DANIELA SPÍNOLA ANTUNES INOCÊNCIO LICOPENO E PREVENÇÃO DE CÂNCER Belo Horizonte – MG 2011 DANIELA SPÍNOLA ANTUNES INOCÊNCIO LICOPENO E PREVENÇÃO DE CÂNCER Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Ganep Nutrição Humana, como parte das exigências para obtenção do título de especialista em Nutrição Clínica. Orientador: Prof. Dr. Dan Linetzky Waitzberg Belo Horizonte – MG 2011 RESUMO Objetivando descrever os principais mecanismos empregados pelo licopeno para justificar seu efeito na prevenção do câncer, realizou-se uma revisão bibliográfica a partir de bases de dados da área de nutrição e ciência e tecnologia de alimentos. Os artigos apontaram que o licopeno possui importante atuação na prevenção e proteção contra danos oxidativos causados aos sistemas biológicos, que são reconhecidos como as principais bases etiológicas dos diversos tipos de câncer. Além de ser um agente quimioprotetor, o licopeno pode também atuar diminuindo a velocidade da evolução de quadros oncológicos já estabelecidos. A obtenção do licopeno pelo organismo humano deve acontecer através da ingestão dietética de alimentos ricos neste composto. Porém, para que o organismo seja beneficiado com os efeitos preventivos do licopeno, é necessário observar as condições que favorecem sua biodisponibilidade. Diversos mecanismos de ação são propostos para explicar a ação do licopeno na prevenção do câncer, com destaque para sua atividade antioxidante e interferências no ciclo de crescimento da célula tumoral. Ainda que não seja considerado um nutriente essencial, algumas recomendações sobre o consumo de licopeno são feitas e sugerese que o mesmo esteja inserido na alimentação cotidiana, uma vez que já consolidados seus efeitos funcionais sobre a saúde humana. Palavras-chave: Licopeno. Quimioprevenção. Alimentação. ABSTRACT Aiming to describe the main mechanisms employed by the lycopene to justify its effect on cancer prevention, there was a review from the databases of the field of nutrition and food science and technology. The articles showed that lycopene plays an important role in prevention and protection against oxidative damage to biological systems, which are recognized as major etiological bases of various types of cancer. Besides being a chemoprotective agent, lycopene may also act by slowing the development of frameworks already established cancer. The attainment of lycopene by the human organism should happen through the dietary intake of foods rich in this compound. However, for the organism to be benefited from the preventive effects of lycopene, it is necessary to observe the conditions that favor their bioavailability. Several mechanisms of action are proposed to explain the effect of lycopene in cancer prevention, focused on its antioxidant activity and interference in the growth cycle of the tumor cell. Although not considered an essential nutrient, some recommendations on the consumption of lycopene are made and it is suggested that the same is inserted in the daily diet, as it has consolidated its functional effects on human health. Key-words: Lycopene. Chemoprevention. Alimentation. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 05 2 OBJETIVOS ................................................................................................................. 06 2.1 Objetivo geral ................................................................................................................ 06 2.2 Objetivos específicos ..................................................................................................... 06 3 METODOLOGIA ......................................................................................................... 07 4 REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................................ 08 4.1 Licopeno: definições e propriedades estruturais ....................................................... 08 4.2 Fontes dietéticas de licopeno ........................................................................................ 09 4.3 Metabolismo e biodisponibilidade................................................................................ 10 4.4 Licopeno e prevenção do câncer................................................................................... 12 4.5 Mecanismos de ação quimioprotetores ........................................................................ 