UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS – BACHARELADO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS ANÁLISE DA DEMOCRACIA VENEZUELANA NO PERÍODO DE GOVERNO DE HUGO CHÁVEZ MONOGRAFIA DE FINAL DE GRADUAÇÃO Everton Olivio Capra Santa Maria, RS, Brasil 2014 ANÁLISE DA DEMOCRACIA VENEZUELANA NO PERÍODO DE GOVERNO DE HUGO CHÁVEZ Everton Olivio Capra Monografia apresentada ao Curso de Graduação de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacional Orientador: Prof. Dr. José Carlos Martines Belieiro Júnior Santa Maria, RS, Brasil 2014 Universidade Federal De Santa Maria Centro De Ciências Sociais e Humanas Departamento De Ciências Econômicas – Bacharelado Em Relações Internacionais A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Monografia de Graduação ANÁLISE DA DEMOCRACIA VENEZUELANA NO PERÍODO DE GOVERNO DE HUGO CHÁVEZ Elaborada por Everton Olivio Capra Como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais Comissão Examinadora: Dr. José Carlos Martines Belieiro Júnior (Presidente/Orientador) Dr. Eduardo Lopes Cabral Maia (UFSM) Dr. Cleber Ori Cuti Martins (UFSM) Santa Maria, 11 de dezembro de 2014. AGRADECIMENTOS Aos meus pais Claudiomir Capra e Sirlei Rodrigues Capra que priorizaram o estudo em minha vida, fazendo o possível para garantir boas condições de educação, e demonstrando a importância da mesma. Também os agradeço por proporcionar importantes princípios de vida, tais como: honestidade, caráter, esforço, entre outros que me auxiliaram e auxiliam dentro e fora da vida acadêmica. A minha namorada Jéssica Maria Grassi, que com muito carinho e perseverança compreendeu alguns momentos que me encontrava preocupado em demasia e de minha ausência em algumas situações devido aos estudos. Aos amigos e colegas da Casa do Estudante Universitário, que transformaram o ambiente da universidade em algo mais descontraído, e acolhedor durante todo o período de minha graduação. Agradeço ao Professor Dr. José Carlos Martines Belieiro Júnior, que aceitou auxiliar-me com o projeto inicial que lhe apresentei, orientando-me no decorrer do direcionamento que foi tomado no trabalho, e encontrando tempo em sua agenda para orientação de minha monografia, com conversas descontraídas e interessantíssimas. E gostaria de agradecer ao Estado brasileiro, representado nele todos os brasileiros por fornecerem a possibilidade de acesso à escolas e universidades públicas, e programas de auxilio e permanência, sem os quais seria impossível para minha pessoa, estar concluindo o Ensino Superior neste momento. “A ditadura perfeita terá as aparências da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão.” (Aldous Huxley) Resumo Monografia de Graduação Curso de graduação de Relações Internacionais Universidade Federal de Santa Maria ANÁLISE DA DEMOCRACIA VENEZUELANA DURANTE O PERÍODO DE GOVERNO DE HUGO CHÁVEZ AUTOR: EVERTON OLIVIO CAPRA ORIENTADOR: DR. JOSÉ CARLOS MARTINES BELIERO JÚNIOR Data e Local da Defesa: Santa Maria, 11 de dezembro de 2014 A expressão democracia nos traz a mente o direito que possuímos como cidadãos de um Estado democrático de expressar as nossas ideias “voto” para selecionar os representantes de governo, e as políticas públicas. Para as pessoas mais jovens no Brasil o cenário político democrático é algo natural, e não é questionável. Mas a América Latina no decorrer do desenvolvimento político passou por muitas dificuldades neste contexto, e ainda possui dificuldades em alguns Estados que buscam construir a manutenção de instituições e a formação de pensamento político democrático. A Venezuela é um claro exemplo deste cenário, no termino dos anos 50 a Venezuela iniciava seu primeiro governo representativamente democrático com a queda da ditadura de Marcos Peres Jiménez e a eleição de Rómulo Betancourt, apoiado na base política do Pacto de Punto Fijo, predominante na segunda metade do século XX que construiu na Venezuela uma sólida engenharia institucional. A eleição de Hugo Chávez Frías em 1998 ocasionou algumas mudanças no cenário político venezuelano, e junto a essas mudanças surgiram várias críticas ao governo, entre as críticas estava a do cerceamento da democracia, prejudicial às relações políticas internas e externas. Assim sendo, buscamos analisar, segundo um estudo do material teórico democrático moderno, e da contextualização histórica do período, os preceitos democráticos do governo de Hugo Chávez no período compreendido entre 1998 e 2013. Palavras-chave: Democracia. Estado. Venezuela. Hugo Chávez Frías. ABSTRACT Graduation Dissertation Undergraduate couse on International Affairs Universidade Federal de Santa Maria ANALYSIS OF DEMOCRACY IN VENEZUELAN GOVERNMENT PERIOD OF HUGO CHÁVEZ AUTHOR: EVERTON OLIVIO CAPRA ADVISOR: DR. JOSÉ CARLOS MARTINES BELIERO JÚNIOR Defense Date and Local: Santa Maria, december 11, 2014. The term democracy brings to mind the right we have as citizens of a democratic state to express our ideas “vote” to select the representatives of government, and public policy. For younger people in Brazil democratic political landscape is natural, and is not questionable. But Latin America during the political development has gone through many difficulties in this context, and still has difficulties in some States seeking to build the maintenance of institutions and the formation of democratic political thought. Venezuela is a clear example of this scenario, the end of the 50s Venezuela began its first representatively democratic government with the fall of the dictatorship of Marcos Perez Jimenez and the Rómulo Betancourt election, based on the political basis of the Pact of Punto Fijo, predominant in second half of the XX century in Venezuela built a solid institutional engineering. Hugo Chávez Frías election in 1998 led to some changes in the Venezuelan political scene, and with these changes there have been some criticisms of the government, among the criticisms was the curtailment of democracy, damaging the internal and external political relations. Therefore, we analyze, according to a study of the modern democratic theoretical material, and historical background of the period, democratic precepts Hugo Chávez’s government in the period between 1998 and 2013. Key-words: Democracy. State. Venezuela. Hugo Chávez Frías. LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS AD - Ação Democrática ANC - Assembleia Nacional Constituinte CD - Coordenação Democrática de Ação Cívica CEPAL - Comissão Econômica para América Latina CNE - Conselho Nacional Eleitoral COPEI - Comitê de Organização Política Eleitoral Independente CTV - Confederação dos Trabalhadores da Venezuela Fedecámaras - Federação de Câmaras e Associações de Comércio e Indústria IDEA - Instituto Internacional para Democracia e Assistência Eleitoral MAS - Movimento ao Socialismo MBR-200 - Movimento Bolivariano Revolucionário 200 MENI - Movimento Eleitoral Nacional Independente MEP - Movimento Eleitoral do Povo MIR - Movimento de Esquerda Venezuelano MVR - Movimento Quinta República ONU - Organização das Nações Unidas OPEP - Organização dos Países Exportadores de Petróleo PCV - Partido Comunista Venezuelano PIB - Produto Interno Bruto PPT - Partido Patriota Para Todos PSUV - Partido Socialista Unido da Venezuela TSJ - Tribunal Superior de Justiça UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura URD - União Republicana Democrática Sumário INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 11 1. SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX, UM MISTO DE AUTORITARISMO E DEMOCRACIA EM TODA AMERICA LATINA E VENEZUELA. ................................................ 13 1.1 O Pacto de Punto Fijo ..................................................................................................... 13 1.2 Questões que remontam a América Latina ............................................................... 15 1.3 Os governos venezuelanos na segunda metade do Séc. XX ............................... 17 2. A ASCENÇÃO DE HUGO CHÁVEZ AO PODER NA VENEZUELA .................................. 21 3. O REGIME CHAVISTA .............................................................................................................. 22 3.1 O Primeiro Mandato (1999 – 2001) ............................................................................... 22 3.2 O Segundo Mandato (2001 – 2004) .............................................................................. 24 3.3 Terceiro Mandato (2004 - 2007) .................................................................................... 29 3.3.1 4. As Missões .................................................................................................................. 33 3.4 Quarto Mandato (2007 – 2013) ...................................................................................... 34 3.5 Quinto Mandato (2013 – 2013) ...................................................................................... 36 A QUALIDADE DA DEMOCRACIA DO PERÍODO CHAVISTA.......................................... 37 4.1 Democracia: Conceito..................................................................................................... 38 4.2 Teses da Teoria Moderna da democracia no contexto venezuelano ................. 42 4.3 A Poliarquia como método de análise da democracia venezuelana .................. 44 4.3.1 Liberdade de formar e participar de organizações: ............................................... 45 4.3.2 Liberdade de Expressão: .......................................................................................... 47 4.3.3 Direito de Voto: ........................................................................................................... 48 4.3.4 Direito de líderes políticos disputarem apoio: ........................................................ 49 4.3.5 Instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e outras expressões de preferência: ....................................................................... 51 CONCLUSÃO ..................................................................................................................................... 54 REFERÊNCIAIS BIBLIOGRAFICAS.............................................................................................. 56 11 INTRODUÇÃO No pensamento político moderno e contemporâneo, o debate em torno da democracia ocupou e ocupa uma larga gama de atenções, não somente dos profissionais das áreas sociais, mas de vários atores que de uma forma ou de outra estão inseridos no debate público. O que esta monografia se propõe é fazer uma análise da história política da Venezuela no termino do século XX e início do século XXI para inserir nesse contexto, especificamente no período de governo de Hugo Chávez o debate em torno da democracia. Para cumprir esta tarefa, esta monografia foi organizada em cinco partes; na primeira parte, é realizada uma breve contextualização do período histórico venezuelano no final do século XX, período que ocorre a estabilização da democracia na Venezuela com o termino da ditadura de Marcos Peres Jiménez, e a consolidação do Pacto do Punto Fijo em 1958, apoiado na base política do Pacto de Punto Fijo construiu-se na Venezuela uma sólida engenharia institucional que perdura por praticamente toda a segunda metade do Sec. XX, diferentemente dos países da região que passaram por várias mudanças institucionais devido a interferências dos militares. Nos anos 80 e 90 protestos e revoltas eclodem na Venezuela, devido ao recesso econômico que ocorre em razão do baixo preço do petróleo, dos escândalos de corrupção presentes no governo e medidas neoliberais tomadas para controle da dívida pública; o que acaba por abalar a estrutura política do Pacto do Punto Fijo entre os partidos: Ação Democrática (AD) e Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (COPEI). Na segunda parte, são introduzidos dados empíricos sobre a ascensão de Hugo Chávez no cenário político venezuelano, sua formação, sua presença na tentativa de golpe de Estado em 1992 e o seu processo de inserção no cenário político venezuelano participando das eleições de 1998. Na terceira parte, foram introduzidos dados empíricos pertinentes ao período de governo de Hugo Chávez, dividido entre os cinco mandatos para contextualizar o cenário, de forma mais compreensível. Na quarta parte é realizada uma breve revisão literária sobre o conceito de 12 democracia, seus princípios e aplicações. Introduzindo algumas análises presentes na teoria moderna da democracia a partir da teoria de Robert Dahl, Poliarquia ao cenário venezuelano no período do governo de Hugo Chávez. E, por fim, uma parte conclusiva. Essa avaliação é relevante porque, com a ascensão de Hugo Chávez ao poder em 1999, muitas críticas foram feitas, tanto internamente como no cenário internacional, ao grau de democracia no país. O objetivo desse trabalho é trazer para a análise da democracia na Venezuela as conceituações elaboradas na área das Ciências Sociais, dando enfoque à teoria de Robert Dahl “Poliarquia”. A presente pesquisa será submetida ao método de abordagem dedutiva, tendo em vista que as pesquisas serão realizadas partindo-se de situações gerais até a compreensão particular. Serão utilizados os métodos de procedimentos histórico e analíticos para verificar a presença de preceitos acerca da democracia no decorrer do tempo de governo de Hugo Chávez. 