UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ GIZEUDA FERREIRA DOS SANTOS ANENCEFALIA: INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ A LUZ DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS CURITIBA 2013 GIZEUDA FERREIRA DOS SANTOS ANENCEFALIA: INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ À LUZ DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS Trabalho de Conclusão de Curso Apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Marcelo Artigas Nogueira. CURITIBA 2013 TERMO DE APROVAÇÃO GIZEUDA FERREIRA DOS SANTOS ANENCEFALIA: INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ À LUZ DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, de de 2013. Bacharelado em Direito Universidade Tuiuti do Paraná Orientador: Prof. Marcelo Nogueira Artigas Universidade Tuiuti do Paraná – Departamento de Ciências Jurídicas Prof. Universidade Tuiuti do Paraná – Departamento de Ciências Jurídicas Prof. Universidade Tuiuti do Paraná – Departamento de Ciências Jurídicas DEDICATÓRIA Dedico estre trabalho aos meus pais, José Ferreira dos Santos e Maria dos Humildes Santos, com quem aprendi a decência, a paciência e a educação. Dedico este trabalho também ao meu esposo Robson de Jesus, que com muito amor e paciência me apoiou neste momento difícil da minha vida. Também dedico este trabalho aos amigos que estiveram do meu lado neste momento, e aqueles que não estiveram também, pois de alguma forma, contribuíram para minha realização. AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço a Deus por tudo, em especial por ter conseguido chegar até aqui. Ao professor Marcelo Nogueira Artigas, pelas orientações nos momentos de dificuldades quanto à elaboração da presente pesquisa monográfica. À banca examinadora que em virtude das críticas colaboraram para o meu crescimento como acadêmica. Aos meus colegas da Universidade Tuiuti do Paraná pelo carinho e solidariedade. Aos meus pais José e Maria, com todo amor, pelo exemplo de vida que sempre me proporcionaram. Aos meus irmãos pelo carinho e incentivo no caminho que escolhi para trilhar. Ao meu esposo Robson, com todo amor, pela paciência durante toda a elaboração da presente pesquisa. “O direito procura garantir a existência do homem e a segurança dos interesses primordiais, que integram a sua personalidade e lhe permitem o normal e livre exercício das atividades, juridicamente reconhecidas.” Aníbal Bruno RESUMO A presente pesquisa visa à análise expositiva de uma questão que vem gerando grande polêmica social, qual seja, a interrupção de gravidez eugênica por anencefalia. Tal temática comporta grande divergência, sobretudo social, em decorrência de princípios constitucionais discrepantes no ordenamento jurídico vigente. A fim de elucidar o tema proposto, faz-se indispensável a compreensão da jurisprudência sobre a matéria. Recentemente, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS ajuizou Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF – visando a declaração da inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo seria conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal Brasileiro. O STF, por maioria de votos, decidiu pela constitucionalidade da interrupção da gravidez, pautado nos princípios da dignidade da vida humana e da saúde da mulher. Todavia, apesar de pacífico o entendimento jurisprudencial, ainda não se pacificou o anseio social, considerando diversos movimentos, especialmente religiosos, que ainda posicionam-se contrários à legalização da interrupção de gravidez de fetos anencéfalos, argumentando pelo direito absoluto à vida. Neste cenário, se faz indispensável a análise crítica e principiológica acerca do tema, o que se fará brevemente. PALAVRAS-CHAVE: Aborto eugênico – Anencefalia – Saúde da Gestante. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 9 2 NOÇÕES ESSENCIAIS DO ABORTO ......................................................... 11 2.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DO ABORTO NO BRASIL .............................. 12 3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS .................................. 14 3.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS..... ................................................................... 14 3.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana ................................................... 14 3.1.2 Princípio da Legalidade .................................................................................. 15 3.1.3 Princípio da Liberdade................................................................................... 16 3.1.4 Princípio da autonomia da vontade ............................................................... 17 3.1.5 Princípio da segurança .................................................................................. 17 3.1.6 Princípio da justiça ........................................................................................ 18 3.1.7 Princípio da proporcionalidade ...................................................................... 19 4 APONTAMENTO HISTÓRICO DA PERSONALIDADE HUMANA............... 20 5 ABORTO ....................................................................................................... 22 5.1 NOÇÕES ESSENCIAIS ................................................................................ 22 5.1.1 Aborto terapêutico ......................................................................................... 23 5.1.2 Aborto eugênico ............................................................................................ 23 6 ANENCEFALIA ............................................................................................. 25 6.1 ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA ANENCEFALIA ...................................... 25 6.1.2 Doenças relacionadas à gestação de fetos anencéfalos............................... 27 6.1.3 Traumas decorrentes de uma gravidez de anencéfalo.................................. 27 6.2 POSICIONAMENTO MÉDICO ..................................................................... 29 7 A ANENCEFALIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO ..................... 31 7.1 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIA.....................................................33 7.1.2 Portaria MS/GM nº 1508/2005.......................................................................37 7.1.3 Projeto de Lei nº 312/2004.............................................................................38 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................43 REFERÊNCIAS:.........................................................................................................46 9 1 INTRODUÇÃO O tema escolhido para ser desenvolvido enquanto Trabalho de Conclusão de Curso derivou de questões polêmicas em relação à interrupção da gestação do feto que apresenta má formação no decorrer de sua vida uterina, gerando assim posições divergentes entre a permissão ou não desta interrupção. Diante disso, após algumas conversas com o Ilustre Mestre Professor Marcelo Nogueira Artigas, tornou-se interessante a abordagem do tema, por haver uma série de discordâncias a respeito deste assunto. E um dos pontos a ser abordado faz referência à Constituição, a Lei maior, onde todos deverão buscar a melhor forma para solucionar os conflitos gerados pela sociedade. Trata-se de um estudo direcionado à pesquisa de um tema polêmico, a anencefalia. No entanto, pesquisas mostram que o concepto, apesar de manter todas suas funções vitais, será efêmero após o parto. Constitucionalmente, ambos possuem direitos, dentre eles os fundamentais. Destaca-se o direito à vida cuja inviolabilidade está tutelada no caput do artigo 5º da Constituição, sendo que ao concepto é assegurado o direito à vida intrauterina, e à gestante o direito à saúde e à liberdade de autonomia reprodutiva. No ordenamento jurídico brasileiro a vida humana é protegida desde a concepção, sendo os preceitos da Convenção Americana de Direitos Humanos incorporados ao sistema constitucional, onde o direito à vida é tutelado desde aquele momento. Em decorrência desta proteção, a legislação penal tipifica os crimes que atentam contra ela. A inviolabilidade do direito à vida, no âmbito punitivo, está prevista em várias normas, dentre elas as que preveem os crimes dolosos contra a vida como o homicídio; o induzimento, a instigação ou o auxílio ao suicídio; o infanticídio e o aborto (LIMA, 2012, p. 17). Todavia, no artigo 128 do Código Penal Brasileiro, o bem jurídico tutelado é a vida intrauterina, sendo que o aborto doloso é considerado conduta criminosa. Assim, o Código prevê duas hipóteses que excluem a ilicitude do ato, quais sejam: o aborto necessário e o sentimental. O presente estudo vem demonstrar que o aborto de anencéfalo é o meio pelo qual se busca evitar um malefício maior para a mãe, que gerando toda uma expectativa de ter um filho saberá que este nascerá com remotas chances de vida. 10 Para melhor análise e compreensão, o trabalho será dividido em quatro capítulos, a saber: Capitulo I – Onde serão abordadas as noções introdutórias acerca da temática; Capítulo II – Explicitará os princípios constitucionais brasileiros que permeiam o aborto eugênico de anencéfalo; Capítulo III – Será voltada à análise histórica da Personalidade Humana; Capítulo IV – Fará a exposição dos conceitos de aborto; Capítulo V – Será especificamente abordada a anencefalia e apresentados os riscos e traumas de uma gestação desta espécie. Capítulo VI – analisará a Regulamentação no Ordenamento e Jurisprudencial acerca Interrupção da Gravidez de Anencéfalo. 