Departamento de Ciências Sociais
POBREZA E DESIGUALDADE NA FAVELA: PESQUISA
ETNOGRÁFICA EM FAVELA CARIOCA
Aluno: Thamires Marins de Carvalho
Orientadora: Maria Sarah da Silva Telles
Introdução
As favelas do Rio de Janeiro têm alcançado uma maior visibilidade entre as pessoas e
os meios de comunicação. Crescem enormemente o número de pesquisas relacionadas à
favela. E essas pesquisas são relacionadas à pobreza, à exclusão e à desigualdade e à
violência. A favela sempre foi vista como território de violência, marginalidade, exclusão
social, pobreza e, desde o final do século passado, de tráfico de drogas. Foram criados ao
longo dos anos inúmeros estereótipos para definiram as favelas.
Existem vários estereótipos que devem ser quebrados em relação à favela,
principalmente aqueles veiculados pela mídia, relacionando os moradores de favela ao
aumento da violência nos grandes centros urbanos. Em vista dessa questão o pobre, o negro, o
morador da favela ficam, no imaginário da sociedade, como legítimos representantes da
violência.
O aumento populacional nas favelas aconteceu por diversos fatores, como por exemplo:
o aumento do valor da terra e sua escassez, o empobrecimento da população e a dificuldade
do acesso ao mercado imobiliário formal são fatores importantes para o crescente número
populacional nas favelas, e um dos principais motivos para a exclusão social. Por ocupar áreas
impróprias e pela fragilidade das moradias, esses são frequentemente atingidos em dias de
chuvas fortes, deslizamentos e enchentes. Algumas favelas são vizinhas de condomínios de
luxo e a realidade dentro dessas favelas é totalmente diferente desses condomínios. O que
vemos é uma grande desigualdade social em lugares relativamente próximos. As favelas são
consideradas uma consequência da má distribuição de renda e da migração de trabalhadores
rurais em busca de melhores trabalhos nos centros urbanos.
As favelas também conseguem formar e desenvolver uma série de organizações e
associações religiosas e sociais com o objetivo de obter serviços como água e eletricidade. Já
que os serviços que são prestados aos moradores das favelas são de péssima qualidade.
Muitos desses não têm acesso à rede de saneamento básico, e o esgoto corre a céu aberto
nessas comunidades e entre as casas comprometendo a saúde dessas pessoas. O lixo também é
uma questão difícil, quase não se vê nessas áreas uma coleta de lixo regular e com o acúmulo
de lixo o crescimento de ratos e de doenças. E os postos de saúde contêm péssimo
atendimento à população dessa comunidade, há falta de médicos nos plantões. As escolas
também não são de boa qualidade. E umas das principais reclamações dos alunos nessas
localidades são a falta de professores para algumas matérias como física e química. Muitos
deles perdem o interesse pelas escolas por passarem por diversas dificuldades e o trabalho
passa a ser uma saída para essas dificuldades. O trafico também foi responsável por tirar
alguns jovens das escolas.
A favela faz parte da conhecida realidade dos grandes centros urbanos. A intenção
dessa pesquisa é lançar um olhar mais aprofundado sobre a realidade da favela para desvendar
as experiências e representações de seus moradores em relação a sua situação de privação,
bem como as melhorias conquistadas. A pesquisa também procura identificar o quadro de
desigualdades existentes dentro de cada favela, bem como daquelas entre as favelas, em
diferentes áreas da cidade. Já foram pesquisadas as favelas de Rio das Pedras, o Morro Santa
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Marta, o Morro da Providência, e agora estamos fazendo o campo etnográfico no Morro do
Alemão, dentro do Complexo de mesmo nome. Minha entrada na pesquisa tem apenas seis
meses.
Metodologia
Utilizamos nessa pesquisa o método etnográfico, de descrição das diferentes áreas do
Morro com suas especificidades, sua história, a história das famílias que primeiro se
estabeleceram na favela. As entrevistas, com um roteiro aberto, pretende resgatar a memória
das trajetórias familiares, incluindo a questão, por exemplo, das moradias dentro da favela, a
história da migração, bem como a questão da escolaridade dos membros das famílias. Através
deste contato conseguimos chegar mais próximos da realidade desses jovens e de suas
famílias.