13 4.5.1 Atividade antioxidante .................................................................................................. 13 4.5.2 Estímulo a elementos de resposta antioxidante .......................................................... 14 4.5.3 Indução da apoptose ...................................................................................................... 15 4.5.4 Interferências no ciclo celular e metástase .................................................................. 15 4.5.5 Fatores de crescimento celular .................................................................................... 15 4.5.6 Aumento das junções GAP ........................................................................................... 17 4.6 Evidências clínicas da quimioproteção do licopeno ................................................... 17 4.7 Dosagem terapêutica de licopeno ................................................................................. 18 5 CONCLUSÃO................................................................................................................ 19 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 20 5 1 INTRODUÇÃO É bastante discutida e evidenciada no meio científico a associação existente entre o estilo alimentar de uma população e a prevenção de doenças crônicas. Com base em estudos in vitro, clínicos e epidemiológicos, orientações dietéticas são elaboradas e sugeridas para que através da alimentação seja possível prevenir a ocorrência de patologias crônicas não transmissíveis (Omoni e Aluko, 2005; Rao e Ali, 2007; Edrman Jr. et al., 2009). Observa-se, portanto, que a principal recomendação para prevenção de doenças crônicas baseia-se no incentivo ao aumento do consumo de frutas e vegetais. Neste contexto, nos últimos 50 anos os alimentos ricos em licopeno têm atraído a atenção da comunidade científica, visto que exibem propriedades bioquímicas e farmacológicas capazes de prevenir e/ou atenuar diversas doenças (Moritz e Tramonte, 2006; Dillingham e Rao, 2009). O licopeno é um dos mais de 600 elementos integrantes do grupo dos carotenóides, destacando-se por sua expressiva atividade antioxidante. É encontrado em alimentos de origem vegetal, sendo uma molécula lipossolúvel, com estrutura simétrica e acíclica, além de apresentar ligações duplas que promovem seu efeito antioxidante (Breemen e Pajkovic, 2008; Mein et al., 2008). Como o organismo humano não é capaz de sintetizar o licopeno, é necessário adquirilo pela dieta, particularmente pelo consumo de alimentos de coloração vermelho-alaranjada, como: tomates e derivados, goiaba vermelha, pitanga e melancia. Porém, as características edafoclimáticas do local em que o vegetal foi cultivado, bem como seu processamento doméstico e/ou industrial são condições que interferem significativamente na biodisponibilidade do licopeno, devendo ser avaliadas para que o organismo usufrua dos efeitos funcionais deste composto bioativo (Edrman Jr. 2005; Moritz e Tramonte, 2006; Rao e Ali, 2007). Ainda que o licopeno não seja classificado pelos órgãos de saúde como um nutriente essencial, o fato do seu consumo estar relacionado à prevenção e/ou retardamento de doenças crônicas, especialmente do câncer, favorecem investimentos em estudos científicos para explicar seu mecanismo de ação quimioprotetor (Rao e Rao, 2007; Breemen e Pajkovic, 2008; Devaraj et al., 2008). Nesta perspectiva, será apresentada neste trabalho uma revisão bibliográfica com as principais considerações sobre a aquisição e metabolização do licopeno, destacando seus mecanismos de ação relacionados aos efeitos quimioprotetores discutidos na literatura. 6 2 OBJETIVOS 2.1 Objetivo geral Realizar uma pesquisa bibliográfica abordando os principais aspectos relacionados ao potencial anticarcinogênico do carotenóide licopeno. 