10
FACULDADE BOA VIAGEM
MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO
ROBERTA DE MORAES GUERRA
Microcrédito como Ferramenta de Melhoria de Qualidade de Vida na
Comunidade Diamante – PE
Recife
2008
11
ROBERTA DE MORAES GUERRA
Microcrédito como Ferramenta de Melhoria de Qualidade de Vida na
Comunidade Diamante – PE
Dissertação
apresentada
como
requisito complementar para obtenção
do grau de Mestre em Administração
do Centro de Pesquisa e PósGraduação em Administração (CPPA)
da Faculdade Boa Viagem
Orientador: Professor Olimpio José de Arroxelas Galvão, Ph.D.
Recife
2008
12
ROBERTA DE MORAES GUERRA
Microcrédito como Ferramenta de Melhoria de Qualidade de Vida na
Comunidade Diamante – PE
Dissertação submetida a Banca
Examinadora do
Mestrado em
Administração do Centro de Pesquisa
e Pós-Graduação em Administração
(CPPA) da Faculdade Boa Viagem
Em: _____/_____/_______
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________________
Olimpio José de Arroxelas Galvão, Ph.D.,Faculdade Boa Viagem (Orientador)
_____________________________________________________________
Ferdinand Rohr, Doutor, Universidade Federal de Pernambuco (Examinador Externo)
________________________________________________________________
José Raimundo de Oliveira Vergolino, Ph.D., Faculdade Boa Viagem (Examinador Interno)
13
“Possivelmente a maior lição da vida a ser aprendida é a
liberdade: liberdade em relação às circunstâncias, ao ambiente, a
outras personalidades e, para muitos de nós, em relação a nós
mesmos...” (Edward Bach)
14
Dedico este trabalho a minha avó materna, Vego, a minha
mãe, Eliane, e ao meu amado marido, Tota.
Esta dedicatória é mais que um agradecimento a vocês,
cujo amor, a credibilidade que em mim depositaram, e o
apoio incondicional me fizeram chegar até aqui.
Amo muito vocês.
15
AGRADECIMENTOS
Ao final de mais uma caminhada quero agradecer ao Pai, que está sempre me
mostrando os melhores caminhos.
À minha família, pelas palavras e atos de incentivo.
Ao meu orientador e professor, Olimpio Galvão, pelas várias contribuições.
Ao professor Ferdinand Rohr pelo seu apoio e contribuição, de valor inestimáveis à conclusão
deste trabalho.
À minha irmã Daniela, que mesmo a distancia sempre me incentivou.
À querida professora Sumaia Madi, que com sua sabedoria fez tudo parecer tão simples
quando eu já não tinha mais forças para continuar.
Aos meus alunos que sempre acreditaram que eu teria sucesso nessa jornada.
Ao colega de mestrado Jenner Rego, pela sua enorme boa vontade e prestatividade.
À Dona Madalena e todos os integrantes da comunidade Diamante, por terem aberto a porta de
suas casas e de suas vidas tão gentil e desprendidamente, permitindo a realização desse
trabalho.
Aos meus colegas do mestrado, pelo maravilhoso período que passamos juntos.
À todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para essa conquista.
16
RESUMO
Esta Dissertação teve como objeto de estudo uma comunidade rural no interior de Pernambuco,
situada na Zona da Mata Norte, denominada comunidade Diamante. Seu objetivo principal foi
analisar se, após o acesso ao programa de microcrédito rural do PRONAF, os integrantes da
comunidade tiveram melhoria de qualidade de vida e se o programa contribuiu para promover a
auto-sustentabilidade da comunidade.
O trabalho foi baseado em um estudo de caso, investigando a formação da comunidade,
a sua relação com o programa de microcrédito e a geração de renda permanente para os
agricultores, permitindo-lhes a auto-sustentabilidade. O papel que a associação de moradores
exerceu no desenvolvimento dessa comunidade também foi uma questão importante a merecer
análise.
A pesquisa, realizada em bases qualitativas, usou como método de coleta de dados a
entrevista aberta e a análise de conteúdo, como forma de compreender de que maneira se
processaram essas relações.
Os resultados identificam que houve melhoria de qualidade de vida para os integrantes
da comunidade Diamante, caracterizada principalmente pelo acesso à educação, saúde, bens
de consumo e geração de renda.
Os achados mostram, também, que a auto-sustentabilidade ocorreu estreitamente
interligada ao apoio que a associação de moradores forneceu à comunidade, através do auxílio
na gestão de seus pequenos empreendimentos.
A percepção dos entrevistados sobre a ação da associação dos moradores foi positiva,
pois a mesma oferece suporte para o desenvolvimento dos integrantes da comunidade, tanto
em aspectos relacionados ao trabalho, quanto nos aspectos sócio-educacionais, influenciando a
formação de uma cultura que valoriza o coletivo e os laços de solidariedade.
Palavras-Chaves: Microcrédito,
Qualidade de Vida.
PRONAF,
Comunidades
Rurais,
Auto-sustentabilidade,
17
ABSTRACT
This Dissertation aimed at the study of a rural community in the interior of the state of
Pernambuco, located in the Zona da Mata Norte, called Comunidade Diamante. Its main
objective was analyzing if, after the access to the PRONAF microcredit rural program, the
community members achieved a better quality of life and if the program has contributed to
promote the self-sustainability of the community.
The work was based in a case study, investigating the creation of the community, its
relationship with the microcredit program and its capacity to generate permanent income for the
agriculturists, allowing them self-sustainability. The role that the functioning of the community
association played in its developed was also evaluated.
The research, undertaken in a qualitative basis, made use of open interviews as a means
of data collection
The main results of the field research identified a substantial improvement in the quality
of life of the community members, especially through the access to education, health services,
consumption goods and income generation.
The field research findings also showed that self-sustainability was largely a product of
the support by the community association, which provided, since the beginning, most of the
support that the community needed to manage the small undertakings of its members.
It remained clear, in the perception of the interviewed population, that the association role
was crucial for community success, as far as economic, social and educational aspects are
concerned, and that in doing so the association has largely contributed to the development of a
collective culture of solidarity among its members.
Key-words: Microcredit, PRONAf, Rural communities, Self-sustainability, Quality of Life.
18
LISTA DE SIGLAS
FIESPE – Federação das Industrias do Estado de Pernambuco
IMF – Instituição Microfinanceira
ONG – Organização não-governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
OSCIP - Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
PMPO – Programa de Microcrédito Produtivo Orientado
PMNPO – Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado
PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
SCM - Sociedade de Crédito ao Microempreendedor
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio as Micro e Pequenas Empresas
SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
UFRPE – Universidade Federal Rural de Pernambuco
19
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO........................................................................................
10
1.1
Contextualização...................................................................................
10
1.2
Caracterização da Comunidade...........................................................
14
1.3
Pergunta de Pesquisa...........................................................................
15
1.4
Objetivo da Pesquisa............................................................................
15
1.4.1
Geral........................................................................................................
15
1.4.2
Específico...............................................................................................
15
2
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA..............................................................
16
2.1
Microcrédito e Microfinanças...............................................................
16
2.2
Objetivos do Microcrédito....................................................................
20
2.3
Marco Legal e Estrutural Institucional................................................
21
2.4
História das Microfinanças..................................................................
24
2.4.1
O Caso da Irlanda...................................................................................
24
2.4.2
O Caso da Alemanha..............................................................................
25
2.4.3
Outras Experiências Internacionais.........................................................
27
2.5
Microfinanças no Brasil........................................................................
28
2.5.1
Iniciativas Pioneiras e Evolução do Microcrédito no Brasil.....................
28
2.6
O Crédito Rural do PRONAF................................................................
30
2.6.1
Público-Alvo, Grupos e Linha do PRONAF.............................................
32
3
METODOLOGIA.....................................................................................
34
20
3.1
Delineamento da Pesquisa...................................................................
34
3.1.1
Estudo de Caso.....................................................................................
35
3.2
Coleta de Dados....................................................................................
37
3.2.1
Processo.................................................................................................
37
3.2.2
Roteiro de Entrevista..............................................................................
38
3.2.3
Entrevistados...........................................................................................
39
3.3
Análise de Dados..................................................................................
39
4
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS................................................
41
4.1
A Formação da Comunidade da Fazenda Diamante..........................
41
4.2
Qualidade de Vida.................................................................................
43
4.3
O Microcrédito como Gerador de Melhoria de Qualidade de Vida...
56
4.4
Investimento Auto-Sustentável............................................................
71
5
CONCLUSÂO.........................................................................................
85
REFERÊNCIAS.......................................................................................
91
APÊNDICES ..........................................................................................
95
21
1. INTRODUÇÃO
1.1. Contextualização
O combate à pobreza é um dos principais objetivos na pauta dos organismos
internacionais, assim como de todas as nações.
A vital necessidade de se combater a pobreza e os seus efeitos desastrosos
estabelecem o tema como prioritário e ampliam o debate para várias esferas da
sociedade, em especial nos países com avançados níveis de desigualdade social,
como o Brasil.
O tema exige tal atenção que vários organismos internacionais de relevante
importância, como a Organização das Nações Unidas e o Banco Mundial, vêm
investindo grandes esforços na busca de políticas e ações capazes de superar a
pobreza extrema.
Contundente indicação deste objetivo é o projeto lançado pela ONU, e acordado
entre os 191 países membros, intitulado Millennium Development Goals que objetiva
reverter, até 2015, o quadro de pobreza, fome e doenças opressivas que afetam bilhões
de pessoas no mundo.
Não é o foco deste trabalho discutir a pobreza e suas dimensões em termos
gerais, mas reconhecer o tema como marco norteador de estudos e trabalhos que
culminaram em sugestões e ações políticas e econômicas para superação de tal
problema.
Duas idéias centrais estão presentes na maioria dos estudos dedicados a temas
correlatos à pobreza: Crescimento econômico e Políticas públicas que contemplem o
desenvolvimento local e a inclusão social.
Dentro deste contexto inclui-se o acesso ao crédito como ferramenta de
desenvolvimento local e conseqüentemente de combate à pobreza.
22
Néri (2005) defende a idéia de que o crédito em si mesmo não gera
oportunidades de negócios, mas somente viabiliza a realização das oportunidades
existentes, e que, quando este é utilizado com eficiência, apóia a abertura de
empreendimentos produtivos.
Contudo, o crédito nos países menos desenvolvidos, e em especial no Brasil, é
bastante caro, o que dificulta a vida de quem deseja produzir.
Se para as empresas de médio e grande porte a situação de crédito é complexa,
para as micro ela se torna proibitiva na medida em que não são capazes de oferecer
garantias reais para a tomada de empréstimos. Ainda segundo Néri (2005) a grande
maioria das microempresas não têm acesso a créditos públicos facilitados e a
incentivos que as grandes empresas possuem, nem tampouco conseguem captar
empréstimos no exterior, o que as deve tornar mais vulneráveis ao problema de crédito
nacional.
Assim, é foco deste trabalho discutir a temática do microcrédito, avaliando seu
desempenho no embate contra a pobreza e sua importância na transformação da
qualidade de vida da população economicamente menos favorecida.
É muito comum na literatura a referência a dois termos que tratam de assuntos
correlatos: microcrédito e microfinanças. Assim, um esclarecimento prévio de ambos
evitará possíveis dúvidas. De acordo com Schiavinotto (2004), enquanto a microfinança
compreende tanto os serviços de crédito como os de poupança, o microcrédito limita a
sua atuação unicamente à concessão de empréstimos. O que existe em comum nos
dois termos é que tanto os empréstimos, como os serviços de captação de poupança,
são direcionados para uma população de baixa renda.
O uso de serviços relacionados à microfinanças vem crescendo paulatinamente,
e hoje o microcrédito se faz presente em quase todos os países menos desenvolvidos e
até mesmo em países ricos. Grande parte dos programas de microcrédito direciona-se
explicitamente a ações promotoras de melhoria da qualidade de vida e de combate à
pobreza. Contudo, existem especialistas no assunto que partem de uma outra
23
perspectiva, a de que é possível priorizar o lucro financeiro sobre os outros aspectos
sociais.
Existe uma vasta e rica controvérsia sobre o papel subsidiador do Estado na
oferta de crédito.
Alguns sustentam que o crédito subsidiado acabaria enfraquecendo as iniciativas
microfinanceiras, liquidando a possibilidade desse setor de atividade conquistar
sustentabilidade sem distorcer as condições do mercado. Outros, ao contrário, pensam
que, diante das carências de segmentos majoritários de vários países, é uma obrigação
pública usar o microcrédito como um instrumento de desenvolvimento social.
Independente da perspectiva que este tema esteja sendo observado, é possível
afirmar que os investimentos neste tipo de iniciativa vêm crescendo, através da
participação de componentes da sociedade civil, de organismos internacionais,
governos, instituições sem fins lucrativos, e até de filantropos com intuitos voltados para
o desenvolvimento local, a inclusão social ou o lucro financeiro.
Vale assinalar que no dia 18 de novembro de 2004, em cerimônia na Bolsa de
Nova Iorque, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou o movimento Ano
Internacional do Microcrédito 2005, com o objetivo de propagar o tema e promover
parcerias entre governos, organizações internacionais, ONGs, setor privado, mundo
acadêmico e clientes das microfinanças. De acordo com Alves e Soares (2006, p.18) o
resultado esperado pelos idealizadores do movimento é o aumento do acesso aos
serviços financeiros, principalmente o crédito, para famílias pobres de modo a
proporcionar a geração de renda e perspectiva de segurança e prosperidade futuras.
Assim este movimento reflete o microcrédito como uma importante ferramenta para
cumprimento das metas do milênio, estabelecida em âmbito das Nações Unidas, e que
projeta como uma das metas a redução pela metade da pobreza absoluta no mundo até
2015. Este foi o maior exemplo de dedicação da atenção mundial com as
microfinanças. e esta certeza ficou explicita nas palavras do secretário-geral da ONU,
Koffi Annan, durante o lançamento do Ano Internacional do Microcrédito:
24
O ano internacional do microcrédito 2005 sublinha a importância das
microfinanças como parte integral de nosso esforço coletivo para cumprir com
os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. O acesso sustentável a
microfinanças ajuda a minimizar a pobreza por meio da inclusão social e da
criação de empregos, possibilitando as crianças o acesso à escola, as famílias
obter assistência à saúde, e as pessoas a capacidade de tomar decisões que
se adaptem às suas necessidades. O grande objetivo que teremos pela frente
é retirar do caminho as travas que excluem as pessoas e as impedem de
participar cabalmente do setor financeiro. Juntos podemos e devemos criar
setores financeiros que promovam a inclusão social e ajudem as pessoas a
melhorar suas vidas. (ANNAN, 2003, p.-) falta referencia
A idéia central desta dissertação é a de que é importante, para qualquer
sociedade interessada em desenvolver-se e erradicar a pobreza, avaliar atentamente
as iniciativas propostas pelas instituições microfinanceiras, focando o estudo nos
principais resultados alcançados.
Para tanto, esta dissertação terá como objeto de pesquisa uma comunidade rural
denominada Fazenda Diamante, estabelecida no município de Goiana, Zona da Mata
Norte de Pernambuco, formada por 75 famílias, todas beneficiadas por programas de
microcrédito.
O foco desta pesquisa será analisar o efeito do microcrédito como instrumento
de combate à pobreza, conseqüente promoção de melhoria de qualidade de vida e
geração de auto-sustentabilidade para as famílias que compõem a comunidade
Fazenda Diamante.
No intuito de dirimir quaisquer dúvidas sobre os conceitos que esta pesquisa
utiliza para definir qualidade de vida e auto-sustentabilidade, eles estarão descritos no
capítulo de análise e discussão dos resultados
1.2. Caracterização da Comunidade
Fundada em 1991 a comunidade Fazenda Diamante é composta por 152
hectares de terra, igualitariamente divididos para as 75 famílias que lá residem.
25
Composta por famílias de agricultores rurais, a comunidade, atualmente já com
17 anos de formada, conta com uma estrutura comunitária que inclui uma casa de
farinha que beneficia a produção de mandioca das unidades familiares, uma mini
fábrica de laticínios, uma fábrica artesanal de doces de frutas cultivadas na própria
comunidade, uma fábrica de picolé caseiro, escola, posto de saúde e uma associação,
de moradores que trabalha para discutir as necessidades de progresso da comunidade.
.
A partir de 1996, as famílias da comunidade Fazenda Diamante passaram a fazer parte
do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf, e assim
tiveram seu primeiro contato com um programa de microcrédito. Nos anos que se
seguiram, as famílias continuaram a fazer uso desta ferramenta, microcrédito, para
desenvolver atividades geradoras de renda.
Atualmente, a comunidade, já com 17 anos de formada, conta com uma estrutura
comunitária que inclui uma casa de farinha que beneficia a produção de mandioca das
unidades familiares, uma mini fábrica de laticínios, uma fábrica artesanal de doces de
frutas cultivadas na própria comunidade, uma fábrica de picolé caseiro, escola e posto
de saúde.
Na tentativa de buscar recursos para investir de forma produtiva na comunidade, os
moradores fundaram também uma associação, composta das figuras de presidente,
vice-presidente, tesoureiro e conselheiro, que realizam assembléias mensais para
discutir as necessidades de progresso da comunidade e as rotas de investimento.
26
1.3 Pergunta de Pesquisa
A utilização do microcrédito proporcionou melhoria de qualidade de vida e autosustentabilidade para as famílias da comunidade Fazenda Diamante ?
1.4 Objetivos da Pesquisa
1.4.1 Geral:
Analisar os efeitos do microcrédito como gerador de melhoria de qualidade de vida e
auto-sustentabilidade para as famílias da comunidade Fazenda Diamante.
1.4.2 Específicos:
a)Descrever o processo de formação da comunidade Fazenda Diamante
b) Analisar, a partir de experiências individuais, a ocorrência de mudanças
comportamentais decorrentes do acesso ao microcrédito que implicaram melhoria de
qualidade de vida;
c) Verificar os benefícios do processo de melhoria de qualidade de vida através da
aquisição de bens de consumo e serviços
d) Analisar como os recursos recebidos foram utilizados por cada membro da sociedade
e) Analisar se o acesso ao microcrédito gerou auto-sustentabilidade às famílias da
comunidade Fazenda Diamante.
27
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. Microcrédito e Microfinanças
Para dirimir possíveis dúvidas de natureza terminológica será esclarecida a
ambigüidade existente entre microcrédito e microfinanças, e entre microcrédito, crédito
popular e microcrédito produtivo orientado, pois essas definições sobrepõem-se,
frequentemente, anulando as diferenças.
A literatura distingue as organizações de microcrédito das de microfinanças
através do escopo de serviços oferecidos por cada uma delas.
Como já citado anteriormente Schiavinotto (2004) explica que enquanto a
microfinança compreende tanto os serviços de crédito como os de poupança, o
microcrédito limita a sua atuação unicamente à concessão de empréstimos.
Assim caracteriza-se microfinanças como “um conjunto de serviços financeiros
(poupança, créditos e seguros), prestado por instituições financeiras ou não, para
indivíduos de baixa renda e microempresas (formais e informais) excluídas, ou com
acesso restrito, do sistema financeiro tradicional”. (NICHTER, 2002; NAQVI;
GUZMAN,2004). Neste contexto microcrédito é apenas um dos serviços financeiros
oferecidos por instituições de microfinanças.
Abrangendo este conceito, microfinanças compõe “a prestação de serviços
financeiros
adequados,
e
sustentáveis
para
a
população
de
baixa
renda
constantemente excluída do sistema financeiro tradicional com a utilização de produtos,
processos e gestão diferenciados”. (SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO AS MICRO E
PEQUENAS EMPRESAS - SEBRAE, 2005).
Inserida no contexto de microfinanças , a atividade de microcrédito, é então
definida como aquela que se dedica apenas a conceder pequenos créditos a uma
população economicamente menos favorecida. Nesta perspectiva vale ressaltar que o
microcrédito é comumente identificado como a principal atividade do setor de
28
microfinanças, dada a importância que tem junto às políticas públicas de redução da
miséria e geração de renda.