11 2 NOCÕES ESSENCIAIS DO ABORTO Antes de adentramos no tema objeto de estudo da presente pesquisa “Anencefalia: interrupção da gravidez à luz dos direitos constitucionais”, procuraremos neste capítulo conceituar aborto, vez que fundamental, para uma melhor compreensão do tema. Na concepção de Lima, o vocábulo aborto significa privação do nascimento “ab = privação e ortus = nascimento”. Para Noronha (1991, p. 49) o aborto se trata da interrupção da gravidez, com a destruição do produto da concepção (ovo, embrião ou feto). De acordo com Benute (2007, p. 486): “a prática abortiva é tão antiga quanto a própria existência humana. A primeira receita relatada foi o abortífero oral descrita pelo Imperador Chinês, Shen Ning, entre 2737 a.C e 2696 a.C”. O tema aborto é um dos mais polêmicos na sociedade atual, porém, desde a antiguidade, essa prática era comum, podendo ser abordado sobre vários aspectos, como “o religioso, o social, o político, o jurídico, o médico, o psicológico, o ético e outro” (LIMA, 2012, p.54). Benute explana que Aristóteles, Sócrates e Platão eram favoráveis à prática do aborto. O primeiro filósofo acima citado acreditava que a alma só habitava o feto após certo tempo de desenvolvimento do óvulo, enquanto que o segundo incentivava as parteiras a realizarem o aborto em mulheres que desejassem fazê-lo. Já Platão defendia que o aborto fosse realizado em todas as mulheres acima de 40 anos, a fim de evitar possível eugenia1 (2007, p. 486). O aborto possui uma carga tão subjetiva que, enquanto para algumas culturas recebe caráter de erro, pecado ou absurdo, para outras é visto de forma completamente oposta, inclusive tendo aquelas que acreditam ser o ato abortivo essencial em algumas situações, como ocorre em algumas tribos africanas, em que a mulher, caso não realize o aborto, sente-se culpada, contrariamente ao que ocorre em civilizações diversas (BENUTE, 2007, p. 487). Cita Lima a explanação feita por José Henrique Pierangeli para melhor entendimento do exposto: 1 Eugenia (Do gr. eugeneia). S. f. Ciência que estuda as condições mais propícias à reprodução e melhoramento da raça humana. Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/significado/eugenia/1181/. Acesso em: 23 abr. 2013. 12 A palavra feto é empregada erroneamente pelo jurista durante toda a fase de gestação, a medicina legal utiliza uma classificação conforme cada fase da gestação. Assim, tem-se o ovo, quando a morte ocorre até as primeiras tr6es semana de gestação; o embrião, quando a morte ocorre a partir da terceira semana até os três meses de gestação; e finalmente, o feto, quando a morte acorre após os três meses de gestação, com ou sem expulsão do produto da concepção (PIERANGELI, apud LIMA, 2012, p.53) Passa-se, então, à análise histórica do aborto no Brasil. 2.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE ABORTO NO BRASIL As ciências biológicas e médicas ajudam o ordenamento jurídico a conceituar o início da vida e seu término, mas fica a cargo da ciência jurídica a sua proteção, em que pese essa definição ser controversa nas ciências médica e biológica. Para o ordenamento jurídico brasileiro, essa proteção acontece desde a concepção, incorporada à Constituição Federativa do Brasil pela Convenção Americana de Direito do Homem (LIMA, 2012, p.40). Segundo Lima (2012, p.42) o ordenamento jurídico brasileiro concebeu o início da vida a partir da concepção, assim exposto: A vida é protegida pelo ordenamento jurídico brasileiro, a partir da concepção, em decorrência de o Estado brasileiro ter incorporado ao sistema constitucional a Convenção Americana de Direito do Homem, que tutela a vida desde aquele momento (2012, p.42). A tutela de tal direito vem prescrita em nossa Lei Maior no art. 1º, inciso III, combinado com o art., 170 do mesmo diploma jurídico para a proteção da dignidade da pessoa humana (LIMA, 20112, p.43). No Código Penal Brasileiro, os casos de proteção da dignidade da pessoa humana verificam-se em relação aos crimes: “Lesão corporal resultando morte, abandono de incapaz com resultado morte, extorsão mediante sequestro [...]” (LIMA, 2012, p.51). Ademais, o Código Penal Brasileiro estabelece penas para aqueles que lesionem o bem jurídico que é a vida: Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento. Art. 124. Provocar aborto em si mesmo ou consentir que outrem lho provoque: Pena: detenção de 1 a 3 anos” Aborto provocado por terceiros: Art. 125. Provocar aborto por terceiro, sem o consentimento da gestante: 13 Pena: reclusão de 3 a 10 anos Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena: reclusão de 1 a 4 anos” Segundo Lima, o regulamento jurídico, ao tratar de aborto, divide-o em sistema restritivo, permissivo e intermediário, sendo eles: Restritivo: proibição absoluta, exceto o aborto terapêutico quando para salvar a vida da gestante; já o permissivo: considera as situações de conflitos reais de direitos fundamentais, dentre eles o conflito entre o direito à vida do concepto e o direito à autonomia reprodutiva da mulher, onde o direito da mulher sobrepõe-se ao do concepto; o sistema intermediário, por seu turno, encontra-se no meio termo entre os dois primeiros sistemas. Dentre as várias correntes doutrinárias, as mais significativas são o sistema do prazo e o sistema das indicações (LIMA, 2012, p.55-56). Para tanto, Lima segue seu entendimento: “O sistema das indicações atua segundo o princípio da regra e da exceção. Nele, o aborto consentido é, via de regra, punível, sendo a vida humana intrauterina neste sistema protegido como bem jurídico fundamental” (2012, p.55). Neste sentido, preceitua o artigo constante no Código Penal Brasileiro: “Art. 128: Não se pune aborto praticado por médico: I – Se não há outro meio de salvar a vida da gestante”. Segue-se então, à análise dos princípios que permeiam a temática de abordo de anencéfalo, uma vez abordados sob a luz dos Direitos Constitucionais. 14 3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS 3.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Na Constituição Brasileira de 1988, os princípios eram considerados como fundamentais e, para que fossem mais bem analisados, deveriam estar intimamente relacionados às Cláusulas Pétreas constantes no art. 60, §4º, e tomar seu “conteúdo axiológico” para uma melhor interpretação (DANTAS, 2003, p.368). Os princípios fazem com que as normas tenham coerência em seus fundamentos. Sendo assim, as normas sem os princípios seriam como um homem sem lucidez, precisando eles se inter-relacionar para que sejam melhor compreendidos (VITTA, 2001, p. 48-49). Para uma melhor compreensão, Vitta acrescenta: “O princípio é o Sol que se irradia sobre os diversos compartimentos de uma casa. Sem o Sol a casa torna-se escura, feia, deteriora-se com o passar do tempo. Sua utilização torna-se pouco proveitosa ao homem” (VITTA, 2001) Portanto, fundamental que tratemos dos princípios constitucionais, para que tenhamos uma melhor compreensão do tema, objeto da presente pesquisa. 3.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana De acordo com Lima (2012, p. 21): “os direitos fundamentais são todos aqueles direitos garantidos pelo ordenamento jurídico positivo em nível constitucional e que gozem de uma tutela reforçada”. O princípio da dignidade humana fundamenta-se na “liberdade, igualdade e fraternidade, visando proteger o ser humano em todas as suas dimensões” (LIMA, 2012, p.22). Para tanto, segue o entendimento de Loureiro: O primeiro de todos os direitos naturais do homem é o direito à vida, ao qual se vinculam o direito de nascer e, ao longo de toda a existência, o de viver com dignidade. O Direito Constitucionalmente assegura o direito à vida em duas acepções, o direito de continuar vivo e o direito de ter vida digna quanto à subsistência (2009, p.84). 15 Já na ótica de André Ramos Tavares, “A dimensão do direito à vida é dúplice: O conteúdo do direito à vida assume duas vertentes; primeiro o direito de permanecer existindo, e, em segundo, o direito a um adequado nível de vida (2002, p.387)”. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, inciso III, elege a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos elementares do Estado Brasileiro, e revela o fundamento e a essência do próprio Direito, que é servir ao homem para que ele tenha uma vida digna, fazendo referência à dignidade da pessoa humana como forma basilar da estrutura do Estado Democrático de Direito, elevando-a à condição de bem supremo e universal da nação (LIMA, 2012, p. 23). Embora o princípio da dignidade da pessoa humana possua “elevada carga valorativa inerente à vida humana, não é absoluto, não podendo prevalecer incondicionalmente sobre os demais princípios constitucionais quando em colisão” (CUELLAR, 2006, p. 60). “O princípio da dignidade da pessoa humana impõe limites à atuação estatal, objetivando impedir que o poder público venha a violar a dignidade pessoal” (SARLET, 2012, p. 131), todavia impõe ao Estado a objetivação deste princípio como “meta permanente, proteção, promoção e realização concreta de uma vida com dignidade para todos” (SARLET, 2012, p.131). De acordo com ensinamentos de Péres Luño, citado por Sarlet: A dignidade da pessoa humana constitui não apenas a garantia negativa de que a pessoa não será objeto de ofensas ou humilhação, mas implica também, num sentido positivo, o pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo (LUÑO, 1995 p.132 apud SARLET, 2012). O princípio da dignidade da pessoa humana será abordado mais profundamente, especialmente no que se relaciona à matéria abordada, com a análise da jurisprudência e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 54), conforme proposto. Para tanto, faz-se necessário, uma análise dos demais princípios, vez que pertinentes à presente pesquisa. 3.1.2 Princípio da Legalidade 16 O princípio da legalidade está previsto em nosso ordenamento jurídico e, conforme entendimento de Celso Ribeiro Bastos, “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei surge como uma das vigas mestras do nosso ordenamento”, (2002, p. 327), sendo que sua interpretação é vista de duas formas, uma segundo a qual o Estado de Direito procura regular os comportamentos dos indivíduos e dos órgãos estatais através das normas onde a lei é o meio adequado a essa regulação e por outro protege ao particular de possível arbitrariedade do Estado no qual apenas um deles (Legislativo, Executivo e Judiciário) pode obrigar os particulares licitamente (BASTOS, 2002, p.327). De acordo com o artigo 5º, inciso II da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei”, salvo disposição em contrário, mostra que a obediência dos particulares se dirige ao Legislativo, sendo sua competência pautada dentro dos parâmetros legais (BASTOS, 2002, p.327). Para tanto, seguiremos a análise dos demais princípios, onde se faz necessário para um melhor entendimento. 3.1.3 Princípio da Liberdade Historicamente, o princípio da liberdade foi posto como direito individual na Declaração de Direitos do Homem de 1789, sendo esta uma das mais importantes manifestações da Liberdade do homem, onde ele manifesta todas as suas opiniões e crenças, tendo em vista que é dever do Estado defender e garantir as liberdades, e jamais oprimi-las, devendo assegurar o respeito à pluralidade de ideias, opiniões, e crenças a fim de harmonizá-las como os demais direitos fundamentais. Por apresentar um conceito amplo, o direito à liberdade faz referência a uma infinidade de direitos dentre os quais estão a liberdade de pensamento, a liberdade religiosa e também a de escolher o que melhor lhe convém sendo que este não prejudique a outrem. Ademais, anteriormente as decisões proibiam a interrupção da gravidez em todas as formas, a não ser aquelas permitidas por lei, não levando em conta que feriam e ofendiam também a liberdade da gestante (BASTOS, 2002, p. 329). Acrescenta ainda que o art. 1º da Declaração de Direito do Homem preceitua: 17 A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais precioso do homem; todo cidadão pode falar, escrever, exprimir livremente, sujeito a responder pelo abuso desta liberdade nos casos determinados pela lei” (BASTOS, 2002, p. 329). Este princípio nos remete ao caso dos anencéfalos, pois se há um vazio legal a interrupção da gravidez que traz tal anomalia não pode ser considerada como crime. Seguindo, faremos uma análise dos princípios da autonomia da vontade, tão necessário quanto os outros para a compreensão da presente pesquisa. 3.1.4 Princípio da autonomia da vontade De acordo com Loureiro (2009, p. 12), o princípio da autonomia quer dizer que o indivíduo é livre para escolher o que é melhor para si, sem que este prejudique a outrem. Para tanto, segue o entendimento do sobredito autor: O princípio da autonomia, um dos princípios basilares da bioética, diz respeito à liberdade individual de cada pessoa poder escolher o que é melhor para si. Devendo ser respeitados os valores morais de cada um individualmente. Isto posto, autonomia não é simplesmente reconhecer que certo individuo é autônomo, reconhecer suas opiniões, escolhas, valores e crenças, mas sim, ver todas essa atitudes resguardadas pela legislação em seu todo valorativo (LOUREIRO, 2009, p.12). 3.1.5 Princípio da segurança O princípio da segurança previsto no artigo 5º, inciso III, da Constituição Federal garante o direito à integridade física e moral, não permitindo que ninguém seja posto a tratamento desumano ou degradante e que o homem seja submetido a terapia que o leve a sofrimento injusto (LOUREIRO, 2009, p.13). Posto isso, dispõe Loureiro: O princípio da segurança previsto no art. 5º, inciso III, da Constituição Federal garante o direito à integridade física e moral, porque ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante; não se pode praticar experimentos científicos que rebaixem a dignidade do homem ou terapia que o submetam a sofrimentos injusto (2009, p.13). 18 A respeito dessa definição, a desembargadora Giselda Leitão Teixeira, do Tribunal de justiça do Rio de Janeiro, salientou que “a vida deve ser preservada a qualquer custo, quando esta é inviável, mas impor à mãe meses de sofrimento, angústia e desespero seria injusto” (ADPF/54). Assim, este princípio constitui pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa humana dando a todos os seres humanos um tratamento adequado e uma maior segurança se este princípio for violado. Tendo em vista que o princípio da segurança concomitantemente relacionado com o da justiça oferece ao sujeito de direito uma efetividade do Estado na promoção da equidade ao caso concreto. 3.1.6 Princípio da justiça Na concepção de Loureiro (2009, p. 14), “o princípio da justiça, também chamado de princípio da equidade”, vem previsto no artigo 3º, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, prevendo que todos devem ter acesso aos procedimentos médicos necessários, independentemente de sua situação econômica e social, porque todos os indivíduos devem ser tratados igualmente. No entanto, no Brasil existe somente a equidade formal, já que os meios de tecnologia avançados são muito caros, ficando assim a maior parte da população sem acesso a tais modernidades e somente a população com maior poder aquisitivo tem plenamente tal acesso, porque o Estado não oferece os mesmos serviços na rede pública de forma que todos se beneficiem com tal procedimento (LOUREIRO, 2009, p.14). Ainda acrescenta Loureiro: A respeito dessa definição o art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988 preceitua que o Estado deve promover o bem para todos sem distinção, preconceito ou discriminação, pois todas as pessoas, independentemente de condição social, cultural e econômica, devem ter amplamente liberdade de optar entre os tratamentos que lhe são oferecidos, e todos devem ser tratadas igualmente pela lei, inclusive o embrião (2009, p. 14). 19 Diante disso, demonstra que o Estado, pelo caos que encontra o Sistema público, não consegui atender a todos igualmente, sendo que boa parcela da população não têm se quer o atendimento básico para o seu tratamento. Posto isso, segue-se à analise dos demais princípios que norteia a pessoa jurídica para uma efetiva concretização dos direito a eles inerentes. 