2.2 Objetivos específicos Abordar as peculiaridades da estrutura química do licopeno, incluindo os fatores que promovem sua ação anticarcinogênica; Levantar as principais fontes dietéticas de licopeno, assim como os fatores que condicionam sua concentração nos alimentos; Discutir o metabolismo do licopeno no organismo humano, bem como sua biodisponibilidade, elencando as condições que comprometem seu aproveitamento e àquelas que favorecem sua utilização; Descrever os mecanismos de ação desenvolvidos pelo licopeno que promovem a prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, em particular, o câncer; Apresentar estudos clínicos que endossam a atuação do licopeno na prevenção de diversos tipos de cânceres; Relatar a ingestão recomendada de licopeno quimioprotetores associados ao seu consumo. para obtenção dos efeitos 7 3 METODOLOGIA Este trabalho emprega como metodologia de pesquisa a revisão bibliográfica, que consiste em uma técnica de levantamento de informações sobre um determinado tema, com o intuito de detectar seus pontos de consenso e de divergência. Para tanto, foi realizada uma revisão bibliográfica das publicações científicas nas áreas “saúde” e “ciência e tecnologia de alimentos”, empregando as bases de dados: “Highwire Press’, “Science Direct”, “Annual Reviews” e “Scielo”. Nestas bases, pesquisaram-se trabalhos de língua portuguesa e inglesa, publicados entre os anos de 2004 e 2011. Foram empregados na busca os termos descritores: “lycopene”, “cancer” e “chemoprevention”, usados isoladamente ou em combinação de pesquisa. Dos resultados gerados pela busca, empregaram-se apenas os artigos científicos em razão de sua maior circulação no meio científico e acadêmico. Os artigos foram avaliados dentro da temática sugerida, sendo realizada inicialmente uma leitura flutuante de todo acervo, para assim selecionar as publicações mais relevantes dentro do tema proposto, limitando-as ao número máximo de referências previamente permitidas para elaboração deste trabalho. 8 4 REFERENCIAL TEÓRICO 4.1 Licopeno: definições e propriedades estruturais O licopeno é um membro da família dos carotenóides, sendo um fitoquímico lipossolúvel sem atividade de pró-vitamina A, sintetizado por diversos vegetais e microrganismos, não sendo, porém produzido pelo organismo humano. Este composto figura como um dos 600 pigmentos carotenóides encontrados na natureza e um dos 25 observados em tecidos e plasma humanos (Rao e Rao, 2007; Silva et al., 2009). A estrutura química do licopeno é caracteristicamente simétrica e acíclica, formada somente por átomos de carbono e hidrogênio (C40H56), apresentando 11 ligações duplas conjugadas e 2 ligações não conjugadas. As duas ligações não conjugadas, além de conferirem ao licopeno elevada reatividade química, ainda constituem o cromóforo responsável por sua capacidade de absorção de luz na região visível, que confere aos vegetais em que está presente coloração vermelho-alaranjada (Moritz e Tramonte, 2006; Silva et al., 2009). A presença de duplas ligações na estrutura do licopeno permite a ocorrência de isomeria geométrica, podendo existir nas formas “cis” ou “trans” (Figura 1). Na natureza, predomina a existência do licopeno na forma trans, que é termicamente mais estável e representa cerca de 94-96% do licopeno presente nos alimentos vegetais (Edrman Jr., 2005; Xianquan et al., 2005). Figura 1 Estrutura dos isômeros cis e trans do licopeno. Fonte: Silva et al. (2009) 9 Peculiaridades observadas na estrutura química do licopeno conferem a este composto uma apreciável atividade antioxidante, sendo por este motivo considerado o carotenóide com a maior capacidade de sequestro do oxigênio singlete (Shami e Moreira, 2004). Omoni e Aluko (2005) relatam que o licopeno possui capacidade antioxidante duas vezes maior que o β-caroteno e cerca de dez vezes superior à capacidade demonstrada pelo α-tocoferol, estando esta superioridade possivelmente relacionada às duplas ligações de sua estrutura. 4.2 Fontes dietéticas de licopeno Como o organismo humano não é capaz de promover a síntese de carotenóides, a obtenção do licopeno dá-se por meio da ingestão dietética. Ao contrário de outros carotenóides, o licopeno está presente em uma lista restrita de alimentos vegetais que apresentam coloração vermelho-alaranjada, como tomate e seus derivados, pitanga, mamão, goiaba vermelha e melancia. Estima-se que aproximadamente 80% da ingestão dietética de licopeno derivem do consumo de tomates e seus derivados, valor que representa cerca de 30% do consumo diário de carotenóides (Porrini e Riso, 2005; Omoni e Aluko, 2005; Kun et al., 2006; Moritz e Tramonte, 2006; Rao e Ali, 2007). Na Tabela 1 é possível notar os teores de licopeno em alguns alimentos considerados suas principais fontes alimentares. Tabela 1 Conteúdo de licopeno de alguns alimentos vegetais Alimento Tomate Suco de tomate Pasta de tomate Catchup Pitanga Goiaba Melancia Mamão papaia Licopeno (µg/g peso fresco) 8,8 – 42,0 50,0 – 110,6 50,4 – 1500,0 90,0 – 130,0 9,0 – 80,0 47,0 – 90,0 23,0 – 72,0 20,0 – 53,0 Fonte: Adaptado de: Omoni e Aluko (2005); Rao e Rao (2007); Silva et al. (2009) Além da concentração de licopeno variar de acordo com o tipo de alimento, é preciso ressaltar que o conteúdo de licopeno pode oscilar em um mesmo alimento, sofrendo influência de diversos fatores, como: estágio de amadurecimento do fruto, variedade, estação do ano, condições de cultivo, características climáticas e manejo pós-colheita. 