Sandroni (2005, p. 540) assinala que o microcrédito é um crédito fornecido em
pequena escala para pessoas menos favorecidas, destinado ao crescimento de seus
negócios e que deve ser usado de alguma forma como “investimento” em seus
empreendimentos.
Ratificando
assim
a
também
muito
utilizada
terminologia,
Microcrédito Produtivo.
De acordo com Nichter (2002), o microcrédito é a “concessão de empréstimos de
relativamente
pequeno
valor,
para
a
atividade
produtiva,
no
contexto
das
microfinanças”. Para Barone, Lima, Dantas et al. (2002), “microcrédito é a concessão de
empréstimos de baixo valor a pequenos empreendedores informais e microempresas
sem acesso formal ao sistema financeiro tradicional, principalmente por não terem
como oferecer garantias reais. É um crédito destinado à produção (capital de giro e
investimentos) e é concedido com o uso de metodologia específica”.
Assim sendo, microcrédito seria o termo utilizado para a instituição que restringese a concessão de crédito (especializado no segmento de pessoas economicamente
menos favorecidas), enquanto que microfinanças seria, por exemplo, um conjunto de
serviços financeiros voltado ao atendimento das necessidades das camadas menos
privilegiadas, envolvendo créditos, poupanças e seguros.
Esse
conceito
lança
uma
perspectiva
evolutiva,
“do
microcrédito
às
microfinanças”, elucidada em Ribeiro (2004).
Ainda no sentido da evolução do conceito, a existência de serviços de poupança,
por exemplo, pode ter implicações não apenas quanto à sustentabilidade, mas também
relacionadas ao impacto na vida ou no negócio dos membros/clientes das
organizações.
Levando-se em conta os conceitos definidos acima, o Banco Grameen de
Bangladesh não seria uma organização apenas de microcrédito, embora tenha sido
assim que esta tornou-se mundialmente reconhecida, pois atualmente o banco também
29
desenvolve serviços de captação de poupança e de concessão de empréstimos não
voltados exclusivamente para o financiamento de atividades produtivas.
Nesta dissertação será adotada a definição de microcrédito utilizada pela
organização do Microcredit Summit1, que retrata as instituições de microcrédito como
aquelas que fazem
empréstimos pequenos para pessoas muito pobres, para gerar renda por meio de
atividades de auto-emprego, majoritariamente não formais.
Para microfinanças será usada a definição de Johnson e Rogaly (1997), qual
seja, a provisão de serviços financeiros voltados para os pobres, lidando com depósitos
e empréstimos muito pequenos.
Dentro dessa atmosfera de conceituação, faz-se necessário também distinguir
microcrédito de crédito popular, pois este último é frequentemente e inadequadamente
usado como sinônimo de microcrédito.
O uso indevido desses termos deve-se ao fato de bancos federais, como o
Banco do Brasil, através do Banco Popular, conceder créditos de pequenos valores
voltados, teoricamente, à população de baixa renda.
Em princípio as idéias dos programas são similares, o que os diferencia é fato de
que os créditos populares não condicionam o uso dos recursos à fins produtivos, sendo
usados em geral para consumo e quitação de dívidas. Além disso, o sistema de
garantias presente nesses programas não garante que tais recursos sejam
efetivamente canalizados para a população de baixa renda.
1
A Cúpula do microcrédito teve sua primeira reunião em fevereiro de 1997, quando conseguiu reunir, na
cidade de Washington D.C. mais de 2.900 pessoas vindas de 137 países com o intuito de prover crédito
para mais de 100 milhões de famílias pobres, na tentativa de tirá-los da pobreza. Essas reuniões
alcançaram grande êxito e desde então repetem-se anualmente, em países distintos. No ano de 2008 a
reunião da cúpula do microcrédito será sediada na Indonésia, entre os dias 28 e 30 de julho.
30
Por último é necessário distinguir Microcrédito Produtivo (conceito de
microcrédito) de Microcrédito Produtivo Orientado, cuja principal característica é
desenvolver um relacionamento mais estreito entre a instituição de microcrédito e o
empreendedor, no intuito de promover sustentabilidade aos pequenos negócios através
de capacitação.
O Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), iniciativa
do Governo Federal e instituído pela Lei nº 11.110, de 25 de abril de 2005, define
microcrédito produtivo orientado conforme abaixo (BRASIL, 2005):
“O microcrédito produtivo orientado é o crédito concedido para o atendimento
das necessidades financeiras de pessoas físicas e jurídicas empreendedoras de
atividades produtivas de pequeno porte, utilizando metodologia baseada no
relacionamento direto com os
empreendedores no local onde é executada a atividade econômica, devendo ser
considerado, ainda, que:
O atendimento ao empreendedor deve-ser feito por pessoas treinadas
para efetuar o levantamento socioeconômico e prestar orientação
educativa sobre o planejamento do negócio, para definição das
necessidades de crédito e de gestão voltadas para o desenvolvimento do
empreendimento;
O contato com o empreendedor deve ser mantido durante o período do
contrato de crédito, visando ao seu melhor aproveitamento e aplicação,
bem como ao crescimento e sustentabilidade da atividade econômica;
O valor e as condições de crédito devem ser definidos após a avaliação da
atividade e da capacidade de endividamento do tomador final dos
recursos, em estreita interlocução com este.”2
2
Fonte: www.mte.gov.br/pnmpo/conteudo
31
A orientação que o agente de crédito fornece pode ser muito importante e alguns
programas enfatizam explicitamente esse papel, como é o caso do Programa de
microcrédito do Banco do Nordeste, o Crediamigo. Já para o Banco Grameen,
reconhecidamente um caso exitoso, os agentes de crédito, conforme declaração de
Yunus
(1998),
quando
perguntados
sobre
aconselhamentos
a
respeito
de
oportunidades de negócio, são instruídos a responder que o banco têm muito dinheiro
para lhes fornecer, mas nenhuma idéia sobre negócios.
Contudo a não utilização da prática de Microcrédito Produtivo e Orientado pelo
banco Grameen, não interferiu no crescimento do número de financiados que obtiveram
sucesso, em um outro continente com uma outra cultura
2.2 Objetivos do Microcrédito
A literatura traz uma série de referências sobre os objetivos do microcrédito, e
alguns deles estão descritos a seguir:
Combater a pobreza e o desemprego, através do fortalecimento das atividades
econômicas de pequeno porte, substituindo as formas assistencialistas de
atender a população de menor poder aquisitivo (TANURI, 1997)
Promover a “experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e
de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito” que
atendam a população de baixa renda, de forma a criar condições de
sobrevivência, auto-sustentabilidade, crescimento e formalização dos pequenos
negócios (Lei 9.790 de 23/03/99, art. 3º, alínea IX) (BRASIL, 1999).
Promover a implantação, a modernização, a ampliação e/ou diversificação de
atividades capazes de gerar e manter trabalho e renda, em bases autosustentáveis, com base em investimentos de pequeno valor, com respaldo
32
principalmente no sistema de crédito solidário (Resolução nº59 do CODEFAT de
25 de março de 1994) (BRASIL, 1994)
Elevar a produtividade dos empreendimentos, através do incentivo fixo associado
à capacitação técnico-gerencial do empreendedor, de forma a minimizar o risco
do negócio, possibilitar o seu crescimento e estimular a formalização das
microempresas (BNDES – Crédito Produtivo Popular)
2.3 Marco Legal e Estrutura Institucional
Até 1999 não havia no Brasil um marco legal específico para as atividades de
microcrédito. Somente a partir desta data ocorreram esforços mais efetivos no sentido
de construir algum instrumento jurídico que contemplasse as diversas iniciativas
existentes. Esse trabalho foi desenvolvido por um grupo idealizado pelo Conselho da
Comunidade Solidária, oficializada pelo Conselho Monetário Nacional e coordenado
pelo Ministério da Fazenda, tendo o objetivo de expandir o microcrédito no Brasil. Assim
esse grupo formula as propostas e as adéqua juridicamente para regulamentar a
atividade de instituições microfinanceiras.
Esse ato foi de extrema relevância para a consolidação e ampliação das
microfinanças no Brasil, já que as experiências pioneiras com microcrédito em âmbito
nacional desenvolveram-se a margem de qualquer regulamentação específica para o
setor.
(...) as organizações não-governamentais agiam à margem do sistema
financeiro oficial e, sem qualquer cobertura do arcabouço jurídico, estavam
sujeitas à lei da Usura. Os programas ligados a governos municipais ou
estaduais, por seu lado, funcionavam no quadro da ação pública de geração de
emprego e renda. Por fim, bancos oficiais ou privados que atuavam com
microempresas o faziam obedecendo às regras usuais e genéricas do sistema
financeiro. (PARENTE, 2002, p.114)
De acordo com Carvalho e Ribeiro (2006) na formulação do marco legal dois
tópicos são destacados como prioritários:
33
Permitir que organizações da sociedade civil atuassem no microcrédito sem
estarem submetidas à Lei da Usura;
Criar e regulamentar uma nova modalidade institucional e caráter privado,
integrada ao sistema financeiro e com menores exigência de capital, para operar
microcrédito.
Ainda de acordo com Carvalho e Ribeiro (2006) esse desenvolvimento gerou
frutos que resultaram nas leis nº 9.790/99, nº 10.194/01, Medida Provisória nº 2.17232/01 e Resolução CMN nº 002874/01, que estabeleceram os seguintes modelos
institucionais para a atuação do setor público e privado, com e sem fins lucrativos, na
operacionalização de serviços de microcrédito:
Instituições da Sociedade Civil
O início das atividades de microcrédito no Brasil foi marcado pela atuação das
ONGs de microcrédito, com o foco na economia solidária e desenvolvimento local.
Contudo com a evolução do marco legal do microcrédito, grande parte dessas
ONGs transformaram-se em Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
(Oscips).
Tal razão para essa permutação baseia-se no fato de que, apesar de tanto as
ONGs quanto as Oscips serem pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos,
as Oscips estão livres do enquadramento na lei da usura, sendo reguladas pela Lei nº
9.790 (Lei do Terceiro Setor) que estabelece o cumprimento obrigatório de pelo menos
um dentre os vários objetivos sociais, destaca-se entre eles: “(...) promoção do
desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza”.(BRASIL, 1999).
Vale ainda salientar que tanto ONGs quanto Oscips não são autorizadas pelo
Banco Central do Brasil a captar nenhum depósito do público sob qualquer modalidade.
34
Programas de Governo Locais
Iniciativas constituídas a partir de fundos públicos e conhecidas como “bancos do
povo” são encontradas em estados e municípios, sendo gerenciados pelo setor público,
não se enquadram totalmente nas premissas do microcrédito, principalmente por
questões de metodológicas.
Sociedade de Crédito ao Microempreendedor (SCMs)
Seguindo a rota da evolução do setor de microcrédito o Banco Central autoriza a
criação de uma nova figura jurídica, na forma de instituição privada com fins lucrativos e
com o objeto social exclusivo de conceder crédito produtivo a pessoas físicas e
microempresas.
Programas de Bancos Comerciais
Grande parte dos bancos comerciais ainda resiste à idéia de trabalhar para este
setor por questionarem a viabilidade financeira deste tipo de atividade.
O Programa Crediamigo do Banco do Nordeste é uma exceção,operando com o
maior sucesso com recursos oriundos de organismos internacionais e do próprio banco.
Este modelo institucional está livre da lei da usura e é autorizado pelo Banco
Central do Brasil a captar depósitos do público, tendo acesso assim a facilidades
adicionais no financiamento da atividade de microcrédito, comparativamente com os
outros modelos institucionais.
Cooperativas de Crédito
Sociedades de natureza civil, sem fins lucrativos cuja atividade fim é a
concessão de empréstimos e a prestação de serviços aos seus associados. O seu
35
grande diferencial para alguns dos outros modelos citados anteriormente é o fato de
poderem captar depósitos, que por sua vez são investidos apenas na área de atuação
das cooperativas.
2.4 História das Microfinanças
A mais notória experiência de microcrédito foi sem dúvida o Grameen Bank, em
Bangladesh, desenvolvida brilhantemente pelo então professor de economia da
Universidade de Chittagong, Muhamad Yunus, em meados da década de 70.
Assim corrobora Silva (2005, p.3) quando afirma:
“O grande marco que desenvolveu, difundiu e serviu de modelo para
popularizar o microcrédito foi à experiência iniciada em 1976 em Bangladesh,
pelo professor Muhamad Yunus”
Contudo, as benesses trazidas pelas microfinanças datam de períodos bem mais
remotos, registrados em experiências menos conhecidas, porém não menos
importantes para os seus beneficiários da época. Segundo Seibel (2003, p.11) ao se:
Atribuir a origem das microfinanças a iniciativas recentes, perdem-se não
somente a profundidade histórica e as dimensões das microfinanças,mas
também séculos de experiência , que representam: aprendizado através das
tentativas e dos erros, dos fracassos e dos sucessos.
De acordo com Seibel (2003) as primeiras iniciativas teriam surgido na Europa,
em pequena escala e informalmente, como conseqüência de um grande aumento da
pobreza, a partir do século XVI. Os casos a seguir relatados por este autor, servem de
testemunho de quão remota é a instituição do microcrédito em vários países europeus.
36
2.4.1 O Caso da Irlanda
Na Irlanda, no início do século XVII, constituem-se fundos de empréstimos a
partir de doações, com pagamentos semanais e sem cobranças de taxa de juros, e
usando-se como garantia o aval solidário.
Esses fundos continuaram a operar na informalidade até 1823, quando uma lei
transforma-os em intermediários financeiros, permitindo a cobrança de juros e a
captação legal de recursos através de depósitos remunerados. A legalização trouxe, em
1836, a regulamentação e o supervisionamento dos mesmos, através do Loan Fund
Board, que, com seu apoio institucional, impulsionou o crescimento do número desses
fundos, chegando em 1840 a marca de 300 instituições de empréstimos legalizadas,
realizando pequenas operações de crédito.
Em processo de franca expansão, e gerando três vezes mais lucro que os
bancos comerciais, os fundos de empréstimos, que já detinham 20% das famílias
Irlandesas como clientes, colocaram-se como uma ameaça aos bancos comerciais, os
quais, por sua vez usaram de seu poder para pressionar o governo e conseguir que o
mesmo estipulasse valores mínimos para as taxas de juros praticadas pelos fundos de
empréstimos. Como conseqüência, deu-se a perda da vantagem competitiva e o
declínio gradual de suas atividades, que vieram a desaparecer por volta dos anos 1950.
2.4.2 O Caso da Alemanha
A história das microfinanças na Alemanha tem três raízes, todas de origem
informal: fundo de poupança comunitário e dois tipos de cooperativas de crédito e
poupança, uma rural e a outra urbana.
37
A comunidade administrava os empréstimos e poupanças baseados na
experiência irlandesa de que fundos baseados em doações e caridade não são
sustentáveis.
Depois do rigoroso inverno de 1846/47 na Alemanha, muitos fazendeiros ficaram
endividados e sem capital de giro para darem continuidade aos seus negócios rurais.
Na tentativa de reverter esta situação, o então pastor Friedrich Wilhelm Raiffeisen criou
a associação do pão na zona rural de Weyerbusch com capital proveniente de doação,
para financiamento de farinha de trigo, fabricação e comercialização do pão,
conseguindo, entre outras coisas, derrubar o preço final do pão em 50% poucos meses
depois de ter iniciado a associação, beneficiando produtores e consumidores.
Semelhante à associação do pastor Raiffeisen surge, em 1850, criada por
Hermann Schulze-Delitzsch, a primeira associação de crédito urbana, diferenciando-se
da primeira principalmente por não considerar a possibilidade de doação como fonte de
financiamento.
Raiffeisen percebe que a caridade não permite a criação de um modelo autosustentável, e por isso, em 1864, funda a primeira associação de crédito rural em
Heddesdorf, seguindo o exemplo de Schulze-Delitzsch.
Nos 20 anos seguintes, esse processo evoluiu lentamente, propiciando o
estabelecimento de 245 cooperativas em meados de 1880.
A grande virada nesse processo foi a promulgação, em 1889, do Ato das
Cooperativas do Império Germânico, a primeira lei para cooperativas do mundo voltada
para legalizar associações de crédito urbanas e rurais,
Essas mudanças estimularam um rápido crescimento do número de cooperativas
rurais na Alemanha.
De acordo com Seibel (2003) o espetacular sucesso das microfinanças na
Alemanha, que tirou de foco agiotas e bancos comerciais, deve-se a vários fatores:
38
o Cooperativas auto-sustentáveis, através da captação e manutenção das
poupanças
o A evolução para uma estrutura legal
o A evolução do marco regulatório do sistema bancário abrangendo todas
as instituições financeiras, inclusive os fundos de poupança e as
cooperativas de crédito
Este modelo, aplicado às microfinanças adotado na Alemanha, tem continuidade
nos anos vindouros. Dados de 1997 indicam o cenário construído pelos investimentos
em microfinanças: 39.000 filiais, 75 milhões de clientes, 51,4% de todos os ativos
financeiros bancários da Alemanha e 64% de todas as intermediações financeiras.
De acordo com Seibel (2003), a experiência alemã permite concluir que as
Microfinanças não são uma solução pobre para países pobres: as Instituições
microfinanceiras - IMF – organizadas sob a forma de cooperativas ou geridas pela
própria comunidade, baseadas no modelo de captação e administração de poupanças,
são igualmente viáveis tanto em áreas urbanas como rurais. Este autor ainda assinala
que se estas organizações forem reguladas e supervisionadas adequadamente, serão
capazes de constituir uma excelente ferramenta de combate à pobreza e de estimulo ao
desenvolvimento.
2.4.3 Outras Experiências Internacionais
Em 1900, um jornalista da assembléia Legislativa de Quebec criou as Caísses
Populaires que, com ajuda de 12 amigos, reuniu o montante inicial de 26 dólares
canadenses para emprestar aos mais pobres. Atualmente, estão associados às Caísses
Populaires cinco milhões de pessoas, em 1.329 agências. Nos Estados Unidos, em
1953, Walter Krump, presidente de uma metalúrgica de Chicago, criou os “Fundos de
Ajuda” nos departamentos das fábricas, onde cada operário participante depositava
39
mensalmente US$ 1,00, destinados a atender aos associados necessitados.
Posteriormente, os Fundos de Ajuda foram consolidados e transformados no que foi
denominado Liga de Crédito. Após esta iniciativa, outras se sucederam, existindo ,
atualmente, a Federação das Ligas de Crédito, operadas nacionalmente e em outros
países.
Muitas outras manifestações pontuais e isoladas com características de
microcrédito devem ter ocorrido ao redor do planeta. Porém, o grande marco que
desenvolveu, difundiu e serviu de modelo para popularizar o microcrédito foi a
experiência iniciada em 1976, em Bangladesh, pelo professor Muhamad Yunus.
Observando que os pequenos empreendedores das aldeias próximas à universidade
onde lecionava eram reféns dos agiotas, pagando juros extorsivos e, mesmo assim,
pagando corretamente, o professor Yunus começou a emprestar a essas pessoas
pequenas quantias com recursos pessoais e posteriormente, com recursos advindos de
empréstimos . A ação prosperou tanto que deu origem, em 1978, ao Grameen Bank. Os
princípios filosóficos da atuação e as estratégias para garantirem o retorno dos valores
emprestados foram aprimorados na prática durante anos de gestação e atuação do
Grameen Bank. Com adaptações locais, este modelo foi adotado em diversos países,
inclusive no Brasil.
Ao provar que os pobres são merecedores de crédito, e que pagam seus
pequenos empréstimos destinados a atividades reprodutivas, o professor Yunus
conseguiu financiamento e doações junto a bancos privados e internacionais para criar
o Banco Grameen. Com o passar do tempo, obteve ajuda de bancos e instituições
privadas, criando, em 1978, o Grameen Bank e o modelo atual de microcrédito, definido
como financiamentos aos micro produtores via grupos solidários que prestam garantia
mútua, dispensando a garantia dos bancos.
2.5. Microfinanças no Brasil
40
2.5.1. Iniciativas Pioneiras e Evolução do Microcrédito no Brasil
Embora tenha sediado uma das primeiras experiências de microcrédito informal
urbano, o Brasil teve um crescimento muito lento neste setor, e enfrentou também fortes
restrições legais para expandir os serviços do microcrédito às microfinanças e implantar
outros produtos além do crédito, como por exemplo a captação de poupança.