3.1.7 Princípio da proporcionalidade Ao analisarmos o princípio da proporcionalidade, notamos que este se conecta ao princípio da dignidade da pessoa humana pelo fato de salvaguardar os direitos fundamentais de ações limitativas do Estado em atos administrativos abusivos de entes públicos; por outro lado é utilizado como critério para solucionar conflitos de direitos fundamentais com juízos comparativos de ponderação (CUELLAR, 2006, p.60). Nas palavras de CUELLAR: O princípio da proporcionalidade desempenha duas funções no sistema normativo: ora atua como instrumento de salvaguarda dos direitos fundamentais contra a ação limitativa que o Estado impõe a esses direitos visando ampliação do controle jurisdicional, ora cumpre a missão de atuar como critério para solucionar o conflito entre dois direitos fundamentais através de juízos comparativos de ponderação dos interesses envolvidos no caso concreto (2006, p. 60). Posto isso, nas palavras de CUELLAR devemos sopesar os princípios que envolvem a solução dos conflitos, buscando entre dois direitos fundamentais ponderações no caso concreto a melhor solução entre os juízos. Diante desta situação, juristas buscam preservar a dignidade da mãe e do feto, nem que seja por um período de curto prazo. É necessário, no entanto, sopesar no caso concreto que a mãe nessa relação será a maior prejudicada, pois pelo exposto fica comprovada a inviabilidade extrauterina da vida do feto. (ADPF/54). Postulados todos os princípios da dignidade da pessoa humana, se faz necessária a análise do início da personalidade jurídica do sujeito para melhor compreensão do que iremos expor adiante. 20 4 APONTAMENTO HISTÓRICO DA PERSONALIDADE HUMANA Em Roma, os direitos humanos são conhecidos da mesma forma que hoje. Para eles a “actio injuriarum, ação contra injúria”, se referia a qualquer discriminação física e moral do indivíduo e, hoje, encontra-se tutelado no princípio da personalidade humana. Em constante elaboração, a personalidade humana tem seu início com as doutrinas germânicas e francesas datadas no século XIX, conhecido como direito de personalidade, onde está inserido o direito à dignidade e o direito à integridade, aspecto substancialmente importante para o entendimento da personalidade do sujeito (TEPEDINO, 2008, p. 26). Neste mesmo sentido, o ordenamento jurídico é um sistema no qual as normas legais e os princípios incorporam as exigências de justiça e valores éticos, onde o suporte axiológico confere coerência interna e estrutura harmônica a todo o ordenamento jurídico. Este por sua vez apresenta função de salvaguardar valores fundamentais extraídos do próprio sistema constitucional (PIOVESAN, Flavia – Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 2002, p. 31). Elevando-se à cláusula pétrea, o texto jurídico de 1988 resguarda o valor da dignidade da pessoa humana, apresentando avanços em relação aos direitos e garantias fundamentais, incluindo no catálogo os direitos civis, políticos e sociais (MORAES, 2009, p. 31). Estes princípios comungam com o princípio da Revolução Francesa, quais sejam os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, tendo certa interdependência com direitos humanos, sendo que o valor da liberdade não se divorcia com direitos da igualdade, concluído assim por Manoel Gonçalves Ferreira Filho, citado por Moraes (2009, p.32). Conforme este entendimento, Sarlet disciplina: É indissociável a relação entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais que mesmo nas ordens normativas onde a dignidade ainda não foi expressa, apenas a partir desde dado - concluir que não se faça presente e não lhes reconheça e que não lhes assegure os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana (SARLET, 2012, p. 101) Para o Código Civil Brasileiro (Lei nº10406/2002), o nascituro só passa a ser sujeito de direitos se nascer com vida, adotando-se a teoria natalista. Apesar dos eventuais direitos do nascituro, retrata o início da personalidade jurídica no art. 2º: “A 21 personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; todavia a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Nos ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira: O feto nas entranhas maternas era uma parte da mãe “portio mulieris velviscerum”, sendo que este não podia ter direitos, mas seus interesses eram resguardados e protegidos, até o momento de seu nascimento, o que excluía a uma só vez interesses de terceiros e qualquer situação contraria aos seus cômodos (PEREIRA, 2009, p.181-192). Conforme Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM nº 1.480 de 1997), a Personalidade Humana termina com sua morte, e somente com esta cessa sua personalidade. Segundo as ciências modernas, a vida do indivíduo está subordinada à atividade cerebral, tendo seu término com a morte encefálica, contudo é licito a remoção de órgãos para fins de transplantes, ou outras finalidades científicas (BARBARO JUNIOR, p. 436) Em seu Livro de Direito Penal, Luiz Regis Prado, traz em seu histórico que: Desde a antiguidade as práticas abortivas eram frequentes. “No reinado do imperador Septimius Severus (193-211 D.C.), passou a ser cerceado, pois tirava todos os direitos que o eventual pai poderia ter e sendo esta sujeita a pena cominada ao venéfico (ação de envenenar alguém)”. Com o Cristianismo o aborto foi reprovado, sendo o direito reformado pelos imperadores Adriano, Constantino e Teodósio, contudo este foi definitivamente comparado ao delito de homicídio. Na Idade Média havia divergências quanto às práticas abortivas. Santo Agostinho dizia que o aborto só seria delito se se tratasse de feto animado, mas São Basílio discordava dizendo que o aborto provocado seria sempre crime (374 d.C.). Com o Iluminismo estas distinções foram abandonadas, sendo postuladas, a partir de então, as reduções das penas se estas fossem praticadas por motivo de honra. No Brasil, o Código Criminal do Império (1830), não tipificava o aborto praticado pela própria gestante. Sendo somente sancionados os praticados por terceiros, com ou sem consentimento da gestante, ou se o meio empregado resultasse na morte da mulher, no entanto o autoaborto, embora tipificado, tinha sua pena aumentada se esta era para ocultar desonra própria (PRADO, 2011, p. 127-131). 22 5 ABORTO 5.1 NOÇÕES ESSENCIAIS Para o Direito brasileiro, o nascituro só teria direitos se nascesse com vida, adotando-se a teoria natalista, apesar dos eventuais direitos do concebido. O Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/2002) retrata o início da personalidade jurídica no art. 2º: “A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; todavia a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Nos ensinamentos de Caio Mário da Silva: O feto nas entranhas maternas era uma parte da mãe “portio mulieris velviscerum”, sendo que este não podia ter direitos, mas seus interesses eram resguardados e protegidos, até o momento de seu nascimento, o que excluía a uma só vez interesses de terceiros e qualquer situação contrária aos seus cômodos (2009, pag.181-192). A legislação brasileira prevê duas formas expressas de aborto legal, tratando-se de modalidades de exclusão de ilicitude. A primeira hipótese é a chamada de aborto necessário ou terapêutico. No entanto para esse aborto são necessários dois requisitos muito importantes, os quais seriam: a existência de perigo para a vida da gestante e o outro a inexistência de outro meio para salvar a sua vida. Esta deve ser absolutamente necessária, mesmo que este perigo seja atual, pois basta haver certeza de que se a gestante levar adiante a gravidez esteja colocando em risco sua própria vida. No art.128 do Código Civil, em seu inciso I estabelece que não seja punível aborto praticado por médico se não houver outro meio de salvar a vida da gestante, por esta razão tem que atender simultaneamente os dois requisitos: salvar a vida da gestante e o mesmo ser praticado por médico (LIMA, 2009, P.64). Outro ponto principal refere-se ao conceito de vida, que ultrapassa o biológico, sendo este obviamente a fonte primária de todos os demais direitos fundamentais tutelados pela Constituição. Neste sentido, José Afonso da Silva leciona: “[...] a vida, no contexto constitucional, não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua concepção biográfica mais compreensiva.” 23 Assim, verifica-se que a proteção da vida e o de permanecer vivo é o que confere a possibilidade de alguém exercer os demais direitos, tais como liberdade, direitos patrimoniais e todos os demais a ele inerentes como pessoa humana, segundo nossa Carta Magna. José Afonso da Silva ensina ainda que “no conteúdo de seu conceito, se envolve o direito a dignidade da pessoa humana, o direito a privacidade, à integridade físico-corporal, o direito a integridade moral e especialmente o direito a existência (2005, p. 414) Segundo LIMA, foi atribuída ao médico: a responsabilidade de decidir a necessidade de ser realizado o aborto, sendo que esta autorização deve preencher dois requisitos essenciais ao direito brasileiro que diz ser antijurídico o aborto praticado onde a existência de perigo para a vida da gestante e a inexistência de outro meio capaz para salvá-la (2012, p.64). 5.1.1 Aborto terapêutico Segundo a medicina, o aborto terapêutico se dá com o objetivo de salvar a vida da mãe conhecido também como “aborto necessário” (VERARDO, p.24). É indicado para mulheres portadoras de doenças renais e vasculares, bem como para mulheres com várias cardiopatias, diabetes, hemopatias como a leucemia e a doença de Hodgkin e câncer do colo do útero, cujo risco para a mulher que engravida é imediato (VERARDO, 1987, p.24). 