13 1. SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX, UM MISTO DE AUTORITARISMO E DEMOCRACIA EM TODA AMERICA LATINA E VENEZUELA. 1.1 O Pacto de Punto Fijo A análise deste trabalho começa em período histórico relevante para o Estado venezuelano e a estruturação de um país democrático moderno, a queda da ditadura de Marcos Peres Jiménez, em 23 de janeiro de 1958, sendo então Rómulo Betancourt o primeiro representante de uma cultura política democrática que se iniciava na Venezuela neste período, através da formação do Pacto de Punto Fijo. O pacto reconheceu que a existência de diversos partidos e as naturais divergências entre estes podiam ser canalizadas no marco das pautas de convivência e no reconhecimento de que havia interesses comuns (Romero, 1989, p. 25). O Pacto de Punto Fijo, assinado por Rómulo Betancourt do partido Ação Democrática (AD), Rafael Caldera do partido Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (COPEI), Almirante Wolfgang Larrazabal do partido Movimento Eleitoral Nacional Independente (MENI), e Jóvito Villalba do partido União Republicana Democrática (URD), promoveu regras de coalizão para que os diferentes grupos respeitassem as eleições de 1958, para que houvesse coalizões entre os políticos de diferentes partidos, buscando assim compartilhar as responsabilidades do governo. Este pacto teve desde sua origem características que lhe imprimiram forte senso excludente, excluía participação de grupos de esquerda, sendo eles, o Partido Comunista Venezuelano (PCV), e o Movimento de Esquerda Revolucionário (MIR), esse tratado criou um sistema de pactocracia 1 , o qual acabou por facilitar a estabilização de uma democracia Venezuelana. 1 Alguns críticos do nascente sistema político, como James Cockroft preferiram caracterizar o mesmo como “pactocracia”. James Cockroft, América Latina y Estados Unidos. Historia y política país por 14 Inicialmente tratava-se de um acordo para a manutenção da democracia entre: Ação Democrática (AD), Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (COPEI) e União Republicana Democrática (URD); mas posteriormente passou a designar a aliança tácita dos dois principais partidos: AD e Copei. O pacto de governabilidade formou uma coalizão que excluía os Partidos Comunistas da participação no Estado, considerados como forças desestabilizadoras do nascente sistema democrático. A partir de 1958, o predomínio dos militares profissionais em detrimento dos pretorianos2 deu à Venezuela a possibilidade de formar o pacto entre os partidos e estabilizar governo com maior liberdade e participação. A conquista do poder pelos civis, entretanto, foi auxiliada pelos militares, que ainda mantinham elevada participação em postos chave da vida política. Com o aumento da competitividade política e a disputa real entre os civis pelo poder, esses militares foram perdendo terreno com campo político (NEVES, 2010, p. 113). Apoiada na base política do Pacto de Punto Fijo construiu-se na Venezuela uma sólida engenharia institucional que perduraria até o governo de Carlos Andrés Pérez em 1993. Essa estrutura do Pacto de Punto Fijo teve sua base material construída pela distribuição da renda do petróleo. Rafael Villa (2005) contribui com essa análise em seu artigo Venezuela – mudanças políticas na era Chávez, em que o autor conclui: A existência do petróleo condicionou a forma de intervenção do Estado na economia, e também a relação deste com o restante dos atores políticos, tais como partidos, sindicatos, forças armadas e setor privado3. país, México, D.F., Siglo XXI, 2001 p. 454. 2 Diz-se “Pretorianos” de qualquer sociedade submetida a um governo militar. S.P. Huntington, The Soldier and the State. Disponível em: <maltez.info/respublica/topicos/aaletrap/pretorianismo.htm> Acesso em: 22 de agosto de 2014. 3 VILLA, Rafael Duarte. Venezuela: mudanças políticas na era Chávez. Dossiê América Latina, São Paulo, v.1, nº 55. 2005, p.127. 15 Presidentes da Venezuela no período de base política do Pacto de Punto Fijo (1959-1999): Rómulo Betancourt – AD: (Fevereiro de 1959 – Março de 1964); Raúl Leoni – AD: (Março de 1964 – Março de 1969); Rafael Caldera – COPEI: (Março de 1969 – Março de 1974); Carlos Andrés Pérez – AD: (Março de 1974 – Março de 1979); Luis Herrera Campíns – COPEI: (Março de 1979 – Fevereiro de 1984); Jaime Lusinchi – AD: (Fevereiro de 1984 – Fevereiro de 1989); Carlos Andrés Pérez – AD: (Fevereiro de 1989 – Maio de 1993); Octavio Lepage – AD: (Maio de 1993 – Junho de 1993); Ramón José Velázquez – AD: (Junho de 1993 – Fevereiro de 1994); Rafael Caldera – Convergencia: (Fevereiro de 1994 – Fevereiro de 1999). 1.2 Questões que remontam a América Latina Ao término dos anos 50 quando ocorrem essas mudanças internas no cenário político venezuelano, toda a América Latina esta passando por um período de intensas relações e mudanças na geopolítica4 regional e global. Ainda nas primeiras décadas do século XX, a utilização do petróleo nos equipamentos bélicos, principalmente aviões e submarinos, e a ascensão da indústria automobilística levaram o petróleo a ser considerado mais do que uma questão econômica e a se tornar uma questão de interesse nacional. O governo americano passou a incentivar empresas do país a operarem no exterior. 4 O termo “Geopolítica” foi criado pelo cientista político sueco Rudolf Kjellén, no início do século XX, inspirado pela obra de Friedrich Ratzel, Politische Geographie, de 1897. Para José W. Vesentini: “A palavra geopolítica não é uma simples contração de geografia política, como pensam alguns, mas sim algo que diz respeito às disputas de poder no espaço mundial e que, como a noção de poder já o diz (poder implica dominação, via Estado ou não, em relação de assimetria enfim, que podem ser culturais, sexuais, econômicas, repressivas e/ou militares, etc.), não é exclusivo da geografia”. 16 O desempenho do Estado desenvolvimentista que teve seu inicio em meados de 1930-1945 vinha construindo seu apogeu, assim a América Latina sustentava uma fase de modernização em vários setores, responsável por enormes avanços econômicos. Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno (2011) em livro por eles publicado, História da política exterior do Brasil apresentam a seguinte afirmativa relativo ao Estado desenvolvimentista, característica dos países Latino-americanos: Os setores estratégicos – cimento, siderurgia, comunicação, petróleo e petroquímica, energia elétrica, nuclear, indústria aeronáutica, espacial e naval – foram impulsionados por empreendimentos estatais, não por requisição original do modelo, que os preferia privados, mas porque neles a 5 iniciativa privada se recusava a penetrar . Em janeiro de 1959 as forças revolucionárias lideradas por Fidel Castro, Raul Castro e Ernesto Guevara conquistaram o poder em Cuba, o processo revolucionário que derrubou Fulgencio Batista animou preocupações à política externa dos Estados Unidos, pois representou um perigo a hegemonia norteamericana no continente. À medida que a revolução se concretizava em Cuba, através de mudanças estruturais e sociais, os Estados Unidos compreendiam que deveriam modificar suas relações em toda a América Latina para evitar que o mesmo ocorresse com outros Estados do continente. A política norte-americana neste período de desenrolar da guerra fria observava na área um ambiente de expansão de um sistema de garantia de maior poderio. Era a formação da doutrina da reserva estratégica na qual se definia a função da América Latina para com a zona de influência global dos Estados Unidos no pós-guerra. Essa correção de rumos do modelo norte-americano de desenvolvimento para com a América Latina comportaria o abandono da mentalidade estatista por parte dos países Latino-americanos, cuja origem remonta ao socialismo e ao marxismo, e posterior à recuperação dos princípios da liberdade econômica (CERVO, BUENO, 2011, p. 97). 5 CERVO, Amado Luiz. BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. UNB, 2011, p. 97. 17 Dentre os principais marcos deste período para a Venezuela esta a criação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), em 1960; O que levaria ao primeiro choque de produção, em 1973, com a diminuição voluntária da produção dos países da OPEP e com o embargo às vendas aos Estados Unidos e Europa pelos países do Oriente Médio. 1.3 Os governos venezuelanos na segunda metade do Séc. XX O governo de Rómulo Betancourt ajuda a criar a OPEP, para fazer valer no campo internacional o interesse dos países produtores de petróleo, para ajustar políticas econômicas comuns. A eleição presidencial de 1968 foi um turning point6 na evolução democrática da Venezuela. Caldeira representante da Copei conquistou a presidência sobre Gonzalo Barrios representante da AD, com a participação de 90% dos votantes (em um dos poucos países da América Latina que o voto não era compulsivo), resultou na primeira transferência de poder a um partido oposicionista de forma pacifica na Venezuela. No ramo econômico em 1971, o Estado reserva para si 100% dos direitos de produção de gás natural, então um produto em desenvolvimento; e em 1974, além da alíquota de 60%, há a imposição de uma sobretaxa de US$ 0,35 por barril produzido, e, no mesmo ano, o aumento da alíquota de 60% para 63,5% e, finalmente, em 1976 a nacionalização de toda a produção de petróleo. Por mais que persistissem a fragmentação partidária e a dispersão eleitoral, a dominação do sistema bipartidário, sendo estes a AD e Copei alternando no poder foi institucionalizado de 1968 até 1993. No período puntofijista havia uma grande concentração das decisões pelo governo, e baixa representatividade da oposição, como apresentado por Romulo 6 Momento no qual ocorre mudança significativa; Um momento decisivo. 18 Figueira Neves (2010) em seu projeto de mestrado, apesar de haver democracia representativa, ainda havia muita centralização das decisões pelo governo e pelos partidos (a partir de 1973, os dois principais partidos obtiveram sempre mais do que 83% das cadeiras do Legislativo; além disso, com o sistema de listas fechadas, as lideranças partidárias tinham controle excessivo sobre os deputados, diminuindo a representatividade popular). O governo de Carlos Andrés Pérez foi marcado pelo auge dos preços do petróleo, indústria que nacionalizou em 1975, gerando abundância de divisas. A política de clientela desenvolvida nos governos anteriores atinge seu ponto máximo com a extrema valorização do petróleo. É implantado programa de diversificação do crescimento econômico, com massivos investimentos em indústrias de alto risco, indústrias pesadas, e no setor de infraestrutura para dar suporte ao crescimento do setor petroleiro. A Venezuela era nesse momento a rainha entre os países produtores de petróleo, tendo sido, até 1979, o país com a maior produção acumulada desde o início das suas atividades de extração. A entrada maciça de recursos por via das exportações e da nacionalização da propriedade, no entanto, não foi suficiente para conter os problemas de déficit público e do aumento da dívida interna e externa. Os recursos vindos de sua exportação permitiram manter a política reformista nacionalista que houve na América Latina ainda no primeiro lustro da década de setenta. Seguiu-se mantendo boas relações com Cuba e a União Soviética, mas sem que isto significasse um conflito com os Estados Unidos, que dependiam do petróleo da Venezuela. A AD perdeu as eleições de 1978 para o Copei, que elegeu Luis Herrera Campíns. Completava-se o segundo ciclo de revezamento da AD e do Copei no poder, que iria ainda até 1993 (AD: 1958-1968, Copei: 1968-1973, AD: 1973-1978, Copei: 1979-1984, AD: 1984-1993). Campíns também vivenciou os altos preços do petróleo, cujo preço