Segundo Nichter (2002) a evolução histórica do microcrédito no Brasil se deu nesta
seqüência:
o Os líderes da sociedade civil iniciaram os esforços e colaboraram com os
membros da comunidade internacional de microfinanças para desenvolver
instituições afiliadas a redes internacionais. (Ex: Banco da Mulher).
o Os líderes locais desenvolveram organizações da sociedade civil, que
empregaram metodologias de microfinanças para ajudar os membros de menor
renda em suas comunidades. ( Ex: Portosol).
o Os líderes políticos começaram a ver as microfinanças como uma maneira
possível de atender à população e lançaram iniciativas governamentais. ( Ex:
Banco do Povo Paulista)
o Em uma etapa mais recente, investidores e gerentes do setor privado atraídos
para microfinanças como um nicho do mercado, estão trabalhando por
intermédio de instituições financeiras regulamentadas. (Ex: Banco do
Nordeste)
O primeiro registro de microcrédito no Brasil data do ano de 1973, e foi
denominado
Projeto
UNO
(
União
Nordestina
de
Assistência
a
Pequenas
Organizações). Sediado na cidade do Recife, o projeto não teve longo alcance, mas
serviu como base para a construção da rede Ceape (Centro de Apoio ao Pequeno
Empreendedor).
41
Em meados da década de 1990 outras duas instituições ganham destaque:
Fenape (Federação nacional dos Pequenos Empreendedores) e o Banco da Mulher.
De acordo com Carvalho e Ribeiro (2006), algumas razões podem caracterizar o
atraso no desenvolvimento das atividades de microcrédito no Brasil, como por exemplo,
a inflação, o crédito governamental subsidiado e a legislação restritiva.
No processo evolutivo das IMF’s brasileiras, outras experiências são marcantes:
o Portosol, criada em agosto de 1995, no Rio Grande do Sul, o Vivacred, criada em
1996, no Rio de Janeiro, e o Crediamigo, criado em 1997, como o programa do Banco
do Nordeste que formou a maior carteira de microcrédito do país, segundo Carvalho e
Ribeiro (2006, p.142).
2.6 O Crédito Rural do PRONAF
A política agrícola brasileira por um largo período de tempo teve como foco os
latifúndios. Segundo Kageyama (1996) o processo de modernização conservadora,
caracterizado pela integração entre agricultura e indústria e a formação de complexos
agroindustriais, promove uma crescente marginalização dos pequenos agricultores
familiares, reproduzindo um padrão de desenvolvimento rural bastante excludente e
desigual.
De acordo com Cerqueira e Rocha (2002) o processo de modernização da
agricultura
brasileira
constituído
em
bases
latifundiárias
gera
no
campo
o
aprofundamento das desigualdades sociais e o aumento da pobreza nas áreas rurais,
com reflexos nos grandes centros urbanos.
O processo de abertura comercial, no início dos anos 90, aliado a integração da
agricultura com a indústria nacional, coloca os produtos agrícolas brasileiros em
condições de
competição
no mercado internacional, paralelamente
a
esses
acontecimentos o crédito rural torna-se cada vez mais escasso, a inflação apresenta
crescimento acelerado e o governo desativa a Empresa Brasileira de Assistência e
42
Técnica e Extensão Rural (Embrater). Diante deste cenário de grandes proporções a
importância dada à agricultura familiar torna-se proporcional ao tamanho de suas
pequenas glebas.
Como toda ação precede uma reação, foi apenas uma questão de tempo
para se iniciar o acirramento dos conflitos rurais e as reivindicações sociais, que
levariam o governo a repensar a política agrícola e a reconhecer a importância dos
produtores familiares.
O primeiro passo para consolidar as bases de apoio à agricultura familiar era
conceituá-la com mais precisão, uma vez que a mesma era tratada de várias formas
(pequena produção, produção familiar, produção de subsistência). Este problema foi
resolvido por estudos realizados conjuntamente entre a FAO e o INCRA, que segundo
Mattei (2001) definem com precisão conceitual a agricultura familiar, e estabelecem um
conjunto de diretrizes para ajudar na formulação das políticas deste setor.
Assim em 1994, em meio a este ambiente social, político e econômico inicia-se o
processo de mudanças na política agrícola no governo do presidente Itamar Franco
com a criação do Programa de Valorização da Pequena Produção Rural (PROVAP),
que tinha como meta a concessão de crédito com taxas de juros mais acessíveis aos
agricultores familiares.
No intuito de aprimorar este programa o governo seguinte, de Fernando
Henrique Cardoso, reformula totalmente o PROVAP dando origem assim em 1996 ao
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, que vem de
acordo com Mattei (2001), atender as exigências dos trabalhadores rurais, que
colocavam como vital a formulação e implementação de políticas de desenvolvimento
rural específicas para o segmento numericamente mais importante, porém mais
fragilizado da agricultura brasileira, tanto em termos de capacidade técnica como de
inserção nos mercados agropecuários. Desde então este programa apresenta-se como
a principal política pública de apoio aos agricultores familiares.
Sobre os objetivos do PRONAF discorre Nunes (2007):
43
O Pronaf se propõe a fortalecer a agricultura familiar como categoria social,
mediante apoio financeiro (financiamento para custeio e atividades agrícolas),
e à infra-estrutura social e econômica dos territórios rurais fortemente
caracterizados pela agricultura familiar. Embora seja um programa de
fortalecimento da agricultura familiar, a maior parte de seus esforços e
resultados estiveram concentrados no crédito desde a sua criação.
Entretanto, cabe destacar que, nos três últimos anos, o governo federal passou a
desenvolver novas ações, principalmente na área de comercialização (estoques,
compras, garantia de preços mínimos), assistência técnica e extensão rural e seguro
agrícola”
O Banco do Nordeste, principal agente na oferta de recursos do Pronaf na região
Nordeste do Brasil, caracteriza como objetivo do programa:
“Fortalecer a agricultura familiar, mediante o financiamento da infra-estrutura
de produção e de serviços agropecuários e atividades rurais nãoagropecuárias3, com o emprego direto da força de trabalho do produtor rural
e de sua família, objetivando a geração de ocupação e manutenção do
homem e da mulher do campo”
2.6.1. Público-Alvo, Grupos e Linhas do Pronaf
De acordo com o Banco do Nordeste o público-alvo do Pronaf são
empreendedores rurais que desenvolvam suas atividades agropecuárias e nãoagropecuárias utilizando-se, basicamente, de mão-de-obra familiar. É composto de
diversos Grupos (A, A/C, B, C, D, E), de acordo com a renda bruta anual obtida pelo
produtor que pode variar de R$ 4.000,00 para o grupo B até R$ 110.000,00 para o
grupo E.
3
Entende-se por serviços, atividades ou renda não-agropecuárias aqueles relacionados ao turismo rural, à
produção artesanal, ao agronegócio familiar e à prestação de serviços no meio rural, que sejam compatíveis com a
natureza da exploração rural e com o melhor emprego da mão-de-obra familiar
44
Ainda de acordo com o Banco do Nordeste o Pronaf também disponibiliza linhas
de crédito para públicos e atividades específicas – Pronaf Mulher, Jovem, Agroindústria,
Floresta, Agroecologia, Agrinf, Semi-árido.
Para esta dissertação é necessário um conhecimento mais específico das
características e peculiaridades do Pronaf Grupo B, por ter sido esta a linha de crédito
utilizada pelos integrantes da Comunidade Diamante, objeto de pesquisa deste
trabalho.
Dentre as linhas oferecidas pelo Pronaf, a B é reconhecido como a linha de
microcrédito
rural,
tem
no
seu
público-alvo
agricultores
familiares,
inclusive
remanescentes de quilombos, trabalhadores rurais e indígenas que:
Explorem parcela de terra na condição de proprietário, posseiro, arrendatário ou
parceiro;
Residam na propriedade ou em local próximo;
Não disponham a qualquer título, de área superior a 4 módulos fiscais,
quantificados segundo a legislação em vigor;
Obtenham renda familiar oriunda da exploração agropecuária ou nãoagropecuária do estabelecimento;
Tenham o trabalho familiar como base na exploração do estabalecimento
Obtenham renda bruta anual familiar até R$ 4.000,00, excluídos os proventos
vinculados a benefícios previdenciários decorrentes de atividades rurais
Público Alvo
Finalidade
Crédito
Juros
Bônus de
Prazo e
Adimplência *
Carência
Agricultores
Financiamento das
R$ 4.000,00 **
0,5%
25% aplicado
Prazo de até
Familiares
atividades
limitado a R$
ao ano
em cada
2 anos com
com renda
agropecuárias ou
1.500,00 por
parcela
carência de
anual familiar
não-agropecuárias
operação
de até
e custeio para
mamona
até 1 ano
45
R$ 4.000,00
* O Produtor somente fará jus ao Bônus se pagar as parcelas do financiamento em dia
** Alcançado esse limite os novos financiamentos concedidos não terão bônus de adimplência
Fonte: Banco do Nordeste
46
3 METODOLOGIA
A proposta do presente capítulo é apresentar a metodologia que foi utilizada na
pesquisa, abrangendo o delineamento da pesquisa, a descrição das técnicas de coleta
dos dados e da análise dos dados, e os limites e limitações do estudo conforme será
apresentado a seguir.
3.1 Delineamento da Pesquisa
A pesquisa é de base qualitativa, do tipo descritiva, pois tem o objetivo de obter
informações e opiniões do universo (ROESCH, 1999). A pesquisa qualitativa é
importante para compreender as relações que ocorrem entre os personagens
estudados tanto no âmbito da comunidade quanto fora dela analisando o grupo sobre
temas específicos. De acordo com Minayo (1998) as diferenças entre a pesquisa
qualitativa e quantitativa vão além da simples escolha de estratégias de pesquisa e
procedimentos de coleta de dados, representam posições epistemológicas diferentes.
A pesquisa qualitativa não considera somente as interpretações das realidades
sociais, mas também objetiva uma categorização do mundo social, análise em direção a
questões referentes à qualidade e coleta de dados, com estratégias de pesquisa
independente. É igualmente relevante, após o levantamento, o direcionamento de
análise dos dados obtidos ou o embasamento da interpretação com observações mais
minuciosas (BAUER; GASKEL; ALLUM, 2002).
Para Macedo (2001), os métodos qualitativos procuram descrever a cultura do
ponto de vista do indivíduo que está dentro dela, ao contrário da perspectiva do
indivíduo que está fora da cultura, como pesquisador. Entrevistas sem estrutura,
observações e outras técnicas qualitativas são assim desenhadas para compreender o
ponto de vista do sujeito. Pesquisadores evitam impor suas próprias categorias ou
47
outras idéias a uma cultura, procurando trazer à tona o sistema de categorias ou idéias
que os membros da cultura usam, eles mesmos, para pensar seus mundos.
Procurando resumir as características básicas da pesquisa qualitativa, podemos
identificar alguns aspectos essenciais tais como:
_ Os ambiente a as pessoas nela inseridos não são reduzidos a variáveis, mas
observados como um todo.
_ A preocupação do investigador está no significado que as pessoas dão às coisas e à
própria vida, e ainda porque não partem de hipótese, a priori, utilizam enfoque indutivo
na análise das informações. Quando o estudo é de caráter descritivo e o que busca é o
entendimento do fenômeno como um todo na sua complexidade, é possível que uma
análise qualitativa seja a mais indicada.
Este estudo teve como objetivo principal aumentar a compreensão e o
conhecimento das relações de trabalhadores rurais com o acesso ao
microcrédito, e unindo a este fato a vivencia em uma comunidade rural. Nesse
sentido foi adotado o método qualitativo, considerado este mais adequado para
explorar e interpretar os fenômenos propostos na pesquisa, através de um
estudo de caso, conforme detalharemos a seguir.
3.1.1 Estudo de Caso
O estudo de caso não é uma escolha metodológica, mas uma escolha do que
deve ser estudado. Ele se concentra no conhecimento experiencial do caso e a sua
atenção é focada para compreender as influências sociais, políticas e de grupo, além
de outros contextos (STAKE, 2000).
O estudo de caso surge do desejo de se compreender fenômenos sociais
complexos, que permita uma investigação fiel as características holísticas e
48
significativas dos acontecimentos da vida real, tais como ciclos de vida individuais,
processos organizacionais e administrativos, mudanças ocorridas em regiões urbanas,
relações internacionais e a maturação de setores econômicos (YIN, 2005).
De acordo com Gil (1995), o estudo de caso é uma pesquisa caracterizada pelo
estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita o seu
amplo e detalhado conhecimento, tarefa praticamente impossível em outro tipo de
estudo.
Para Yin (2005), quando se tem um fenômeno contemporâneo a ser investigado
dentro do seu contexto de vida real e suas fronteiras uma das formas de pesquisa
social que se pode utilizar é o estudo de caso. Ainda de acordo com o mesmo autor, o
pesquisador de estudo de caso deve ser hábil em saber fazer perguntas, em saber
ouvir, ser flexível e adaptável, ter plena compreensão das questões que estão sendo
pesquisadas, e tentar evitar que idéias preconcebidas impeçam a possibilidade de
novas descobertas, evitando viés.
Para Castro (1977), é muito melhor fazer o uso sofisticado de uma técnica
simples, do que procurar técnicas sofisticadas pelo fato de estarem disponíveis. Em
contrapartida, existem críticas ao método do estudo de caso, principalmente no que se
refere à sua falta de objetividade e rigor científico, uma vez que dependem em grande
parte da intuição do investigador, estando, portanto, sujeito a eventual subjetividade.
De qualquer maneira, subjetividade é algo inerente ao ser humano. (YIN, 2005).
Uma questão alvo de críticas no uso do estudo de caso é a limitação com a
generalização, alegando que esse tipo de pesquisa oferece pouca base que possibilite
replicação, inclusive quando comparado aos experimentos. Um argumento defensivo a
essa acusação “é que os estudos de caso, da mesma forma que os experimentos, são
generalizáveis a proposições teóricas, e não a populações e universos”. (YIN, 2005).
Assim sendo, acredita-se ser o estudo de caso relevante e que poderá contribuir
para o melhor entendimento dos processos de geração de melhoria de qualidade de
vida através do microcrédito na comunidade Diamante.
49
3.2 Coleta de Dados
A seguir, será apresentada a coleta de dados, especificando assim o seu
processo, o roteiro de entrevista como instrumentação das variáveis.
3.2.1 Processo
De acordo com Richardson (1999) a entrevista não estruturada, também
chamada de entrevista em profundidade, em vez de responder à pergunta por meio de
diversas alternativas pré-formuladas, visa obter do entrevistado o que ele considera os
aspectos mais relevantes de determinado problema: as suas descrições de uma
situação de estudo.
Por meio de uma conversação guiada, pretende-se obter informações
detalhadas que possam ser utilizadas em uma análise qualitativa. A entrevista não
estruturada procura saber o que, como e por que algo ocorre, em lugar de determinar a
freqüência de certas ocorrências, nas quais o pesquisador acredita.
Ainda segundo Richardson (1999), as técnicas de entrevista variam de acordo com
o contexto no qual estão inseridas. A forma de realizar a entrevista dependerá do tipo
de informação necessária em função do problema a ser pesquisado.
As técnicas utilizadas irão variar se apenas deseja-se obter informação sobre certos
acontecimentos, explorar as atitudes e motivações de um indivíduo ou modificar os
comportamentos. Yin (2005) considera as entrevistas como uma das mais importantes
fontes de Informação para o estudo de caso, assim como uma ferramenta essencial
para tratar de questões humanas.
Segundo Gaskell (2002) a entrevista qualitativa é uma metodologia de coleta de
dados amplamente empregada que fornece os dados básicos para o desenvolvimento e
a compreensão das relações entre os atores sociais e sua situação. Para o mesmo
autor, as entrevistas qualitativas são conduzidas sob três formatos: semi-estruturada,
que pode ser em profundidade com um único respondente; fortemente estruturada, que
50
apresenta questões predeterminadas; e a entrevista de conversação continuada, que é
a menos estruturada, onde a ênfase é maior na absorção do conhecimento local e da
cultura.
A partir das entrevistas qualitativas, o pesquisador poderá mapear e
compreender o mundo socialmente construído dos entrevistados. Em termos gerais, no
início do processo a entrevista deverá ser bastante livre, podendo ser mais diretiva
quando os aspectos da problemática de pesquisa já estiverem levantados
(RICHARDSON, 1999).
A seguir, será detalhado o roteiro de entrevista que foi utilizado na pesquisa. Isso
será feito de tal forma que possamos compreender através do referido roteiro como
será feita a instrumentação das variáveis.
3.2.2 Roteiro de Entrevista como Instrumentação das Variáveis
A pesquisa utilizou entrevistas abertas, pois se acredita ser essa a melhor
maneira de acessar os dados pertinentes ao trabalho. Para tal, criou-se um roteiro de
entrevistas que visa coletar informações previamente determinadas, mas também
deixar o entrevistado com bastante liberdade para falar sobre o que julgar importante.
Teve-se como objetivo compreender o que caracteriza a relação entre o acesso
ao microcrédito e a melhoria de vida na comunidade Diamante. Assim, foram
entrevistados membros da comunidade que consentiram essa abordagem.
Procurou-se escolher casos em que a relação Acesso ao microcrédito X Melhoria
de qualidade de vida, tivesse sido exitoso, e casos em que esta mesma relação não
tenha alcançado um grau de sucesso desejável.
O roteiro de entrevistas propriamente dito, poderá ser examinado em apêndices
onde se encontra anexo.
51
3.2.3 Entrevistados
A escolha dos entrevistados procurou obedecer o critério sugerido pelos integrantes da
banca de defesa do projeto. Assim a pesquisadora deveria entrevistar 10 integrantes da
comunidade, dos quais 5 deles tivessem alcançado sucesso nos objetivos propostos
pelo acesso ao microcrédito, e outros 5 integrantes que não tivessem obtido êxito nessa
relação.
Contudo a comunidade atualmente apresenta pouquíssimos casos de insucesso ,
assim não sendo possível entrevistar mais que duas famílias que reconhecem não
terem obtido melhoria de qualidade de vida, nem auto-sustentabilidade após acesso ao
microcrédito.
Para evitar coletar uma quantidade de dados insuficiente às análises, foram realizadas
16 entrevistas em contraposição as 10 sugeridas inicialmente. O critério de escolha do
número de entrevistados foi a exaustão, ou seja as entrevistas foram acontecendo até
nem mais um dado novo e relevante para a nossa pesquisa aparecer
3.3 Análise dos Dados
Como técnica de análise para tratamento dos dados, será utilizada a análise de
conteúdo, através de inferências básicas a partir do texto, objetivando descrever
sistematicamente o teor da comunicação (LAKATOS E MARCONI, 2001).
Dentre as perspectivas da análise de conteúdo foi utilizada a análise de
enunciação, que se diferencia das outras técnicas de análise de conteúdo porque
existem duas grandes características: primeiro apóia-se na comunicação como um
processo e não como um dado, e também funciona, desviando-se das estruturas e
modelos formais. A análise de enunciação aplica-se bem ao discurso de entrevista não
diretiva, discurso que é geralmente abandonado pelas técnicas exatas. Nesse caso, o
discurso é toda a comunicação estudada não só ao nível dos seus elementos básicos,
52
a palavra, por exemplo, mas também a um nível igual e superior à frase, ou seja, as
proposições, os enunciados e as seqüências (BARDIN, 2000).
A análise de enunciação está baseada no conceito do discurso enquanto palavra
em ato e não como um dado, conforme a análise de conteúdo clássica. Considera que
na produção da palavra é efetuado um trabalho, elaborado um sentido e operadas
transformações.. O discurso não é uma transposição transparente de opiniões, atitudes
e representações que existem de modo completo antes da passagem à forma de
linguagem.
Nesta perspectiva o discurso não é um produto acabado, mas um momento num
processo de elaboração, que pode ser ao mesmo tempo espontâneo e constrangido
pela situação, na qual se confrontam motivações, desejos e investimentos do sujeito,
com as imposições do código lingüístico. Também, devido às circunstâncias de
espontaneidade e constrangimento, o trabalho de elaboração é, ao mesmo tempo,
emergência do inconsciente e construção do discurso (BARDIN, 2000).