10 Frequentemente, a intensidade de coloração vermelha do alimento está diretamente ligada à sua concentração de licopeno. As cascas dos alimentos também apresentam maiores teores de licopeno em relação à polpa, assim como os alimentos produzidos em regiões com clima quente, quando são comparados àqueles cultivados em locais de clima mais frio (Shami e Moreira, 2004; Moritz e Tramonte, 2006; Silva et al., 2009). Xianquan et al. (2005) também descreveram alguns fatores químicos e físicos que podem afetar a concentração de licopeno nos alimentos por degradá-lo, como: elevação da temperatura, exposição à luz, degradação oxidativa e extremos de pH. Durante o processamento térmico de alimentos, o licopeno está sujeito à isomerização trans-cis, enquanto que no período de armazenamento predomina a reversão cis-trans e a auto-oxidação, sendo o último processo irreversível e degradativo. 4.3 Metabolismo e biodisponibilidade O licopeno é absorvido pelo organismo humano em processo passivo, sendo incorporado às micelas e então inserido no enterócito. A circulação do licopeno pelas vias sanguíneas dá-se por meio dos quilomícrons, que ao sofrerem ação da lipase lipoprotéica liberam as moléculas de licopeno para os demais tecidos. Estima-se que de 10% a 30% do licopeno dietético seja absorvido, podendo ser acumulado no fígado ou então inserido na lipoproteína de muita baixa densidade (VLDL) e novamente levado à circulação sanguínea (Moritz e Tramonte, 2006; Rao e Rao, 2007; Breemen e Pajkovic, 2008). Na Tabela 2 são apresentados os níveis médios de licopeno no organismo humano. Tabela 2 Distribuição do licopeno no organismo humano Tecido Testicular Adrenal Hepático Adiposo Renal Ovariano Pulmonar Prostático Fonte: Adaptado de: Kun et al. (2006) Licopeno (nmol/g peso fresco) 4,34 – 21,46 1,9 – 21,6 1,28 – 5,72 1,3 0,15 – 0,62 0,28 0,22 – 0,57 0,8 11 No plasma humano, observa-se que o licopeno é o carotenóide predominante, possuindo uma meia-vida de 2 a 3 dias. Enquanto que nos alimentos o isômero trans predomina, no plasma humano observa-se 50% do licopeno presente na forma cis e a outra metade na forma trans. Além disso, sabe-se que nos tecidos o licopeno sofre diversas reações de oxidação, sendo facilmente encontradas nos tecidos formas oxidadas de licopeno e metabólitos polares (Rao e Rao, 2007). Wertz et al. (2004) relatam que as concentrações plasmáticas de licopeno variam consideravelmente entre as regiões, em decorrência dos hábitos alimentares específicos. Em países mediterrâneos, os níveis plasmáticos de licopeno chegam a 1µM, enquanto que no norte da Europa e no Japão, os níveis são de 2 a 8 vezes menores. A biodisponibilidade do licopeno é uma importante questão a ser avaliada, pois prediz a capacidade do organismo de aproveitar sistemicamente este composto bioativo. Inúmeras condições podem afetar a biodisponibilidade do licopeno, incluindo: matriz alimentar, tipo de processamento térmico, presença de lipídeos e fibras na dieta, interação com outros carotenóides e forma isomérica (Bhuvaneswari e Nagini, 2005; Porrini e Riso, 2005; Rao e Rao, 2007). Em relação à forma isomérica, sabe-se que apesar do isômero trans predominar nos alimentos (80 a 97% do licopeno disponível), os isômeros cis são absorvidos mais eficientemente, uma vez que são estruturalmente menores e possuem maior solubilidade nas micelas. A menor biodisponibilidade dos isômeros trans deve-se ao fato de ocorrer reações de agregação e cristalização no lúmen intestinal, reduzindo assim sua absorção (Edrman Jr., 2005; Moritz e Tramonte, 2006). Existem indícios de que o baixo pH estomacal seja capaz de transformar os isômeros trans em cis, embora em pequenas proporções (Moritz e Tramonte, 2006). Contudo, o processamento térmico tem sido apontado como a melhor alternativa para promover esta conversão de formas isoméricas (Omoni e Aluko, 2005). Estudos indicam que o cozimento dos alimentos rompe a parede celular e enfraquece as ligações do licopeno com a matriz alimentar, permitindo uma melhor extração