atingiu mais de US$ 30 o barril, em 1979. Segundo Rômulo Figueira Neves destaca (2010) “O pretorianismo e o culto a Bolívar podem não ter estado presentes nos discursos dos líderes da AD e do Copei, mas estavam difundidos na sociedade. A radicalização dos discursos, as práticas 19 personalistas, a dependência para com as rendas do petróleo. Todos esses fatores podem ser identificados na prática política venezuelana ao longo de sua história7”. Prosseguia a política clientelista rentista de subsídio estatal indiscriminado de serviços de telefone, eletricidade, água, transporte e produtos básicos de alimentação. Em fevereiro de 1983, no dia 18, a crise da dívida pública explode na chamada sexta-feira negra, quando a moeda nacional é desvalorizada e é estabelecido um controle cambial, dando início a uma escala da inflação. Em contrapartida à situação precária da economia, o então eleito pela AD Jaime Lusinchi, programou grande plano de austeridade que teve duro impacto sobre a população mais pobre. Após período breve, devido a duas quedas precipitadas no preço do petróleo, uma em 1986 e outra em 1988, os gastos do governo aumentaram gradativamente, muito devido à política econômica de Lusinchi que buscava atender a revitalizações nos setores econômicos e pagar as dívidas externas. A balança positiva de pagamentos de 1,7 bilhões de dólares em 1985 transformou-se em um déficit de 3,8 bilhões em 1986 e um déficit de 4,4 bilhões em 1987. Esse processo de instabilidade econômica foi o estopim para a ruptura do sistema Político Bipartidário venezuelano, os efeitos negativos da austeridade sobre os programas de redistribuição de renda, que eram vitais para a manutenção da relação entre as elites e as massas. Declinaram nesse momento lealdades partidárias e os sindicatos, cooperativas, associações de bairro serviram como veículos para as demandas da sociedade. Em 27 de fevereiro de 1989 rompe-se o movimento “Caracazo”, um conjunto de tumultos e saques que eclodiu em Caracas e outras cidades em toda a Venezuela. Para controlar as revoltas que iniciaram após a tomada de medidas de resseção econômica8, e controle neoliberal, Carlos Andrés Pérez, declarou estado 7 NEVES, Rômulo Figueira. Cultura política e elementos de analise da política venezuelana. Brasília, Fundação Alexandre Gusmão, 2010. 8 Segundo retrata Ewan Robertson em notícia veiculada no portal de notícias Venezuelanalysis, “metade da população vivia na pobreza, na época, e alguns que viviam em extrema pobreza recorriam a comida de cachorro ou água de spaghetti para encher seus estômagos”. Disponível em: <http://venezuelanalysis.com/news/10431>. Acesso em 10 de out de 2014. 20 de emergência e enviou o exército às ruas para acabar com os tumultos. No massacre que se seguiu, estima-se que o número de mortos ficou entre 300 a 3000. O descontentamento era claro entre civis e militares de baixa patente e o recurso à força prevaleceu sobre a tentativa de conciliação. Apesar de a situação explodir primeiramente com os civis, os militares se preparavam, havia alguns anos, para uma rebelião. A instabilidade política estimulou assim a tentativa de golpe de Estado liderada por militares da baixa oficialidade, em fevereiro de 1992, da qual Hugo Chávez era um dos líderes. A tentativa de golpe de 1992 foi controlada, mas a situação socioeconômica prosseguiu grave e as notícias sobre os militares revoltosos fixaram na população a imagem de um ponto de apoio popular dentro da instituição oficial venezuelana: os oficiais de baixa patente, não comprometidos com o governo de Andrés Pérez. Os líderes da revolta foram presos, mas o responsável pela comunicação do grupo foi encarregado pelo governo de apelar para os revoltosos voltarem aos quartéis para evitar um derramamento de sangue de grandes proporções. Em 1993 o presidente eleito não foi de nenhuma das duas forças políticas o que demonstrou o crescente descontentamento da sociedade venezuelana frente à corrupção, e as medidas neoliberais aplicadas nos governos de AD e COPEI. O vencedor, Rafael Caldera, que já havia sido líder político do COPEI e presidente pelo partido de 1969 a 1973. Elegeu-se para um segundo mandato pela recémcriada Convergência. Segundo Rômulo Figueira Neves (2010), “O período 1958-1998, foi uma tentativa artificial da construção do consenso absoluto. A democracia consenciacional – regime estável por meio de acordos entre as elites dos diversos grupos que formam a sociedade – que se tentou implantar no país falhou porque aqueles rivais responsáveis pelo acordo inicial passaram a fazer parte do mesmo grupo, enquanto se formava um novo grupo, numericamente superior, que ficou excluído do pacto, pois o atrito era latente e, a uma das partes, o “consenso” era imposto, impossibilitando a canalização de seus interesses. A radicalização do discurso nessa situação é um passo quase natural”. 21 2. A ASCENÇÃO DE HUGO CHÁVEZ AO PODER NA VENEZUELA Hugo Chávez Frias nasceu em Sabaneta no Estado venezuelano de Barinas no dia 28 de julho de 1954, era o segundo dos seis filhos de Hugo de los Reyes Chávez e Elena Frias, ambos professores primários. Cresceu em ambiente modesto. Ainda pequeno, seus pais o confiaram à sua avó paterna, Rosa Inés Chávez. Aos 17 anos, Hugo Chávez ingressou na Academia Militar da Venezuela, graduando-se, no ano de 1975, em Ciências e Artes Militares, ramo de Engenharia. Prosseguiu na carreira militar, atingindo o posto de tenente coronel. Chávez cresceu e teve seu desenvolvimento político e militar nos períodos de governos puntofijistas, o que levou Chávez a desejar o fim do bipartidarismo na Venezuela. A instabilidade política de 1992 estimulou assim a tentativa de golpe de Estado liderada por militares da baixa oficialidade, da qual Hugo Chávez era um dos líderes. O recém-promovido (1990) tenente coronel e ex-estudante do curso de mestrado em Ciência Política pela Universidad Simón Bolívar (1989-1990), Hugo Chávez falou durante menos de um minuto em cadeia nacional, pedindo que se entregassem os militares revoltosos não haviam conseguido atingir seus objetivos e assumido a responsabilidade pelo levante. O pronunciamento, que marcava sua derrota militar se converteu em sua primeira vitória política. O tenente coronel, ao sair da prisão, passa a organizar politicamente o antigo Movimento Bolivariano Revolucionário 200 (MBR-200), que fazia referência ao bicentenário de Bolívar, que se comemoraria em 1983. O grupo, formado em 1982, por 10 colegas militares, passou a se desenvolver como célula política descontente como os rumos do país na década de 1980, que se desembocou na tentativa de golpe de 1992. No processo de enfraquecimento do Puntofijismo, estabeleceu-se uma espécie de vazio no cenário político venezuelano. A partir de 1994, Hugo Chávez reuniu em torno do projeto MBR-200 os antigos aliados, como Douglas Bravo e Raúl Isaías Baduel, para fundar um novo partido, o Movimento Quinta República (MVR), 22 estava sendo criada a Quinta República, em referência à Quarta República, denominação corrente do período democrático de 1958 a 1998. Nas eleições de 1998, compôs com os partidos de esquerda da Venezuela, o partido Movimento ao Socialismo (MAS), o partido Movimento Eleitoral do Povo (MEP) e o partido Pátria Para Todos (PPT), dissidência do partido Causa R. Em 1998 os partidos AD e Copei desistiram de suas candidaturas para apoiar outro candidato considerado outsider 9 , Henrique Salas Romer, que havia fundado o Projeto Venezuela para amparar sua candidatura. Chávez lançou-se candidato, vencendo as eleições com 56% dos votos. 3. O REGIME CHAVISTA 3.1 O Primeiro Mandato (1999 – 2001) Chávez assumiu a presidência da Venezuela em fevereiro de 1999 e, em julho do mesmo ano, promoveu eleições de Assembleia Nacional Constituinte (ANC), contrariando a constituição centralista vigente, que previa apenas a possibilidade de mudança da Constituição via emenda constitucional, para haver, constitucionalmente, uma Assembleia Constituinte, os deputados deveriam primeiro votar uma emenda autorizando a convocação de tal Assembleia que produziria uma nova constituição em substituição à constituição de 1961. As forças chavistas obtiveram esmagadora maioria na Assembleia Nacional Constituinte, elegendo 125 deputados, enquanto a oposição só conseguiu eleger seis. Aprovada em dezembro de 1999, a nova Constituição teve entre suas fortalezas o fato de ter estabelecido novas pautas para a reestruturação do poder judiciário e de ter elevado a cinco os poderes públicos: além dos poderes clássicos 9 Outsider: Aquele que não se enquadra na sociedade, que vive à margem das convenções sociais e determina seu próprio estilo de vida, através de suas crenças e valores. 23 (Executivo, Legislativo e Judiciário), somaram-se o Poder Cidadão10 e o Eleitoral11, ambos já presentes em documentos do MBR200 nos anos de 1990. Além disso, a nova Constituição alterou o nome da Venezuela para República Bolivariana de Venezuela, concedeu também o voto aos militares e transformou o poder legislativo de bicameral em unicameral, sendo sua instância máxima a Assembleia Nacional (Maya, 2003). Dentre as criticas à nova Constituição, destaca-se a excessiva concentração de poder nas mãos do presidente, que passou inclusive a ter o poder de legislar por meio da lei habilitante a respeito de qualquer matéria. Em finais do ano 2000, a Assembleia Nacional aprovou um pacote de 49 leis habilitantes. Duas dessas leis, em especial, causaram grande polêmica no país: A lei de Hidrocarbonetos, que rege o setor petroleiro, e a lei de Terras que trata da reforma e do desenvolvimento agrários. No primeiro caso, porque o governo passou a exigir que o capital venezuelano tivesse maioria acionária nas parcerias com petroleiras estrangeiras atuantes no país, o que os defensores da liberalização do setor viram como retrocesso. O governo ainda aumentou de 16,6% para 30% os royalties cobrados sobre o barril do petróleo. Já a polêmica em torno da Lei de terras é um pouco mais complexa. É amplamente aceito que foi a noção de horror à oligarquia que fez o presidente Hugo Chávez manter, na Constituição Bolivariana, o artigo 342, que já vinha da Carta de 1961, indicando que “o regime latifundiário é 12 contrário ao interesse social” na Venezuela . A partir da intensa discussão dessas duas leis habilitantes, surge uma radicalização no discurso chavista e no discurso da oposição, gerando-se um quadro de polarização de campos políticos de “nós e os outros”. O resultado foi que a classe média, além de sentir poucos sinais positivos de recuperação de seu status e alto 10 O Poder Cidadão é autônomo e com poder de atuação em escala nacional e tem função de prevenir, investigar e punir os fatos que atentem contra a ética pública, a moral administrativa, bem como zelar pela boa gestão e pela legalidade no uso do patrimônio público e no cumprimento e na aplicação do princípio da legalidade em toda a atividade administrativa do Estado. Este Poder é exercido pelo Conselho Moral Republicano, que é integrado pelo Defensor do Povo, pelo ProcuradorGeral e pelo Controlador-Geral. Os órgãos do Poder Cidadão são: o Ministério Público do Povo, Ministério Público e a Controladoria-Geral da República (artigo 273 de Constituição da República). 11 O Poder Eleitoral, de natureza nacional e autônoma, é exercido pelo Conselho Nacional Eleitoral como órgão diretor, tendo, como organismos subordinados, a Junta Nacional Eleitoral, a comissão de Registro Civil e Eleitoral e a Comissão de Participação Política e Financiamento (artigos 292 a 298 da Constituição da República). 12 UCHOA, Pablo. Venezuela: a encruzilhada de Hugo Chávez. São Paulo, Globo, 2003,p.56. 24 padrão de vida socioeconômico dos anos 1970 e início de 1980, começou a questionar a eficácia da retórica presidencial para combater o desemprego (em torno de 18% em finais de 2002), a desigualdade social e a violência urbana, além de se sentir desconfortável em relação à linguagem radicalizada de Chávez (VILLA, 2005). 