A entrevista não diretiva segue a lógica do entrevistado, sendo limitada somente
pela instrução temática colocada para centrar a entrevista no assunto que interessa ao
entrevistador. É caracterizada por pré-formação mínima de roteiro, ao contrário dos
questionários pré-formulados. Ela tem o foco no conteúdo sobre a relação subjetiva do
locutor com o objeto do discurso, ou seja, as representações, atitudes etc. Trata-se,
portanto, de um discurso dinâmico e não estático (BARDIN, 2000).
Analisar significa “fazer análise, decompor um todo em suas partes; estudar,
examinar; criticar [...]” (LAROUSSE, 2001). Lakatos e Marconi (2001, p.167) entendem
análise como “a tentativa de evidenciar as relações existentes entre o fenômeno
estudado e outros fatores”.
A análise de conteúdo é, portanto, uma técnica para produzir inferências de um
texto focal para seu contexto social de maneira objetivada, traçando um meio caminho
entre a leitura singular verídica e o “vale tudo”, sendo, em última análise, uma categoria
de procedimentos explícitos de análise textual para fins de pesquisa social (BAUER;
GASKEL; ALUM, 2002).
53
Segundo Bardin (2000), a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de
análise das comunicações, ou seja, um único instrumento, mas possuidor de uma
grande quantidade de formas diversas e adaptáveis ao campo de aplicação das
comunicações. Desde mensagens lingüísticas em forma de ícones, até comunicações
em três dimensões podem ser realizadas, o que significa que quanto mais complexo,
instável, ou mal explorado for o código, maior terá de ser o esforço do analista, no
sentido de uma inovação com vistas a uma elaboração de novas técnicas.
Assim, quanto mais o objeto de análise e a natureza das suas interpretações
forem incomuns ou excepcionais, maior será a dificuldade do analista em colher
elementos nas análises já realizadas, que possibilitem a inspiração nelas. Em última
análise, qualquer comunicação, isto é, qualquer transporte de significações de um
emissor para um receptor controlado ou não por este, deveria poder ser escrito,
decifrado pelas técnicas de análise de conteúdo.
Após apresentação e detalhamento da metodologia utilizada no trabalho, serão
relatados os limites e as limitações encontradas para a realização da pesquisa.
54
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Neste capítulo, serão apresentados os resultados obtidos após a coleta de dados
feita através de entrevistas abertas e será utilizada a análise de conteúdo para a
interpretação dos achados.
Esta apresentação será feita em capítulos que incluem um ou vários objetivos
específicos, onde em cada capítulo serão apresentados os achados e feitas as análises
e discussões pertinentes ao conteúdo. Abaixo estão listados os objetivos específicos
na ordem que será utilizada para apresentação dos resultados.
a) Descrever o processo de formação da comunidade Fazenda Diamante
b) Analisar as mudanças individuais decorrentes do acesso ao microcrédito que
indicaram claramente melhoria de qualidade de vida
c) Verificar os benefícios do processo de melhoria de qualidade de vida através da
aquisição de bens de consumo e serviços
d) Analisar como os recursos recebidos foram utilizados por cada membro da sociedade
e) Analisar se o acesso ao microcrédito gerou auto-sustentabilidade as famílias da
comunidade Fazenda Diamante
4.1 A Formação da Comunidade Fazenda Diamante
Fundada em julho de 1991, a comunidade Fazenda Diamante origina-se de um
acordo entre o Governo do estado de Pernambuco, proprietários de terras e
trabalhadores agrícolas com o intuito de desapropriar áreas adequadas ao cultivo de
lavoura e criação de animais, e assentar famílias de baixa renda.
55
Logo depois de firmado o acordo, a faixa de terra desapropriada, que totalizava 152
hectares, foi dividida em 76 lotes de 2 hectares cada, e distribuída para 75 famílias de
baixa renda, que deveriam fixar moradia no local e desenvolver atividades produtivas
rurais. O lote 76 foi destinado à formação de uma área comum às famílias assentadas.
Para realizar a escolha das famílias que iriam passar a residir neste assentamento,
foi feita uma seleção para escolher as 75 entre as 300 famílias que se candidataram a
uma vaga. A escolha das famílias obedeceu os seguintes critérios: Ser uma família de
agricultores rurais, morar nas regiões circunvizinhas. Assim foi dada prioridade aos
trabalhadores remanescentes da então fazenda desapropriada, e as famílias que
tinham o maior número de filhos
A partir de 1996, as famílias da comunidade Fazenda Diamante passaram a fazer
parte do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf, e assim
tiveram seu primeiro contato com um programa de microcrédito. Nos anos que se
seguiram, as famílias continuaram a fazer uso desta ferramenta, microcrédito, para
desenvolver atividades geradoras de renda.
Atualmente, a comunidade, já com 17 anos de formada, conta com uma estrutura
comunitária que inclui uma casa de farinha que beneficia a produção de mandioca das
unidades familiares, uma mini fábrica de laticínios, uma fábrica artesanal de doces de
frutas cultivadas na própria comunidade, uma fábrica de picolé caseiro, escola e posto
de saúde.
Na tentativa de buscar recursos para investir de forma produtiva na comunidade, os
moradores fundaram também uma associação, composta das figuras de presidente,
vice-presidente, tesoureiro e conselheiro, que realizam assembléias mensais para
discutir as necessidades de progresso da comunidade e as rotas de investimento. Para
manutenção da associação de moradores os integrantes da comunidade contribuem
com uma cota mensal de R$ 3,00 (três reais).
56
4.2 Qualidade de Vida
O cerne do objetivo geral de nossa pesquisa é perceber a relação entre o
microcrédito e a qualidade de vida dos integrantes da comunidade Diamante, assim é
de extrema relevância a descrição do que a literatura aponta como índices e conceitos
de qualidade de vida.
O conceito de qualidade de vida se expande e se refina compondo um processo
evolutivo que caminha em uma velocidade acelerada, fruto das alterações sociais do
mundo moderno e globalizado.
Há, entretanto, discordâncias entre os vários estudiosos do tema sobre quais
aspectos seriam privilegiados para caracterizar qualidade de vida. Outros criticam o
próprio conceito como Herculano (2000, p.3) que coloca:
“ ........ A questão do entendimento sobre o que é qualidade de vida pode
ser vista como desnecessária, não por ser desimportante ou pouco palpável,
mas pela sua obviedade. Algo que ninguém saberia definir, mas que
parodiando a referencia da poeta Cecília Meirelles à liberdade, todos entendem
o que é. Talvez por isto a ênfase dos estudos sobre qualidade de vida enfoque
predominantemente a sua mensuração, ficando embutido na escolha sobre o
que mensurar os pressupostos do que se entende venha a compor qualidade
de vida”
Ainda de acordo com ele a qualidade de vida da população vem sendo
frequentemente avaliada sob dois aspectos:
1) Avaliando e mensurando os recursos disponíveis que permitem a sociedade, ou
determinados grupos dela, satisfazer suas necessidades. Por exemplo é possível
analisar as condições de saúde baseada no número de leitos e médicos disponíveis,
as condições de educação pela quantidade de escolas, professores, livros
publicados e níveis de escolaridade atingidos, as condições ambientais pela
potabilidade da água, da emissão aérea de poluentes, pelo número de domicílios
com acesso a água encanada e esgotamento sanitário, pela dimensão per capita de
área verde.
57
2) Avaliar a qualidade de vida através das necessidades, mensurando a mesma pela
distancia entre o que se deseja e o que se alcança. Neste caso há que se considerar
que a definição de qualidade de vida irá oscilar em função das diferenças individuais,
sociais e culturais.
Se fosse possível, mesmo acreditando que não o é, ainda seria muito difícil pautar o
que deveria ser “normal” dos seres humanos desejarem alcançar para terem qualidade
de vida.
Contudo existem definições de patamares mínimos de bem-estar a serem
coletivamente assegurados e aceitos pela maioria dos estudiosos.
Alguns desses patamares sustentam-se por exemplo na teoria de Maslow, que no
início da década de 1940, desenvolveu sua teoria sobre a hierarquia das necessidades,
e chegou ao esquema mostrado na figura abaixo. (BATEMAN; SNELL, 2006, p.430).
Hierarquia das Necessidades
Concepção das necessidades humanas organizadas em uma
hierarquia de cinco tipos principais
1. Necessidades Básicas ou Fisiológicas (comida, água,descanso, sexo, abrigo)
2. Necessidades de Segurança (Proteção contra ameaça ou privação, indica desde a
simples necessidade de sentir-se seguro dentro e uma casa até formas mais
elaboradas de segurança como um emprego estável, um plano de saúde ou um
seguro de vida)
3. Necessidades Sociais (amor, afeto, afeição, e sentimentos tais como o de fazer
parte de grupos)
4.
Necessidade de Status (independência, realização,
reconhecimento dos outros face à nossa capacidade)
liberdade,estima
5. Necessidade de Auto-Realização (Conscientização do próprio potencial máximo,
tornar-se tudo que é capaz de ser)
58
Fonte: Bateman e Snell (2006)
Para Lacombre e Heilborn (2006), a teoria de Maslow indica que há uma tendência,
na maioria das pessoas, de satisfazer primeiro as necessidades básicas, e
complementa Bateman e Snell (2006, p.31) só depois que as necessidades fisiológicas
e de segurança são razoavelmente satisfeitas é que os níveis mais altos de
necessidades sociais, de status e de auto-realização se transformam em interesses
dominantes.
Criticando essa teoria Lacombre e Heilborn (2006) destacam que:
As necessidades de cada pessoa variam no tempo, não só em função da
satisfação, como também em função das alterações na hierarquia dos valores
de cada um.
A teoria de Maslow representa uma tendência e não deve ser encarada
como uma escala rígida, pois partindo do princípio de atender as
59
necessidades básicas dos seres humanos até chegar as necessidades de
auto-realização, os indicadores sociais surgem como elementos que
agrupados constroem os vários conceitos de qualidade de vida.
Anteriormente a esta discussão Allardt (1975) apud Nussbaun; Sen (1993), no
seu estudo construiu um modelo de aplicação focado na Escandinávia para caracterizar
o bem-estar, onde três verbos definem o básico de uma vida humana:
TER – Refere-se as condições materiais necessárias a uma sobrevivência livre
da miséria: Recursos Econômicos (medidos por renda e riqueza),
Condições de Habitação (medidas pelo espaço e conforto doméstico),
Emprego (medido pela ausência de desemprego), Condições Físicas de
Trabalho (avaliado pelos ruídos nos postos de trabalho, rotina física e
stress), Saúde (dores e doenças, acessibilidade de atendimento médico),
Educação ( medida por anos de escolaridade).
AMAR – Diz respeito à necessidade de se relacionar com outras pessoas e
formar identidades sociais: União e contatos com a comunidade local,
Relações com Familiares, Amizade, União e contatos com companheiros
em associações e organizações, Relações com companheiros de trabalho
SER – Necessidade de integração com a sociedade e de harmonização com a
natureza: Nível de participação de uma pessoa nas decisões e atividades
coletivas que influenciam sua vida; Atividades Políticas; Obtenção de
Tempo de Lazer; Oportunidades de construir uma vida profissional
satisfatória, Oportunidade de estar em contato com a natureza.
Em 1987 Robert Erikson publica um estudo sobre qualidade de vida, usando três
grupos distintos que são acompanhados durante vários anos, ele buscava analisar
mudanças nos níveis de qualidade de vida entre os diferentes grupos com o passar do
tempo. Para isso ele define parâmetros de mensuração de qualidade de vida:
60
1. Saúde e acesso a cuidados médicos
Sintomas e doenças, acesso a médicos e tratamentos .
2. Emprego e condições de trabalho
3. Recursos Econômicos
Renda e riqueza, propriedade, capacidade de cobrir as despesas
necessárias básicas
4. Educação
Anos de escolaridade, nível mais alto de escolaridade alcançada
5. Integração Familiar e Social
Estado civil, contatos com amigos e parentes
6. Habitação
Número de pessoas por cômodo, conforto doméstico
7. Segurança de Vida e de Propriedade
Exposição à violência
8. Recreação e Cultura
Tempo de lazer, viagens de férias
9. Recursos Políticos
Capacidade de apresentar opiniões, sugestões e reclamações
Já no conceito de qualidade de vida proposto por Herculano (2000) a questão
ambiental
agrega-se
aos
demais
itens
hoje
mensurados
pelo
Desenvolvimento Humano (IDH), assim definem qualidade de vida como:
Índice
de
61
“... Soma das condições econômicas, ambientais, científico-culturais e políticas
coletivamente construídas e postas à disposição dos indivíduos para que estes possam
realizar suas potencialidades: inclui a acessibilidade de produção e ao consumo, aos
meios para produzir cultura, ciência e arte, bem com pressupõe a existência de
mecanismo de comunicação, de informação, de participação e de influencia nos
destinos coletivos, através de gestão territorial que assegure água e ar limpos, higidez
ambiental, equipamentos coletivos urbanos, alimentos saudáveis e a disponibilidade de
espaços naturais amenos urbanos, bem como da preservação de ecossistemas
naturais.”
Ainda de acordo com Herculano (2000), mensurar qualidade de vida implicará
mensurar também:
1. Níveis de conhecimento e tecnologia já desenvolvidos e os mecanismos para o seu
fomento;
2. Canais institucionais para a participação e geração de decisões coletivas e para
resolução de dissensos;
3. Mecanismo de acesso à produção (financiamentos)
4. Mecanismos de acessibilidade ao consumo (distribuição de renda, de alimentos e
acesso aos equipamentos coletivos – água , luz, saneamento, etc);
5. Canais democratizados de comunicação e de informação;
6. Proporção de áreas verdes para a população urbana, proporção de áreas de
biodiversidades protegidas;
7. Organismos governamentais e não-governamentais ( volume de recursos financeiros
e de pessoal alocados para as políticas sócio-ambientais)
Apesar da abrangência do conceito de qualidade de vida, a sua veracidade não
se aplica inflexível e igualitariamente para todos os seres humanos. Dependendo das
condições de vida a que um indivíduo esteja sendo exposto, seus parâmetros de bemestar podem oscilar bastante, assim é factível que um homem do campo, com baixo
62
nível de escolaridade e poucos recursos tenha uma percepção de bem-estar diferente
de um executivo bem-sucedido.
Para que não permeiem dúvidas sobre o uso adequado dos indicadores de
qualidade de vida na análise desta comunidade, todos os entrevistados foram inquiridos
sobre o que compreendiam a esse respeito. Assim surgiram em ordem de importância
para os mesmos os indicativos abaixo:
a) Tranquilidade em relação à sobrevivência
Especificamente no caso dos entrevistados desta comunidade, objeto de estudo
em questão, encontra-se como indicador absoluto de qualidade de vida a tranqüilidade
alcançada pela garantia de sobrevivência, através da posse da terra.
Como já citado anteriormente, as famílias que foram escolhidas para compor
esta comunidade, receberam como doação e se tornaram proprietárias, cada uma
delas, de 2 hectares de terra adequadas ao cultivo ou criação de animais.
Esse acontecimento foi registrado pelos entrevistados como uma garantia de
sobrevivência que é representada através da possibilidade real de ter alimento contínuo
e residência fixa e própria, que se transformará em uma rica herança para os
descendentes.
A certeza de possuir um espaço próprio para pousar, trabalhar e colher os frutos
do seu trabalho, sem temer que em um futuro próximo ou distante lhe seja tirado o seu
lar, atribui a esse aspecto uma larga importância para os moradores desta comunidade.
Essa tranqüilidade em relação à sobrevivência, a certeza do alimento na mesa, o
orgulho de possuir uma moradia própria para si e os seus dependentes pode ser
percebido nas opiniões e posicionamentos dos entrevistados:
“ (...) Eu vim para cá para ter uma terrinha minha, nós moramos 53 anos
naquele engenho ali, mesmo ali pertinho, eu tinha um sítio lá, mas o sítio de
lá era do homem, do proprietário, não era meu, lá quando plantava um pé de
côco o homem mandava derrubar, se a gente plantava um pé de banana o
63
homem mandava arrancar, ou um pé de qualquer coisa o homem mandava
empatar, porque a terra não era da gente. Quando o governo deu essa
terrinha aqui viemos pra cá e andamos pra frente, hoje na necessidade tem
comida a fole aí nos pés, fome nós não passa mais, aqui tem côco, banana,
macaxeira, manga, inhame, milho, e assim a gente não passa mais aperto,
aqui a gente trabalha no que é da gente, ali no engenho Tabatinga a gente
não tinha nada, porque lá nem a casa era da gente, aqui a gente tem um
futuro pra família e um descanso pra minha velhice, pra sempre.”
Neste depoimento confirma-se que a posse da terra, e a capacidade de nela
trabalhar para tirar o alimento traduz-se em tranquilidade no presente e no futuro
“ (...) Tô com os meninos aqui já plantando mais manga, jaca, cajú, e outras
fruteiras, porque a lavoura branca só dá pra um ano só, depois tem que
plantar tudo de novo, mas os pés de fruta leva a gente a prosperar e como a
terra é da gente é segurança de ter por muitos anos os frutos do trabalho de
pouco tempo, porque tem uma vida prolongada.”
A fala do Sr. Nildo demonstra a necessidade de sentir que o futuro está
garantido, e isso se traduz através da garantia do alimento na mesa por um período
longo. Vários dos agricultores familiares entrevistados lutaram por muito tempo para
conseguir um dos elementos básicos garantidores da sobrevivência, a capacidade de
nutrir-se, assim é possível entender o grau de importância que a fartura alimentar
representa para esses agricultores, ocupando assim lugar de destaque no ranking de
indicadores de qualidade de vida que eles construíram.
Corroborando com a Teoria da Hierarquia das necessidades de Maslow a base
da pirâmide agrupa características fundamentais consideradas básicas como descanso,
abrigo e comida, e em um estágio um pouco mais avançado na realização do ser
humano, a questão de segurança que pode ser compreendida, pela garantia da
proteção seja ela dentro de uma casa ou, adequando ao nosso estudo, possuindo uma
propriedade para viver e sentir-se seguro.
64
b) Educação
Um outro aspecto identificado como representante de uma boa qualidade de vida
pelos integrantes desta comunidade foi o acesso à educação.
Contudo os depoimentos dos entrevistados ressaltam que os mesmos se
referem não apenas ao acesso a uma educação formal, mas também a uma formação
que propicie a construção de um pensamento crítico e prático, que possa transformar o
conhecimento adquirido, em vantagens no dia-a-dia do trabalhador rural através da
qualidade do trabalho desenvolvido e consequentemente no aumento da produtividade.
Ultrapassando as esferas rurais, os entrevistados atribuem também à educação
a tarefa de melhorar a sociedade em que vivemos, na medida em que acreditam que a
educação ensina o indivíduo a pensar e fazer suas escolhas com mais segurança. Além
de acreditarem que, por terem tido acesso a educação, mesmo que em alguns casos,
um pouco tardio, se sentem co-responsáveis pela construção de caminhos que tornem
a educação acessível para a totalidade da sociedade.
A fala abaixo transcrita pelo Sr. Sebastião ilustra o valor que a educação tem
para esse grupo:
“ (...) Eu não pude estudar porque comecei na lida aos 8 anos de idade,
meus filhos quando pequenos também não estudaram porque no engenho
onde nós morava não tinha escola, e era tudo muito isolado, mas o meu
orgulho são meus netos que desde pequetitinhos tão na escola. (...) Assim a
vida deles será boa desde cedo, e a nossa mais tranqüila de ver eles
seguindo nas letras”
O depoimento torna muito claro que apesar do baixo índice de escolaridade os
entrevistados reconhecem a educação como uma forma de obter melhoria de qualidade
de vida. Demonstrando que orgulham-se de participar do processo de formação de
seus descendentes.
c) Saúde
65
Os entrevistados apontam o fator saúde como a chave para a continuidade de
seus negócios. A importância do acesso à saúde de melhor qualidade indica também a
possibilidade de uma “vida mais longa e mais produtiva”, onde seja possível
desenvolver o trabalho em suas terras pelo máximo de tempo possível.
