FORUM DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 2014
AVALIAR O PRESENTE E CONSTRUIR O FUTURO: POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O PÓS
MEMORANDO DE ENTENDIMENTO.
CONTRIBUIÇÃO DE VÍTOR GASPAR PARA O PAINEL “POLÍTICA ORÇAMENTAL”, 19 DE
MARÇO DE 2014, 10.00-12.30h.
Muito bom dia!
O Fórum das Políticas Públicas é uma iniciativa do ISCTE. Foi lançado há dois anos, por
ocasião da celebração dos quarenta anos do Instituto. O Fórum das Políticas Públicas
constitui um espaço de debate sobre escolhas políticas com grande relevância para
Portugal. É uma iniciativa de grande importância para permitir o aprofundamento da
informação e análise que servem de base ao debate público em Portugal. Só de um
debate público bem informado e participado será possível gerar politicamente as
escolhas que melhor servem os interesses do país.
É por isso que quero agradecer à Maria de Lurdes Rodrigues e ao Pedro Adão e Silva a
iniciativa e o terem tido a amabilidade de me convidar para participar no Fórum das
Políticas Públicas de 2014.
O tema deste painel é Política Orçamental. Trata-se de avaliar o presente e construir o
futuro. Existem inúmeras razões pelas quais me irei concentrar na segunda parte:
construir o futuro. Aproveito para cumprimentar os meus predecessores: trabalhei
com António Bagão Félix no Banco de Portugal, com Manuela Ferreira Leite no Banco
de Portugal e no Ministério das Finanças e com Fernando Teixeira dos Santos colaborei
em várias instâncias da União Europeia.
Antes de entrar na substância tenho o prazer de anunciar com clareza que as posições
que vou defender são da minha exclusiva responsabilidade e não refletem
necessariamente as posições de quaisquer organização com que eu esteja associado.
A minha apresentação está estruturada em torno de três questões:
1. Que futuro?
2. Quais os elementos mínimos de uma união orçamental para a área do euro?
3. Como assegurar os fundamentos do crédito público nacional?
E, de seguida, concluirei.
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1. Que futuro?
No final do século XIX, após a bancarrota de 1892, o grande Joaquim Pedro Oliveira
Martins escrevia: “Parece-me chegado o terceiro momento em que, no decurso de
dois séculos e meio, a nação portuguesa se encontra perante uma interrogação vital.
Há ou não há recursos bastantes, intelectuais, morais, sobretudo económicos para
subsistir como povo autónomo dentro das fronteiras portuguesas?”
O primeiro destes momentos foi 1640. O segundo esteve associado à perda das
receitas do ouro do Brasil. O terceiro, vivido por Oliveira Martins, foi motivado pela
crise que culminou na participação de Portugal no padrão ouro e no processo de
expansão do capitalismo global. A crise que Oliveira Martins protagonizou como
Ministro das Finanças foi dramaticamente marcada pela recusa, por parte do
Presidente do Conselho de Ministros, Dias Ferreira, do acordo com os credores que
tinha sido conseguido após meses de negociação.
Em meu entender a incapacidade de desenvolver em Portugal, no século XIX, as
instituições que assegurariam a sustentabilidade das finanças públicas, a gestão
competente da dívida pública, o desenvolvimento e a estabilidade financeira tem um
papel destacado para a compreensão do atraso económico português em perspetiva
histórica. Título que retiro de um importante livro de Jaime Reis.
Mais recentemente, nas últimas décadas, Portugal sofreu repetidas crises orçamentais
e financeiras. Desde a década de 1970, Portugal teve de recorrer por três vezes a
programas de estabilização envolvendo o Fundo Monetário Internacional. Desde que
participamos na área do euro– de acordo com as última séries estatísticas disponíveis
– o défice das administrações públicas esteve sempre acima do limite de três por cento
do PIB – definido como o limiar de um défice orçamental excessivo. Nunca, durante
este período, conseguimos atingir uma posição orçamental equilibrada como prescrito
no Pacto de Estabilidade e Crescimento. Desde o ano 2000 Portugal tem vivido uma
situação de crescimento medíocre que conduziu a uma pressão política e social
constante para o aumento das despesas sociais. Na década anterior à crise global,
Portugal (com a Itália) esteve na cauda da área do euro em termos de crescimento
económico.
Voltando então ao futuro: quais são as questões fundamentais?