5.1.2 Aborto eugênico É realizado devido à suspeita de que o feto contraiu graves anomalias ou doenças transmitidas por um ou por ambos os genitores (VERARDO, p.25), sendo que há fatores que provocam lesões irreversíveis no feto tais como os provocados por vírus, como a taxoplasmose, hepatites e rubéola. Atingindo uma gestante pode provocar no feto microcefalia (acúmulo anormal de líquido cefalorraquidiano), calcificação cerebral, retardo mental e psicomotor, sendo que no Brasil este é considerado ilegal. (Maria Tereza Verardo, p.26). Posto isso, não prevê a lei a exclusão da ilicitude do aborto eugênico, nem no direito material e nem no 24 processual, todavia, esta já pacificada entre os magistrados do STF em decisão da ADPF 54, arguida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS). Posto isso, fica demonstrado que a prática de aborto de Anencéfalo não poderá ser considerado antijurídico, já que o aborto é a interrupção de um ser dotado de vida em curso. Sendo o feto Anencéfalo dotado de vida pelas ponderações médicas, inexiste pertinência em considerar tal aborto como crime. Assim sendo, o feto que desde sua concepção até a constatação clínica da anencefalia era pelo código penal tutelado, pelo pressuposto da existência de vida. Mas, se comprovada a morte anencefálica, deixa de ser amparado pelo artigo 124 do CP. O aborto de fetos anencéfalos é conhecido no mundo jurídico por aborto eugênico ou eugenésico, e só é tido como aborto quando ocorre a interrupção da gravidez. De acordo com obstetras, o aborto induzido pode ser realizado no máximo até a 22ª semana de gestação (cinco meses e meio). Estes podem ser espontâneos ou provocados. Espontâneos se ocorrerem vários fatores de ordem natural, como expulsão do feto sem interferência externa. Provocado quando este se dá por organismo mecânico (curetagem e outros), químico (remédios), terapêutico (salvar a vida da mãe) e eugênico (feto contrair doenças graves), sendo este de caráter legal em vários países (Maria Tereza Verardo, Aborto: um direito ou um crime, p. 62). 25 6 ANENCEFALIA 6.1 ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA ANENCEFALIA O Anencéfalo é considerado um ser humano, sendo que no período gestacional, ele é considerado nascituro e, por isso, titular de direito, dentre ele a vida. No entanto, independente de apresentar qualquer deficiência, mesmo assim é dotado de proteção. As ciências médicas sempre entraram em discussão quando é que a vida se extingue. A incapacidade de respirar foi por muito tempo, o parâmetro utilizado para dimensionar os indícios de vida. E com o passar do tempo as tecnologias foram se aperfeiçoando, e hoje é notoriamente demonstrado que o Anencéfalo, fora do ventre materno se extinguirá, e não terá vida e esse diagnóstico é pacifico entre os doutores em medicina. “Segundo o CFM (Conselho Federal de Medicina), em sua Resolução 1.752/04, os anencéfalos são natimortos cerebrais, e por não possuírem o córtex, mas apenas o tronco encefálico, são inaplicáveis e desnecessários os critérios de morte encefálica” (ROBERTO BARBATO JR., 2007, p. 437) Do ponto de vista do Dr. Heverton Neves Pettersen da Sociedade de Medicina Fetal: “o feto Anencéfalo já é considerado um natimorto neurológico, não tendo sequer o desenvolvimento do sistema nervoso”. (ADPF/54). Segundo Lima (2012, pag.76), “a anencefalia, segundo as ciências médicas, configura uma das má formações do sistema nervoso central. Em decorrência da má formação, carece de grande parte do sistema nervoso central, e por preservar o tronco encefálico, ou parte dele, mantém algumas funções vitais, tais como o sistema respiratório e cardíaco. Acrescenta ainda: A má formação o incapacita de funções relacionadas à consciência e à percepção, cognição, comunicação, afetividade e de emotividade, tornando sua existência não só precária como efêmera (2012, p.76) Para melhor entendimento, a anencefalia se dá pelo defeito do fechamento da parte anterior do tubo neural, que ocorre entre a terceira e quarta semana de gravidez. 26 As suas principais características são a falta de desenvolvimento da calota craniana, couro cabeludo e, principalmente, o comprometimento da parte anterior do encéfalo (parte do sistema nervoso central, contida na cavidade do crânio, e que abrange o cérebro, o cerebelo, a protuberância e o bulbo craniano), que origina os hemisférios cerebrais. As porções média e posterior do encéfalo podem ter grau variado de desenvolvimento chegando a permitir que essas crianças respirem espontaneamente, chorem, deglutam, façam expressões faciais, movimentem os membros e respondam a estímulos nocivos. Consoante opinião de H. Petterson da Sociedade Brasileirade Medicina Fetal, o diagnostico da anencefalia é 100% seguro (Folha de São Paulo, p. c5, de 29.08.2008). Muito se discute em relação ao início da vida, onde esta é atualmente definida por correntes: I. Começa com a fertilização, no entanto esta se dá pela concepção (teoria mista – caso francês) II. Começa com a implantação do embrião no útero, na chamada nidação; III. Coincide com a atividade cerebral; IV. Começa com nascimento com vida (Concepcionalista). Dispõe Venosa quanto ao entendimento do inicio da vida: No entanto para o ordenamento jurídico esta definição deve ser clara e simples para que haja um bom entendimento quanto ao inicio da vida humana, e em que momento este será considerado vivo e com personalidade jurídica. Todavia, nada adianta a ciência médica conceituar a vida, mostrando todos ao parâmetro de idoneidade, se o direito não acatar tal conceituação. Este conceito não decorre da lei, mas é por ela fundamentada, se o objetivo é tutela-la. “Assim, podemos afirmar que a vida inicia-se no momento da fecundação e tem seu termo final quando da constatação de paralisia de todas as funções vitais do ser humano; portanto, toda prática que culmine com a alteração destes estados é considerado, a depender do estágio, crime de homicídio, infanticídio ou aborto, todos repudiados pelo ordenamento jurídico”. Mas o que seria vida? Para Loureiro (2009, pag.84), o primeiro de todos os direitos naturais do homem é o direito a vida, ao qual se vinculam o direito de nascer e, ao longo de toda a existência, o de viver com dignidade. O Direito Constitucionalmente assegura o direito a vida em duas acepções, o direito de continuar vivo e o direito de ter vida digna quanto à subsistência, igualmente, a personalidade é uma das características inerente ao ser humano. Destarte, “a personalidade não é propriamente um direito, mas um conceito básico sobre o qual se apoiam outros direitos” (VENOSA, 2001, p.140). 27 Assim, constata-se que é pacífico o entendimento de que o início da vida fica a cargo das ciências médicas, enquanto a proteção fica a cargo do ordenamento jurídico. Ante o exposto adentramos nas doenças relacionadas com o anencéfalo. 6.1.2 Doenças relacionadas à gestação de fetos anencéfalos Conforme estudos científicos a doença que acomete os fetos anencéfalos se dá por fatores “genéticos e ou ambientais”, frequentemente detectados em mulheres acima de 40 anos; por ser anomalia fetal, sua vida após o parto é de segundos, sendo que 75% nascem mortos, raras exceções, geralmente sobrevivem poucas horas, sendo um quadro irreversível, a vida da criança se torna impossível fora do útero da mãe (LIMA, 2012, p. 78). Pertinente se faz a análise dos traumas sofridos por gestantes durante a gravidez de anencéfalo. 6.1.3 Traumas decorrentes de uma gravidez de anencéfalo A definição que traz a Organização Mundial de Saúde (OMS) “Saúde é quando o indivíduo encontra-se em perfeito bem estar físico, mental e social, não apenas com ausência de doença” (LIMA, 2012, p108). A respeito dessa definição, Lima (2012, P. 108) afirma que: “de acordo com essa organização, a saúde é concebida de forma abrangente e sua constatação depende da análise de vários aspectos do bem–estar do ser humano, não se limitando à ausência de doença”. A propósito, Carolina Alves de Souza Lima acrescenta que “a garantia do direito à saúde envolve tanto a proteção do direito em si, pelo ordenamento jurídico, quanto à prestação de determinados serviços pelo Estado, para que o direito seja resguardado” (2012, p. 108). Além disto, destaca Lima: O referido direito precisa ser regulamentado pela legislação infraconstitucional, sob pena de não ser exercido plenamente. Compreender o aborto do Anencéfalo, quando há consentimento da gestante, como conduta criminosa, configura lesão ao direito à saúde da mulher, uma vez que a gravidez, nessas circunstancias, põe em risco a sua saúde (2012, p. 108). 