“(...) Quanto mais saúde Deus me der,mais eu vou agradecer, porque um
homem com saúde é um homem rico. (...) Com saúde ele pode tudo, mas
quando cai doente vai depender da esmola dos outros”
Neste depoimento o Sr. Luiz confirma a importância da saúde para uma vida
completa, indicando que a falta da mesma pode causar dependência, cerceando a
possibilidade de ter uma vida com qualidade longa e produtiva.
d) Condições de Habitação
As condições de habitações explicitam muito sobre a realidade da vida desses
agricultores rurais, que demonstram em seus depoimentos ter consciência do bem-estar
que desfrutam ao residirem em habitações mais adequadas aos padrões básicos de
higiene e conforto.
A fala do Sr.João transcrita logo abaixo ilustra bem essa situação:
“(...) da casa de taipa só sobrou a lembrança, pra puder contar aos meus
netos quando tiverem mais velhos, e saberem que eles já nasceram no luxo,
tem banheiro com água dentro de casa, parede branquinha, esse piso que
passou pano e tá limpo, e se chover não tem goteira. (...) Ah, quando chovia
na casa antiga era uma túia de panela espalhada pelo meio da casa pra
aparar a água, a gente não podia nem cozinhar, (...) agora eu tô no bem
bom”.
A qualidade de vida indicada pelos entrevistados através deste tópico está muito
ligada a questão conforto, pois os depoimento demonstram claramente a possibilidade
de ter acesso as benesses da água encanada, do banheiro no interior das residências,
66
do piso fácil de higienizar, do telhado sem vazamentos, entre outros aspectos
relacionados ao bem-estar no lar.
e) Segurança
Muito embora este conceito abranja vários aspectos como indicado na
previamente referida Teoria de Maslow, os entrevistados o usaram para indicar apenas
segurança contra a violência urbana.
“(...) a moça me desculpe mas eu não acredito que seja feliz lá na cidade
não, a gente vê na televisão é todo dia o dia todo aquele horror de gente
morrendo, com medo, é cheio de grade pra todo lado, (...) vida é aqui, espie
mesmo se eu tenho muro, tenho não, porque aqui não precisa, a gente bota
um ferrolho na porta,mas só de noite, o resto do dia é tudo aberto, as
crianças correndo para todo lado, aqui não tem aperreio não. (...) Olhe em
tenho um casal de pavão, eles saem pra passear, passeiam, passeiam,
depois alguém encontra eles e mandam me avisar para eu ir buscar, aqui
não se tira nada que é dos outros não, até fruta quando a gente quer a gente
pede, aqui é bom de morar, quando a moça quiser venha passar uns dias
aqui com nós, e depois não vai mais querer voltar pra lá não”.
A fala do Sr. Deda indica claramente a compreensão sobre as vantagens de se
viver longe dos centros urbanos, o que para eles representa um indício muito forte de
privilégio em comparação com a vida dos moradores das grandes metrópoles.
f) Proximidade da Natureza
Há consciência, por parte dos integrantes desta comunidade, da importância da
proximidade da natureza para se obter uma vida de melhor qualidade, e em
contrapartida há também a compreensão da preservação ambiental, como meio de
perpetuarem o ambiente em que vivem.
67
A fala do Sr. Manoel ilustra o respeito pela natureza:
“(...) A minha parcela podia ter uma área produtiva maior, mas quando eu
cheguei aqui, logo depois, o fazendeiro aí do lado botou abaixo o resto de
mata que tinha pra poder plantar cana, aí os bichinhos que viviam lá
correram tudo pra cá, pro meu pedaço de mata, aí veio cobra, sapo, preá,
passarinhos, e eu não tive coragem de tirar a mata porque do outro lado é
estrada, se eu acabo com tudo para onde é que eles iam? Aí eu resolvi que
não ia mexer, vez em quando eu vejo eles tudo correndo aí dentro”.
O próximo relato refere-se ao privilégio que os entrevistados consideram ter
sobre os residentes dos centros urbanos, que os permite ter acesso a uma alimentação
mais saudável, respirar o ar puro do campo, curar possíveis indisposições ou até
mesmo doenças mais graves com remédios caseiros como chás de ervas colhidas em
suas terras.
“ (...) Tá achando a minha cara boa é? Pois sim, é porque aqui no campo a
gente não se acaba tão cedo não, porque num clima desses a gente não
pode se acabar tão cedo, a natureza contribui também com o nosso
desenvolvimento, agente aqui não tem aperreio com nada, o clima é bom, o
ar é puro, a comida é mais saudável,até o céu aqui tem mais estrelas. (...) A
gente vai se aborrecer com o que aqui ? E quando vem ter uma gripe ou
coisa parecida, tem sempre uma folhinha de algum pé de planta que sirva
para passar. (...) Só é Deus e a natureza, eu mesmo não saio daqui é nunca,
só mesmo quando morrer e é porque os outros vão me levar porque por
gosto eu não vou não.”
Assim, e da mesma forma como já citado na fundamentação teórica para
Herculano et. al. (2000) o conceito de qualidade de vida agrega a questão ambiental
aos demais itens hoje mensurados pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH),
corroborando então com importância dada por esta comunidade a proximidade da
natureza, onde eles possam desfrutar de um ar mais puro, alimentos mais saudáveis e
cooperarem com a preservação de ecossistemas naturais.
68
g) Participar de uma associação de moradores pró-ativa
Esta indicação refere-se ao fato dos entrevistados terem a presença de uma
associação de moradores que é presidida por uma líder comunitária extremamente
ativa quando se trata de defender os interesses da comunidade.
Esse sentimento de ter alguém que lute pela melhoria do local onde vivem, e que
vá em busca de oportunidades interessantes para comunidade, alguém em que se
possa confiar e seguir seus passos, traz para os entrevistados uma confiança de ter
com quem contar.
“... Graças a Deus dona Madalena olha por nós, nunca que a gente vai
deixar ela sair da presidência da associação, porque se tem uma glória na
vida é saber que a gente vive em um lugar organizado como este, em vista
das outras comunidades que tem aqui em Goiana, isso aqui é um paraíso e a
gente deve a ela e à associação que trabalha sempre melhorando a nossa
vida aqui.”
A colocação do Sr. Edimilson demonstra a sensação de conforto diante da figura
paternalista de Dona Madalena, que assume o papel, de orientadora, guia, educadora,
protetora, suprindo uma carência típica de um ser humano que se desenvolve distante
dos cuidados familiares, da formação escolar e da aceitação da sociedade.
Buscando interligar os relatos dos entrevistados com a literatura citada sobre
qualidade de vida, realmente não há um termo que se apresente com a mesma
nomeclatura que os eles utilizaram para explicar este último item. Contudo Allardt
(1975) apud Nussbaun; Sen (1993) usa o verbo AMAR para esclarecer que qualidade
de vida também agrega o relacionamento com outras pessoas e a formação de
identidades sociais, inclusive através da união e contatos com a comunidade local e
com companheiros em associações e organizações.
69
4.3 O Microcrédito como Gerador de Melhoria de Qualidade de Vida
Após analisada a compreensão de qualidade de vida, sob a ótica dos
entrevistados da comunidade Diamante, seguimos com uma correlação para entender
quais melhorias de qualidade de vida foram alcançadas por eles em decorrência do
microcrédito.
Em primeira instancia perguntamos aos entrevistados sobre a influência do
microcrédito em suas vidas, ao que obtivemos respostas completamente opostas.
Assim conseguimos encaixar os 16 entrevistados em dois grupos distintos:
Grupo 01 – Os 14 entrevistados deste grupo corroboram com a idéia de que o acesso
ao microcrédito foi de extrema relevância para a melhoria da qualidade de suas vidas.
Grupo 02 – Os 02 entrevistados deste grupo indicam por várias razões descritas
posteriormente que o acesso ao microcrédito não só não proporcionou melhoria de
qualidade de vida, como chegou até impingir uma piora relativa.
Na seqüência estão dispostos os relatos dos entrevistados do grupo 01 sobre
como o microcrédito influenciou positivamente o processo de melhoria de qualidade de
vida.
De todos os aspectos de qualidade de vida elencados pelos integrantes desta
comunidade, apenas dois não tem seu alcance atribuído ao microcrédito. São eles o
aspecto Segurança e uma Associação de Moradores Pró-ativa.
Contudo esses itens não têm por isso uma menor representatividade na
composição do quadro que demonstra qualidade de vida.
É interessante observar também que ao analisar os benefícios trazidos pelo
microcrédito, surgiram dois novos aspectos que não compunham o conceito de
qualidade de vida estabelecido pelos entrevistados: Acesso a Bens de Consumo e
Perspectiva de Crescimento dos Negócios
70
Indicativos de melhoria de qualidade de vida do grupo 01
Tranqüilidade em relação à sobrevivência
Os entrevistados, neste caso, são essencialmente homens do campo, como eles
mesmos preferem ser denominados, que desenvolveram durante anos a prática de
plantio de alguma cultura ou criação de algum animal para os seus antigos patrões,
proprietários das terras onde eles trabalhavam e viviam com suas famílias.
A realização para vários deles era poder ter seu próprio pedaço de terra, forma a
que referem-se quando tratam de explicar sobre propriedades, de onde pudesse retirar
o seu sustento.
No momento em que essa comunidade foi formada e os seus integrantes
receberam cada um 2 hectares de terras cultiváveis, perceberam que um fator adicional
os impedia de desenvolver algum trabalho produtivo nessas terras, a ausência de
recursos financeiros para iniciar e manter a plantação ou criação.
Esse fato era tão decisivo para o êxito da independência desses indivíduos como
trabalhadores autônomos, quanto a própria posse das terras, já que as mesmas são
frequentemente arrendadas para propiciar o plantio ou criação temporárias, prática
muito comum na área rural.
A ausência dos recursos financeiros implicava na impossibilidade de cumprir etapas
necessárias para realizar o plantio ou criação, como por exemplo o preparo antecipado
das terras com nutrientes que porventura sejam necessários para melhorar o nível de
produtividade, aquisição de material para trabalhar nas terras, os sistemas de irrigação,
as sementes, e em caso de criação a compra de matrizes ou reprodutores, e animais de
recria, ração, vacinas, e outros implementos importantes nessa atividade. Adicione-se a
isso, o tempo necessário para colher os resultados, no período em que o trabalhador
não tem outra fonte de renda, já que é ele a própria mão-de-obra deste trabalho.
71
Diante deste panorama os trabalhadores, agora patrões, compreendem que não
é possível gerir qualquer negócio por menor que seja, sem recursos para investir, nem
mesmo possuindo as próprias terras.
As falas transcritas abaixo demonstram que os entrevistados têm consciência da
importância do acesso a algum tipo de crédito e o reconhecem como fator impeditivo ou
indutor do sucesso do seu trabalho , instrumento de fomento a sobrevivência de cada
unidade familiar.
“(...) Olhe eu dou Graças a Deus de o governo ter dado essa terrinha para
nós que traz o nosso futuro para frente, que é o melhor futuro ter uma
terrinha porque nunca se acaba, agente se acaba mas a terra prospera pra
família toda, e se a família souber guardar isso aqui, isso aqui vale mais do
que ouro........ Aqui agente trabalha no que é da gente, aqui hoje eu tenho 25
pés de manga, mais de 20 pés de caju, 70 pés de côco, fora minhas
lavouras, e isso tudo contribuiu para o nosso futuro para frente, por isso eu
agradeço primeiramente a Deus, depois aos nossos governantes que me
deram essa terrinha e depois a Dona Madalena que me ajudou a tirar o
crédito lá com os homens do banco, porque com ele eu pude trabalhar na
minha terrinha”
O depoimento do Sr. Nino ilustra o sentimento de vitória que se apresenta quando
eles descrevem com muita felicidade a situação de fartura alimentar que eles desfrutam
no momento, e atribui as benesses desta nova fase de sua vida ao microcrédito, que só
foi possível através do apoio prestado pela associação dos moradores, representada
pela figura da presidente Dona Madalena.
“(...) Eu tirei o dinheiro do crédito aí melhorou mais a condição, porque eu
não podia trabalhar sem ter nem um centavo. Com esse dinheiro eu
trabalhando e crescendo e aumentando a produção, quer dizer que tem
72
melhor futuro o camarada que sabe um empréstimo quanto vale, porque vale
muita coisa, agora para quem não compreende um empréstimo não vale
nada porque quando pega no dinheiro só quer gastar, mas se ele for certinho
ele vai para frente, mas agora gastou, avoou aquele empréstimo ele não vai
porque vai ficar devedor do banco. Olhe eu vou dizer um negócio a senhora,
o banco empresta o dinheiro prá nós, e nós devemos aceitar e depois temos
que pagar, porque se a gente não paga, aí vem outro camarada e também
não paga, o banco não pode contribuir para todo mundo não, porque vai
secar o dinheiro se acaba. (...) Não pode ser assim, nós deve contribuir tudo
certo, nós deve andar direito, se tem algum problema vai lá fala com o
gerente, explica, paga um pedaço primeiro depois paga o outro, faz um
acordo, e quando dá fé ta tudo pago, aí tem direito a um novo crédito
novamente. Se todos pensassem como eu o Brasil era outro, mas muita
gente quer tirar só pra si, a í o banco vai e deixa o empréstimo mais caro,
prejudica a gente mesmo, (...) e a gente tem que pensar na família que fica,
para que um dia na precisão eles também tenham direito ao crédito, é melhor
pagar direitinho pra que isso nunca acabe e tenha o que é bom pra todo
mundo ”.
É interessante observar que em seu depoimento o Sr.Manoel tem a consciência
da importância do uso adequado dos recursos, inclusive a percepção da
responsabilidade que cada tomador de crédito tem para manter o serviço funcionando,
com taxas de juros baixas e volume de dinheiro disponível para empréstimos. Essa
forma de pensar demonstra o respeito à coletividade, compreendendo que as escolhas
individuais repercutem positiva ou negativamente no caminhar da sociedade.
Capacidade de produzir o próprio alimento e se sustentar
Os entrevistados atribuem ainda, ao microcrédito a possibilidade de produzirem
seus próprios alimentos, afastando da família o estigma da fome, ou da contenção de
alimentos. Além disso demonstram que os financiamentos levaram para eles a
73
possibilidade de investir em pequenos negócios que se tornem a fonte de renda da
família, e que sejam desses negócios que eles se sustentem com dignidade e
perspectivas de crescimento.
É interessante destacar a fala da Sra. Ana sobre a fartura de alimentos em
contraposição a fome vivida, anteriormente ao uso do microcrédito.
“ (...) Eu vim do nada, hoje pode abrir ali a minha freezer que você vai ver
que 30 pessoas comem, mas antes em um dia como o de hoje (sábado) eu
só tinha um peixinho assado, e era aqueles peixinhos pequeninitos,
comprava um peixinho salgado bem magrinho daqueles que não tem nome,
o que sobra na feira, o que ninguém quer, nem os bichos querem. Era isso
que eu tinha dia de hoje para comer, e lá dentro tinha uma galinha do pé
seco, que é aquelas galinhas bem magra do pé duro, que ficava lá amarrada
no canto que era para almoçar no dia de amanhã que era domingo. A partir
de segunda-feira em diante era cuscuz com leite puro, meio dia (almoço) na
semana que tinha uma sobra eu comprava meio quilo de charque, para
passar a semana, e era muito, eu hoje compro10 quilos de charque e não dá
pra 15 dias. Essas coisas feito queijo, manteiga, presunto, nada disso agente
conhecia, não sabia nem o que significava. Hoje eu sou rica, tem comida
farta aqui, eu nunca provei mas já sei até o que é caviar.”
E a do Sr. Deda que além de garantir o sustento da família, investiu em
pequenos negócios, ultrapassando a economia agrária. O comércio como correlato,
passou a fazer parte da atividade dessa família.
“ (...) Hoje meu padrão de vida em relação a vida que eu vivia antes do ano
de 2000 é muito melhor, hoje eu tenho ovos de capoeira que eu vendo muito
bem, e tudo isso aqui eu consegui através dos financiamentos juntamente
com a associação, eu tenho meus carneiros, tenho meus coqueiros de onde
74
eu tiro água de côco para vender aos meus clientes aqui e isso ajuda a
minha renda, tem minhas fruteiras que eu vendo, faço doce, até os pés de
pupunha que eu plantei já estão me dando lucro, os clientes já chegam aqui
final de semana procurando pelas pupunhas, e muitas coisas dessas vão me
ajudando. Agora mesmo peguei mais um financiamento para plantar sapota
e pinha que são duas frutas caras e a quantidade que produzir dela vai
vender, agora mesmo plantei o limão tahiti e deu certo, porque repare
mesmo, hoje chega um cliente aqui no meu restaurante querendo um limão
eu tiro da minha própria terra, eu não vou mais pra feira comprar R$ 5,00 ou
R$ 6,00 de limão, aí tudo isso vai ajudando o camarada a crescer, e todas
essas coisas que eu tenho aqui hoje elas só chegaram depois dos
financiamentos.”
As informações acima ilustram o potencial construtivo que o acesso ao crédito,
aliado a alguns outros fatores, teve na vida dos integrantes desta comunidade.
Habitação Adequada
Ao chegarem nesta comunidade, os moradores conseguiram através da sua
associação financiamento para construção de habitações populares para as famílias
que lá iam passar a residir.
Esse financiamento só conseguiu garantir habitações simples e pequenas, que
não comportavam todos os membros da família decentemente. Ao ter acesso aos
microcréditos, que possibilitou o desenvolvimento de suas atividades agrícolas, os
moradores usaram parte do lucro para investir em suas habitações, compreendendo
claramente a relação de uma boa moradia com a qualidade de vida. O dinheiro,
portanto, reverteu-se em ampliações, reformas, colocação de piso de cerâmica e teto
estucado, e em vários casos construções de outras habitações para presentear filhos e
netos, com o intuito de levar melhoria de qualidade de vida e manter a família vivendo e
trabalhando unida.
75
Quando Allardt (1975) apud Nussbaun e Sen (1993) Erikson (1987) apud Nussbaun;
Sen (1993)
avaliam o quesito Habitação, como indicador de qualidade de vida,
observam o número de pessoas por cômodo dentro de uma mesma residência e o
conforto doméstico, o que corrobora com o depoimento dos entrevistados que alegam
terem priorizado melhorias em suas habitações através de ampliações e reformas.
Ilustra Sr.Sebastião exemplificando o significado de uma melhor moradia
“ (...) A primeira coisa que eu fiz quando tive o meu lucro foi investir em
melhorar minha casinha (...) Hoje agente tem três casinhas aqui dentro a
nosso favor, porque lá onde morava antes a casa era de taipa, aí como as
coisas melhoraram meu filho que é casado já fez uma casinha pra ele, e
agora meu outro filho que é solteiro já fez também uma outra casinha pra ele,
aí já estamos com três casinhas dentro do sítio né, agente dá Graças a
Deus.”
Acesso a Bens de Consumo
Outro aspecto citado em concordância pelos entrevistados que sugerem
melhoria de qualidade de vida em decorrência do acesso ao microcrédito, foi a
possibilidade de ampliação do acesso a bens de consumo.
De acordo com Allardt (1975) apud Nussbaun e Sen (1993) o índice intitulado
Recursos Econômicos mensura qualidade de vida analisando pela ótica da riqueza e
renda do indivíduo, pois o autor considera esse índice um indicativo de capacidade de
compra.
Herculano (2000) ainda é mais objetiva quando sugere um índice denominado
Mecanismos de Acessibilidade ao Consumo para demonstrar a relação entre qualidade
de vida e acesso a bens de consumo
76
“... Na minha casa não tinha uma televisão, o que tinha era um rádio porque
não tinha energia, tinha somente um rádio velho, eu botava pilha quando
dava fé ela descarregava, e a pilha tava estourada, porque eu não podia
comprar uma pilha que a pilha era cara, e agora hoje em dia funciona uma
televisão aí, é geladeira é tudo, graças a Deus a gente tem, e se eu
prosperar mais tenho fé que antes de eu partir vou ter um carrinho na
garagem.”