Para mim são duas as questões fundamentais:
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Primeira, e parafraseando Oliveira Martins: tem Portugal condições para assegurar a
sua prosperidade futura como membro pleno da área do euro e da União Europeia?
Temos capacidades e vontade de assegurar que as instituições e os incentivos políticos
são alinhados com as exigências de participação na união monetária?
Segunda, mais geral, tem Portugal condições para buscar a sua prosperidade, na
economia global, ao mesmo tempo que evita a recorrência de crises?
O paralelo com Oliveira Martins mostra que se trata de questões fundamentais e
duradouras que se colocam a Portugal como sociedade política. São problemas
políticos fundamentais. Portugal é um entre outros países europeus que enfrentam
este tipo de questões. Não é um caso isolado: mas é o nosso caso!
São ainda problemas que se colocam no contexto político definido pela integração
europeia e pela globalização. As questões políticas fundamentais para Portugal
enquadram-se no contexto do desenvolvimento de uma solução sistémica para a área
do euro no seu conjunto.
As questões fundamentais têm implicações vastas – nacionais, europeia e globais. As
respostas terão de ser igualmente amplas. O mandato neste painel está restrito à
política orçamental. Este ponto não deverá, no entanto, impedir destacar a
importância fundamental das políticas estruturais. Políticas que assegurem a abertura
e a integração na Europa e no mundo, reforcem a concorrência e penalizem a procura
de rendas, garantam a flexibilidade dos mercados do produto e do trabalho e, em
geral, criem as condições para o funcionamento eficaz de uma economia social de
mercado.
Existem, para além disso, problemas centrais a nível europeu. Destacaria o problema
do desemprego, do desemprego jovem e do desemprego de longa duração. A Europa é
caracterizada por uma grande importância das políticas sociais. A solução para o
problema do desemprego na Europa é não só um imperativo social mas uma questão
em que o que está em causa é a própria identidade da Europa. Têm sido tomadas
múltiplas iniciativas mas a importância e a urgência do problema recomendam
prioridade política.
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2. Quais são os elementos mínimos de união orçamental necessários à estabilidade
da área do euro?
Em Setembro do ano passado recebi a incumbência de comentar esta pergunta numa
Conferência, organizada em Paris, pelo Fundo Monetário Internacional e pelo
Ministério das Finanças francês.
A minha resposta foi que os elementos necessários são os seguintes:
(i)
(ii)
Um conjunto de regras e procedimentos orçamentais que assegurem a
sustentabilidade das finanças públicas, assegurem o crédito público e
contribuam para a estabilidade financeira;
Os mecanismos e fundos supra-nacionais necessários para sustentar a
união bancária e, de forma mais geral, a união financeira.
Sobre o primeiro elemento falarei a seguir a propósito de Portugal.
Quero agora justificar brevemente o segundo. Tenho defendido desde meados da
década de 1990 que a dinâmica de ajustamento macroeconómico na área do euro tem
sido dominada por fatores financeiros. A literatura teórica e a evidência empírica
mostram que a integração financeira constitui o mecanismo que mais contribui
(potencialmente) para a absorção de choques económicos territorialmente
concentrados. Na crise global e da área do euro os custos de ajustamento foram muito
aumentados pela fragmentação financeira que acompanhou a crise. Esta fragmentação
decorreu, em grande parte, do ciclo perverso constituído pela interdependência entre
risco bancário e risco soberano. Portugal é um excelente exemplo do funcionamento
destes mecanismos: teve primeiro um período prolongado de crescimento da despesa
financiado a crédito e depois um agravamento súbito e brutal das condições de
financiamento. O processo culminou com uma quebra subita no acesso ao
financiamento privado internacional na primavera de 2010.
A identificação dos elementos mínimos passa por avançar para a união bancária e
alargar o conceito para o de uma verdadeira e abrangente união financeira, baseada
no programa do mercado único. Este programa tem alguns pressupostos orçamentais.
Especificamente a estabilidade sistémica está dependente de mecanismos de ação
coletiva eficazes. O desenho destes mecanismos passa pelas contribuições do próprio
sistema bancário. As suas dimensões mais relevantes são o mecanismo (e fundo) de
resolução bancário e o mecanismo de garantia de depósitos. Em ambos os casos a
necessidade de mecanismos financeiros coletivos de suporte é crucial para assegurar a
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estabilidade e excluir a ocorrência de equilíbrios perversos – porventura em situações
de pânico.