desse carotenóide dos cromoplastos. Assim, o licopeno torna-se disponível para ser convertido para forma cis e é então absorvido. Por esta razão, o licopeno presente nos produtos processados de tomate (molhos, pastas, catchup) é mais biodisponível do que o licopeno encontrado no fruto fresco (Shami e Moreira, 2004; Xianquan et al., 2005). Conforme Moritz e Tramonte (2006), a matriz alimentar é outro fator que afeta a biodisponibilidade do licopeno. Os lipídeos dietéticos podem maximizar a absorção do 12 licopeno, uma vez que dada sua baixa solubilidade em meios polares, o licopeno é incorporado às micelas para ser absorvido. Sendo assim, é sugerida uma ingestão de 5g a 10g de gordura por refeição para incrementar a eficiência da absorção do licopeno. Shami e Moreira (2004), assim como Xianquan et al. (2005) indicam que alguns tipos de fibras alimentares, como a pectina, também podem reduzir a biodisponibilidade do licopeno, uma vez que aumentem a viscosidade do bolo alimentar e diminuem a formação de micelas. Além disso, Moritz e Tramonte (2006) sugerem que alguns carotenóides, como a luteína e o β caroteno, são capazes de minimizar a absorção de licopeno, uma vez que competem pelo mesmo sítio de absorção intestinal. 4.4 Licopeno e prevenção do câncer Embora o licopeno não seja considerado um nutriente essencial, diversos estudos têm apontado que seu consumo relaciona-se com efeitos positivos para a saúde humana. O papel do licopeno na prevenção de doenças crônicas vem sendo endossado por inúmeros estudos epidemiológicos, pesquisas em cultura de tecidos e testes clínicos em seres humanos (Rao e Ali, 2007; Rao e Rao, 2007; Devaraj et al., 2008). Relatos científicos demonstram uma relação positiva entre o consumo de alimentos fontes de licopeno e prevenção de diversas patologias, como: doenças cardiovasculares, osteoporose, distúrbios da circulação linfática, hipertensão, infertilidade masculina, doenças neurodegenerativas (Alzheimer, Parkinson, Esclerose Lateral Amiotrófica), enfisema pulmonar, diabetes, doenças epiteliais, distúrbios periodontais, artrite reumatóide, desordens inflamatórias e diversos tipos de câncer (Moritz e Tramonte, 2006; Rao e Rao, 2007). Conforme Edrman Jr. et al. (2009) e Breemen e Pajkovic (2008), um número expressivo de estudos realizados têm ressaltado a substancial relação existente entre o consumo dietético de licopeno e a redução do risco de desenvolvimento de diversos tipos de câncer, como: câncer de próstata, gástrico, esofágico, pulmonar, pancreático, cólon-retal, oral, mamário e uterino. Para Omoni e Aluko (2005), o interesse pelo potencial anticarcinogênico do licopeno iniciou na década de 90, quando pesquisas demonstraram uma relação inversa entre a concentração sérica de licopeno e a incidência de câncer de próstata. Devaraj et al. (2008) defendem que a gênese do câncer está estreitamente relacionada com o estresse oxidativo. Desta forma, uma das principais características inerentes ao licopeno que o faz atuar como um importante agente preventivo do desenvolvimento do 13 câncer é sua atividade antioxidante. Segundo Wertz (2009), o licopeno apresenta acentuada capacidade de reação com as espécies reativos de oxigênio (ERO´s), também denominadas de radicais livres, e por isso exibe expressiva capacidade antioxidante. Embora a capacidade antioxidante do licopeno tenha sido o principal mecanismo descrito para justificar seu efeito biológico de quimioproteção, outros meios de ação são propostos para explicar sua relação com a prevenção do câncer, como: regulação da função gênica, aumento de junção gap, modulação hormonal, indução da apoptose e interferências no metabolismo da célula tumoral (Omoni e Aluko, 2005; Rao e Ali, 2007; Rao e Rao, 2007). Estes e outros mecanismos serão descritos com mais detalhes no próximo item. 4.5 Mecanismos de ação quimioprotetores A atuação do licopeno no processo de redução do risco de desenvolvimento de diversos tipos de cânceres tem sido reportada em diversos estudos. Neste contexto, os diversos mecanismos de ação quimioprotetores desempenhados por este carotenóide são detalhados a seguir. 