28 Por que impor à gestante o fardo de carregar por nove meses um feto que sabe-se, com plenitude de certeza, não sobreviverá; causando a mulher dor, angústia e frustração, violando as vertentes da dignidade humana como a física, a moral e a psicológica com cerceio à liberdade de autonomia da vontade, podendo causar risco a saúde da mulher, onde o Estado proclama em seus princípios de Organização Mundial de Saúde – o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença? Segundo desembargadora Giselda Leitão Teixeira do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: “A vida é um bem a ser preservado a qualquer custo, mas, quando a vida se torna inviável, não é justo condenar a mãe a meses de sofrimento, de angústia, de desespero” (ADPF/54). Carolina Alves da Souza Lima assevera: A anencefalia pode ser diagnosticada no início da gestação, por meio dos exames pré-natais, particularmente pelos exames de ultrassonografia. Caso não diagnosticada no início da gestação, ou caso haja alguma dúvida quanto ao diagnóstico, este pode ser feito com absoluta certeza, entre o período da vigésima semana à vigésima segunda semana, por meio dos atuais aparelhos de ultrassonografia. Por isso o argumento de que poderia haver erro de diagnóstico é muito pouco provável, diante dos avanços na área da medicina fetal. No entanto, apesar de todos os avanços da ciência médica e da tecnologia a ela relacionada, ainda não há recursos médicos para reverter determinados quadros clínicos, como nos casos da anencefalia. Nestes, a medicina não possui nenhum procedimento ou tratamento que possa reverter tal situação. O Anencéfalo está fadado a uma vida vegetativa por breve período de tempo até a morte (2012, p. 93). Lima cita Thomaz Gollop, pois busca alertar quanto ao risco que pode afetar a mulher se levar uma gestação de Anencéfalo: Uma gestação de feto Anencéfalo acarreta risco de morte à mulher grávida. Sem dúvida, e sobre isso há alguns dados levantados que são muito interessantes. Em primeiro lugar, há pelo menos 50% de possibilidade de polidrâmnio, ou seja, excesso de líquido amniótico que causa maior distensão do útero, possibilidade de atonia no pós-parto, hemorragia e, no esvaziamento do excesso de líquido, a possibilidade de deslocamento prematuro de placenta, que é um acidente obstétrico de relativa gravidade (2012, p.109 apud GOLLOP, 2004). Ainda cita Gollop que além dessas existem inúmeras complicações em uma gestação cujo resultado é um feto sem nenhuma perspectiva de vida, ou seja: “Que 29 a distócia de ombro acontece em 5% dos casos, o excesso de líquido em 50% dos casos e a atonia do útero pode ocorrer em 10% a 15% dos casos, podendo os fetos anencéfalos ser expulso antes da dilatação completa do útero” (2012, p. 110 apud GOLLOP, 2004). Então, por que se falar em aborto se o período de vida do Anencéfalo é efêmero, por que impor a gestante tal sofrimento, se seu feto não terá vida a não ser por segundos? Que direto é esse de dignidade, fazer com que uma pessoa suporte por nove messes um concepto que não durará com vida após o parto? Lima, em sua conclusão cita que: A gestação do Anencéfalo pode comprometer a saúde física, psíquica e social da mulher, e a imposição de uma gestação nessas circunstancias efetivamente lesa sua saúde física, psíquica e social. Quanto a mulher é privada da liberdade de escolha, seu sofrimento pode ser ainda mais agravado e sua saúde física e psíquica, mais afetada. A única forma de atenuar o sofrimento da gestante, com respeito aos seus direitos fundamentais, é garantindo-lhe legalmente a decisão livre e autônoma de interromper ou não a gestação nos casos de anencefalia (2012, p. 173). Olhando a inexigibilidade da conduta diversa encontrada no Estatuto Repressivo Penal, é justo exigir outra forma de conduta da mãe, após saber o diagnostico de que seu filho é portador da anencefalia outra forma se não optar pelo aborto? E se no caso a mãe já tiver feito o aborto, é justo condena-la? O que deve ser entendido por exigibilidade de conduta diversa? Segundo entendimento de Rogerio Greco: É a possibilidade que tinha o agente de, no momento da ação ou omissão, agir de acordo com o direito, considerando-se sua particular condição de pessoa humana”. Posto isso, é notório que diante da culpabilidade que é demonstrado na prática do aborto de anencéfalo se excluir a culpabilidade do agente, pois resta patente a impossibilidade de exigir da mãe uma conduta diversa que não o de abortar seu feto anencefálico (2007, p. 416). Assim, buscam os doutrinadores o melhor entendimento em relação à interrupção terapêutica de feto Anencéfalo. É os direitos fundamentais são uma forma de melhor assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. 30 6.2 POSICIONAMENTO MÉDICO Do ponto de vista médico, o Cremesp – Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo sendo a favor ao aborto expõe suas razões: O aborto deve ser legal não somente nos casos em que haja risco de vida da Gestante, como também colocar em risco a saúde da mulher e se o feto for portador de doenças prejudicial ao seu desenvolvimento. No entanto, a maioria dos abortos ocorridos no Brasil, o fator determinante não é de natureza médica, mas psicossocial, contudo o estado deve assumir sua responsabilidade promovendo uma assistência digna e adequada para a saúde destas mulheres (VERARDO, p.57) No entanto, o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro – Cremerj, se posiciona contrariamente: “Segundo o Cremerj, a aprovação desta lei violaria a consciência médica” (VERARDO, p. 58). De acordo com Lima (2012, p.92-93), os avanços tecnológicos permite que o diagnostico seja mais preciso e vem auxiliando na detecção das malformações fetais, afirmando que: Os avanços tecnológicos na área da medicina fetal permitem realizar diagnostico muito seguros sobre a formação do produto da concepção e a detecção de inúmeras doenças. O diagnostico pré-natal, na atualidade, abarca uma gama muito grande de procedimentos médicos com diversas finalidades. Possibilita uma melhor proteção da vida e da saúde, tanto da gestante quanto do concepto, ao detectar doenças e malformações fetais. A partir do diagnostico, é possível, por meio deste procedimento mais simples até de prática cirúrgicas, resolver ou remediar muitas dessas situações. Para auxiliar no diagnostico, os modernos aparelhos de ultrassonografia possibilitam resolução precisa quanto à existência de malformações fetais (LIMA, 2012, p.92-93). Diante do exposto, entraremos na seara da análise da anencefalia e como ele é visto no ordenamento jurídico. 31 7 A ANENCEFALIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO A anencefalia traz ao operador do direito situações na qual se encontram conflitos reais em relação aos direitos fundamentais. De um lado, o resguardo à vida intrauterina do Anencéfalo e do outro à saúde e à liberdade de autonomia reprodutiva da mulher, ambos disciplinados na Constituição da República Federativa do Brasil. De cada 10.000 nascimentos no Brasil, oito são de fetos anencéfalos. A ciência médica afirma que, em se tratando de um verdadeiro caso de anencefalia, a vida do feto resulta totalmente inviabilizada. Não há que se falar em delito, portanto, no caso de aborto de anencéfalo. Não se trata de uma morte arbitrária (ou seja: não se trata de um resultado jurídico desarrazoado ou intolerável). Daí a conclusão de que esse fato é materialmente atípico. (GOMES, 2009, p.7). O aborto de Anencéfalo está de acordo com o ordenamento jurídico, onde o feto anencefálico é um morto cerebral, ou seja, a gestante carrega em seu ventre, um indivíduo legalmente morto, sendo legal pela ordem jurídica, a antecipação do parto, se a gestante, seu companheiro e familiares, decidirem por ela. Nesta seara, são visíveis dois ângulos: um social e outro jurídico, todavia, desde 1940, quando elaborado o Código Penal, houve grande avanço tecnológico e científico em relação ao diagnóstico da anencefalia, como ultrassonografia, sendo este diagnóstico mais preciso em relação àquela época. Por isso o Código Penal não disciplinava o aborto de Anencéfalo. No entanto, hoje é possível fazer o diagnóstico mais preciso. Ademais, Lima cita Genival Veloso França asseverando que parte da doutrina classifica aborto de Anencéfalo como eugênico, porém nas palavras de Veloso: O aborto seletivo em fetos anencefálicos não pode ser incluído entre os abortos ditos eugenésicos, pois estes evitam o nascimento de crianças com defeitos físicos ou perturbações psíquicas, enquanto aquele apenas promove a interrupção de uma gravidez cujo feto não tem nenhuma condição de vida autônoma (2012, p. 96 apud FRANÇA, 2007). Sendo assim, os magistrados em seu exercício profissional, devem romper com coragem o silêncio que oprime, para dar voz ao sofrimento contido daqueles 32 que nada tem, porque nada espera, em busca da satisfação do interesse lesado, do direito ferido, da garantia violada. Posto isso, o Ministro Marco Aurélio de Mello, precursor em entender o sofrimento da gestante com diagnóstico de feto Anencéfalo, buscou através de uma liminar minimizar