Um sistema de instituições só pode considerar-se completo quando é robusto e
resiliente. Isto é quando diminui e limita a possibilidade de ocorrência de crises e
quando contém eficazmente os seus efeitos.
3. Como gerir as finanças públicas nacionais?
Desde Junho de 2012 que se têm verificado grandes progressos na integração
económica e monetária europeia. Na área macroeconómica e orçamental estão em
vigor os chamados “six pack” e” two pack”. O resultado é um conjunto reforçado de
procedimentos a nível europeu. Para países como Portugal, que beneficiaram de
financiamento oficial, os procedimentos que se aplicam são reforçados. Como tem sido
amplamente comentado em Portugal a pressão para o ajustamento e para a
diminuição do peso da dívida terá de persistir por décadas.
Tudo isto é verdade e tudo isto é importante.
No entanto não é esse o aspeto que quero destacar. Para mim a inovação fundamental
em matéria orçamental é o Tratado de Estabilidade, Coordenação e Governação (Fiscal
Compact). O Tratado, em termos de regras e valores de referência, reproduz o
conteúdo do “six pack”. Mas então qual é a novidade?
A novidade é fundamental: o Tratado estabelece que as regras e procedimentos
acordados têm de ter tradução na ordem jurídica interna de cada Estado-membro. As
instituições nacionais têm de se adaptar às exigências das regras. Este ponto é
fundamental.
Porquê? Em minha opinião a política na Europa é marcada por um facto básico: o
primado da dimensão nacional da política. Este facto geral é naturalmente
particularmente central na área da política orçamental. O papel dos parlamentos na
política orçamental é de grande importância. A necessidade de informação e análise de
qualidade também se faz sentir sobretudo a nível nacional.
É curioso que, em Portugal, se verificou um repetido incumprimento das regras
orçamentais da área do euro durante a primeira década da união monetária. No
entanto, hoje o debate é muito mais intenso porque estas questões se tornaram
internamente salientes do ponto de vista político. Só com um debate aprofundado e
consciente será possível resolver um problema com este grau de dificuldade e
profundidade.
A questão não é o desenho nem o conteúdo das regras. Tudo isso é bem conhecido. A
questão é de eficácia na execução e de convicção na opção de regime.
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Voltando a Oliveira Martins – em intervenção no Parlamento, em fevereiro de 1893 - o
escritor afirma que como Ministro das Finanças promoveu um acordo com os
credores. Afirmou, como justificação: “Creio que, enquanto não pudermos chegar a
adotar um sistema que seja igualmente aceite pelo credor e devedor, um sistema que
dê satisfação recíproca, viveremos sempre uma vida amargurada.” Como já referi
acima esta posição não era partilhada pelo Presidente do Conselho que rejeitou o
convénio. De acordo com Oliveira Martins, a posição de Dias Ferreira, era que bastava
declarar que não se pagava. Esta posição era defendida com o argumento de que não
havia receio de virem esquadras ao Tejo (como aconteceu em Alexandria). Mas, para
Oliveira Martins, esta é uma falsa questão. Afirma: “Não era uma intervenção armada
que eu temia; o que eu temia eram os resultados económicos da falta de um convénio,
convénio que era condição sine qua non de se obter para Portugal uma soma de ouro
suficiente para estabelecer a confiança e para liquidar a crise.”.
Este argumento de Oliveira Martins é semelhante ao usado por Alexander Hamilton
quando se ocupa com os fundamentos do crédito público na recém formada
administração americana. Os argumentos de Hamilton estão disponíveis no Primeiro
Relatório sobre o Crédito Público de Janeiro de 1790. A experiência de Alexander
Hamilton como primeiro secretário do tesouro americano tem sido tema da minha
investigação nos últimos meses.
Conclusão
Parece-me apropriado concluir com uma citação de Alexander Hamilton (a tradução é
minha):
“Quem quer que considere a natureza do Governo com discernimento verificará que
não obstante obstáculos e atrasos se coloquem à adoção de boas políticas; é verdade
que uma vez adotadas serão provavelmente estáveis e permanentes. É muito mais
difícil desfazer do que fazer.”
Esta é uma mensagem que merece ser revisitada na Europa de hoje. É uma mensagem
que se aplica – aqui e agora – a Portugal.
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Intervenção do Professor Vítor Gaspar no Fórum das Políticas