4.5.1 Atividade antioxidante O estresse oxidativo causado pelos radicais livres, especialmente por aqueles derivados do oxigênio (radical superóxido: O2-●, hidroperoxila: HO2●, hidroxila: OH●, peróxido de hidrogênio: H2O2, radical peroxil: ROO●, e oxigênio singlete: 1O2) é reconhecido como um dos principais mecanismos desencadeadores da carcinogênese (Dillingham e Rao, 2009). Neste contexto, Edrman Jr. et al. (2009) relatam é praticamente universal o consenso de que o licopeno seja o principal agente antioxidante do grupo dos carotenóides, atuando no combate aos efeitos deletérios dos radicais livres, especialmente do oxigênio singlete (1O2), uma das espécies reativas de oxigênio mais agressivas. Segundo Breemen e Pajkovic (2008), a ação antioxidante do licopeno pode ocorrer de diversas formas, sendo que o mecanismo mais extensivamente documentado é o que propõe a eliminação do 1O2, descrito na reação: Licopeno + 1O2 3licopeno + 3O2. O licopeno no estado excitado (3licopeno) é capaz de eliminar o 1O2, sendo que esta eficiência antioxidante está diretamente relacionada às duplas ligações de sua molécula. 14 Outro mecanismo de ação proposto para explicar a atividade antioxidante do licopeno é a reparação de vitaminas antioxidantes, como ácido ascórbico e α tocoferol. Além disso, ainda é relatada a capacidade de uma única molécula de licopeno reagir com mais de um radical livre, conforme a reação abaixo, o que potencializa seu efeito antioxidante (Breemen e Pajkovic, 2008): Licopeno + ROO● ROO – licopeno● ROO – licopeno● + ROO● ROO – licopeno – OOR. Independente do mecanismo de ação antioxidante desempenhado pelo licopeno, seu papel na prevenção do câncer baseia-se fundamentalmente na sua capacidade de proteger o DNA contra danos oxidativos ou então atenuá-los, o que é extremamente benéfico na redução do risco de desenvolvimento desta doença crônica (Wertz et al., 2004; Wertz, 2009) . 4.5.2 Estímulo a elementos de resposta antioxidante Além de sua ação antioxidante direta, o licopeno pode estimular a síntese de “elementos de resposta antioxidante (ERA), no inglês referidos como ARE “antioxidant response element”. Estes elementos incluem enzimas que protegem o DNA contra as espécies reativas de oxigênio, denominadas de enzimas de fase II ou enzimas de detoxificação (Bhuvaneswari e Nagini, 2005; Breemen e Pajkovic, 2008; Edrman Jr. et al., 2009). A indução da síntese de enzimas da fase II promovida pelo licopeno constitui um mecanismo fundamental na prevenção do câncer, uma vez que estas enzimas constituem uma barreira contra agentes tóxicos, incluindo os carcinogênicos exógenos, como é mostrado na Figura 2 (Wertz, 2009). Figura 2 Modos de ação do licopeno que contribuem para prevenção do câncer: redução do dano oxidativo do DNA (ação antioxidante) e indução da síntese de enzimas de fase II (ação detoxificante). Fonte: Wertz (2009). 15 Superóxido dismutase, glutationa S-transferase, glutationa peroxidase e quinona redutase são alguns exemplos de enzimas que atuam nos processos de detoxificação. Todas estão envolvidas em reações que minimizam ou então previnem a ação deletéria dos radicais livres contra ácidos nucléicos e membranas plasmáticas, o que por consequência reduz o risco de desenvolvimento de câncer (Kun et al., 2006; Breemen e Pajkovic, 2008). 4.5.3 Indução da apoptose A apoptose é definida como uma sequência programada de eventos para eliminação de células anormais, como as células cancerígenas, sem afetar as células saudáveis. Por isso, a ocorrência da apoptose é fundamental para impedir a proliferação tumoral. Neste contexto, o licopeno tem sido referenciado em alguns estudos como um importante indutor da apoptose de células cancerígenas, com efeito mais consistente em tumores da próstata (Breemen e Pajkovic, 2008; Mein et al., 2008; Edrman Jr. et al., 2009). 4.5.4 Interferências no ciclo celular e metástase Sabe-se que as células cancerosas perdem a capacidade de regulação do ciclo de proliferação celular. Entretanto, alguns estudos têm evidenciado a atuação do licopeno na inibição do crescimento celular, havendo relatos de interferência no crescimento de células tumorais hepáticas, mamárias, uterinas, tumores de próstata e leucemia. Acredita-se que o licopeno atue inibindo a proliferação do tumor pelo bloqueio da fase G1 do ciclo celular, por meio do decréscimo da síntese de substâncias necessárias para a ocorrência desta fase (Bhuvaneswari e Nagini, 2005; Mein et al., 2008; Wertz, 2009). No caso específico de tumores hepáticos, Breemen e Pajkovic (2008) descreveram a capacidade do licopeno de suprimir a metástase celular, reduzindo a síntese de proteínas de invasão, adesão e migração, requeridas pelo tumor para invadir um tecido. 