A partir dessas entrevistas observamos as desvantagens acumuladas e o isolamento
social que elas submetidas, e a organização social dos grupos domésticos com poucos
recursos e também as estratégias de sobrevivência através de seus recursos e a capacidade de
utilização do mesmo [1]. Segundo a autora Mercedes Rocha a família segue tendo um lugar
importante nas expectativas de apoio em situações problemáticas. Isso evidencia a
centralidade da família nesses casos. Em uma das entrevistas feita por alguns alunos no
Complexo do Alemão um jovem relata o apoio de sua família em uma situação de falta de
emprego em que ele vive.
E: você mora com quem?
D: moro com minha avó e minha mãe também. Minha mãe trabalha e minha avó cuida de
mim e dos meus dois irmãos que são pequenos são um casal um irmão e uma irmã e minha
mãe trabalha para sustentar a gente e eu estou a ai procurando uns bicos ai de vez em
quando e faço uns servicinhos por ai, mas não fixo. Mas pretendo me aprofundar nos estudos
para melhorar essa condição ai.
Nesse caso o jovem relata a sua vulnerabilidade relacionada ao emprego, como a
dificuldade de encontrar emprego formal. Ele é submetido a empregos informais. E uma das
desvantagens que esses jovens sofrem é a falta de escolaridade. Muitos deles abandonaram as
escolas antes do término e eles sentem que a falta dessa escolaridade acarreta a falta de
emprego.
E: Você saiu no segundo ano, mas saberia dizer o que te levou a sair, exatamente?
D: A parar de estudar? Foi o que eu disse mesmo foi a falta de interesse mesmo. Eu não quis
saber de estudo eu preferi ir trabalhar, mas minha mãe sempre me apoiou minha família
também, para eu terminar. Mas preferir ganhar o meu dinheiro e fui crescendo também e
queria começar a comprar minhas coisinhas assim com o meu dinheiro. E deixei o estudo um
pouco de lado. Foi falta de interesse mesmo em não terminar, mas eu pretendo terminar.
E: Mas você acha que essa falta de interesse é porque você não estava interessado ou foi a
escola?
D: Não. Foi falta de interesse mesmo até porque eu fui passando a idade. Por que eu me
alistei ai eu fiquei nessa esperança de servir porque eu sempre gostei e até porque eu tenho
um padrinho nas forças [armadas] e foi me ajudando e cheguei até a fazer prova para
fuzileiro naval, mas não passei. E ai eu fui colocando na minha cabeça isso e que ele ia me
ajudar também e fui servir ai fui relaxando e aí fiquei um ano no serviço obrigatório. E foi ai
que eu parei de estudar. E agora esse ano que está terminando e ano que vem pretendo
voltar a estudar de novo.
E:Você tinha quantos anos quando decidiu parar de estudar?
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D:Eu tinha 17 anos para 18 completar 18 foi no ano que eu me alistei. Eu faço aniversario
em fevereiro em 28 de fevereiro e fiz 18 e me alistei e fiquei no aguarde e eles me
encaminharam e eu servi. E tem um ano que eu parei de estudar.
E: E da sua turma muitos saíram ou só você?
D: agora eu estou parado e final de ano não dá para estudar e pretendo voltar ano que vem.
Esse jovem relata que a escola que ele frequentou durante alguns anos não o
estimulou a querer terminar. Um dos grandes problemas das escolas públicas em zonas
periféricas. E com essa desvantagem que eles têm em relação aos outros jovens o emprego
formal torna-se mais difícil. Alguns obstáculos foram percebidos quanto a ter um trabalho. As
dificuldades mais comuns são: a alegação de falta de experiência por parte de empregadores;
a exigência do 2° grau; a falta de preparo escolar para a competição no mercado de trabalho; a
discriminação por residirem em comunidades periféricas, o que limitaria suas oportunidades.
