"A minha diocese já não existe"
O avanço dos guerrilheiros do ISIS tem feito milhares de desalojados
entre os Cristãos Iraquianos. A Igreja Católica está a ajudar Cristãos e
Muçulmanos
por Oliver Maksan (02.07.2014)
“Ahlan wa sahlan. Bem-vinda.” É a saudação amável do Arcebispo Amel Nona a uma
mulher com véu que entra no seu escritório, muito ansiosa. Ele oferece-lhe um lugar
para se sentar. “Ela acabou de chegar a Tilkef a pé, vinda de Mossul, com um dos
filhos, à procura de segurança”, diz o Arcebispo Caldeu de Mossul, traduzindo as
palavras agitadas da mulher muçulmana. “Houve confrontos entre o Governo e os
rebeldes sunitas. Foi por isso que ela fugiu.” São apenas 3 km que separam Mossul e a
cidade cristã de Tilkef. Mas agora são dois mundos distintos desde que os islâmicos
radicais conquistaram a cidade. “Acolhemos todos com muito gosto quer sejam
cristãos ou muçulmanos”, diz Nona. “Isto é o que a nossa fé nos ensina: ajudar todos,
independentemente da sua religião. Deus ama todos. É por isso que devemos ajudar
qualquer pessoa que necessite da nossa ajuda.” De facto, a Igreja abriu as suas escolas,
creches e salas comunitárias não só aos Cristãos, mas também às famílias
muçulmanas. Em Alqosh, uma cidade cristã a cerca de 20 km de Mossul, recebeu 150
famílias muçulmanas, para além de 500 famílias cristãs. Em Tilkef mais de 700 famílias
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Tel. 217544000 | [email protected] | www.fundacao-ais.pt
de refugiados foram acolhidas, incluindo muçulmanos. A cidade está a rebentar pelas
costuras. Os refugiados ficaram alojados numa gráfica de literatura religiosa. Um
exemplo disso é o pai da família Habib, uma família de cinco pessoas. “Deixámos tudo
para trás em Mossul. Conseguimos trazer as roupas que estamos a vestir, documentos
e alguns sacos. É tudo o que nos resta. Não sei se alguma vez seremos capazes de
voltar”, disse o católico caldeu. Encolhendo os ombros diz “Não sei o que o futuro nos
trará."
O Arcebispo Nona sabe o que as pessoas estão a passar. Ele próprio é um refugiado.
Quando os terroristas jihadistas do ISIS assumiram o controlo de Mossul há três
semanas, ele e cerca de 5 mil cristãos fugiram da segunda maior cidade do Iraque.
Centenas de milhares de muçulmanos também tentaram encontrar protecção contra
os cruéis guerreiros sagrados. Estima-se que sejam cerca de 450 mil. A maioria
encontrou refúgio nas zonas curdas autónomas. “A minha diocese já não existe. O ISIS
tirou-me isso”, diz o arcebispo. De momento, e de acordo com as palavras do
Arcebispo Nona, três quartos de cerca de 10 mil membros da sua diocese estão em
fuga. “Eu não sei se alguma vez serão capazes de voltar a Mossul.” O estado de espírito
das pessoas é também muito sombrio. “Não há lugar para nós, Cristãos, no Médio
Oriente”, diz uma mulher que também fugiu de Mossul. Tem quatro filhos. “Para onde
deverão ir os meus filhos agora? Não há mais nada que nos mantenha no Iraque.
Primeiro, foi a guerra de 2003. Depois, a confusão que se seguiu quando nós, Cristãos,
nos tornámos o alvo dos fanáticos. E, agora isto. Nós queremos chegar ao Ocidente,
logo que seja possível.” Mas não tem ilusões. “Eu sei por familiares meus que não é
fácil começar uma vida nova. Mas pelo menos é seguro. Eu não quero que meus filhos
cresçam com medo."
Os bispos sabem muito bem o que a comunidade cristã pensa. No sínodo, que
terminou na semana passada, procuraram desesperadamente encontrar respostas
para a crise que o avanço do ISIS provocou. “Não é só a presente crise de refugiados”,
diz o Arcebispo Nona. “O problema é que, devido ao avanço do ISIS e às tensões entre
sunitas e xiitas, todos os Cristãos se sentem inseguros no Iraque. Os Cristãos perderem
a sua fé num futuro aqui.” Ao mesmo tempo, a sangria que a Cristandade iraquiana
sofreu, que remonta ao apóstolo Tomé, não é nova. O Arcebispo Nona calcula que
antes de 2003 viviam mais de 25 mil caldeus só em Mossul, quando os americanos
atacaram o Iraque para depor Saddam Hussein. Antes do actual êxodo, esse número
era de apenas 5 mil. No total, o Cristianismo Iraquiano perdeu cerca de dois terços dos
seus 1,2 milhões de fiéis em dez anos para as regiões vizinhas e países ocidentais. Os
bispos têm agora a sua esperança no Curdistão. Esta zona autónoma no Norte do
Iraque foi, durante anos, um refúgio para os cristãos das zonas turbulentas do país,
como Mossul e Bagdade. É aqui que os bispos acreditam que os Cristãos poderão
encontrar um novo lar.
A Fundação AIS já enviou ajuda de emergência no valor de €100.000 para os
refugiados de Mossul.
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