"As sociedades árabes foram
sequestradas por extremistas"
D. Yousif Mirkis, Arcebispo Caldeu de Kirkuk, à Fundação AIS (Ajuda à
Igreja que Sofre)
Entrevista conduzida por Oliver Maksan, correspondente da Fundação AIS no Médio
Oriente. (03.07.2014)
Vossa Excelência, teme o fim do Cristianismo no Iraque?
Sim, muito provavelmente. Estamos em processo de desaparecimento, assim como
desapareceram os Cristãos na Turquia, na Arábia Saudita e no Norte de África. Até
mesmo no Líbano são agora uma minoria.
O que perderá o Iraque com o desaparecimento dos seus Cristãos?
A ecologia social seria destabilizada. Todas as sociedades necessitam de todos os seus
elementos. Vimos isto na Alemanha há oitenta anos: naquela altura um grupo também
foi excluído da sociedade. No Iraque, estamos a viver um novo 1933. Vejo muitos
paralelismos com a situação da Europa entre as duas guerras. Tal como havia
instabilidade na Alemanha antes de 1933, após a sua derrota na Primeira Guerra
Mundial, também o mundo Árabe tem vindo a fragmentar-se desde 1967. Nessa
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altura, os árabes perderam a Guerra dos Seis Dias contra Israel. As consequências têm
sido traumáticas até hoje. Assim, tal como a Primeira Guerra Mundial conduziu à
Segunda Guerra Mundial, a derrota de 67 é também a origem da actual crise.
Na qual os Cristãos, em particular, estão a sofrer.
Os Cristãos são parte de uma sociedade humilhada. Eles trabalharam arduamente e
deram a sua contribuição. Olhe para o Líbano ou para a Síria. E, claro, também aqui no
Iraque. É importante saber que não havia guetos cristãos no Iraque. Os Cristãos têm
estado presentes a todos os níveis da sociedade. Têm a maior taxa de alfabetização.
Antes de 2003, os Cristãos eram apenas 3% da população. E quase 40% dos médicos
especialistas existente eram cristãos. E a proporção de cristãos na área da engenharia
era exactamente a mesma. São factos impressionantes. Além disso, proporcionámos a
maior parte dos intelectuais, escritores e jornalistas. Eram pessoas educadas com uma
orientação ocidental. Os Cristãos eram o motor da modernização do Iraque.
Quais são as razões para esta grande contribuição?
As razões são históricas. As igrejas têm tradicionalmente mantido muitas escolas e
hospitais. Além disso, os Cristãos eram sempre pessoas de mente aberta, multilingues
e orientados para o Ocidente. Isso explica o elevado grau de escolaridade. Mas, com a
emigração permanente é evidente que estamos a perder o nosso dinamismo.
E o êxodo que tem acelerado nos últimos dez anos.
Sim, não é fácil ser cristão no Iraque hoje em dia. Antes de 2003, representávamos
cerca de 3% da população. Hoje somos talvez 1%. Como sabe, a história do Iraque é
uma história cíclica. Aproximadamente de dez em dez anos vivenciamos um novo
problema que leva a que os Cristãos queiram sair. Eu nasci em 1949, um ano depois de
Israel ter sido fundado. Foi um acontecimento traumatizante no Médio Oriente. De
seguida, o nosso rei iraquiano foi assassinado. Mas, os Cristãos viveram bem na
monarquia. Gozavam de liberdade. Depois, o assassino do rei, que se tornou
presidente do país, foi também assassinado. E o seu assassino teve o mesmo destino.
Depois, houve a guerra de 1967 contra Israel, a guerra Irão-Iraque e assim por diante.
Eu não sei se mencionei tudo. Mas tudo isso gerou instabilidade e emigração.
Mas é verdade que uma situação nova surgiu com os terroristas do ISIS e o seu ódio
aos Cristãos, não é?
Sim. Mas eu gostaria de colocar isso num contexto mais amplo. O antagonismo entre o
Ocidente e o mundo islâmico substituiu o confronto entre o Ocidente e a União
Soviética. É uma guerra entre o moderno e o retrógrado. Por exemplo, os salafistas
referem, até mesmo nos seus nomes, os antepassados do século VII, a quem desejam
imitar.
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A orientação mais ocidental dos Cristãos é também, certamente, uma razão pela
qual os extremistas têm tanto ódio contra a comunidade cristã. Concorda?
Sim. Isso é uma das causas. Mas os jihadistas não odeiam somente os Cristãos, mas
também todos aqueles que não concordam com a sua visão do mundo.
Mas como podemos combater intelectualmente esse extremismo?
Os melhores antídotos são o diálogo e a cultura. Quanto maior for a cultura de um país
menos suscetível é ao fanatismo. A minha esperança é a geração mais jovem. Eu
procurei sempre formá-los. Por exemplo, publiquei uma revista cristã não apenas
destinada aos adultos mas também às crianças. Nesta revista nós focámos sempre o
amor a Deus e ao próximo, e o respeito pelos outros. Cerca de 15% dos meus leitores
eram muçulmanos. Eles apreciavam a nossa acção e trabalho. O povo Iraquiano não é
naturalmente fanático. Mas, tal como o mundo islâmico, como um todo, foi
sequestrado por fanáticos. E agora não podem mover-se, estão como que prisioneiros.
Mas, devido ao número cada vez menor, terão os Cristãos força para conduzir este
diálogo e dar o seu contributo cultural?
Nós estamos em diálogo com a elite Muçulmana. Sempre que nos encontramos em
conferências, somos como irmãos. Mas o problema é que a própria elite iraquiana têm
sido marginalizada. De certa forma, tem ocorrido um massacre dos intelectuais ao
longo dos últimos anos. Por exemplo, desde 2013 mais de 180 professores
universitários foram mortos em ataques. Uma grande parte dos médicos especialistas
deixaram o país. Não somos só nós, Cristãos, que temos sido enfraquecidos, mas
também a elite Muçulmana. E isso tem consequências desastrosas.
Já se resignou com a derrota no Iraque?
Não, eu estou apenas a tentar ser realista. Mas ainda é a fé que traz a esperança. Eu
próprio não vou abandonar o país. Mas o que deverei dizer aos jovens que me
perguntam, nesta situação, porque razão devemos ficar? Nos últimos dez anos,
perdemos um bispo e seis padres. Além disso, há cerca de um milhar de fiéis que
morreram em ataques. Eu compreendo as suas razões. Nem todos têm fé e esperança.
Mas tendo em conta a actual situação no Iraque, que contribuição social podem dar
os Cristãos dar?
Temos de ouvir as palavras de Jesus e ser o sal da terra. A Diocese de Kirkuk está
agora, por exemplo, a preparar uma operação de emergência para fornecer alimentos
aos muçulmanos que fugiram para Kirkuk vindos das áreas ocupadas pelo ISIS. Esta não
pretende ser uma acção de proselitismo, mas eles têm de saber que os seus irmãos
Cristãos os amam e querem ajudá-los neste momento. Muitos fiéis estão a dar
donativos mesmo que para isso tenham de poupar. Este é o nosso papel.
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