3.2 O Segundo Mandato (2001 – 2004) Eleições são convocadas em 2000, para legitimar os poderes da nova Constituição, Chávez vence, com 60% dos votos, ao candidato Francisco Árias Cardenas, da Causa R, também representante de forças revolucionárias de esquerda, antigo aliado do governo. A AD e o Copei não tiveram candidatos e o exfiliado da AD, Cláudio Férmin, conquistou apenas 2,7% dos votos. Participaram das eleições 56% dos eleitores registrados. Nos primeiros dois anos, a mídia tentou aproximar-se de Chávez, mas depois de breve período passou a atacá-lo, iniciando uma oposição que atingiu seu ápice na tentativa de golpe de 2002. Segundo Romulo Figueira Neves (2010), apesar de atitude crítica à Quarta República e aos antigos partidos, e da maioria conquistada nas eleições legislativas, era de conciliação frente à oposição que se formava, principalmente porque a Petróleos da Venezuela (PdVSA) ainda estava sob controle dos antigos gerentes, os meios de comunicação privados detinham a esmagadora maioria da audiência (quatro canais privados tinham, em 2002, 90% da audiência) e havia setores descontentes entre os militares13. Há que se destacar que parte da geração classe média que protestava nas ruas de Caracas contra Chávez é a mesma que cresceu nos melhores anos do boom petroleiro venezuelano dos anos 1970 e início de 1980. As demandas desse setor social eram muito distantes da pregada revolução pacífica e bolivariana. 13 NEVES, Rômulo Figueira. Cultura política e elementos de analise da política venezuelana. Brasília, Fundação Alexandre Gusmão, 2010, p. 66. 25 Segundo Leonardo Vivas retrata em seu livro Chávez: a última revolución del siglo, demonstra a expectativa de parte da classe média por um governo de reformas econômicas: “A expectativa desses setores de classe média quando votaram em Chávez, em dezembro de 1998, era a de que o novo governante fizesse funcionar novamente, e de maneira eficaz, o velho e desgastado sistema populista14”. A polarização social acabou por se tornar uma aberta e clara polarização política, como retrata Rafael Duarte Villa (2005), “os sintomas da transformação da polarização social em polarização política se manifestaram em três momentos importantes” 15. Em primeiro lugar, destaca-se a tentativa de golpe de estado de abril de 2002, em segundo lugar aponta-se a greve geral que ocorre no termino de 2002 e por último o referendo presidencial de 2004. Entre dezembro de 2001 e abril de 2002, em razão da autorização dada pela Assembleia Nacional a Chávez para impor 49 decretos que alteravam o ordenamento econômico, com medidas distributivas e tributárias, a oposição organizou dezenas de protestos, ao que foi respondida por protestos de aliados de Chávez, e a tensão social aumentou. Altos funcionários da PdVSA rejeitaram publicamente em fevereiro de 2002 as nomeações do presidente para a nova presidência e para o conselho da empresa. No início de abril, os dirigentes da empresa iniciaram uma greve na companhia, e Chávez despediu sete diretores dos que haviam organizado o movimento. Entre 09 e 11 de abril, protestos da oposição passaram a aglomerar grande quantidade de público, até a exacerbação dos conflitos no dia 11, quando oposicionistas e chavistas trocaram disparos nas ruas próximas ao Palácio Presidencial de Miraflores. A marcha massiva de 11 de abril que originou a tentativa do golpe partiu das zonas abastadas de Caracas e estava composta principalmente por membros da classe média. Em contrapartida, neste período, setores populares de Caracas 14 15 VIVAS, Leonardo. Chávez: a última revolución del siglo. Caracas, Planeta, 1999, p. 96 -97. VILLA, Rafael Duarte. Venezuela: mudanças políticas na era Chávez. Dossiê América Latina, São Paulo, v.1, nº 55. 2005. 26 uniram-se a segmentos das Forças Armadas fiéis a Chávez de forma a reinstalar no comando do governo ao presidente deposto. Segundo Rômulo Figueira Neves (2010), Os dois lados sustentam versões diferentes para os acontecimentos, mas a mídia realizou uma cobertura bastante parcial dos eventos, criticada pelos profissionais de imprensa de todo o mundo. No mesmo momento em que ocorriam os confrontos nas ruas, um grupo do alto comando militar prendeu Chávez e exigiu sua renúncia. Novamente, uma guerra de informação entre a mídia privada e os apoiadores de Chávez. A mídia sustentava que Chávez havia renunciado, para tentar arrefecer o ânimo dos eleitores em ir às ruas para exigir a volta de um líder que havia renunciado. A versão da mídia independente noticiava que Chávez não havia renunciado. O voto de decisivo nessa disputa foi o pronunciamento do Procurador-Geral da Venezuela, Isaías Rodrigues, que havia enviado uma assessora para entrevistar Chávez no Forte Tiúna, onde o presidente se encontrava preso. Em cadeia nacional, Rodríguez teve tempo apenas de confirmar que Chávez não havia renunciado, antes de o sinal ser cortado. Entre os dias 11 e 13 de abril, quem assumiu foi o empresário Pedro Carmona, presidente da Federação de Câmaras e Associações de Comercio e Indústria (Fedecámaras). Sua primeira atitude no governo foi fechar o Congresso e convocar nova Assembleia Constituinte, o que lhe rendeu antipatia de grande parte dos líderes do golpe, principalmente os militares. Nesses dois dias, a população da periferia de Caracas, que apoiava maciçamente Chávez saiu às ruas e cercou o Palácio Miraflores. Sem apoio de parte dos militares e com grandes manifestações pró-Chávez, Carmona abandona o palácio presidencial, abrindo espaço para a volta do presidente deposto. Nesses dois dias, o governo provisório foi reconhecido pelos Estados Unidos e pela Espanha, o que acarretará a suspeita de que, pelo menos no caso dos Estados Unidos, o golpe era de conhecimento prévio e, certamente, que contava com a simpatia desses dois países. Para a política externa da Venezuela, esse fato foi marcante. 27 Depois do fracassado golpe de 11 de abril de 2002, um dos objetivos de Chávez era reconquistar o apoio do setor social médio por meio da utilização de uma linguagem de conciliação nacional e de políticas públicas efetivas. Segundo Rafael Duarte Villa (2005) Chávez até tentou esse movimento de conciliação, mas existia um problema que pareceu ter ficado fora de seus cálculos: o país havia chegado a um grau tal de polarização política e social que o presidente ficara com uma margem reduzida de possibilidades de conciliação. O que significava, em outras palavras, que os ódios políticos superavam, por ampla margem, as possibilidades de conciliação nacional na Venezuela. O que pode auxiliar na compreensão da formação deste “ódio político” é o estudo apresentado por Steve Ellner (2003), que chama atenção para o fato de que a polarização social na Venezuela não foi um fenômeno que apareceu exatamente no governo Chávez. Mas sim é um processo que pode ter seu desenvolvimento inicial depois do Caracazo de inícios de 1989. “Os pobres chegaram a considerar qualquer bairro de classe média e alta de Caracas como território inimigo [...] Mas a desconfiança é mútua. A classe média temia que os pobres estivessem a ponto de invadir suas comunidades” 16. Mas, de qualquer maneira, até seu primeiro triunfo eleitoral em 1998, a base de apoio social de Chávez era bastante ampla. Ao seu discurso eleitoral de 1998, próximo de uma espécie de guerra justa contra as figuras políticas tradicionais e a oligarquia do Puntofijismo, somaram-se os setores mais populares, mas também boa parte da classe média afetada pela crise econômica que se arrastava desde os anos de 1980, estendendo-se por todos os anos 1990. Sendo assim, apesar de Chávez não ter criado a polarização de classes, é provável que tenha estimulado em certo ponto, como sugere o trabalho de Roberts e Ellner (2003). Depois de sua primeira vitória eleitoral Chávez se apoiou cada vez mais nos setores mais pobres [...] É notável que as grandes marchas de apoio a Chávez se organizaram na zona oeste de Caracas, onde estão concentrados os setores de menos recursos, enquanto as marchas da 16 ELLNER, Steve e HELLINGER, Daniel (eds.). La política Venezolana en la época de Chávez: classes, polarizacion y conflicto. Caracas, Nueva Sociedad, 2003, p. 34 - 35. 28 oposição acontecem nas urbaziciones do Leste da capital [na que se aloja a 17 classe mais endinheirada e a classe média] . Apesar de voltar ao poder com o amplo apoio popular, Chávez adotou postura moderada, considerando a gravidade e as proporções do levante. Ele aposentou apenas 43 militares de alta patente, suspendendo outros 100 oficiais de nível médio. Outra postura respeitosa em relação aos militares foi a lista de promoções seguinte, que respeitou a hierarquia das Forças Armadas, o que angariou apoio entre os setores neutros do exército. Em segundo lugar aponta-se a greve petrolífera que começou no início de dezembro de 2002, quando só os setores informais da economia não pararam suas atividades, foi tentada uma reconciliação com a direção da PdVSA, mas os protestos da oposição seguiram durante todo o termino do ano de 2002. A estratégia dos opositores foi propor uma greve geral e um referendo revogatório, pelo qual seria avaliada a permanência de Chávez no poder diretamente pela população. A greve começou no início de dezembro, convocada pelos próprios proprietários ou gerentes dos estabelecimentos. A greve durou até o início de fevereiro de 2003, e derrubou o PIB do país em 27% no primeiro trimestre de 2003, e 7,7% no acumulado ano; a produção da PdVSA caiu 90% no período, e a Venezuela teve de importar petróleo (o governo brasileiro enviou ao país dois petroleiros em janeiro de 2003). Os protestos após o fim da greve fizeram dezenas de mortos. O terceiro momento, por sua vez, refere-se ao referendo presidencial de 15 de agosto de 2004, no qual Chávez obteve massiva votação entre os mesmos setores populares. 17 Roberts, Kenneth. “Polarización social y resurgimiento del populismo en venezuela”. Em ELLNER, Steve e HELLINGER, Daniel (eds.). La política Venezolana en la época de Chávez: classes, polarizacion y conflicto. Caracas, Nueva Sociedad, 2003, p 36. 29 3.3 Terceiro Mandato (2004 - 2007) Apesar de não ter conseguido o número de assinaturas necessárias no início de 2002, e de haver questionamento em relação à validade das assinaturas, no início de 2003, a terceira tentativa de realizar o referendo revocatório obteve êxito a ratificação da continuidade do mandato presidencial Hugo Chávez realizou-se em 15 de agosto de 2004, e de maneira categórica. O presidente obteve 59,1% dos votos válidos dos eleitores venezuelanos, contra 40% obtidos pela oposição no referendo18. O epílogo da polarização de forças políticas e sociais na Venezuela do período de Hugo Chávez foi dado pela discussão sobre o referendo revogatório presidencial de 2004. O efeito mais dramático desse desfecho foi mostrar o grau de instabilidade, e mesmo de falta de credibilidade, ao qual chegaram algumas instituições fundamentais, tais como o judiciário e o poder eleitoral. Ambas foram tomadas pela politização intensa que envolvia a sociedade venezuelana, permitindo que grupos utilizassem-nas de maneira instrumental, adequando as normas a suas finalidades mais imediatas. Rafael Duarte Villa (2005) aponta para explicar o fenômeno eleitoral em que se transformou Chávez, como para explicar sua permanência da instabilidade política é a de que seu regime se legitima fortemente em clivagens de natureza mais do que política. A dimensão política que se expressa em índices de aprovação popular e eleitoral é uma consequência de opções e medidas sociais concretas em prol dos setores mais marginalizados da população venezuelana, sobretudo depois do golpe de 11 de abril de 2002, quando foi clara a identificação deste setor social com a figura de Chávez. Em primeiro lugar, destaca-se o impacto positivo dos planos sociais, conhecidos como Misiones, em amplos setores populares, e em, no mínimo, um terço de setores de classe média. 