Nessa descrição do Sr. Lourenço, constata-se que houve melhoria de qualidade
de vida através do aumento do poder aquisitivo e consequentemente do acesso a um
número maior de itens de bens de consumo. Ainda é possível perceber que o
entrevistado
nutre
uma
expectativa
de
prosperidade
em
relação
aos
seus
empreendimentos, expondo assim, a credibilidade que ele tem na oportunidade que lhe
foi oferecida através de recursos do programa de microcrédito rural do Pronaf.
Proporcionar Educação aos Filhos
Os entrevistados atribuem ao microcrédito a possibilidade de permitir que os
filhos estejam na escola por um período enquanto os pais trabalham e tem recursos
para manter a família. Muitos alegam não terem podido estudar na fase da infância e
adolescência por precisarem estar trabalhando pelo sustento, e agradecem o acesso ao
microcrédito pela possibilidade de oferecer uma vida melhor aos seus dependentes.
A comunidade atualmente desempenha um papel importante na educação dos
moradores, pois a associação conseguiu fundar uma escola que funciona nos três
turnos, pela manhã provendo a educação as crianças e adolescentes que estão na
idade escolar regular, a tarde aos adultos que estão fora da faixa escolar e a noite aos
idosos que já não acreditavam mais na possibilidade de freqüentar uma escola.
A existência de uma escola no local facilita o acesso à educação, mas não é
determinante para que o mesmo ocorra, pois se os moradores desta comunidade não
77
tivessem uma fonte de renda garantida para a família, necessitaria usá-la como meios
de obter o sustento.
Além disso, nesta comunidade a expectativa de futuro garantida pela educação
vai além do ensino básico, haja vista as várias famílias que já conseguiram ou estão se
preparando para proporcionar a continuidade da educação dos filhos e netos, em rumo
a uma educação superior ou curso técnico. A idéia é que esses jovens sejam
estimulados a estudar algo interligado com a área rural e possam trazer de volta para a
comunidade, através do conhecimento adquirido, inovação tecnológica que impulsione
aumento da produtividade, da qualidade do trabalho e proporcione o constante
aprimoramento das atividades desenvolvidas nesta comunidade.
Os depoimentos a seguir demonstram que os moradores desta comunidade
vêem a educação como fator decisivo de ascensão social e consequentemente de
melhoria de qualidade de vida para seus familiares
“(...) meus filhos tem agora condições de freqüentar a escola, graças a
comunidade que trouxe escola para os nossos desde 2000. Eu tenho um
filho formado já na leitura né, ele agora que terminou só ta para arrumar
emprego, mas ele é formado, e nós temos é que agradecer a Deus que ele já
tem um curso que vai abrir uma frente de trabalho pra ele, para ir mais para
frente também. Lá no lugar que eu morava antes de vir para cá não tinha
escola, não tinha nem um lugar para as crianças estudarem, aqui temos um
colégio para as crianças e aqui prospera tudo, porque daqui eles vão
prosperar.E quando tá mais velhinho pode ir para rua para terminar a escola,
e eu e a velha aqui ficamos felizes de puder sustentar a família enquanto
eles estudam, porque um dia isso tudo vai ficar para eles, e se Deus quiser o
banco vai continuar dando o crédito que é pra gente sempre prosperar mais,
é só pagar direitinho que vai ter.”
Nesse relato do Sr. Manoel percebe-se a importância que os integrantes desta
comunidade atribuem à educação como meio de ascensão social. No caso desta
comunidade em particular o elevado índice de acesso a educação, propiciou-se pela
78
infra-estrutura oferecida pela comunidade aliada a capacidade que o microcrédito gerou
aos chefes dessas famílias de tornarem-se os provedores dos filhos e dependentes,
cabendo a esses últimos, enquanto crianças e adolescentes, apenas a tarefa de se
dedicarem aos estudos.
“(...) Hoje nós temos formado aqui na comunidade biólogo, professor,
contabilista, e advogado. (...) Claro que alguns deles vão querer ter outros
trabalhos, mas o contabilista hoje trabalha para a associação, e tem seus
clientes por fora, como a advogada, que cobra caro para seus clientes de
fora, mas aqui dentro ela trabalha de graça, trabalha pela consciência de
ajudar a comunidade a crescer e prosperar com os outros que estão vindo”
(Sra. Madalena)
“(...) se meu pai tivesse tido a oportunidade de pegar esse crédito a 46 anos
atrás e eu ao invés de ter ido pra lida com ele tivesse ido pra escola eu não
era esse burro chucro de hoje, mas Deus quem quis assim, e me deu a
oportunidade de vir para essa comunidade tirar o crédito e puder mandar
meus filhos pra escola, (...) meus filhos se alembram que lá em Mangará não
tinha escola, por isso só vieram estudar mais velhinhos, mas meus neto são
meu orgulho, eu sei que eles vão pra frente e eu pude ajudar.” (Sr. Godo)
Este depoimento do Sr. Godo confirma a análise anterior afirmando que o acesso
ao crédito representou para estes entrevistados a possibilidade de proverem suas
famílias, não precisando contar com trabalho infantil, para se sustentarem. Essa
possibilidade de ajudar no desenvolvimento educacional dos filhos e dependentes foi
registrada pelos entrevistados como fonte de muito orgulho e prazer.
Acesso a saúde particular
Uma questão abordada por alguns entrevistados como dignificante foi a
possibilidade de em caso de necessidade extrema, ter acesso a serviços médicos
particulares.
79
De acordo com a Teoria de Maslow a necessidade de segurança pode ser
refletida na simples imagem de um plano de saúde, e apesar de nenhum dos
entrevistados desfrutar de plano de saúde, eles preenchem essa carência com a
garantia de poder pagar serviços médicos particulares nas disseminadas clínicas de
bairro, onde o preço é mais acessível e o atendimento mais digno do que na rede
pública de saúde.
“(...) Pra mim eu não ligo muito não, mas pras crianças de casa eu tenho de
guardar um dinheirinho para comprar as coisas das minhas queridas, porque
ainda não são casadas então contam tudo só comigo mesmo (...) mas tem
que regrar também porque quando elas pedem R$ 50,00 aí eu digo: - não
minha filha só tem R$ 20,00, porque se ela pedir os R$ 50,00 e eu der, pra
semana ela pede R$ 100,00, aí eu vou perguntar pra que tanto dinheiro ? Vai
pro médico ? e se ela responder que vai pro médico eu tô bebido, o jeito é
dar o dinheiro porque elas não querem ir para fila do hospital público, tá tudo
cheia de luxo, mas a mãe é que bota esses luxo, então o que eu posso fazer
? (...) mas fora de brincadeira eu dou graças a Deus de hoje poder pagar
médico particular para as minhas filhas, eu dou graças a Deus e a dona
Madalena que me mostrou o caminho da luz
para eu tirar esses
financiamentos e ter minha vida organizada aqui.” (Sr. Manoel)
O relato do Sr. Manoel confirma claramente que o acesso a serviços essenciais,
como por exemplo, saúde particular, aparece como mais um resultado positivo gerado
pelo microcrédito
Transporte
Outro indicador de qualidade de vida é o acesso aos meios de transporte que
permite o exercício do direito de ir e vir.
Por residirem fora do perímetro urbano, entrevistados esclarecem que não há
uma abundancia de transporte coletivo público como ocorre nas cidades, e recordam da
dificuldade que tinham antes de morarem nesta comunidade para conseguir se
locomover até o centro urbano mais próximo.
80
Mas apesar disso, hoje se tem condições de locomoção muito melhores do que
as que tinham antes de residirem nesta comunidade.
A situação atual já indica possibilidades de melhoria, inclusive através da
aquisição de transporte particular. O Sr. Trajano indica tal desejo em sua fala
“... Sabe qual o sonho que eu ainda tenho se mais eu prosperar aqui? É ter
uma daquelas caminhonetinhas, para levar os negócios para a feira para não
precisar mais pagar transporte a ninguém, porque a melhor coisa é botar seu
carrinho na sua garagenzinha, quando é de 05:00 horas vamos pra feira, não
vamos pagar nada para ninguém, quando der fé ta na sua casinha de novo
com o restinho que não vendeu na feira e pronto. Hoje podemos pagar o
transporte pra vim buscar nós e a mercadoria em casa, era melhor do que
antes no lombo do burro, mas ter uma caminhonetinha era ainda melhor.”
Já o Sr. Deda conseguiu realizar este desejo
“... O transporte não é problema aqui porque tem o carro da linha que faz o
percurso diário, e depois que eu cheguei aqui já consegui comprar o meu
carrinho próprio, agora eu terminei de pagar o do meu genro também, para
ajudar ele a progredir também.”
Vale ressaltar que não só o aspecto do acesso a um meio de transporte
particular de melhor qualidade está em foco, mas também o uso do mesmo para
alavancar os empreendimentos. Assim os entrevistados associam a posse do
transporte particular à independência e progresso, que foram possibilitados pelo acesso
ao microcrédito.
Perspectiva de crescimento dos negócios, com reinvestimento
Antes empregados, não pensava, como os negócios se desenvolvem.
O acesso ao microcrédito que em primeira instancia havia trazido a tranqüilidade
em relação a sobrevivência, a possibilidade da melhoria de qualidade de vida em
81
relação ao acesso a educação básica e profissional, saúde de melhor qualidade,
habitações mais adequadas as necessidades dos entrevistados, construções de novas
habitações para restante dos novos familiares, tornou-se insuficiente para a
comunidade, que foi em busca de ampliar seus horizontes.
Assim os financiados desfrutam do benefício de recorrer várias vezes ao
programa de microcrédito rural Pronaf, para buscarem recursos que lhes permitam
investir ou até mesmo diversificar seus microempreendimentos, melhorando sua
produtividade e propiciando uma maior estabilidade aos seus negócios rurais.
GRUPO 02
Por várias razões os entrevistados do grupo 02 tiveram problemas para
utilizarem os créditos conseguidos com o Pronaf adequadamente e estão ainda hoje em
situação de inadimplência. Para explicar como chegaram a tal situação os entrevistados
enumeram os problemas encontrados
1. A falta de orientação adequada por parte das instituições fornecedoras dos créditos
permite muitas vezes a escolha de decisões inadequadas.
O entrevistados alegam que as Instituições Microfinanceiras (IMFs) não se
preocupam em orientar corretamente os candidatos aos financiamentos, que apenas
oferecem um crédito fácil e rápido sem se quer explicar corretamente o que os
financiados devem fazer para gerir seus negócios.
A liberação dos financiamentos é aprovada mesmo sem um estudo adequado
para cada caso, que venha garantir que o projeto de financiamento escolhido é
apropriado para a região ou para as condições de plantio, cultivo ou criação que o
financiamento possa oferecer. Não leva-se em consideração, o tamanho das terras,
volume de água das terras, acesso as estradas para escoar a produção, as formas de
transporte, a superprodução da região para um mesmo produto, os custos de se
82
conseguir água, a contenção das chuvas, os lucros possíveis pelo volume de produção,
etc.
Essa prática pode desencadear o parco desempenho do programa refletindo
negativamente nos números de inadimplentes como explicita o coordenador do
Programa de Políticas Públicas de Projetos em Agricultura Alternativa, senhor Jean
Marc Von der Weid em entrevista concedida na III Conferência Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional, quando indica uma gestão inadequada do programa por parte
do banco ao afirmar:
Um problema do Pronaf B foi o fato de que em muitos lugares houve uma
pressão forte dos bancos para dirigir o crédito de determinadas atividades. Por
exemplo, criação de gado de leite. Houve uma enorme quantidade de projetos
nessa direção, não porque os agricultores quisessem, mas foi aquilo que os
bancos disseram que pagavam. E mais, caprino e bovino de raça de qualidade,
raças mais sofisticadas que não se adaptam a qualquer clima, e que exigem
condições de criação e de alimentação mais difíceis e que o agricultor familiar
não tem condições de manter. (DER WEID, 2007).
A explicação do Sr. Jean Marc Von der Weid apenas corrobora com as
informações do Sr. Severino que relata:
“... Os homens deram dinheiro pra vaca leiteira, mas como é que eu vou ter
lucro com vaca de leite em um pedaço de terra de 2 hectares? Não tem
pasto bastante para elas comerem (...) e elas comem demais, quase por dois
machos, não tem condições de eu ganhar nada assim. (...) eu peguei os
créditos porque o banco liberou pra vaca leiteira, mas eu me compliquei.”
Dessa forma os entrevistados criticam a liberação de projetos de financiamentos,
sem uma avaliação mais criteriosa de viabilidade, pois dependendo das condições de
cultivo ou de criação que o agricultor tenha para oferecer o empreendimento torna-se
pouco vantajoso ou até mesmo inviável.
02. Inadimplencia dos financiamentos
83
Pelas razões explanadas no tópico anterior os financiados se sentem
desamparados por terem se envolvido em uma situação da qual não tem condições de
suplantar.
Alegam piora na qualidade de vida, pois além de terem tido acesso aos pontos
indicados na seção que retrata melhoria de qualidade de vida, passam a ter que buscar
subempregos nos centros urbanos mais próximos, ou empregos temporário no corte da
cana de açúcar, para conseguirem o seu sustento e o da família,( tiram os filhos da
escola para que estes trabalhem também) e conseguirem pagar a dívida com o banco e
sair da lista de inadimplentes.
Além disso, existe latente nesse tipo de abordagem a idéia de que dinheiro
público é sempre um dinheiro que não precisa ser reposto, e que o governo sempre
deveria perdoar os devedores. Isso faz alguns agricultores acreditarem que o governo
deveria intervir por eles mesmo que seja necessário cobrir gastos com bancos privados
“(...) Eu tirei o financiamento para carneiro, mas eu precisava melhorar a
minha casa e resolver um probleminha financeiro, aí eu vendi os carneiros
para usar o dinheiro para essas coisas (...) aí chegou o tempo de pagar o
financiamento e eu não tinha o dinheiro, e aí meu nome tá sujo. (...) eu acho
que o governo podia perdoar porque pra mim é muito, mas pra eles esse
dinheiro é muito pouquinho, e eu só posso limpar meu nome se eu quitar as
promissórias. (...) Pegar crédito, nunca mais, isso só trouxe preocupação, e
agora que agente já ta meio idoso, sem muita disposição pra trabalhar é que
não presta mesmo.” (Sr. Trajano)
Para prevenir essa distorção de foco, que existe há muito tempo na história
brasileira, julga Costa (2006) que é importante a compreensão por parte dos
agricultores, do que é de fato um financiamento rural, para que os mesmos possam
distingui-lo
de
programas
de
auxílio
financeiro
e
políticas
compensatórias,
intermediadas pelo Governo ou não.
O depoimento anterior retrata uma situação um tanto quanto comum na área
rural brasileira e registrada por (CERQUEIRA; ROCHA, 2002) que defendem a idéia de
84
que
a situação precária em que se encontram muitas dessas famílias torna o crédito
do Pronaf uma alternativa de sobrevivência. Nesse sentido, o crédito agrícola acaba
sendo utilizado não para investimento ou melhoria de produção, mas como uma
estratégia adicional de sobrevivência imediata dos pequenos agricultores que terminam
por utilizá-lo em atividades não-produtivas como despesas da casa, sustento da família,
saúde, e outras necessidades.
Nesse sentido é possível compreender que a opção que alguns dos integrantes
da comunidade Diamante fizeram para mudança de rumo da aplicação dos créditos, de
uma área produtiva para uma não produtiva, tem confluência com a atitude de outros
financiados que tiveram o mesmo resultado, a inadimplência.
Ao finalizar a análise de todos os relatos dos entrevistados, concluímos que sem
dúvida, para maioria deles o microcrédito foi um instrumento poderoso de geração de
renda e melhoria de qualidade de vida, no momento em que permitiu a esses
agricultores rurais a proximidade dos indicadores que eles consideram essenciais à
uma vida de qualidade.
4.4 Investimentos Auto-Sustentáveis ?
A auto-sustentabilidade a que se refere este trabalho não tem seu foco nas
instituições microfinanceiras, sejam elas com ou sem fins lucrativos, assunto a respeito
do qual já foram realizados vários estudos. A observação agora é focada no tomador de
créditos, com o intuito de avaliar se nessa comunidade os financiados conseguiram se
tornar independentes, ou auto-suficientes, depois de terem tido a oportunidade de
acessarem valores em dinheiro para investir em negócios que deveriam prosperar e
proporcionar que esses financiados passassem a ter um meio de sustento que gerasse
lucro e lhes dessem oportunidade de prover a família, pagar os empréstimos e
continuar com seus negócios.
85
No intuito de responder essas questões, foi perguntado aos entrevistados se
esse programa de microcrédito trouxe para os mesmos a possibilidade de se autosustentarem.
Na pesquisa de campo realizada os entrevistados relataram que o acesso ao
crédito é sem dúvida alguma um item importantíssimo para os mesmos atingirem a
meta de se auto-sustentarem ou se proverem de recursos para a geração de renda no
futuro, sem a necessidade de mais financiamentos bancários. Contudo, ficou claro que
o programa de microcrédito rural do Pronaf, sob a ótica dos entrevistados, deveria
redirecionar sua forma de gestão. Abaixo seguem observações, tanto com elogios
quanto com críticas ao programa no intuito de indicar possíveis caminhos a autosustentabilidade dos agricultores familiares.
Entre os benefícios gerados pelo programa e percebidos pelos entrevistados
estão os seguintes
A oportunidade que se dá a alguém que não tem nada para oferecer como
garantia de ressarcimento dos empréstimos .
Acostumados
a
sentirem-se
excluídos
da
sociedade,
os
entrevistados
demonstraram enorme satisfação em poder participar como cidadão, com direitos e
deveres, de um programa, que tem o intuito de promover a geração de renda para
famílias agrícolas. O importante é que não funciona como uma política assistencialista
que ofereça apenas doação, quando tudo que eles precisavam era de uma
oportunidade para mostrarem seu potencial produtivo.
De acordo com Vieira (2006) realizar um empréstimo no banco significa muito
para agricultores familiares, frequentemente excluídos da sociedade. De alguma
maneira esses agricultores se sentem importantes e orgulhosos de si mesmos, além de
nutrirem o sentimento de que o governo está acreditando que eles são capazes de
responder aos possíveis estímulos proporcionados pelo acesso ao crédito. O aumento
da auto-estima dos agricultores familiares dá ao Pronaf B o mérito de estar contribuindo
com a possibilidade dos seus beneficiados reagirem a um processo que, para muitos,
os condenariam ao atraso social e à inviabilidade econômica. Assim o impacto deste
86
programa não pode ser visto apenas sob o aspecto econômico, pois ele resgata a autoestima de um numeroso grupo social de áreas rurais pobres do nosso país.
Oferecer uma oportunidade para os mais pobres poderem ter uma fonte de
renda, sustentarem a família e deixarem herança para que os filhos possam garantir o
sustento através do trabalho
Condições de pagamento e taxa de juros bem acessíveis, possibilitando que os
empréstimos sejam quitados, sobrando ainda dinheiro para sustentar os familiares e
reinvestir na incrementação dos negócios.
“... A oportunidade é boa, pois é que nem o camarada que tira o empréstimo
de um garrote desses, o melhor negócio do mundo, o cabra tira três garrotes
são 1.500 contos, o cabra que sabe tratar dele direitinho, com a venda de um
ele vai pagar ao banco e fica com dois de lucro, é bom”
“... O banco empresta já sem correção monetária, sem juros quase,
empresta um dinheiro muito bom, baixa o preço para bem pouquinho pra
gente poder pagar, então a gente deve cooperar com o banco, já que eles
cooperam com a gente, uma mão lava a outra”
“ Uma vez teve um crédito pequenininho que eu peguei, e eu pensei isso é
que vai dá bom pra mim, mas olhe na hora de pagar eu paguei tão
tranquilamente ao banco, mas tão tranquilamente, ainda fiquei com uma
cesta básica, um carro de mão de lucro e mais o lucro de dinheiro, porque
como eu paguei antes da data quando eu fui pagar, o preço foi mais baixo do
que o valor que eu tirei.”
87
Os depoimentos acima retratam que os financiados acreditam serem
beneficiados pela taxa de juros cobrada pelo Banco do Nordeste, instituição que lhes
concede os créditos, indicam que o dinheiro que eles pegam emprestado é muito
barato, e que com a taxa de juros cobrada torna-se viável a utilização desses
empréstimos continuamente.