Além disso, o preconceito racial, em alguns casos, o envolvimento do jovem com violência e
a criminalidade seria destacado como um dos maiores impedimentos à sua inserção no
mercado de trabalho. No último caso, em diversas experiências, alguns jovens já cometeram
pequenos delitos e esbarram na exigência do certificado de bons antecedentes para conseguir
um emprego. E esses obstáculos se somam a outros, relacionados a avanços tecnológicos. A
exclusão dos jovens, em particular das classes trabalhadoras e de setores populares, leva
também ao desencanto em relação ao valor da escolaridade [2].
Sobre as trajetórias familiares, quando foram indagados sobre o nível de escolaridade
dos pais e dos familiares, as respostas não foram muito diferentes. Os pais desses jovens têm
o nível de escolaridade baixa.
E: E sua mãe tem quantos anos de estudo?
D: Minha mãe parou na 7ª série foi quando ela me teve e foi quando ela parou para
trabalhar no caso porque ela era sozinha e meu pai foi embora e eu não moro com meu pai
moro com meu padrasto no caso e minha teve que ir trabalhar e minha avó ficou em casa
para minha mãe poder ir trabalha. Minha mãe começou a trabalhar nova. Ela parou nova na
7ª serie eu acho.
E: Em que ela trabalha?
D: Agora minha mãe é casa de família. No começo ela trabalhava na antiga fabrica e depois
ela trabalhou aqui na Hélio Gás onde hoje é a UPA. E agora é em casa de família que ela
trabalha.
D: Do outro lado aqui em Ramos, já trabalha há bastante tempo, ela já está há uns 10 anos
lá
E: E sua avó estudou até quando?
D: Minha avó se eu não me engano foi até a 5ª, também parou cedo.
A discriminação também é um dos fatores de desvantagens que esses jovens da favela
carregam. Os jovens se sentem discriminados por várias razões: por serem jovens, pelo fato
de morarem em bairros de periferia ou favela. Os jovens sentem uma resistência da sociedade
para com os jovens de favelas. A percepção sobre determinados bairros, como violentos, leva
a exclusões imediatas. Os jovens nas entrevistas relataram esses preconceitos relacionados à
questão de morarem em bairros violentos.
E: Quando vocês procuram emprego e falam que moram no Morro do Alemão dá problema
hoje em dia, ou não? Tem que inventar outro endereço?
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V: Nessa clinica onde estou eu tive um pouco de preconceito. Eu disse que morava em
Ramos.
D: E quando eu entrei no quartel aconteceu a mesma coisa e ainda não estava pacificado.
Eles eu não pode entrar na favela de farda, mas não teve problema não. Eu me alistei e falei
a verdade. E logo depois teve a pacificação, as pessoas diziam que eu ia ter problema, mas
para mim não porque que conhecia todo mundo na comunidade eu tinha minha vida e eles
tinham a vida deles.
Os jovens que foram entrevistados também falaram sobre a questão do lazer. Nas
favelas seriam escassas as oportunidades de os jovens usufruírem de bens culturais e terem
acesso ao capital cultural e espaços de sociabilidade. O Baile Funk era uma diversão dos
jovens que vivem nas favelas, mas com a pacificação e a implantação das UPPS os bailes
desapareceram das comunidades.
M: Baile Funk aqui não, só na Penha.
E: E a diversão? Vocês ficam por ai?
C: Eu saio para outros lugares.
D: A diversão é mais final de semana.
V: É mais na família.
M: Agora estamos nos bares e abrimos o porta mala do carro para o som e caixa de som. Faz
um churrasco em cima da laje. Eventos não estão tendo. Na Penha está acontecendo
bastante.
C: Na Penha eles estão fechando a rua.
M: Mas lá sempre teve.
E: E a polícia?
M: Lá a polícia faz o que quer. Lá é cruzeiro, Caixa d’ água e Chatuba.
E: Lá não tem UPP?
M: Já estão instalados já.
E: Então, as pessoas do movimento dominam?
M: igual aqui o movimento domina. Aqui é emblemático.
E: Mas como domina e não tem baila Funk aqui?
M: É melhor ter lá do que aqui.
E: Por que proibiram o funk aqui?
M: Porque liga o funk à criminalidade. Só isso.
M: Aqui tentaram colocar na Brasília, mas meia noite acabou com tiros de borracha.
M: Ninguém mete cara, e se colocar baile vai ter tráfico. A rapaziada vai se misturar.