18 Disponível em: <http: //www.cne.gov.ve/resultados> 30 Tais planos constituem-se de medidas sociais emergenciais, dentre as quais pode-se destacar três de curto e médio prazos e uma de longo prazo. Os planos de curto e médio prazo são: o programa de Saúde Bairro Adentro, dentro do qual médicos, cubanos em sua maioria, prestavam consultas diárias e permaneciam em estado de prontidão durante as 24 horas do dia nas regiões mais pobres do país; os programas Mercal, que eram espécies de feiras populares, nas quais mais de vinte produtos da cesta básica podiam ser adquiridos a preços subsidiados pelo governo; e o programa de distribuição gratuita de alimentação pronta a setores populares que viviam em condições de quase indigência. O plano que possui efeitos de longo prazo concentra-se na área de educação e abrange três frentes: a Missão Robinson, que pretendia alfabetizar mais de 1,5 milhões de pessoas entre os anos de 2003 e 2004; a Missão Ribas, que objetivava o estímulo ao reingresso no subsistema de segundo grau de pessoas que ainda não concluíram seus estudos e, por fim, a Missão Sucre, dirigida à educação superior, cuja realização mais concreta foi a Universidade Bolivariana, que se propunha incorporar quinhentos mil estudantes sem vagas no subsistema de educação superior público e privado. Em segundo lugar, a vitória de Chávez associa-se, ao comportamento positivo da economia venezuelana nos indicadores macroeconômicos a partir de 2004, e os efeitos redistributivos desse crescimento. De acordo com o Banco Central da Venezuela, depois da greve de finais de 2002 e início de 2003, deu-se uma recuperação substancial da economia no ano de 2004. No primeiro semestre desse último ano, a Produção Interna Bruta (PIB) cresceu 23,1% em comparação ao mesmo período de 2003. Esse comportamento da economia, por sua vez, refletiu-se na queda do desemprego, que passou de 18% no primeiro semestre de 2003 para 15% no primeiro semestre de 2004. Além disso, o preço médio do petróleo venezuelano atingiu preços recordes. A fortuna parece acompanhar a gestão do presidente Chávez, posto que o financiamento das chamadas Misiones dependiam fundamentalmente do petróleo, para as quais foram criada, no interior do PdVSA, o Fundo de Desarrollo Econômico, 31 que financiava tanto as Misiones como diferentes obras de infraestrutura em diferentes regiões do país19. De outro lado, o referendo mostrou que o quadro eleitoral era complexo, mais do que aquele suposto a partir das escolhas políticas a priori dos setores sociais. Antes do referendo era forte a ideia de que todos os setores populares votariam em massa em favor do chavismo, e que a classe média votaria em massa contra o chavismo. Breve análise dos dados eleitorais mostrou que, em regiões de renda baixa de Caracas (distrito capital), 23% a 31% votaram pela saída de Chávez, enquanto em regiões da classe média da capital os índices dos votos contrários à saída de Chávez do poder em determinadas zonas eleitorais variaram entre 30% e 37%. A partir desses dados, então, poderíamos deduzir que a significativa diferença de quase 20% a favor daqueles que votaram pela permanência de Hugo Chávez no poder pode ser explicada, em parte, pelo volume importante de votos que Chávez recebeu de setores da classe média. Quase 70% dos eleitores de menor renda, como era previsível, votaram contra a saída de Hugo Chávez. Porém, foi uma parcela da classe média, um terço aproximadamente, o setor diferencial a favor do presidente. Desvendava-se, desta maneira, o mito criado durante vários anos de que todo o cidadão dos setores populares tinha uma grande tendência de ser favorável ao governo do presidente, e de que todo o cidadão de classe média era um potencial opositor de Chávez20. Um dado importante relato e o de que a oposição conseguira captar 40% das preferências dos eleitores. Sendo que não interessava para a estabilidade social e institucional do país um resultado demasiado polarizado (digamos 51% dos votos a favor e 49% contra). Contudo, também não interessava um resultado que mostrasse a debilidade de um dos setores, e principalmente se esta fosse da oposição. 19 QUANTUN (Caracas). “La economía se disparo 23,1% em el primer semestre de 2004”, vol 1. N. 29, 2004. 20 VILLA, Rafael Duarte. Venezuela: mudanças políticas na era Chávez. Dossiê América Latina, São Paulo, v. 19, n 55, 2005. 32 Desta forma, se levarmos em conta que a distribuição eleitoral e socialmente menos polarizada do que se imaginava, e que a margem de votos obtidos tanto pelo governo como pela oposição é política e quantitativamente significativa, o cenário do ressurgimento de um sistema de partidos com bases sociais polarizadas, que foi uma das melhores contribuições ao fortalecimento das instituições democráticas que a democracia venezuelana ofereceu até 1998, apresenta condições que poderiam ser aproveitadas pelos atores na disputa pela reconstituição de um sistema de partidos representativos, findando o exercício dessa função (de representação) por setores como os dos meios de comunicação e empresariais, que, erroneamente assumida, produziu péssimos resultados, como bem demostrou o golpe de abril de 2002. Foi evidenciado pelo resultado do referendo, que continuava ausente um projeto de oposição que tenha como primeira condição a renovação do setor puntofijista que um dia dominou amplamente a vida política venezuelana. E na ausência de um renovado quadro de dirigentes da oposição, restava a oposição o apelo para discursos de sobrevivência política, tal como a tese da fraude no referendo, o que lhe diminui a credibilidade entre suas bases internas. Chávez conseguiu sair das crises da PdVSA e do referendo evocatório bastante fortalecido. Ao final da greve, demitiu em torno de 19 mil funcionários da companhia, garantindo assim o controle da maior empresa do país, responsável por cerca de 60% das receitas fiscais. O preço do petróleo havia quadruplicado desde o início de seu governo. A partir desse momento, Chávez pode partir para a ofensiva, colocando em prática vários projetos de governo, dos quais os principais eram na área econômica (estatização de empresas que haviam sido privatizadas), na área de comunicação (com a criação de diversos canais estatais e com o combate aos canais privados de oposição) e na área social (com a criação das missões), esses últimos iniciando ainda em 2003. Em dezembro de 2006, ocorrem novas eleições presidenciais, nas quais se consolida a quarta vitória eleitoral consecutiva de Chávez, a oposição boicotou as eleições, o que resultou na eleição de uma Assembleia formada praticamente por 100% de aliados chavistas. 33 3.3.1 As Missões A área de projetos sociais é uma das mais importantes do governo Chávez. A alta popularidade do presidente, cuja aprovação varia em torno de 70% a partir de 2005, principalmente entre a população de baixa renda, é devida, entre outros aspectos, ao sucesso na gestão de muitos desses projetos. Apesar de ser uma das prioridades desde 1999, quando Chávez iniciou seu primeiro mandato, o desenho desses programas começou a tomar forma em 2003, com a superação da crise política advinda do golpe de Estado e da greve geral do setor petroleiro de dezembro de 2002 a fevereiro de 2003. Alguns indicadores, entretanto, podem ser aferidos nos organismos internacionais (em que pese os dados são do próprio governo, as agências dispõem de meios de verificar se os dados estão muito distantes da realidade). Segundo o Anuário Estatístico de 2006 da Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), 49,4% da população venezuelana estava abaixo da linha de pobreza em 1999. Em 2006, esse índice havia caído 19 pontos percentuais, para 30,9%. Na área da educação, a Venezuela foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) como Território Livre de Analfabetismo. A Missão Robson I, por exemplo, reduziu, em dois anos e meio, a percentagem de adultos analfabetos maiores de 15 anos para menos de 4%. Segundo Cinco características podem ser destacadas na descrição dos programas incluídos nas missões: a) somas elevadas de recursos públicos, providos em grande parte com fundos provenientes da PdVSA; b) participação de profissionais estrangeiros, especialmente cubanos, mas também de técnicos enviados por governos de cidades Europeias com os quais Chávez ter firmado acordos de abastecimento de petróleo; c) ampla mobilização popular, com programas de conscientização e estímulo à participação dos cidadãos; d) complementaridade dos programas, com a tentativa de integrar as ações das diferentes missões; e) ênfase nas camadas de baixa renda como público-alvo. 34 Podem-se dividir as missões, para fins de sistematização em algumas áreas: Área da Educação – Missões Ribas, Robinson 1 e 2, Sucre, Cultura, Ciência e Barrio Adentro Deportivo; Área da Saúde – Missões Milagro e Barrio Adentro 1, Barrio Adentro 2 e Barrio Adentro 3; Área de Assistência Social – Missão Madres del Barrio e Negra Hipólita; Área de Segurança Alimentar – Missão Alimentação; Área de Desenvolvimento Regional – Missões Vuelvam Caras, Zamora e Piar; Área de Atenção à População Indígena – Missão Guaicaipuro; Área de Preservação Ambiental – Missão i; Área de Fornecimento de Documentação – Missão Identidad; Área de Energia – Missão Revolución Energética; Área de Habitação – Missões Habitat e Villanueva. 3.4 Quarto Mandato (2007 – 2013) O governo, iniciado em janeiro de 2007, marca o aprofundamento do projeto iniciado em 1998, com a proposição do Plano Nacional Simon Bolívar (2007-2021), formado por cinco eixos principais, denominados Cinco Motores rumo ao Socialismo. Chávez cunhou a expressão Socialismo do Século XXI para designar o tipo de regime que almeja implantar na Venezuela. Em relação aos aspectos operativos do Plano Simon Bolívar, o primeiro motor seria a aprovação de uma nova lei habilitante, que lhe permita legislar em várias matérias. A lei foi aprovada no final de janeiro de 2007, concedendo poderes especiais a Chávez por 18 meses, sobre pesadas críticas da oposição que a veem como um passo rumo ao autoritarismo. Na Quarta República, de 1958 a 1998, entretanto, o instituto foi utilizado em seis vezes por quatro diferentes presidentes. 35 O segundo motor foi a proposição de uma reforma constitucional, cujo texto, que ficou pronto no segundo semestre de 2007, foi rejeitado no referendo de dezembro de 2007. A proposta alterava 69 dos 350 artigos da Constituição e tinha como principais pontos o maior controle da indústria petroleira e de gás pelo Estado e a supressão do limite de vezes para a reeleição, esse o principal motivo da insatisfação da oposição. A oposição o acusou de tentar perpetuar-se no poder, promovendo um processo de concentração rumo a uma autocracia, tendo em vista que a reeleição não seria mais ilimitada e o Plano Simon Bolívar estaria previsto para terminar apenas em 2021. No mesmo contexto, a oposição acusa Chávez de excessivo personalismo, pois a publicidade oficial é extensiva, com fotografias do presidente por toda parte. Outra questão que gera críticas a Chávez é a administração da Justiça, que aliada à proposta de reeleição indefinida, ao controle do Legislativo, à implantação de democracia plebiscitária com o enfraquecimento das instituições, aos ataques aos meios de comunicação e ao controle ideológico das contratações da burocracia estatal gera acusações de haver um processo de formação de um regime extremamente centralizado, em direção a uma autocracia. Outro ponto de atrito é a formação do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), sucessor do MVR, que buscou agregar em apenas um partido todas as forças de esquerda de apoio a Chávez. O partido foi oficialmente criado em 2007. O processo de filiação ao PSUV teve início em janeiro de 2007 e, um mês depois foi instalada uma comissão composta por importantes figuras do governo de Chávez, incluindo o vice-presidente e alguns ministros, com o objetivo de coordenar a formação da nova agremiação com os vários grupos políticos. O plano do governo foi lançar uma jornada nacional, que englobaria uma campanha de educação moral, econômica, política e social, em espaços não tradicionais, além das escolas, para chegar até o povo nas oficinas de trabalho, no campo, nos núcleos endógenos. A Declaração de Barinas, que expos os planos do governo para o Ensino Superior, foi bastante criticada pelas associações de docentes, pois restringia a autonomia universitária e permitia ao Executivo interferir nas indicações de professores. 36 O quinto motor consistiu no que chamou de “explosão do poder popular”. A lei dos conselhos comunais entrou em vigor em abril de 2006, mas o plano de Chávez foi o de ampliar a participação direta da população nas decisões de governo, por meio de sua participação nos conselhos comunais, organizados em células locais, com financiamento direto do poder central. Os poderes constituídos transfeririam paulatinamente atribuições econômicas, políticas e administrativas aos conselhos. Este cenário de sobreposição entre os mecanismos institucionais existentes de representação (câmaras municipais e prefeituras, legislativos e executivos estaduais) e os conselhos comunitários tem sido objeto de dois tipos de críticas. De um lado, os partidos de oposição argumentaram que se trata de uma estratégia para solapar a descentralização política do país e para despojar os grupos antichavistas de seus redutos eleitorais. De outro, setores simpatizantes do Governo alertam para o risco de excessivo ativismo do Estado no fomento de organizações comunitárias. A oposição acusava Chávez de estar promovendo uma ponte direta entre a população e a presidência, fragilizando as instituições de representação democrática. 