A percepção que alguns entrevistados têm sobre os baixos juros cobrados pelo
banco, vem da comparação que os mesmos fazem com empréstimos informais a que
tiveram acesso, anteriormente quando eram absolutamente excluídos dos sistema
financeiro brasileiro, através de agiotas que cobravam juros bem mais elevados.
Críticas ao programa de microcrédito Pronaf
Um trabalho realizado por Guanziroli (2007), reúne as pesquisas realizadas
sobre o Pronaf em âmbito nacional no período de 1996 até 2006, ou seja os dez
primeiros anos de sua atuação.
Este trabalho apresenta os problemas levantados pelos pesquisadores e
descreve quais os fatores que influenciam negativamente o processo de geração de
renda dos agricultores, impedindo muitas vezes a quitação do empréstimo rural:
1) Falta de Assistência Técnica:
O tamanho do corpo técnico das instituições oficiais de assistência técnica, seria
insuficiente para dar orientação individualizada aos agricultores, o resultado sendo a
padronização dos projetos e o escasso acompanhamento técnico, restrito na maioria
dos casos a visitas de fiscalização para a liberação de novas parcelas
2) Dificuldades no Gerenciamento dos Recursos de Crédito:
A ausência da instituição credora na atividade de auxílio ao gerenciamento dos créditos
recebidos pelos agricultores, abre margem para que esses recursos em alguns casos
não sejam aplicados integralmente na atividade programada. O agricultor realiza
economias na adubação e tratos culturais, por exemplo, seja porque existem muitas
88
carências de investimentos em outras atividades produtivas na mesma propriedade
agrícola ou por falta de condições de sustentar a família até que o projeto comece a dar
retorno. Essa situação diminui a possibilidade de pagamento dos créditos.
3) Falta de Visão Sistemica dos Técnicos:
Existem divergências entre a avaliação feita pelos técnicos de como o projeto deve
proceder e a forma de plantio ou criação, muitas vezes, praticada a décadas pelos
agricultores
4) Falta de Integração dos Mercados, de Estrutura de Comercialização e de Agregação
de Valor:
Há uma tendência de os técnicos focarem muito em aumento da produção e da
produtividade na hora de fazer os projetos para a liberação dos créditos, porém
muitas vezes a produção e a produtividade aumentam, mas os preços caem, e assim
os ganhos de produtividade são absorvidos pelos intermediários financeiros e
comerciais. Assim deveriam ser levados em consideração, primeiro as necessidades
sinalizadas pelo mercado, para depois produzir aquilo que tem demanda, adequando
o crédito necessário a realização dos projetos.
Durante as entrevistas com os integrantes da comunidade Diamante, os
problemas relatados Guanziroli (2007) foram também identificados pelos entrevistados
como obstáculos ao sucesso do programa de microcrédito Pronaf.
O que Guanziroli (2007) considera como Falta de Assistência Técnica, os
entrevistados traduzem como falta de orientação por parte da instituição microfinanceira
no sentido de indicar onde o candidato ao financiamento deve investir, levando em
consideração as características climáticas e comerciais da região, e a capacidade de
gestão do agricultor.
“(...) O homem lá do banco liberou o financiamento pra carneiro, igualzinho
ao projeto que ele fez pro seu Romildo lá do outro assentamento, que mora
no alto e tem a terra mais enxuta, mas só que o meu pedaço de terra fica
numa várzea, aqui em volta é muito úmido, se eu pegasse pra criar carneiro
89
aqui só era dá o tempo das chuvas pra eles morrerem todos, e aí como é
que eu ficava ?”.
O trecho acima mostra a percepção que o entrevistado tem sobre a importância
da instituição fornecedora do crédito realizar uma avaliação individual e mais criteriosa
antes de liberar os projetos para os financiados, ressaltado ainda que essa falha de
avaliação pode comprometer a capacidade de ressarcimento dos créditos
Em relação à Falta de Visão Sistêmica citada por Guanziroli (2007) os
entrevistados afirmam que vários funcionários das instituições microfinanceiras não são
treinados para compreender a realidade dos agricultores familiares e propor soluções
adequadas ao atendimento das suas necessidades.
Um outro aspecto citado na pesquisa como Dificuldades no Gerenciamento dos
Recursos de Crédito é identificado pelos integrantes da comunidade Diamante como a
necessidade de se capacitar os tomadores de créditos a lidar com empréstimos e a
gerenciar seus negócios.
O depoimento do Sr. Jairo destaca muito bem esse aspecto:
“... Pra quem não sabe pegar crédito a vida fica pior do que antes, o caso do
crédito é saber administrar ele, muitas vezes o camarada pega o crédito mas não
sabe administrar, põe o dinheiro na mão e acha que aquele dinheiro chegou
muito fácil e começa a gastar de qualquer jeito, pensando que vai ter muito prazo
pra pagar, quando dá fé acabou-se o prazo e o camarada não tem o dinheiro
para pagar ao banco. (...) Quem ajuda ao camarada a administrar é a nossa
própria associação, que está sempre presente orientando, explicando, fora que a
gente tem sempre as palestras que ocorrem aqui dentro da associação, mas o
camarada que é só, solitário, se complica, porque o banco não faz essa
orientação de pertinho, mas vai querer o dinheiro na data.”
É interessante destacar, como os moradores desta comunidade tem clareza da
necessidade de orientação para ajudar na gestão dos recursos financiados. No caso
da comunidade Diamante esse suporte é prestado pela associação dos moradores, e
90
tem sido muito bem aceito pelos seus integrantes, que o compreendem como um
diferencial competitivo. Ao observarem o resultado do acesso ao microcrédito em
comunidades circunvizinhas, os integrantes de Diamante valorizam ainda mais o
trabalho realizado nesta comunidade, mesmo acreditando que esta tarefa de apoio
deveria ser prestada pela instituição fornecedora de crédito, já que essa última também
é prejudicada quando o resultado do financiamento tende para a inadimplência.
Um último aspectos citado na pesquisa e também corroborado por integrantes da
comunidade Diamante é a Falta de Integração dos Mercados, de Estrutura de
Comercialização e de Agregação de Valor.
Sob este aspecto os entrevistados acreditam que não é feita uma análise prévia
pelas instituições microfinanceiras em relação a demanda dos mercados sobre os
produtos, liberando assim vários projetos similares para a mesma região.
Neste caso há um excedente de produção, que declinará os preços finais dos
produtos, diminuindo assim o lucro dos produtores, e consequentemente dificultando o
pagamento dos empréstimos.
“(...) eu mesmo não acho difícil vender meus produtos na feira, mas
também eu não pego crédito para plantar milho na época que eu sei que
todo mundo vai plantar, porque se não quando o camarada for vender o
dinheiro as vezes nem dá para cobrir as despesas. (...) eu planto cajá, que
aqui na região não tem, assim quanto eu tiver vai vender, agora tô pensando
também em plantar sapota, que é maior que o sapoti, e assim eu vou
plantando o que nem todo mundo tem.”
A percepção dos entrevistados é de que a diversificação dos produtos em uma
região deve ser praticada para harmonizar o mercado, diminuindo assim o risco de
prejuízo para os agricultores familiares.
Além dos aspectos elencados pelo trabalho publicado por Guanziroli (2007), os
integrantes da Comunidade Diamante ainda apontam mais um outro obstáculo ao
91
programa de microcrédito Pronaf, que é a dificuldade no preparo da documentação
adequada para ter acesso ao financiamento.
“(...) uma vez que eu pelejei para tirar o crédito, mas pelejei para tirar 100
cruzeiros, fui falar com dois senhores de engenho para me ajudar, porque
tinha uns negócios para assinar que eu não entendia, aí eles não ajudaram e
eu fiquei sem tirar, mas hoje é diferente, quando agente precisa do crédito
agente vai na associação e se reuni para tirar”
Demonstrando a dificuldade de conseguir romper a barreira burocrática para
acessar os créditos, entrevistados explicam que tinham muita dificuldade para
compreender e participar de um processo de financiamento.
Corroborando com esse aspecto Cerqueira e Rocha (2002) indicam que o
Pronaf, que tem como um dos objetivos democratizar o acesso ao crédito, é ineficiente
no que diz respeito à desburocratização dos financiamentos. Por mais simples que
possa parecer a trajetória de acesso aos recursos financeiros, há que se considerar que
ainda é um enorme obstáculo a ser vencido por um público-alvo com tão baixo nível de
escolaridade e não habituado a exigências bancárias.
O Modus Vivendi desta comunidade influencia no resultado da relação dos
financiados com o programa de mcirocrédito
De acordo com os entrevistados que afirmam terem tido melhoria de qualidade
de vida, existe um aspecto nesta comunidade que contribui de forma benigna e decisiva
para o sucesso de seus negócios: a existência atuante de uma associação de
moradores.
Constituída desde a formação da comunidade, a associação de moradores tem
presença atuante e forte na vida de cada família que integra a comunidade Diamante.
92
Das tantas atribuições que esta associação de moradores desempenha, três são
muito importantes para a compreensão da relação de sucesso que os integrantes da
comunidade têm com o programa de microcrédito rural Pronaf
1. Informar sobre existência dos produtos e serviços microfinanceiros
De acordo com a análise dos dados da pesquisa de campo foi em virtude da
associação dos moradores que os entrevistados tiveram acesso ao microcrédito. Eles
registram que antes de chegarem para viver nesta comunidade desconheciam a
existência desses programas de microcrédito ou mesmo tendo ciência dos mesmos
alegam não se sentirem capacitados para tomar a iniciativa de requerer os empréstimos
e cuidar de toda documentação necessária sem ajuda de ninguém.
Corroborando com essa apreciação Garcia (2003, p.- falta referencia) que conclui:
“Os agricultores familiares, em particular os que acessam o Pronaf B, jamais
serão atendidos adequadamente pelo sistema bancário na situação em que se
encontram, analfabetos, muitos sem documentação civil, com precária titulação
de suas propriedades ou até mesmo sem propriedades, sem nenhuma
assistência técnica e com baixíssima renda”.
Essa afirmação fortalece a idéia do quanto esta associação foi peça chave no
processo de melhoria de qualidade de vida de seus integrantes, quando tomou para si o
papel de guia e facilitador, construindo a ponte que liga os integrantes da comunidade
ao sistema financeiro brasileiro.
Os entrevistados ressaltam que talvez na data atual, este tipo de programa
esteja mais difundido, do que na época que esta comunidade começou a ter acesso
aos créditos (1996), e que talvez nos dias de hoje, mesmo as cidadãos com o perfil
semelhante aos dos moradores desta comunidade (trabalhadores rurais, muitas vezes
analfabetos, que vivem distante dos centros urbanos) tenham conhecimento mais
facilmente deste tipo de programa. Essa reflexão também é realizada por Costa (2006)
PROCURAR PÁGINA DO RELATO quando descreve a seguinte situação:
93
Habituados com a exclusão das políticas públicas, poucas vezes famílias pobres de
origem rural são despertadas ou estimuladas a empreenderem esforços no sentido de
modificarem sua trajetória de vida. A falta de informação, o isolamento e, muitas vezes, o
fato de estarem localizadas em áreas de acesso precário findam impedindo ou dificultando a
ação de mediadores que lhes possam conceder uma oportunidade de mudança nas
condições de vida.
Assim os entrevistados atribuem explicitamente o conhecimento do programa ao
esforço da associação dos moradores em buscar novas informações e oportunidades
que favoreçam todos os integrantes desta comunidade.
“... Mesmo que a terra fosse minha, morar aqui nesta comunidade foi melhor
do que morar isolado por muitas coisas, uma delas foi por causa do crédito,
aqui a gente tem o crédito para tirar aqui com a associação (...) foi com a
associação que a gente conseguiu o crédito, e se a gente tivesse lá onde
morávamos antes a gente não tinha tirado, que nem uma vez que eu pelejei
para tirar uma vez, mas pelejei para tirar 100 cruzeiros, fui falar com dois
senhores de engenho para me ajudar, porque tinha uns negócios para
assinar que eu não entendia, aí eles não ajudaram e eu fiquei sem tirar, mas
hoje é diferente, quando agente precisa do crédito agente vai na associação
e se reuni para tirar”
MP4 GravaçãoDomingo (1:00)
“ ... Eu sabia criar galinha e cabra que aprendi com meu pai, quando eu
cheguei aqui descobri através da associação que eu podia tirar um
financiamento para criar o que eu quisesse e melhorar de vida, e foi assim
com a ajuda de Dona Madalena (presidente da associação de moradores)
cheguei até o BNB fizemos um pequeno empréstimo, e assim comecei
tocando a vida aqui dentro e fui crescendo, e a associação sempre
informando a gente da disponibilidade de outros créditos, e assim eu
crescendo e hoje graças a Deus eu tenho minha vida padronizada, muito
melhor do que como era antes lá na região que eu vivia.”
94
“... a senhora não sabe como é viver isolado, lá onde eu morava não subia
um pé de gente não, como é que eu podia melhorar de vida daquele jeito ?
Agora aqui tem gente pra conversar e informar das novidades do mundo, a
situação melhorou muito quando eu vim pra cá”
2. Indicação da forma de uso dos financiamentos
Uma outra questão atribuída à associação dos moradores era ajudar aos futuros
financiados a decidir sobre que tipo de financiamento tirar, ou seja, ajudar a decidir
sobre em que tipo de negócios investir (plantações ou criações).
Durante as reuniões quinzenais da associação de moradores são apresentadas
sugestões de investimentos apropriadas às condições climáticas e comerciais da
região. Caso alguns dos integrantes se interesse por alguma das propostas é realizado
um estudo de viabilidade, modesto, mas sem dúvida funcional, e em seguida
apresentado para os interessados, para que os mesmos decidam se vão entrar neste
empreendimento coletivo ou individualmente. Agregadas ao estudo seguem as fontes
de informação consultadas para que os interessados em caso de dúvida possam
esclarecê-las.
A indicação da forma de uso dos financiamentos ajuda aos entrevistados
suprirem a carência no programa de microcrédito rural, indicado em Guanziroli (2007)
que aponta para a Falta de Integração dos Mercados, de Estrutura de Comercialização
e de Agregação de Valor, como um dos aspectos que pode levar à diminuição da
capacidade de ressarcimento dos créditos.
3. Capacitação
Uma das grandes críticas dos entrevistados aos programas de microcrédito, do
tipo que foi contratado pelos integrantes desta comunidade, Pronaf B do Banco do
95
Nordeste, é que eles não prestam assistência ao financiado no sentido de oferecer
capacitação sobre os negócios escolhidos.
Muitas vezes os financiados sabem na prática como trabalhar com cultivos de
diversas culturas ou criação de animais comercializáveis, mas isso não lhes dá
gabarito, apenas por ser trabalhador rural, para gerir negócios rurais.
Com isto os entrevistados demonstram a necessidade de serem capacitados por
profissionais, que possam instruí-los sobre a forma mais lucrativa de gerenciar seus
negócios, e assim diminuírem os riscos oriundos a gestão de qualquer negócio.
Toda essa lacuna é constantemente preenchida pela ação da associação dos
moradores, que atua promovendo, através de parcerias com instituições como UFRPE,
SEBRAE, SENAC, FIESPE, e ONG´s, capacitação profissional para os membros desta
comunidade.
Além dos programas de capacitação sobre técnicas de cultivo e colheita de
várias culturas, criação de animais, e produção de alimentos processados , eles
englobam também assuntos como escoamento da produção, reaproveitamento das
sobras, precificação, armazenagem, distribuição, reinvestimento, custos, e outros
tópicos que são indicados pelos moradores
A fala do Sr.Deda, reproduzida abaixo, nos dá a noção de como os programas
de gestão e capacitação são importantes para a melhoria das condições de vida do
homem do campo
“... Eu aqui produzo e comercializo dentro da minha própria parcela, mas isso
foi o Sebrae que me ensinou, a mim só não a todos aqui que freqüentam as
palestras que a nossa associação traz, repare mesmo, o Sebrae veio até
aqui dentro, deu o curso lá dentro da associação explicando como agente
deve fazer para escoar a nossa produção, para não jogar na mão do
atravessador (...) porque o atravessador chega aqui hoje e quer levar uma
galinha por R$ 6,00 enquanto eu posso pegar essa galinha e fazer R$ 25,00
96
nela, só depende do meu esforço, da minha força de vontade e de querer
aprender com sabe para me ensinar como fazer, o atravessador quer
comprar um côco por R$ 0,20, enquanto que eu posso pegar esse côco
despejar a água dentro de umas garrafas botar na freezer e quando o meu
cliente chegar aqui eu vender um copo de água de côco por R$ 0,25, então
em um côco eu faço R$ 1,00, veja quanto eu já ganhei a mais, é assim que
eu vejo uma oportunidade de melhorar também mais rapidamente a minha
vida. (...) Eu escoou meu produto dentro da minha própria terra, mas isso foi
o Sebrae que me ensinou, até planta eu vendo aqui, minha esposa está
preparando os jarrinhos e agente deixa aqui exposto, aí quando os clientes
perguntam: - E aquelas plantinhas ali ? Aí eu digo é R$ 3,00, eles terminam
levando e o dinheiro vai entrando”
De acordo com os entrevistados o programa de microcrédito rural Pronaf tem o
mérito de conceder os créditos necessários ao investimento produtivo, com taxas de
juros e condições de pagamento que propiciam o ressarcimento dos empréstimos,
permitindo a inclusão dos agricultores familiares na sociedade através da geração de
renda. Contudo esse programa também tem falhas que sob a ótica dos integrantes da
comunidade, poderiam ter comprometido o desempenho de seus empreendimentos
agrícolas. Essas falhas foram na maioria dos casos superadas pelo apóio técnico e
operacional prestado pela associação de moradores existente na comunidade
Diamante.
Assim essa pesquisa conclui que o programa de microcrédito rural Pronaf
propiciou melhoria de qualidade de vida aos agricultores rurais que passaram a integrar
esta comunidade, e permitiu que através das várias formas de apoio oferecidas pela
associação de moradores, seu integrantes alcançassem o equilíbrio de seus
empreendimentos, que com o propósito de geração de renda permitisse aos
agricultores a auto-sustentabilidade financeira tão almejada.
97
É muito válido informar que após os vários trabalhos publicados a respeito dos
problemas ocorridos nos programas de microcrédito no Brasil na área rural, o Banco do
Nordeste inicia em 2004, através de projeto piloto, em dois municípios do estado do
Piauí, o Programa AGROAMIGO, o qual tinha como objetivo transformar o programa de
microcrédito rural do Pronaf, em uma opção de microcrédito produtivo orientado
(PMPO) focado na área rural.
A operação do AGROAMIGO segue em relação à finalidade, valor e formatação,
as mesmas regras do Pronaf. A grande diferença é o acompanhamento que se dá
através de assessores de crédito, cuja função é exercida por técnicos agrícolas,
devidamente treinados nessa metodologia, contratados através de uma OSCIP
(Instituto Nordeste Cidadania), com o papel primordial de prestar orientação e
capacitação técnica e elaborar com mais funcionalidade os projetos de investimento.
Em 2005 o projeto piloto foi aprovado, e essa nova metodologia começou a ser
disseminada para alguns estados onde o Banco do Nordeste (BNB) está presente,
atualmente o programa encontra-se cobrindo 50% dos municípios da região de atuação
do banco, com pretensão de em 2009 chegar a todos os municípios de sua jurisdição.
(INFORMAÇÃO VERBAL)4
4
Estas informações foram fornecidas pelo atual superintendente do Banco do Nordeste, o economista Francisco
Carlos Cavalcanti, através de entrevista direcionada para esta pesquisa.
98
5. CONCLUSÃO
Esta Dissertação buscou analisar o processo de organização da comunidade
rural Diamante, situada no município de Goiana, interior de Pernambuco, observando
como seus integrantes tiveram suas vidas modificadas após o acesso aos recursos
financeiros concedidos pelo programa de microcrédito rural do Pronaf.
