não se sabia nada de seus efeitos altamente nocivos para os
seres vivos e para o meio ambiente. Sua fabricação foi proibida em
1976, mas os efeitos maléficos cumulativos e persistentes que
atingiram toda a cadeia alimentar do planeta, não.
A contaminação continua até os dias de hoje e, provavelmente o
ilustre médico Dr. Dráuzio Varella também deve estar contaminado
com PCB’s, o que explicaria sua atitude pouco ou nada cortês com
demais indivíduos de sua espécie. Este é apenas um trágico exemplo,
mas existem mais de 800 aditivos químicos ainda não estudados
utilizados na fabricação de alimentos. São proibidos apenas quando,
após experiências com animais, se descobre que são cancerígenos.
Nesse caso, as cobaias não foram os pobres camondongos, foram os
seres humanos que, sem serem consultados, foram submetidos à
experimentação.
Também consideramos necessário experimentar previamente as
plantas medicinais. Os ensaios toxicológicos são evidentemente
necessários, inclusive para estabelecer uma posologia adequada para
um possível atendimento fitoterápico. Por outro lado, a etnobotânica e
a antropologia da saúde fornecem uma contribuição muito importante
para a ciência ao estudar o conhecimento de raizeiros e pajés
indígenas que conhecem os efeitos de cada planta a partir da
experiência recebida de seus ancestrais e da utilização da planta por si
mesmo. Podemos dispor desse modo de uma informação preciosa a
respeito de plantas potencialmente tóxicas e perigosas. Na verdade
tudo o que sabemos de cada planta considerada medicinal, tem origem
na medicina popular, indígena, ou através dos conhecimentos trazidos
pelas etnias africanas introduzidas no Brasil como escravos desde o
início do processo de conquista e colonização do Brasil.
Na verdade todas as plantas medicinais estudadas pela
Universidade no Brasil são oriundas da medicina popular. Não existe
nenhuma planta medicinal cujo conhecimento não seja difundido entre
a população. Portanto quem decide o que estudar em termos de ação
medicinal, são os intelectuais existentes nas comunidades simples do
interior brasileiro, os raizeiros, os mateiros, as parteiras, os rezadores,
os umbandistas, os curadores de cobra, etc. São eles que informam
aos etnobotânicos e antropólogos da saúde o que vale a pena estudar
no reino vegetal. Se não fosse assim porque a Universidade iria formar
etnobotânicos, etnofarmacologistas, especialistas em estudar o
pensamento médico popular, com o objetivo de encontrar plantas, com
grande potencial terapêutico. E tal fato vem acontecendo no mundo
inteiro. A planta medicinal, Stevia rebaudiana foi descoberta pelos
índios guarani do Paraguai e classificada pelo cientista suíço Moisés
Bertoni. Pois bem, a estévia é um adoçante 300 vezes mais potente do
que o açúcar de cana e não produz diabetes. Não por acaso foi proibido
o seu uso nos Estados Unidos!
Assim necessitamos cada vez mais reduzir nossa ignorância
aprendendo com quem sabe: os praticantes da medicina popular,
porque ninguém é totalmente sábio ou totalmente ignorante. O acesso
ao saber é um processo contínuo de busca e por isso para deixar de
ser ignorante é necessário trilhar sempre o caminho da pesquisa e
humildemente reconhecer que, mesmo quando avançamos, sabemos
apenas que sabemos pouco ou quase nada.
Entretanto quando julgamos os que realmente pesquisam e
buscam o conhecimento, totalmente ignorantes e idiotas, estamos
reconhecendo que nada sabemos do que necessita ser conhecido.
Pelo menos o Dr. Dráuzio Varella reconheceu que o atendimento
fitoterápico é profundamente diferente do atendimento alopático. O
médico fitoterapeuta escuta durante muito tempo as queixas e o
histórico do paciente e faz uma anamnese correta e completa.
Nenhuma novidade nisso. Todo médico deveria fazer isso. “O doente
vai ao médico e ele nem olha na cara”, segundo o Dr. Dráuzio Varella.
Realmente esta é a realidade da “medicina de rico” aplicada ao pobre.
O médico de formação alopata não olha o paciente, porque não
necessita individualizar o paciente, basta receitar um analgésico ou
antibiótico qualquer, para despedir seu paciente. Este é o modelo que
o Dr. Dráuzio Varella defende em sua entrevista. Parabéns pela
inteligência do Dr. Dráuzio Varella!.
-------------------------------------Bibliografia Consultada
LORENZI, Harri & Francisco José de Abreu Matos:
2008 - Plantas Medicinais no Brasil Nativas e Exóticas - Ed. Plantarum - Nova Odessa
- 576 p.
ALMEIDA, Eduardo & Luis Peazê:
2007 - O Elo Perdido da Medicina - Ed. Imago - Rio de Janeiro - 250 p.
SERVAN-SCHREIBER, David:
2008 - Anticâncer - Prevenir e Vencer Usando nossas Defesas Naturais - Ed. Objetiva
- Rio de Janeiro - 284 p.
COLBORN, Theo, Dianne Dumanoski e John Peterson MYERS:
2002 - O Futuro Roubado - L&PM Ed. - Porto Alegre - 354 p
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