3.5 Quinto Mandato (2013 – 2013) Hugo Chávez foi reeleito em outubro de 2012, para o Quinto mandato como presidente venezuelano, mas veio a falecer de câncer na região pélvica, morreu aos 58 anos, sem ter sido empossado. Desde que sua enfermidade foi diagnosticada, em julho de 2011, Chávez passava longos períodos em Cuba21, onde tratava a doença. A morte do presidente causou muita comoção entre o povo venezuelano e entre líderes políticos latino americanos. 21 Disponível em: <noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2013/03/05/hugo-chavez-morreem-caracas.htm> Acessado em: 27 de outubro de 2014. 37 4. A QUALIDADE DA DEMOCRACIA DO PERÍODO CHAVISTA A tentativa de formar um conceito exato de o que seja uma “democracia” é uma tarefa que parte de um contexto histórico empírico, no qual os conceitos são construídos com o propósito de sintetizar os acontecimentos do cenário em análise. Mas quais seriam as condições para que se possa conceituar um regime político como democrático? Existem de fato cenários nos quais a democracia, possa se desenvolver de forma vigorosa e estável? O desenvolver da democracia moderna, o que se observa na realidade, é fruto de um longo debate através de séculos. Para fechar essa pequena, mas importante explanação de conceitos sobre o que venha a ser a democracia, no decorrer do estudo do conceito na área das ciências sociais relato um importante fator que Bobbio expõem em “O futuro da democracia” que pode auxiliar a compreendermos o sentido de tantos conceitos recorrentes sobre a democracia. Segundo Bobbio (1997), o conceito de democracia sempre foi e ainda continua subordinada a um poder “invisível”, isto é, interesses que submetem os poderes políticos. Aqui se pode entender por poder “invisível” a superioridade de um grupo ou pessoa, que detém o controle do poder econômico e/ou ideológico: “A democracia não conseguiu derrotar por completo o poder oligárquico, é ainda menos capaz de ocupar todos os espaços nos quais se exerce um poder que toma decisões vinculatórias para um inteiro grupo social” 22. 22 Bobbio, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. São Paulo: Paz e Terra, 1997, p. 27. 38 4.1 Democracia: Conceito Como importante teórico da democracia insere-se Tocqueville que em seu livro “Da democracia na América” publicado em (1835), faz referência ao papel do “capital social”, ressaltado pelo autor, para explicar o funcionamento da democracia nos Estados Unidos, o que remete a ideia de condicionamentos culturais ou socioeconômicos que propiciem a construção de democracias sólidas. Retrata Tocqueville, sobre o interesse coletivo que se sobressai como capital social que gera terreno fértil para a democracia Estadunidense: Mal desembarcamos no solo americano, vemo-nos no meio de uma espécie de tumulto; de todas as partes, eleva-se um confuso clamor; mil vozes chegam ao mesmo tempo aos nossos ouvidos, cada qual a exprimir algumas necessidades sociais. Em nossa volta, tudo se movimenta: aqui é o povo de um bairro que se reúne para saber se há de construir uma Igreja; ali, trabalha-se para escolher um representante; mais além, os delegados de um cantão dirigem-se à cidade a toda pressa, a fim de deliberar sobre certos melhoramentos locais; noutra parte, são os agricultores de uma aldeia que abandonaram seus arais para discutir o plano de uma estrada ou de uma escola. Reúnem-se cidadãos com a finalidade exclusiva de declarar que desaprovam a marcha do governo, ao passo que outros se reúnem a fim de proclamar que os homens da administração são os pais da pátria. E eis que outros ainda, considerando a embriaguez como a principal fonte dos males do Estado, vêm comprometer-se solenemente a dar exemplo da 23 temperança . No século XX, Hans Kelsen em cinco textos selecionados e publicados entre (1924 e 1955) apresenta outro importante conceito de democracia, a democracia procedimental, que é entendida como um método capaz de criar a ordem social 23 Tocqueville, Alexis de. A democracia na América. 3. Ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1962, p. 187-188. 39 coletiva, “a democracia é apenas uma forma, apenas um método de criação da ordem social” 24. A regra da maioria é característica essencial da democracia procedimental, este permite preservar a liberdade do maior número de indivíduos da sociedade. Uma análise relativista do cenário mundial justifica a democracia Kelseniana, que é fundada na liberdade, já que o individuo é livre (autônomo) para criar suas verdades e seus valores. Outra conceituação de democracia é a apresentada por Bobbio na segunda metade do século XX, que parte de uma análise de mínima democracia, um conjunto de regras de um jogo. Considera que a regra da maioria é simplesmente uma regra para o cálculo dos votos que não pode ser considerada como um ideal no qual se sustenta um sistema democrático. Estas regras são os chamados universais processuais, que são enumerados resumidamente por Bobbio: 1) Todos os cidadãos que tenham alcançado a maioridade etária sem distinção de raça, religião, condição econômica, sexo, devem gozar de direitos políticos, isto é, cada um deles deve gozar do direito de expressar sua própria opinião ou de escolher quem a expresse por ele; 2) o voto de todo o cidadão deve ter igual peso; 3) todos aqueles que gozam dos direitos políticos devem ser livres para votar segundo sua própria opinião formada, ao máximo possível, livremente, isto é, em uma livre disputa entre grupos políticos organizados em concorrência entre si; 4) devem ser livres também no sentido de que devem ser colocados em condições de escolher entre diferentes soluções, isto é, entre partidos que tenham programas distintos e alternativos; 5) seja para as eleições, seja para as decisões coletivas, deve valer a regra da maioria numérica, no sentido de que será considerado eleito o candidato ou será considerada válida a decisão que obtiver o maior número de votos; 6) nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os direitos da minoria, particularmente o direito de se tornar por sua vez 25 maioria em igualdade de condições . Sendo assim a definição mínima de democracia, como conjunto de regras do jogo, uma destas regras é a regra da maioria. Pressupõem que é indispensável que os indivíduos chamados a decidir, possam fazer exercer seus direitos políticos 24 25 Kelsen, Hans. A Democracia. 1º ed., São Paulo: Editora Martins Fontes, 1993, p. 103. Bobbio, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. 6º ed. Rio de Janeiro: Campos, 2000, p. 427. 40 livremente, e para isso, necessariamente devem existir limites constitucionais, como os direitos individuais invioláveis (direitos de liberdade de opinião, de expressão das próprias opiniões, de reunião de associações, etc.). Uma análise literária sobre a democracia deve passar também por Seymour M. Lipset (1967), tido como uma das mais acabadas aplicações da teoria da modernização ao problema em análise, qual seja, o de explicar a variação do sucesso da democracia. A teoria da modernização é bastante conhecida, a modernização é normalmente definida como o processo de transformações sociais pelo qual as sociedades passam ao transitar do tradicional ao moderno, processo em meio ao qual ocorre a diferenciação e a autonomização das diferentes esferas da vida social. A obtenção de uma democracia estável é o ponto culminante desse processo, marcado pelo aparecimento e incremento prévio da urbanização, educação, comunicação de massa, burocratização, etc. Em referência aos textos canônicos da teoria democrática, chegamos até os esforços realizados por Joseph Schumpeter e Robert Dahl, para dinamização de um conceito de democracia. A visão de democracia como um conjunto de regras formais, ou regras mínimas, apresentada já em Bobbio, foi sintetizada por Schumpeter (1968, p. 328) no conceito de “democracia de procedimentos”, segundo o qual, “O método democrático é um sistema institucional para a tomada de decisões políticas, no qual o individuo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelo voto do eleitor”. Nessa mesma linha, por considerar as democracias atuais como simples aproximações do que seria de fato o ideal democrático, Dahl (1997) sugere a utilização do conceito “Poliarquia” para designar os regimes políticos contemporâneos. E estabelece algumas condições básicas para que os regimes possam, de fato, serem considerados “Poliarquias”. Sendo esses, oito parâmetros para a avaliação se ocorre democracia em determinado país, permitindo que as pessoas tenham o direito garantido de formular preferências, expressá-las e vê-las consideradas no decorrer do governo. 41 Segundo destacado por Gustavo Miller (2011) O debate sobre a democracia se afastou no decorrer do século XX da perspectiva sociológica, para passar a girar em torno das características institucionais que favorecem ou não o funcionamento dos regimes democráticos, sem maiores considerações sobre demais elementos que poderiam interagir como variáveis intervenientes26. Neste contexto, é interessante trazer à luz da análise a influência do capitalismo no conceito de democracia, apresentado por Macpherson (1977), O fato de que a democracia liberal tenha se constituído como regime político e se desenvolvido sob sistemas econômicos baseados no capitalismo, não significa que a correlação entre estes dois fatores seja perene, ou seja, a democracia liberal, como um conjunto de valores baseado na igualdade jurídica entre os cidadãos, respeito aos direitos e garantias individuais, e liberdade de iniciativa e expressão, pode surgir em outros sistemas econômicos que não o capitalismo, ao menos em sua forma mais primitiva27. Poliarquia e seus pontos de análise elaborados por Robert Dahl são uma forma eficaz de análise de cenários políticos, pois a partir de dados empíricos podese observar mais claramente um cenário político, Como retratado no início do livro Poliarquia, “A democracia sustenta-se a partir de um equilíbrio de forças, isto é, quando nenhum grupo social está em condições de eliminar os demais. Sobretudo, é fruto de um cálculo de atores político inserido em uma relação estratégica” 28. 26 MULLER, Gustavo. Condições para a democracia ou democracias sem condições: Dilemas de um pensamento político contemporâneo. Revista Século XXI, Santa Maria, v. 1, n. 1, 2011. 27 MACPHERSON, C.B. A democracia liberal: origens e evolução. Rio de Janeiro: Zahar, 1977, p. 10. 28 DAHL, Robert Alan. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: EDUSP, 1997, p. 21. 42 4.2 Teses da Teoria Moderna da democracia no contexto venezuelano Segundo Dahl (1997, p. 54) “A tolerância e a segurança mútua são mais passíveis de se desenvolver entre uma pequena elite partilhando perspectivas comuns do que entre uma coleção grande e heterogênea de líderes representando camadas sociais com objetivos, interesses e visões largamente diferentes.” Cenário que auxilia a entender um dos possíveis motivos da estabilidade da democracia na Venezuela até a inserção dos partidos socialistas ao poder com a eleição de Hugo Chávez, que transformou o cenário político Venezuelano mais heterogêneo, pois acabou com o ciclo de governos do Pacto de Punto Fijo. Robert Dahl (1997, p. 56) apresenta no debate moderno que a democracia possui maiores chances de ser estabelecida se o processo político de liberalização for acompanhado de uma busca dedicada de um sistema viável de garantias mútuas, sendo assim, a evolução pacífica deve mais facilmente resultar num sistema democrático sustentado por um sentimento amplo de legitimidade. A observação do período histórico de transição de governos demonstra que o cenário venezuelano já no inicio da década de 90 passava por conflitos entre as classes sociais, exemplo claro foram os protestos Caracazo em 1992, e esses conflitos ideológicos claramente se ampliaram com a chegada de Hugo Chávez ao poder, essa divisão de classes pode ter dificultado as garantias mútuas de participação e de legitimidade. A desigualdade social, e o clamor de uma parte da sociedade venezuelana foi o que levou Chávez ao poder, mas a partir de seu primeiro governo o setor mais conservador, a classe de maior renda viu seus interesses feridos e em Hugo Chávez uma ameaça, parte dai a tentativa falha de golpe de Estado em 2002, o que acabou por deixar o governo em alerta para esse risco e aumentou essa divisão entre classes, o governo optou pelo fortalecimento de alguns setores para impedir novas tentativas, um claro exemplo foi o investimento em redes de mídias nacionais, que buscavam acabar com o quase monopólio de empresas privadas. Mas o conflito 43 