As questões norteadoras convergiram para que os achados da pesquisa, após
analisados, respondessem se, nesta comunidade rural, o acesso ao microcrédito gerou
melhoria de qualidade de vida e garantiu meios de promover renda permanente para as
famílias, o que resolvemos chamar de auto-sustentabilidade do indivíduo.
Para obter essa resposta buscamos inicialmente entender que atributos os
entrevistados desta comunidade reconheciam como indicadores de qualidade de vida, e
assim chegamos a um escopo formado sob a ótica dos entrevistados que agrega os
conceitos de Tranquilidade em relação à sobrevivência, Educação, Saúde, Condições
de Habitação, Segurança, Proximidade da Natureza e Participação de uma associação
de moradores pró-ativa.
A importância da compreensão desses indicadores antecipadamente recaiu
sobre a necessidade de correlacionar quais deles foram alcançados após o acesso ao
microcrédito.
Feita essa correlação, identificamos que os financiados atribuem o alcance de
quase todos os indicativos de melhoria de qualidade de vida ao microcrédito, com
exceção do item que retrata “Associação de Moradores Pró-ativa”, ao qual atribuem a
presidente da associação Madalena Diamante, pelo esforço de trabalhar para
desenvolver, entre os moradores, uma cultura de coletividade e buscar oportunidades
de melhorias para todos os integrantes da comunidade.
Vale salientar, ainda, que ao indicarem quais as melhorias de qualidade de vida
que o microcrédito trouxe para os moradores, os mesmos ainda adicionaram mais dois
indicativos, aos quais não haviam feito referência anterior, nem incluídos em seu
99
escopo de qualidade de vida. Assim, apareceram a Capacidade de Produzir seu próprio
Alimento e se Sustentar, e o Acesso a Bens de Consumo.
Na visão dos entrevistados é explícita a importância do acesso ao programa de
microcrédito rural do Pronaf para o alcance dos indicativos de melhoria de qualidade de
vida.
Através
dos
créditos
concedidos,
os
financiados
principiaram
vários
microempreendimentos agrícolas que funcionaram como meio de sustento para suas
famílias.
O uso adequado dos financiamentos permitiu que essas famílias obtivessem o
retorno financeiro suficiente para pagar os empréstimos com as instituições
financiadoras e reinvestissem os lucros em seus próprios negócios aumentando assim
a saúde financeira dos empreendimentos e a possibilidade de sucesso.
Como o programa de microcrédito rural do Pronaf prevê a concessão de mais de
um empréstimo para os financiados que estiverem em situação de adimplência, os
mesmos se utilizaram desse benefício para continuarem implementando seus negócios,
aumentando sua capacidade produtiva e diversificando seus investimentos, de modo a
proporcionar maior solidez e sustentabilidade ao empreendimento.
O sucesso desses microempreendimentos abriu um leque de oportunidades
direcionadas ao consumo de bens e serviços, antes inacessíveis a esses agricultores
familiares. Os depoimentos dos entrevistados demonstram que os bens mais
consumidos foram os eletro-eletrônicos em geral, como geladeiras, televisores, DVDs,
telefones celulares, aparelhos de som, ventiladores, motocicletas, automóveis e
melhorias na habitação, e os serviços mais acessados foram os relacionados com
saúde, educação e transporte particulares.
Um achado revelador nesta pesquisa foi descobrir que, na comunidade
estudada, o programa de microcrédito rural do Pronaf teve uma relação de sucesso e
adimplência na grande maioria dos casos pesquisados, em contraposição aos registros
revelados por Guanziroli (2007) e Peraci (2008), que afirmam que programas de
microcrédito produtivo (sem ser orientado, como é o caso do Pronaf) têm um grande
índice de inadimplência,
100
Criticado sob alguns aspectos que foram apontados como responsáveis pela
diminuição da sustentabilidade dos empreendimentos agrícolas e, conseqüentemente,
do aumento da inadimplência, este programa teve suas falhas, identificadas nos dez
primeiros anos de atuação, reunidas e publicadas em Guanziroli (2007), que as
descreve como:
Falta de assistência técnica suficiente para customizar os projetos e
individualizar a orientação para os agricultores, falta de auxílio para o gerenciamento
dos créditos recebidos pelos agricultores, divergência entre a prática dos técnicos e dos
agricultores, falta de integração entre a demanda de mercado e o incentivo à produção.
Além dessas mesmas falhas também identificadas pelos integrantes da
comunidade Diamante, adiciona-se outra, que apesar de não ser co-responsável pelo
índice de inadimplência contribui para que um número menor de agricultores familiares
tenha acesso aos créditos, que é a barreira burocrática. Conseqüentemente, muitos
agricultores com baixíssimo nível de escolaridade, fixados em áreas rurais isoladas e
sem muito acesso à informação, não conseguem ultrapassar este obstáculo.
Contudo, o que representa um obstáculo para ser vencido individualmente pelos
agricultores familiares, é facilmente transposto pelos integrantes da comunidade
Diamante que se beneficiam do apoio e infra-estrutura criados por uma associação dos
moradores pró-ativa que, organizada em prol do coletivo, conseguiu suprir todas as
lacunas deixadas pelo programa de microcrédito rural Pronaf, proporcionando um
acesso mais fácil ao financiamento e alavancando o sucesso dos empreendimentos
rurais.
A atuação dessa associação de moradores traduz-se através da preparação dos
documentos necessários à retirada dos créditos, da indicação de investimentos viáveis
às condições climáticas e de comércio da região, da capacitação dos integrantes da
comunidade via cursos e palestras realizados em parceria com entidades aptas a
prestar esses serviços, como SENAI, SENAC, SEBRAE, UFRPE, e outras entidades
que porventura possam contribuir com a formação profissional desses agricultores
rurais.
101
Essas práticas permitiram a comunidade desenvolver um alto índice de
competência no que diz respeito à gestão de empreendimentos rurais, e assim
constituírem negócios que lhes permitissem se auto-sustentarem, proporcionarem uma
melhoria de qualidade de vida às famílias e compartilharem de perspectivas de um
futuro mais promissor.
Essa comunidade é uma exceção dentre tantas outras que se constituíram da
mesma forma que ela, em terras desapropriadas pelo governo para assentar famílias
pobres de origem rural.
Contudo, a visão de coletividade e cooperativismo de alguns integrantes
propiciou a formação de uma associação de moradores que atua na gestão dessa
comunidade.
Apesar dessa forma de agrupamento e de gestão ter sido constituída
informalmente e por iniciativa própria, obteve êxito.
Pelo mundo afora outras comunidades também se organizaram através de
associações de moradores e desenvolveram trabalhos para se auto-impulsionarem
criando uma atmosfera de cooperação mútua e de melhoria de qualidade de vida, para
os que dela participavam.
Foi focado no funcionamento de comunidades que se organizaram na tentativa
de, unidas, melhorarem suas vidas rompendo barreiras de exclusão social que surgiu o
conceito de Village Bank ou, como foi incorporado no Brasil, Crédito Comunitário.
O Village Bank foi criado com o intuito de prover famílias muito pobres com
pequenos
empréstimos
para
que
as
mesmas
pudessem
investir
em
microempreendimentos, propiciando assim condições de se auto-sustentarem,
melhorarem ou obterem sua fonte renda, adquirir ou melhorar suas propriedades e,
enfim, pudessem proporcionar melhoria de qualidade de vida a suas famílias.
Os Villages Banks, ou bancos comunitários, são modelos de serviços financeiros
que permitem às comunidades pobres fundarem suas próprias associações de crédito e
poupança.
102
Com sua primeira experiência na Costa Rica nos anos 80 desenvolveu-se como
alternativa ao crédito rural. Os bancos comunitários concediam empréstimos financeiros
e prestavam serviços de poupança para os integrantes da sua comunidade, sem a
exigência de garantias, o que promovia, entre outras coisas, a solidariedade social.
O banco que patrocinava esse projeto concedia um empréstimo ao banco
comunitário e este, por sua vez, concedia empréstimos individuais aos seus membros.
Os beneficiários integrantes da comunidade iniciavam com um pequeno empréstimo e
iam progredindo para atingir volumes maiores de recursos. O crédito era associado às
poupanças, pois o volume de empréstimos estava relacionado com a quantia que cada
beneficiário conseguisse poupar. As poupanças dos membros eram guardadas no
banco comunitário e emprestadas ou investidas para aumentar os recursos do banco.
Esse programa difundiu-se com sucesso em países da África, América Latina e
Ásia, como importante instrumento de política para redução da pobreza.
Um programa de grande atuação lançado no Brasil no ano de 2005 em parceria
com a Acción Internacional e tendo como piloto no interior do Ceará, foi o Crediamigo
Comunidade. A iniciativa segue a metodologia dos Villages Banks que pode ser
aplicada em áreas urbanas, semi-urbanas e rurais. Assim, eram constituídos bancos
nas comunidades, que queiram desenvolver uma cultura de coletividade, onde os
integrantes desejavam iniciar seus próprios negócios.
Nesse programa, os próprios integrantes se responsabilizam pela gestão do
negócio, decidem quem participará do banco, os valores de crédito a serem
concedidos, controle de recebimentos e pagamentos, cobrança das parcelas em atraso,
estímulo à poupança.
Por meio de orientação empresarial prestada pelos assessores de crédito, os
integrantes dos bancos são conduzidos a investir o crédito em atividades produtivas,
orientar e capacitar os financiados, formar poupança familiar, e discutir o norte do
empreendimento baseado nas questões de interesse da comunidade, conferindo ao
produto um forte conteúdo econômico e social.
103
Observando a essência do Village Bank, podemos encontrar várias semelhanças
com a forma de organização da Comunidade Diamante, que identificou desde cedo a
necessidade de assessorar seus integrantes a atingirem a auto-sustentabilidade,
oferecendo-lhes capacitação na gestão de seus pequenos empreendimentos, servindo
como apóio técnico na desburocratização do processo de tomada de créditos.
Além do exposto, o papel da comunidade tornou-se fundamental também para o
estímulo da formação educacional, e da compreensão da importância da coletividade
para o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade.
Por fim, e de acordo com o acima descrito, observa-se que houve melhoria de
qualidade de vida para os integrantes da comunidade Diamante decorrente do acesso
ao microcrédito, mas que o sucesso obtido por esses pesquisados, no que diz respeito
à manutenção dos créditos para geração de auto-sustentabilidade está estreitamente
ligado ao belo trabalho de suporte realizado por sua associação de moradores, que
vem ao longo dos anos funcionando como fio condutor para a transmissão de valores e
crenças no intuito de estabelecer uma cultura de cooperação de coletividade e de
superação dos obstáculos impostos pela exclusão social.
Sendo assim, esta Dissertação espera ter cumprido o seu objetivo, seja através
dos relevantes achados da pesquisa de campo, seja chamando a atenção para a
necessidade de pesquisas futuras e, finalmente, contribuindo para o oferecimento de
proposições de políticas, ao assinalar que programas de microcrédito rurais podem
funcionar com eficácia, desde que ocorra um esforço de se trabalhar conjuntamente
com comunidades rurais para vencer a barreira da exclusão social, mediante iniciativas
voltadas para a geração de renda através de empreendimentos auto-sustentáveis,
promovendo melhorias de qualidade de vida para seus integrantes.
104
REFERÊNCIAS
ALVES, S. D. S.; SOARES, M. M. Microfinanças – democratização do crédito no Brasil
atuação do Banco Central. 3.ed. Brasília: Banco Central, 2006.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. 1. ed. Lisboa: Edições 70, 2000.
BARONE, F. M.; LIMA, P. F.; DANTAS, V. et al. Introdução ao Microcrédito. Brasília:
Conselho da Comunidade Solidária, 2002.
BATEMAN, T. S.; SNELL, S. A. Administração: novo cenário competitivo. 6.
.ed. São Paulo: Atlas, 2006.
BAUER, M. W; GASKELL, G; ALLUM, N. C. Qualidade, quantidade e interesses do
conhecimento: evitando confusões. In: BAUER, M. W.; GASKELL, G. (Org.) Pesquisa
qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 1 ed. Rio de Janeiro:
Vozes, 2002.
BRASIL. Lei No 9.790 de 23 de março de 1999: dispõe sobre qualificação de pessoas
jurídicas de direito pivado , sem fins lucrativos, como Organização da Sociedade Civil
de Interesse Público. Brasília, 1999. Disponível em: http:// planalto.gov.br/casacivil.
Acesso em: 18 abr. 2008.
BRASIL. Lei No 11.110 de 25 de abril de 2005: institui o Programa Nacional de
Microcredito Produtivo Orientado – PNMPO. Brasília, 2005. Disponível em:
http://planalto.gov.br/casacivil. Acesso em: 16 abr. 2008
BRASIL. Resolução 59, de 25 de março de 1994: Autoriza alocação de recursos do
FAT.Brasília, 1994. Disponível em: http://www. mte.gov.br/se/codefat. Acesso em: 18
abr. 2008.
CARVALHO, C. E.; RIBEIRO, C. T. Do microcrédito às microfinanças: desempenho
financeiro, dependência de subsídios e fontes de financiamentos. São Paulo: Pucsp,
2006.
CASTRO, C. M. A Prática da Pesquisa. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1977.
CERQUEIRA, P. S. ROCHA, A. G. Agricultura familiar e o PRONAF:
elementos para uma discussão. Bahia Análise & Dados, Salvador, v.12, n 03,
p.105-17, dez 2002.
COSTA, F. B. PRONAF B: Peculiaridades de uma política de credito do nordeste rural
brasileiro. Natal: Associação Latinoamericana de Sociologia rural, 2006
105
DER WEID, J. M. V. Entrevista: economista analisa lições do governo Lula para as
poipulações do campo. In: CONFERENCIA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR,
3., 2007, Fortaleza-CE. III conferência... Fortaleza: [s.n.], 2007. Disponível em:
<http://www.asabrasil.org.br/int_interface/default_exibir_conteudo.asp?CO_TOPICO=12
70>. Acesso em 14 abr. 2008.
GASKEL, G. Entrevistas individuais e grupais. In: MARTIN, W. B.; GASKELL, G. (Org.).
Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som – um manual prático. Petrópolis:
Vozes, 2002. Cap. 3.
GIL, A.C. Como elaborar projetos de pesquisa. 3. ed. São Paulo: Atlas,1995.
GIL, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 4. ed. São Paulo: Atlas,1995.
GUANZIROLLI, C. E. Pronaf dez anos depois: resultados e perspectivas para
o desenvolvimento rural – 2006. Revista Economia e Sociologia Rural,
Brasília, Brasília, v. 45, n.2, abr/jun. 2007.
HERCULANO, S. C. A. Qualidade de vida e seus indicadores. In:
HERCULANO, S. C. et al. A. Qualidade de vida e riscos ambientais.
Niterói: Eduff, 2000. p.3.
JOHNSON, S.; ROGALY, B. Microfinance and Poverty Reduction. Oxford: University
of Oxford, 1997.
LACOMBRE, F.; HEILBORN, G. Administração: princípios e tendências. Rio
de Janeiro: Saraiva, 2006
LAKATOS, E. M; MARCONI, M. A. Fundamentos de metodologia científica. São
Paulo: Atlas, 2001.
LAROUSSE: dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Ática, 2001.
Oxfam, 1997.
MACÊDO, K. B. Empresa familiar brasileira: poder, cultura e decisão. Goiânia: Terra,
2001.
MATTEI, L. Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF):
concepção, abrangência e limites observados. In: ENCONTRO DA SOCIEDADE
BRASILEIRA DE SISTEMAS DE PRODUÇÃO, 4., 2001, Belém - PA. IV Encontro da
Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção. Belém: [s.n.], 2001. p.
MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento. 5. ed. São Paulo: Hucitec, 1998.
NAQVI, F.; GUZMAN, G. F. Microfinanças em foco. Revista de Administração e
Inovação, São Paulo, v.2, n.4, p.24-9, nov.2003/jan. 2004
106
NÉRI, M. Experimentando microcrédito: uma análise do impacto do crediamigo sobre
acesso a crédito. ensaios econômicos. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas –
EPGE, 2005.
NICHTER, S. et al. Entendendo as microfinanças no contexto brasileiro. Rio de
Janeiro: BNDES, 2002.
NUNES, S. P. O crédito rural do PRONAF e os recentes instrumentos de política
agrícola para a agricultura familiar. Boletim Eletrônico DESER, Curitiba, n.156, fev.
2007. Disponível em: <http://www.deser.org.br/boletim.asp>. Acesso em 18 abr. 2008.
NUSSBAUM, M. C.; SEN, A. The Quality of Life: a study prepared for world institute
for. Oxford: Oxford University Press, 1993.
PARENTE, S. Microfinanças: saiba o que é um banco do povo. Brasília:
Agência de Educação para o Desenvolvimento, 2002.
PERACI, A.S.Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf) completa 13 anos. Brasília: Departamento de Assistência
Técnica e Extensão Rural, 2008. Disponível em:
HTTP://www.pronaf.gov.br/dater/index. Acesso em: 09 jul.2008
RIBEIRO, C. T. Do microcrédito às microfinanças: desempenho
financeiro,dependência de subsídios e fontes de financiamento. 2004. Dissertação
(Mestrado em Economia Política) - PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo, São
Paulo, 2004.
RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999.
ROESCH, S. M. A. Projetos de estágio e de pesquisa em administração: guias para
estágios, trabalhos de conclusão, dissertações e estudo de casos. 2. ed. São Paulo:
Atlas, 1999.
SANDRONI. P. Dicionário de Economia do século XXI. Ed. Ver e atual. Rio de
Janeiro: Record, 2005.
SANTOS, A.R. Metodologia científica: a construção do conhecimento. Rio de Janeiro.
DP&A, 1999.
SCHIAVINOTTO, C. Microcrédito - o modelo Africano. [S.l.], 2004.Disponível em:
<http://www.alem-mar.org/cgi-bin>. Acesso em: 16 abr. 2008
SEIBEL, H. D. History Matters in Microfinance. Small Enterprise Development: [S.l.],
v.14, n.2, p.10-12, june 2003.
SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS – SEBRAE.
Microfinanças e inclusão social. Recife, 2005. Disponível em:
http://www.sebrae.com.br. Acesso em 22 mar. 2008.
107
SILVA, H. E. Microcrédito – Alguns conceitos básicos: o que é o Microcrédito. [S.l.],
2005. Disponível em:
http://www.geranegocio.com.br/html/geral/microcredito/mcred.html. Acesso em: 16 abr.
2008.
STAKE, R. E. Case Studies. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN. Y. S. (Org). Handbook of
qualitative research. 2. ed. London: Sage Publications, 2000.
TANURI,.D. M. J. As concepções e os instrumentos das políticas locais de
geração de emprego e renda e de qualificação profissional de empreendedores.
São Paulo: CESIT/IE/UNICAMP, 1997. (mímeo.)
VIEIRA, D. D. Identidade rural e agricultura familiar: O pronaf B sob a ótica
dos beneficiados. 2006. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Rio
Grande do Norte, Natal, 2006.
YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman,
2005.
108
APÊNDICES
109
APÊNDICE
Roteiro para Entrevistas
1. Como e quando o Sr.(a) chegou nesta comunidade ?
- Qual era o meio de sustento
- Onde residia
- Qual situação de vida antes de chegar nesta comunidade
2. O que o Sr.(a) entende por ter qualidade de vida ?
3. A sua convivência nessa comunidade lhe trouxe melhoria de qualidade de vida ?
4. Se sim, em que melhorou ? Quais os fatores que mais contribuíram ? Faça uma
sequencia de importância.
5. Se não, responder o que piorou ?
6. Explique como foi sua experiência com o micrcrédito.
7. Em que o Sr.(a) acha que o microcrédito interferiu na sua qualidade de vida ?
8. Questionar sobre os indicativos de qualidade de vida que não foram citados pelos
entrevistados.
9. A convivência nesta comunidade facilitou o acesso ao microcrédito ?
10. Se sim, explique como a convivência nesta comunidade facilitou o acesso ao
microcrédito.
11. O Sr.(a) gostaria de continuar tendo acesso ao microcrédito ?
12. O que o Sr.(a) mudaria no processo de tomada de crédito para melhorar os
resultados, tanto para quem recebe quanto para quem cede ?
Download

Microcrédito como ferramenta de melhoria de qualidade de vida na