4.5.5 Fatores de crescimento celular É bem conhecido o papel dos fatores de crescimento na estimulação do desenvolvimento tumoral. Neste contexto, um dos mecanismos de ação desempenhado pelo licopeno para prevenção e/ou controle do câncer refere-se ao bloqueio do fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF), que é uma proteína altamente mitogênica, que estimula o 16 crescimento de fibroblastos e assim promove a angiogênese e por consequência o crescimento tumoral. Assim, a inibição desta proteína resulta no bloqueio do desenvolvimento tumoral, especialmente do melanoma (Breemen e Pajkovic, 2008). O licopeno pode também atuar inibindo a sinalização do fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1), que é uma proteína estimuladora do crescimento celular. Elevações no nível sérico deste biomarcador são associados com o risco aumentado de desenvolvimento de câncer de próstata, de mama e de cólon. Desta forma, a inibição do IGF-1 pelo licopeno interfere diretamente na fase G1 e S do ciclo celular, reduzindo assim a progressão do tumor (Mein et al., 2008; Wertz, 2009). Wertz et al. (2004) relatam que o licopeno pode ainda reduzir a expressão da interleucina 6 (IL-6), uma citocina pleiotrópica que promove processos inflamatórios e age como um fator de crescimento celular. Sendo assim, os níveis de IL-6 têm sido relacionados com o risco de desenvolvimento de câncer. No caso específico do câncer de próstata, o licopeno pode suprimir a expressão de alguns hormônios androgênicos (testosterona – T e 5α-dihidrotestosterona – DTH) e de seus receptores (AR), o que é acompanhado do decréscimo do risco de desenvolvimento tumoral (Wertz et al., 2004). Na Figura 3 é apresentado um esquema que ilustra uma integração dos principais efeitos quimioprotetores do licopeno, que têm como resultado a proteção contra danos oxidativos e a inibição da proliferação celular. Figura 3 Mecanismos de ação do licopeno para redução do risco de câncer. Fonte: Wertz et al. (2004) 17 4.5.6 Aumento das junções GAP Diversos estudos têm sugerido que o licopeno exerça um efeito sobre as junções gap, um fator chave na homeostase tissular. As junções gap são formadas por proteínas de conexão transmembranares, que desempenham diversas funções, inclusive comunicação intercelular. Desta forma, as junções gap são importantes no controle do crescimento celular, diferenciação, proliferação e apoptose (Erdmar, Jr. et al., 2009; Wertz, 2009). No caso específico das junções gap, o licopeno é capaz de aumentar a síntese das proteínas conectivas que constituem essas junções. Consequentemente observa-se uma redução da velocidade da progressão tumoral, uma vez que um menor número de junções gap é um marcador do crescimento carcinogênico (Omoni e Aluko, 2005; Mein et al., 2008). 4.6 Evidências clínicas da quimioproteção do licopeno Diversas pesquisas apontam que não só estudos in vitro, como também estudos clínicos e epidemiológicos confirmam o efeito positivo do licopeno na prevenção e bloqueio do crescimento de vários tipos de cânceres (Kun et al., 2006; Rao e Ali, 2007; Breemen e Pajkovic, 2008). Nkondjock et al. (2005) investigaram a associação entre o consumo dietético de carotenóides e o risco de câncer pancreático em canadenses. No caso específico do licopeno, o consumo deste carotenóide foi relacionado com uma redução de 31% do risco de desenvolvimento de câncer de pâncreas, corroborando com estudos que afirmam que uma dieta rica em licopeno auxilie na prevenção do câncer. Em pacientes com câncer de próstata, Vaishampayan et al. (2007) avaliaram o efeito da suplementação de licopeno isolado e de licopeno associado com isoflavonas de soja. Em ambos os casos, observou-se uma estabilização da doença, sendo que a resposta do grupo que recebeu suplemento exclusivo de licopeno foi superior àquela apresentada pelos pacientes que ingeriram licopeno e isoflavonas. Em estudo randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, Devaraj et al. (2008) testaram o efeito de diferentes doses de licopeno purificado sobre biomarcadores de estresse oxidativo em voluntários saudáveis, durante 8 semanas. Nos grupos de voluntários que receberam a suplementação, observou-se uma redução dos danos oxidativos ao DNA, sendo que uma dose diária de 30mg de licopeno foi suficiente para promoção dos efeitos benéficos. 