político aberto é de péssima influência em um governo que busca a estabilidade da democracia: “Há conflitos com que um sistema político competitivo não consegue lidar facilmente e talvez não possa mesmo lidar. Qualquer disputa em que uma grande parcela da população de um país sinta que seu modo de vida ou seus principais valores estão seriamente ameaçados por outro segmento da população provoca uma crise num sistema competitivo. Seja qual for o resultado, o registro histórico que o sistema vai, muito provavelmente, se dissolver numa guerra civil, ou será substituído por uma hegemonia, ou 29 ambos” . Robert Dahl junto à teoria moderna frisa a premissa de que uma economia socialista tem grandes possibilidades de levar a uma ordem social centralmente dominada e posteriormente a um regime hegemônico, defende esse argumento ao relatar que não se podem escolher as liberdades associadas à política competitiva a menos que se escolha uma economia capitalista competitiva; se se optar por uma economia socialista, logicamente se estará optando por um regime hegemônico e pela destruição das liberdades políticas. Esse fator entra diretamente em conflito com o projeto declarado “Socialismo do século XXI” e Plano Simon Bolívar que Hugo Chávez tinha como objetivos para reformulação de políticas sociais no período de seu governo. As missiones, planos do governo para sanar algumas mazelas estruturais do Estado venezuelano foram de estrema importância para a diminuição da desigualdade social neste período. Isso demonstra que o governo estava interessado em inserir uma maior parcela da sociedade em níveis sociais consideráveis, fornecendo: alfabetismo, educação, comunicação, criando uma sociedade mais pluralista e tentando sanar com as desigualdades sociais extremas. Segundo Dahl (1997, p 92) “As desigualdades extremas na distribuição de recursos chaves como renda, riqueza, status, saber e façanhas militares equivalem a desigualdades extremas em recursos políticos”. Muitas vezes há a associação indubitavelmente significativa entre nível socioeconômico e “desenvolvimento político”, sendo assim muitas vezes quanto maior o nível socioeconômico de um país, maior sua probabilidade de ter um regime 29 DAHL, Robert Alan. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: EDUSP, 1997, p. 111. 44 político competitivo, e quanto mais competitivo o regime político de um país, maior sua probabilidade de estar um nível relativamente alto de desenvolvimento socioeconômico, mas temos que analisar que nem todos os países com alto nível de desenvolvimento socioeconômico possuem Poliarquias, ou mesmo regimes competitivos. Uma coisa parece clara, porém: por causais que as relações possam ser, elas não são simples, nem unidirecionais quando o assunto em questão é o regime de um governo. Ao abarcar na questão das crenças de ativistas políticos Dahl afirma que diferenças em regimes não podem ser explicadas apelando-se apenas para fatores explanatórios usuais – nível de desenvolvimento socioeconômico, urbanização, educação, dimensão da classe média, renda per capita, e assim por diante. Uma explicação integral seria certamente complexa, mas um fator crucial emerge com clareza, o fato de a Poliarquia não pode ser estabelecida em lugares nos quais jamais adquiriu uma convicção muito profunda sobre a legitimidade da mesma. 4.3 A Poliarquia como método de análise da democracia venezuelana Como demonstrado anteriormente Robert Dahl (1997, p. 217) colabora com seu conceito de democracia, ao elaborar uma análise que apresenta em oito parâmetros uma avaliação se ocorre democracia, ou não ocorre à mesma em um determinado país, sendo que essa democracia é caracterizada como as possibilidades das pessoas terem o direito garantido de formular preferências, expressá-las e vê-las consideradas no decorrer do governo. Os critérios são os seguintes: Liberdade de formar e participar de organizações Liberdade de expressão Direito de voto Elegibilidade para cargos públicos 45 Direito de líderes políticos disputarem apoio Fontes alternativas de informação Eleições livres e idôneas Instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e outras expressões de preferência. 4.3.1 Liberdade de formar e participar de organizações: Na avaliação da liberdade de formar e participar de organizações há duas variáveis a serem analisadas, a de Liberdade de Oposição de Grupo e a Articulação de interesses por grupos associativos, na avaliação da Liberdade de Oposição de Grupo há quatro categorias, são elas: 1º. Grupos autônomos livres para entrar na política e capazes de exercer oposição ao governo (exceto para grupos extremistas, onde forem proibidos); 2º. Grupos autônomos livres para se organizar na política mas limitados em sua capacidade de exercer oposição ao governo (inclui a absorção da liderança de oposição real ou potencial no governo); 3º. Grupos autônomos tolerados informalmente e fora da política; 4º. Nenhum grupo genuinamente autônomo tolerado. A partir das descrições para cada uma delas, a que parece mais se encaixar à Venezuela no período de governo de Chávez é a número um, segundo a qual os grupos autônomos eram livres para entrar na política e capazes de exercer oposição ao governo. Outra avaliação possível é que a número dois poderia ser a mais indicada, segundo a qual os grupos autônomos eram livres para se organizar na política, mas limitados em sua capacidade de exercer oposição ao governo, em razão de a agenda da oposição ter sido direcionada principalmente à pauta de acusações de fraude nas eleições, contra Chávez e o Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Porém, não houve comprovação de fraudes. Uma afirmação neste sentido foi feita por Jimmy Carter, ex-presidente norte-americano, que coordenava centro de 46 monitoramento de eleições ao redor do mundo, “o processo eleitoral na Venezuela é o melhor do mundo” fazendo referência ao processo eleitoral de 2012, e garantiu também que Hugo Chávez venceu de forma “justa” o pleito presidencial de 2006 30. As votações na Venezuela foram acompanhadas por analistas internacionais e declaradas idôneas. Em referendo de 2007 sobre novas reformas constitucionais, a oposição conseguiu cancelar a reforma. Na disputa legislativa de 2005, a avaliação dos analistas foi mais rigorosa, mas não apontou fraudes, e sim enfatizou a necessidade de o CNE recuperar a confiança da população e dos atores políticos. Também houveram problemas, reconhecidos pelo próprio órgão eleitoral, na quantidade de votantes, onde permaneceram pessoas já mortas, mas isso não configura fraude e se repete em muitas democracias. A conclusão de detalhado informe sobre as condições em que se realizaram a disputa, e sobre o sistema de votação eletrônico venezuelano lançado em outubro de 2012, pelo think-tank americano Wilson Center e pelo Instituto Internacional para Democracia e Assistência Eleitoral (Idea), demonstraram que o sistema eleitoral venezuelano é confiável, pois permite controle e monitoramento pela oposição e exclui a possibilidade de fraude massiva que não seja detectável31. Na segunda variável do primeiro requisito a articulação de interesses por grupos associativos, apresenta novamente quatro categorias. São as seguintes: 1º. Significativa; 2º. Moderada; 3º. Limitada; 4º. Desprezível. Nesta avaliação, a Venezuela parece se enquadrar no número um, onde há significativa articulação de interesses por grupos associativos. Pois não há 30 “Processo eleitoral na Venezuela é o melhor do mundo”, diz Jimmy Carter. Disponível em: <http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/24425/processo+eleitoral+na+venezuela+e+o+melho r+do+mundo+diz+jimmy+carter.shtml> . Acessado em: 14 de novembro de 2014. 31 Folha: O estudo sobre a eleição na Venezuela o que faltou dizer. Disponível em: <http://www.viomundo.com.br/politica/folha-o-estudo-sobre-a-eleicao-na-venezuela-e-o-que-faltoudizer.html>. Acessado em 14 de novembro de 2014. 47 elementos para afirmar que no país as associações, de qualquer natureza, não podem articular ou articulam pouco seus interesses. A possibilidade de fazer isso é tanta que dois grupos associativos, a Confederação dos Trabalhadores da Venezuela (CTV) e a Fedecámaras, de empresários, encabeçaram a manifestação antes do golpe contra Chávez em 2002 e também a posterior greve geral da PdVSA de cerca de dois meses para exigir a saída do presidente. Um fator negativo ao fazer a análise desse critério é a política do governo de atuar no setor de associações com empresas, que patrocinava a formação de entidades confiáveis para criação de concorrência às que lhe faziam oposição, mas isso não implicava em uma afirmação que os grupos associativos não podiam articular seus interesses. 4.3.2 Liberdade de Expressão: O segundo critério é a liberdade de expressão, que tem como sua única variável a liberdade de imprensa, dividida em quatro categorias. São elas: 1º. Completa (nenhuma censura ou controle governamental tanto da imprensa doméstica quanto de correspondentes estrangeiros); 2º. Intermitente (censura ocasional ou seletiva tanto da imprensa doméstica quanto de correspondentes estrangeiros); 3º. Internamente ausente (censura estritamente doméstica. Nenhuma restrição à coleta de informações por agências estrangeiras ou censura eletiva à transmissão por essas agências); 4º. Interna e externamente ausente (censura ou controle estritamente direto ou indireto, doméstico ou estrangeiro). Esse é um ponto que gerou muitas criticas ao regime chavista. A base para isso até o ano de 2007 costumava ser a ideologia do crítico, e não fatos. Porém, a medida tomada em 2007 de não renovar a concessão da rede de televisão RCTV, mesmo que ela tenha apoiado o golpe de Estado que houve 2002, dá um argumento empírico às críticas e configurou um cerceamento da liberdade de imprensa. 48 Até então, se podia dizer que havia plena liberdade de imprensa na Venezuela, e que canais de TV estimulassem e até articulassem o golpe contra Chávez. Sendo assim, a categoria que mais se encaixa à situação do país neste período seria a segunda, de liberdade intermitente, quando há censura ocasional ou seletiva tanto da imprensa doméstica quanto de correspondentes estrangeiros, ainda que essa censura não se estenda aos correspondentes. Depois do apoio ao golpe na mídia televisiva, o presidente já havia alterado a lei que regula a atuação da imprensa, estabelecendo penas mais duras para ações como a que contribuiu para sua queda provisória em abril de 2002. Outro problema para o trabalho da imprensa foram agressões e ameaças de partidários do presidente contra veículos que assumiam o papel de fazer oposição ativa, mas essa é uma consequência difícil de evitar quando se escolhe deixar o jornalismo e se tornar militante político em um ambiente de confrontação. 4.3.3 Direito de Voto: Neste requisito direito de voto, há duas variáveis o Caráter representativo do regime corrente e o Sistema eleitoral vigente, Na avaliação do Sistema eleitoral vigente há quatro categorias. São elas: 1º. Competitivo (nenhuma proibição partidária, ou proibição apenas de partidos extremistas ou extraconstitucionais); 2º. Parcialmente competitivo (um partido com 85% ou mais dos assentos parlamentares); 3º. Não competitivo (votação com lista única, ou nenhuma oposição eleita) 4º. Nenhuma eleição (eleições não realizadas regularmente ou suspensas pelo regime no poder). A democracia na era chavista poderia se encaixar tanto na opção um, de sistema competitivo (nenhuma proibição partidária, ou proibição apenas de partidos 49 extremistas ou extraconstitucionais), como na opção dois, de parcialmente competitivo (um partido com 85% ou mais dos assentos parlamentares). Aparentemente, não existiam limites à competição partidária, mas a ocupação da Assembléia Nacional por uma única força passou a superar os 85% com a criação do Partido Socialista Unificado da Venezuela. Nas eleições de 2005, em que a oposição não participou por alegar que o CNE não é imparcial, o MVR ficou com 114 das 167 vagas na Assembléia Nacional, o que correspondia a 68,3% do total. Depois da criação do PSUV para reunir a base de sustentação ao chavismo, a concentração de cadeiras alcançou 89,2%. Sendo assim, a Venezuela estava enquadrada na categoria dois, de sistema parcialmente competitivo. 