este sofrimento. Carolina Alves de Souza Lima aduz sobre o diagnóstico de feto Anencéfalo, mostrando a inviabilidade de concepto com tal má formação: A anencefalia pode ser diagnosticada no inicio da gestação, por meio dos exames pré-natais, particularmente pelos exames de ultrassonografia. Caso não diagnosticado no inicio da gestação, ou haja dúvida quanto ao diagnostico, este pode ser feito, entre o período da vigésima semana à vigésima segunda semana, por meio dos atuais aparelhos de ultrassonografia. No entanto, os avanços da ciência médica e da tecnologia a ela relacionada, ainda não há recursos médicos para reverter determinados quadros clínicos, como no caso da anencefalia. O anencéfalo é fadado a uma vida vegetativa por prevê período de tempo até a morte (2012, p. 93). Também, segundo Loureiro: A vida é o primeiro direito a ser tutelado pela constituição e nela se vincula o direito de nascer e, ao longo de sua existência, o de viver com dignidade. No entanto nada fala que retirar um concepto que diagnosticado com uma mal formação de anencefalia, esta comprovada, que o feto não terá vida após o parto, seja privar um individuo ao direito de nascer e o de viver com dignidade, pois, comprovadamente esta “vida”, não durará segundos (2009, pag.84) A partir do exposto, segundo as palavras da desembargadora Giselda Leitão Teixeira: “A vida é um bem jurídico a ser preservado a qualquer custo, mas, quando a vida se torna inviável, não é justo condenar a mãe a meses de sofrimento, de angustia, de desespero” (ADPF/54). Nota-se pela frase abaixo citada o Estado ainda traz arraigado em seus preceitos um pouco de religiosidade, sendo que esta deve ser pautada com maior discernimento em relação aos casos concretos, devendo sopesar todos os princípios fundamentais elencados aos interesses dos indivíduos. Embora laico, o Estado brasileiro se vê as voltas com influencias de opiniões religiosas, chegando mesmo, em algumas circunstancias, a ter de colocar em pauta as posturas assumidas por seus lideres (ROBERTO BARBATO JR, nº 96, p.441). 33 Sendo que, pelo ângulo social esta seria benéfica às mulheres mais humildes, pois o da classe abastarda ao detectarem a anencefalia, poderiam recorrer a clínicas particulares que realizariam o procedimento sem nenhum constrangimento, outro sim, aquela necessitaria procurar a justiça para conseguir uma autorização, para em seguida realizar o procedimento. Neste sentido, não é justo obrigar a gestante a levar adiante uma gravidez que não resultará em um filho vivo, considerando-se algo torturante para a mulher, se tiver que levar adiante essa gestação; constantemente lembrará que carrega em seu ventre um feto morto “de certa forma”, sendo uma pressão psicológica constante, pois nenhuma mulher conseguiria aguentar a sensação do fracasso de não ser mãe. 7.1 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL De acordo com o exposto nesta pesquisa, o direito a vida é resguardado juridicamente em vários diplomas legais, sendo eles o Código Penal, o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Trazendo esta discussão para o âmbito constitucional, Alexandre de Morais assevera: Entendemos em relação ao aborto que, além das hipóteses já permitidas pela lei penal, na impossibilidade do feto nascer com vida, por exemplo, em caso de acrania (ausência de cérebro), ou, ainda comprovada a total inviabilidade de vida extra-uterina, por rigorosa pericia médica, nada justificaria sua penalização, uma vez que o direito penal não estaria a serviço da finalidade constitucional de proteção a vida, mas sim estaria ferindo direito fundamentais da mulher, igualmente protegidos: liberdade e dignidade humana. Assim sendo, a penalização nesses casos seria de flagrante inconstitucionalidade ( MORAIS, 2003, p. 91). O nosso ordenamento jurídico traz varias regulamentações em relação a permissão do aborto e o fornecimento, pelo Estado, de meios adequados para que todas as mulheres possam, em igualdade, serem beneficiadas com esta tutela estatal. O amparo à gestante em um período tão critico é de suma importância, uma vez que a mesma, justamente, por estar acometida pela gravidez eugênica, se encontra em um momento extremamente frágil, carecendo da tutela estatal para ter, de alguma forma, aliviado seu desconforto, físico, mental, emocional e psicológico. 34 Neste sentido, a gestante de anencéfalo recorre ao Judiciário, no intuito de aliviar previamente um sofrimento inevitável: o parto de anencéfalo, cujo prazo de vida é de segundos. Em 17 de julho de 2004, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na saúde – CNTS formalizou a arguição de descumprimento de preceitos fundamentais afirmando que juízes e tribunais vêm extraindo do Código Penal, em detrimento da Constituição Federal, a proibição de se efetuar a antecipação terapêutica do parto nos casos de fetos anencéfalo, todavia fica demonstrado que a antecipação terapêutica do parto não consubstancia aborto (ADPF/54, p.26). A CNTS busca também demonstrar que essa medida apesar de análoga ao preceituado no Código Penal é a melhor medida cabível, porém, a premissa é de que apenas o feto com capacidade potencial de ser pessoa pode ser sujeito passivo do crime de aborto.( ADPF/54, p.27) Segundo Nelson Hungria, em comentário ao Código Penal: Não está em jogo à vida de outro ser, não podendo o produto da concepção atingir normalmente vida própria, de modo que as consequências dos atos praticados se resolve unicamente contra a mulher { ...}, Se a gravidez se apresenta como processo verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir sequer salvar a vida do feto, não há o que se falar-se em aborto, para cuja existência é necessário a presumida possibilidade de continuação da vida do feto (HUNGRIA, p. 28, apud ADPF/54) O tema abordado se pauta exatamente na análise da constitucionalidade, ou não, do aborto de anencéfalo, tomando como base a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, isto é, a ADPF 54, que recentemente decidiu pela constitucionalidade da interrupção da gestação de fetos anencéfalos. Valioso, e indispensável, então, o exame da decisão, cujo acórdão trouxe a seguinte ementa: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITU FUNDAMENTAL – LIMINAR – ATUAÇÃO INDIVIDUAL – ARTIGO 21, INCISO IV E V, DO REGIMENTO INTERNO E 5º, § 1º, DA LEI Nº 9.882/99. LIBERDADE – AUTONOMIA DA VONTADE – DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – SAÚDE – GRAVIDEZ – INTERRUPÇÃO – FETO ANENCEFÁLICO (ADPF/54, p. 30) A decisão tomada pelo Ministro Marco Aurélio de Mello se pautou no entendimento que devemos buscar nas soluções das lides ver além do ordenamento jurídico, por isso assevera: 35 No cerne da questão está à dimensão humana que obstaculiza a possibilidade de se coisificar uma pessoa, usando-a como objeto. São muitos e de crucial importância os valores em jogo. A um só tempo, cuidase do direito a saúde, do direito a liberdade em seu sentido maior, do direito a preservação da autonomia de vontade, da legalidade e, acima de tudo, da dignidade da pessoa humana (ADPF/54). Conforme entendimento do ministro Marcos Aurélio ao decidir em favor da interrupção da gravidez de feto anencéfalo, afirma que: A incolumidade física do feto anencéfalo, que, se sobreviver ao parto, o será por poucas horas ou dias, não pode ser preservada a qualquer custo, em detrimento dos direitos básicos da mulher, sendo inadmissível que o direito à vida de um feto que não tem chances de sobreviver prevaleça em detrimento das garantias à dignidade da pessoa humana, à liberdade no campo sexual, à autonomia, à privacidade, à saúde e à integridade física, psicológica e moral da mãe, todas previstas na Constituição. Obrigar a mulher a manter esse tipo de gestação significa colocá-la em uma espécie de “cárcere privado em seu próprio corpo”, deixando-a desprovida do mínimo essencial de autodeterminação, o que se assemelha à tortura. “Cabe à mulher, e não ao Estado, sopesar valores e sentimentos de ordem estritamente privada, para deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez”, afirmou, acrescentando estar em jogo a privacidade, a autonomia e a dignidade humana dessas mulheres, direitos fundamentais que devem ser respeitados. (ADPF/54). No mesmo sentido posicionou-se a ministra Rosa Werber em relação a interrupção de feto anencéfalo pelo seguinte entendimento: O que está em jogo, no caso, não é o direito do feto anencefálico à vida, já que, de acordo com o conceito de vida do Conselho Federal de Medicina (CFM), jamais terá condições de desenvolver uma vida com a capacidade psíquica, física e afetiva inata ao ser humano, pois não terá atividade cerebral que o qualifique como tal. O que está em jogo, portanto, segundo ela, é o direito da mãe de escolher se ela quer levar adiante uma gestação cujo fruto nascerá morto ou morrerá em curto espaço de tempo após o parto, sem desenvolver qualquer atividade cerebral, física, psíquica ou afetiva, própria do ser humano. Embora, em seu voto, a Ministra sustentasse a relatividade dos conceitos da ciência sobre o que é vida e sobre a aplicabilidade dos conceitos e paradigmas da ciência às demais áreas da vida humana, em virtude de sua mutabilidade, ela se reportou, em seu voto, à Resolução nº 1480/97 do Conselho Federal de Medicina, que estabeleceu como parâmetro para diagnosticar a morte de uma pessoa a ausência de atividade motora em virtude da morte cerebral, isto é, a certeza de que o indivíduo não apresentará mais capacidade cerebral. Este é, segundo a Ministra, “um critério claro, seguro e garantido” que pode ser aplicado, por analogia, ao feto anencefálico. “A gestante deve ficar livre para optar sobre o futuro de sua gestação do feto anencéfalo”, sustentou a Ministra Rosa Weber. (ADPF/54). 