Gonzalo Saraví em seu artigo mostra a importância e a centralidade do trabalho e da
escola na vida dos jovens. Mas nem todos os jovens usufruem desses acessos de forma
desejável. A fragmentação social constitui um dos fatores chave da nova questão social que
se insere na sociedade. [3]. A exclusão social está diretamente ligada à questão da pobreza e
da desigualdade, mas não quer dizer que sejam inseparáveis. Um dos principais articuladores
para a exclusão é a precariedade do trabalho e o desemprego para esses jovens. Há pouca
integração social para eles. Pesquisando as trajetórias familiares, os jovens responderam sobre
a questão do trabalho e da discriminação sobre alguns serviços que não requerem muita
escolaridade e gozam de pouco prestigio na sociedade.
E: Vocês acham que isso é uma tendência geral ou da comunidade? De que as pessoas não
querem mais trabalhar com faxina?
V: Eu acho que não é só aqui na comunidade, mas em todo lugar.
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A desigualdade social é fruto de uma sociedade que não ofereceu condições de
desenvolvimento para os excluídos [4]. Segundo Jessé Souza as instituições foram fracas para
esses grupos de excluídos que não se adaptaram aos avanços tecnológicos, culturais e
educacionais. Uma jovem falou sobre o Programa Bolsa Família (PBF), que seu filho recebe o
benefício. O programa é uma tentativa de suavizar as tensões sociais em relação à pobreza.
E: E o Bolsa família ajuda a ficar na escola?
D: Ajuda bastante. E é bom se o aluno faltar mais de quatro vezes no mês o cartão já
bloqueia.
E: Você tem bolsa família?
C: Eu não, mas meu filho tem.
Florestan Fernandes percebe as dificuldades de adaptação dos negros e dos
marginalizados na nova lógica competitiva. Florestan Fernandes afirma que “o preconceito e a
discriminação raciais, (...) são encarados como uma espécie de pecado e de comportamento
vergonhoso”. [5] Florestan Fernandes estuda a exclusão racial no Brasil. Segundo ele, o
problema do negro e da escravidão foi a passagem traumática dos ex-escravos para o homem
livre e cidadão. Ele compreendia esse fato como um problema nacional e vê no negro a
concentração de toda a problemática do Brasil. De certa forma, podemos compreender a
exclusão do negro do cenário social como consequência direta do processo de abolição da
escravidão. A inserção do negro aconteceu de forma lenta na sociedade e eles ocupavam os
setores mais subalternos da sociedade.
Conclusão
A pesquisa ainda está em curso, caminhando para sua conclusão. Mas alguns fatos são
fáceis percebidos, como a vulnerabilidade social. Essa vulnerabilidade vem dos acúmulos de
desvantagens dos moradores que moram nessa favela. Existe uma série de desvantagens
relacionadas a eles como a questão da discriminação, a saúde, a escola, o trabalho e de
políticas públicas que visem uma melhoria para os moradores. A desigualdade e precariedade
em que vivem fazem parte de um problema estrutural.
Referências
1-- ROCHA, Mercedes. Espirales de desventajas: pobreza, ciclo vital y aislamiento social. In.:
(Org) Gonzalo Saraví. De la Pobreza a la exclusión: continuidades y rupturas de la cuestión
social en América Latina. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2007.
2- CASTRO, Mary Garcia e ABRAMOVAY, Miriam. Jovens em situação de pobreza,
vulnerabilidades sociais e violências. Cad. Pesquisa. [online]. 2002, n.116, pp. 143-176. ISSN
0100-1574.
3- SARAVÍ, Gonzalo, Juventud y sentidos de pertenencia en América Latina: causas y riesgos
de la fragmentación social.. Revista de la CEPAL, 2009
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4- SOUZA Jessé, A Construção Social da Subcidadania: Para uma Sociologia Política da
Modernidade Periférica. Editora UFMG. Belo Horizonte. 2003.
5- FERNANDES, Florestan. O Negro no Mundo dos Brancos; página 81-95. Editora Global.
São Paulo, 2007
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pobreza e desigualdade na favela: pesquisa etnográfica - PUC-Rio