4.3.4 Direito de líderes políticos disputarem apoio: O quinto critério, é o direito de líderes políticos disputarem apoio. Para ele, são quatro as variáveis, sendo que duas já foram tratadas, porque também fazem parte de requisitos anteriores. Sendo assim, falta a análise da articulação de interesses por partidos políticos e sistema partidário: quantitativo. As categorias para a análise da articulação de interesses por partidos políticos são um total de quatro. São Elas: 1º. Significativa 2º. Moderada 3º. Limitada 4º. Desprezível A que parece melhor se encaixar para a situação venezuelana no período é a categoria de número um, de significativa articulação. Não há aparente informação de que os partidos não tiveram a oportunidade de articular seus interesses ou articularam com dificuldade neste período na Venezuela. Quando as forças políticas 50 de oposição deixaram de participar das eleições, como ocorrido em 2005, a articulação de seus interesses ficou claramente prejudicada, mas essa atitude foi uma opção dos próprios partidos de oposição e não teve apoio em fatos comprovados. As categorias para a análise do Sistema partidário (quantitativo) são seis. São elas: 1º. Pluripartidário (governo de coalizão ou de partido minoritário normalmente obrigatório se o sistema é parlamentarista); 2º. Bipartidário ou efetivamente bipartidário (expectativa razoável de rotatividade partidária); 3º. Um partido e meio (oposição significativa, mas incapaz de conquistar a maioria); 4º. Um partido dominante (oposição, mas numericamente ineficaz em nível nacional. Inclui a participação minoritária no governo enquanto conserva a identidade partidária para fins eleitorais); 5º. Partido único (todos os outros inexistem, foram proibidos, não participam ou são adjuntos do partido dominante na atividade eleitoral. Inclui “frentes nacionais” e sistemas eleitorais unipartidários); 6º. Nenhum partido ou todos os partidos ilegais ou ineficazes. A melhor definição para o sistema partidário venezuelano seria de pluralismo, porque há diversos partidos que, por causa do nível de polarização, estão divididos em dois polos, os chavistas e os antichavistas. Também no subitem sistema partidário, a categoria de um partido e meio também se aproxima do panorama venezuelano já que se define pela existência de uma oposição significativa, mas incapaz de conquistar a maioria. A incapacidade de a oposição conquistar a maioria se registra desde 2000, mas, em termos numéricos, não se pode classificar o sistema venezuelano como de um partido e meio, mesmo com a criação do PSUV. Então, a definição mais próxima da realidade pode ser a de pluripartidário. 51 4.3.5 Instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e outras expressões de preferência: Para o sétimo e último requisito, cuja definição é instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e outras expressões de preferência, são quatro as variáveis consideradas, são elas: Condição Constitucional do atual regime, Agregação de interesses por legislatura, Distribuição horizontal do poder e Condição atual da legislatura. Na primeira variável, a Condição constitucional do atual regime, há três categorias. São elas: 1º. Constitucional (governo reconhecidas); conduzido com referência a normas constitucionais 2º. Autoritário (nenhuma limitação constitucional efetiva, ou recurso absolutamente regular a poderes extraconstitucionais: Exercício arbitrário do poder confinado largamente ao setor político); 3º. Totalitário (nenhuma limitação constitucional efetiva. Amplo exercício do poder pelo regime tanto na esfera política quanto na social). A mais coerente para o cenário venezuelano na época é a primeira opção, constitucional, segundo a qual o governo é conduzido com referência a normas constitucionais reconhecidas. Há quem defenda que o regime chavista é autoritário ou até totalitário, mas ele não se encaixa nas descrições de nenhuma das duas categorias. Para se encaixar nessas categorias seria necessário que não existisse nenhuma limitação constitucional efetiva ou recurso absolutamente regular e poderes extraconstitucionais, características que não servem para o cenário venezuelano, pois as políticas do período sempre seguiram habilitações presentes na Constituição da Venezuela reformada em 1999 em referendo popular. A segunda variável é a agregação de interesses pelo Legislativo, expressa em quatro categorias. São elas: 1º. Significativa; 2º. Moderada; 52 3º. Limitada; 4º. Desprezível. Para esse ponto, mesmo que a desistência da oposição de disputar as eleições parlamentares e a consequente ausência de forças oposicionistas na Assembleia Nacional não possa ser creditada unicamente às características do regime, é fato que parte significativa da sociedade venezuelana não estava representada no Parlamento. Creio que a classificação mais adequada seria a terceira, a de limitada aglutinação de interesses. A terceira variável é a distribuição horizontal do poder, possui três categorias. São elas: 1º. Significativa (alocação efetiva de poder a órgãos legislativos, executivos e judiciários funcionalmente autônomos); 2º. Limitada (um braço do governo sem genuína autonomia funcional, ou dois braços do governo com limitada autonomia funcional); 3º. Desprezível (predominância completa do governo por um braço ou por uma agência extragovernamental). Novamente, encontrasse alguns problemas para a o governo de Chávez. A definição mais apropriada para sua situação apresentasse na segunda opção de distribuição limitada, na qual um braço do governo não possui genuína autonomia funcional, ou dois braços do governo tem limitada autonomia funcional. Essa última parte que corresponde ao caso venezuelano, pois os Poderes Legislativo e Judiciário possuíam características de limitada autonomia funcionais frente ao Executivo. O Legislativo possuía tais características porque, como citado anteriormente, contava em sua maioria de representantes da situação. Já o Judiciário, em que nos últimos meses de 2006 ainda havia 33% de juízes sem estabilidade no cargo, possuía algumas dificuldades para tomar decisões autônomas diante das pressões do Executivo, diretamente ou por meio das manifestações populares. Outro problema para a independência do Judiciário foi a ampliação de 20 para 32 no número de magistrados da principal corte do país, o Tribunal Superior de 53 Justiça (TSJ). Os 12 novos integrantes foram designados pela maioria que o governo Chávez possuía na Assembléia Nacional na legislatura anterior. A definição não pode ser especificada como, desprezível, pois Hugo Chávez não conseguiu aprovação da reforma constitucional em 2007, derrotada em referendo por 1,5%32 de diferença dos votos, Para encerrar os requisitos de Dahl, resta a quarta variável do sétimo critério, que é a condição atual do Legislativo, que possui 4 categorias, são elas: 1º. Plenamente efetivo (realiza a função legislativa normal como braço razoavelmente “coigual” do governo nacional); 2º. Parcialmente efetivo (tendência para a dominação pelo Executivo ou então parcialmente limitado ao exercício efetivo da função legislativa); 3º. Largamente ineficaz (dominação virtualmente total pelo Executivo ou por uma organização de partido único ou partido dominante); 4º. Totalmente ineficaz (restrita à função legislativa consultiva ou “rubber stamp”, ou sem Legislativo). Outra vez, o quadro não é bom para o regime venezuelano. Uma classificação apropriada é a número dois, de parcialmente efetivo, segundo a qual há tendência para a dominação pelo Executivo ou então o Parlamento é parcialmente limitado no exercício de sua função. As duas situações estão presentes no caso venezuelano, já que um legislativo sem oposição, mesmo que isso tenha ocorrido dentro das regras, acaba dominado pelo Executivo, o que tende a limitar a atuação parlamentar. O saldo para o sétimo requisito, então esta entre os piores entre todos os sete. 32 Folha: O estudo sobre a eleição na Venezuela o que faltou dizer. Disponível em: <http://www.viomundo.com.br/politica/folha-o-estudo-sobre-a-eleicao-na-venezuela-e-o-que-faltoudizer.html>. Acessado em 14 de novembro de 2014. 54 CONCLUSÃO A contribuição que pretende-se deixar com este trabalho é que a análise da democracia em um cenário político de grande polarização social é de estrema dificuldade, devido muito por este debate não ter características reducionistas fica relativamente impossível fazer uma análise simples de um contexto a partir das diferentes ideologias e interesses presentes entre os atores que constituem esse cenário. Quanto ao cerceamento da democracia na Venezuela, os pontos de análise elaborados por Robert Dahl sendo aplicados a material histórico do período não apresentam um cenário onde a democracia possui deficiências ou debilidades graves, as características ligadas a instituições são as que apresentam os piores cenários, mas como analisado em inúmeros materiais a ausência de oposição na Assembleia Nacional e a análise de certa deficiência do judiciário não ocorre por influência direta do governo de Hugo Chávez, mas sim por decisão da oposição de se retirar das eleições de 2005. Constatou-se que o processo eleitoral na Venezuela vem sendo acompanhado por instituições como Instituto Internacional para Democracia e Assistência Eleitoral (Idea), que demonstraram que o sistema eleitoral venezuelano é confiável, Jimmy Carter, ex-presidente norte-americano, que coordenava centro de monitoramento de eleições também fez afirmações complementares nesse sentido afirmando que, o processo eleitoral na Venezuela “é o melhor do mundo”. A tentativa de derrubar o governo de Hugo Chávez em 2002 teve claramente grande influência da mídia que realizou uma cobertura bastante parcial dos eventos, criticada pelos profissionais de imprensa de todo o mundo, aparentemente o cenário desse golpe deu mais força ao projeto de governo de Hugo Chávez. A teoria de Robert Dahl foi utilizada, por exemplificar eficazmente o que ocorreu na Venezuela em termos da democracia, servindo como demonstração do que ocorre constantemente pela América Latina devido aos diversos fatores estruturais e sociais presentes no contexto regional. Também serviu para os fins desse trabalho, como ferramentas auxiliares a compreensão das mudanças que ocorrem nos conceitos de democracia com a contemporaneidade das ciências 55 sociais. Análises como a proposta por Norberto Bobbio apresentam um cenário no qual o incessante interesse em transformar uma democracia representativa em uma democracia mais participativa, como a criação do Poder Cidadão na aprovação da constituição de 2000 é uma clara demonstração deste cenário, mas ai fica outra questão a ser analisada, até que ponto este poder popular fere a estrutura institucional do governo é conteúdo para outra pesquisa, tão importante e complexa quanto à apresentada. Também ficou evidente que os interesses presentes no gerenciamento da Venezuela são afetados devido a grande economia petrolífera e importância que esta tem dentro deste contexto, e no cenário internacional, sendo que os principais conflitos políticos ocorreram quando reformas foram feitas nesta área, as mudanças no comando da PdVSA em abril de 2002 levaram a tentativa de golpe, que tirou Chávez do governo por dois dias, exemplo parecido foi a subsequente greve que paralisou a economia venezuelana no final de 2002 e início de 2003. Por fim, concluiu-se que, em que pese a estrutura de governo presente na época contava com o apoio dos países da região Latino Americana, e criava preocupação principalmente entre os analistas políticos norte americanos, a análise da democracia neste período beirava o contexto em qual ela se inseria, o qual saído de um período de governos que seguiam as cartilhas neoliberais, e uma mudança de paradigmas em toda região. Sendo assim, o debate sobre a democracia se afastou no decorrer do século XX da perspectiva sociológica, para passar a girar em torno das características institucionais, sem maiores considerações sobre demais elementos que poderiam interagir como variáveis intervenientes, a abordagem que o cenário venezuelano traz a tona é o de uma retomada do paradigma sociológico no debate da democracia. 56 REFERÊNCIAIS BIBLIOGRAFICAS ACOSTA, Miguel Ruiz. Venezuela: crisis estatal y lucha de classes, Cuadernos de Trabajo. Xalapa, nº 36, 2010. Disponível em: <www.uv.mx/iihs/files/2012/11/Cuaderno36.pdf>. Acesso em 24 de outubro de 2014. AMENTA, Núnzio Renzo. A guerra de Hugo Chavez contra o colonialismo. São Paulo: Expressão Popular, 2010. ARISTÓTELES. Política. Tradução de Roberto Leal Ferreira. 3º ed., São Paulo: Martins Fontes, 2006. BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. São Paulo, 1993. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. São Paulo: Paz e Terra, 1997. 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