18 Breemen e Pajkovic (2008) relataram que em estudo clínico com 14 mil homens adventistas do sétimo dia, o consumo de produtos de tomate, ricos em licopeno, foi significativamente correlacionado com um menor risco de câncer de próstata. Além deste estudo, Edrman Jr. et al. (2009) descrevem diversos ensaios clínicos que comprovam que o consumo de alimentos ricos em licopeno ou a ingestão de licopeno na forma isolada estão associados positivamente com a redução do risco de câncer. 4.7 Dosagem terapêutica de licopeno Apesar dos efeitos positivos do licopeno para a prevenção de doenças serem bem documentados, o licopeno ainda não é considerado um nutriente essencial. Por esta razão, não existe uma IDR (ingestão diária recomendada) para o licopeno. Porém, é possível sugerir a dose de licopeno que deve ser ingerida diariamente para que este carotenóide exerça seus efeitos funcionais (Dillingham e Rao, 2009; Rao e Rao, 2007). Conforme Rao e Ali (2007), para seres humanos saudáveis uma ingestão diária de 5 a 7mg de licopeno já é suficiente para combater o estresse oxidativo e prevenir doenças crônicas. Em condições de doença, como no caso de pacientes oncológicos, níveis maiores de licopeno são recomendados, variando de 35 a 75mg por dia. 19 5 CONCLUSÃO Neste trabalho foi apresentada uma revisão bibliográfica baseada em estudos científicos que abordavam o papel quimioprotetor do licopeno, na qual foram discutidos inicialmente os aspectos relacionados à estrutura e metabolismo deste composto bioativo. A abordagem destes temas possibilitou o conhecimento das principais vias de metabolização do licopeno, bem como os fatores que interferem de modo mais relevante na sua biodisponibilidade. Além do estudo global do metabolismo do licopeno, também foi feita uma discussão acerca das suas principais fontes dietéticas e dos fatores que podem influenciar suas concentrações em um alimento. A discussão destes pontos permitiu a identificação das condições ótimas para que o licopeno possa desempenhar seus efeitos funcionais no organismo, além de fornecer subsídios que orientam a prática clínica do nutricionista no incentivo ao consumo deste composto. Mesmo que o licopeno não seja ainda considerado um nutriente essencial, a descrição de seus efeitos metabólicos que culminam na prevenção de diversas doenças crônicas justifica a importância de estimular a população a incrementar o consumo diário de licopeno. Os diversos estudos e dados científicos apresentados no decorrer desta revisão endossaram, principalmente, o efeito do licopeno na prevenção de diversos tipos de câncer. Esta doença crônica apresenta incidência crescente na sociedade atual, uma vez que a mesma está exposta a inúmeros fatores que desencadeiam quadros de estresse oxidativo. Desta forma, a possibilidade de inserir na dieta habitual de uma população alimentos cujos nutrientes sejam capazes de proteger o organismo contra danos oxidativos ou mesmo atuar sobre condições patológicas já estabelecidas, contribui para a redução de ocorrências de morbi-mortalidades associadas ao câncer. Dada as inúmeras evidências científicas que comprovam os efeitos quimioprotetores do licopeno, é necessário o desenvolvimento de ações de educação nutricional que visem incentivar o consumo de licopeno, através da ingestão de alimentos e/ou preparações culinárias em que o mesmo encontra-se mais biodisponível. A incorporação deste hábito alimentar certamente pode contribuir para a desaceleração do crescimento dos novos casos de câncer e de seus índices de mortalidade. Além disso, subsidia o aperfeiçoamento de estudos que buscam a identificação da recomendação ideal de licopeno para os diversos estratos etários e condições de saúde de uma população. 20 REFERÊNCIAS Bhuvaneswari V, Nagini S. Lycopene: a review of its potential as na anticancer agent. Curr Med Chem. 2005; 6: 627-35. Breemen RB, Pajkovic N. Multitargeted therapy of cancer by lycopene. Cancer Lett. 2008; 269: 339-51. Devaraj S, Mathur S, Basu A, Aung HH, Vasu VT, Meyers S, Jialal I. A dose-response study on the effects of purified lycopene supplementation on biomarkers of oxidative stress. J Am Coll Nutr. 2008; 27: 267-73. Dillingham BL, Rao AV. Biologically active lycopene in human health. Int J Nat Med. 2009; 4: 23-7. Erdman Jr. JW. How do nutritional and hormonal status modify the bioavailability, uptake, and distribution of different isomers of lycopene? J Nutr. 2005; 135: 2046-7. Erdman Jr. JW, Ford NA, Lindshield BL. 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