36 Votou também pela constitucionalidade, Joaquim Barbosa, já que considera que: Em se tratando de feto com vida extrauterina inviável, não há possibilidade alguma de que esse feto venha a sobreviver fora do útero materno. Desse modo, a antecipação desse evento, em nome da saúde física e psíquica da mulher não se contrapõe ao princípio da dignidade da pessoa humana. Ao fazer a ponderação entre os valores jurídicos tutelados pelo direito, a vida extrauterina inviável e a liberdade e autonomia privada da mulher, deve prevalecer a dignidade da mulher, deve prevalecer o direito de liberdade desta de escolher aquilo que melhor representa seus interesses pessoais, suas convicções morais e religiosas, seu sentimento pessoal. (ADPF/54). Em contrapartida, o ministro Ricardo Levandowski posicionou-se contrário ä decisão, afirmando que: O voto do Ministro Lewandowski seguiu duas linhas de raciocínio. Na primeira, ele destacou os limites objetivos do controle de constitucionalidade. Afirmou que o STF só pode exercer o papel de legislador negativo. Nesse aspecto, o Ministro observou que o Congresso Nacional, se assim o desejasse, poderia ter alterado a legislação para incluir os anencéfalos nos casos em que o aborto não é criminalizado, mas até hoje não o fez. O tema, assinalou, é extremamente controvertido, e ambos os lados defendem suas posições com base na dignidade da pessoa humana. Sustentou que o Congresso se encontra profundamente dividido, refletindo, aliás, a abissal cisão da própria sociedade brasileira em torno da matéria. O segundo ponto enfatizado pelo Ministro foi a possibilidade de que uma decisão favorável ao aborto de fetos anencéfalos torne lícita a interrupção da gestação de embriões com diversas outras patologias que resultem em pouca ou nenhuma perspectiva de vida extrauterina. Para o Ministro, uma decisão judicial isentando de sanção o aborto de fetos portadores de anencefalia, ao arrepio da legislação penal vigente, abriria a possibilidade de interrupção da gestação de inúmeros outros casos. (ADPF/54). Divergente também foi o voto do ministro Cezar Peluzo, que considera que: Segundo o Ministro, o anencéfalo morre, e ele só pode morrer porque está vivo. Lembrou, ainda, que a questão dos anencéfalos tem de ser tratada com “cautela redobrada”, diante da imprecisão do conceito, das dificuldades do diagnóstico e dos dissensos em torno da matéria. Os apelos para a liberdade e autonomia pessoais são “de todo inócuos” e “atentam contra a própria ideia de um mundo diverso e plural”. A discriminação que reduz o feto “à condição de lixo”, a seu ver, “em nada difere do racismo, do sexismo e do especismo”. Todos esses casos retratam, de acordo com o voto, “a absurda defesa e absolvição da superioridade de alguns sobre outros”. Ao encerrar seu voto, o presidente do STF ressaltou ainda que não cabe ao STF atuar como legislador positivo, e que o Legislativo não incluiu o caso dos anencéfalos nas hipóteses que, no art. 124 do Código Penal, autorizam o aborto. 37 Por fim, por maioria de votos, o STF, em sua decisão condicionou à imprescindibilidade de que se trate efetivamente de um feto anencefálico, com perspectiva vital inviabilizada (ou seja: deve ser exigida a constatação médica fidedigna de duas coisas: feto anencefálico e inviabilidade da vida) (ADPF/54), pois somente nessas circunstâncias justifica-se o abortamento, isto é, nessas circunstancias a morte não é desarrazoada ou “arbitrária”. (GOMES, Fev-Mar/2009, p.7). A partir do exposto, das pesquisas de jurisprudência, doutrinas e acordão o que fica demonstrado é que a premissa em relação a esse tema é não permitir com que uma gestante tenha que passar por tantos horrores de uma gravidez fadada ao insucesso; queremos sim é proteger o bem maior que neste caso seria a saúde da mulher, esta física e psíquica. Assim sendo, o que a liminar queria era apenas a adequação da lei a uma nova realidade científica e tecnológica em que estamos vivenciando. O mérito da liminar se da pela ameaça à saúde da mulher, não tão somente por o aborto sê considerando atentado a vida do feto, mas que muitas mulheres morriam em consequência das más condições em que o aborto era realizado. 7.2 PORTARIA MS/GM N°1.508, DE 1° DE SETEMBRO DE 2005 Conforme os preceitos seguidos pelas Normas Técnicas de Atenção Humanizada ao Abortamento o procedimento para a autorização interrupção da Gravidez encontra-se previstos em lei, é o Sistema Único de Saúde – SUS, adota o que está prescrito no inciso II do parágrafo único do art. 87 da Constituição Federal, cominado com Código Penal Brasileiro estabelecendo requisitos para o aborto humanitário ou sentimental, previsto no inciso II do art. 128, “que ele seja praticado por médico e com o consentimento da mulher” (SAÚDE, Normas Técnicas, 2011, p.47). Todavia deve o Ministério da Saúde disciplinar medidas que assegure a licitude do procedimento da interrupção da gravidez nos casos previstos em lei quando este for realizado no âmbito do SUS, e ao profissional de saúde a garantia jurídica para a realização de tal procedimento, e que as mulheres que sofrerem abuso sexual, não seja obrigada a comprovar em boletim de ocorrência tal violação, 38 para ter o acesso ao procedimento de interrupção da gravidez ao sistema único de saúde (SAÚDE, Normas Técnicas, 2011, p.47) De acordo com o que diz o art. 1º da normativa faz-se necessário a Justificação e Autorização em âmbito jurisdicional para que seja adotado o procedimento para a interrupção da gravidez: Art. 1º O Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei é condição necessária para adoção de qualquer medida de interrupção da gravidez no âmbito do Sistema Único de Saúde, excetuados os casos que envolvem riscos de morte à mulher. Art. 2º O Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei compõe-se de quatro fases que deverão ser registradas no formato de Termos, arquivados anexos ao prontuário médico, garantida a confidencialidade desses termos. Art. 3º A primeira fase é constituída pelo relato circunstanciado do evento, realizado pela própria gestante, perante dois profissionais de saúde do serviço. Parágrafo único. O Termo de Relato Circunstanciado deverá ser assinado pela gestante ou, quando incapaz, também por seu representante legal, bem como por dois profissionais de saúde do serviço, e conterá: I - local, dia e hora aproximada do fato; II - tipo e forma de violência; III - descrição dos agentes da conduta, se possível; e IV - identificação de testemunhas, se houver. Art. 4º A segunda fase dá-se com a intervenção do médico que emitirá parecer técnico após detalhada anamnese, exame físico geral, exame ginecológico, avaliação do laudo ultrassonográfico e dos demais exames complementares que porventura houver. 7.3 PROJETO DE LEI N° 312/2004 Segundo projeto de lei apresentado pelo senador Marcelo Crivella (LP/RJ) acrescenta ao art.128 do Código Penal Brasileiro um inciso que traz excludente de antijuridicidade em relação à interrupção da gravidez de feto que apresentam graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais, conforme preceitua: Art. 128 – “Há fundada probabilidade, atestada por dois outros médicos, de o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais”. Este projeto de lei justifica como objetivo a regulação de tema polêmico, como da hipótese de interrupção de gravidez de feto anencéfalo, relatando conceitos técnicos da morte, anencefalia, comparando com a Lei 9.434/97 que regula os transplantes de órgão, como também por ele analisando na liminar proferida pelo Ministro Marco Aurélio de Mello. 39 A ADPF nº 54-8/DF o Ministro Marco Aurélio tinha como base que à gestação de fetos anencéfalos poderia causar sérios danos à saúde da mulher, sua decisão pautou-se no direito a vida, autonomia da vontade, legalidade e dignidade da pessoa humana, todos vinculados a nossa Carta Magna. Todavia essa decisão trouxe a tona discussão relacionada ao aborto, abrangendo aspecto morais, sociais e religiosos. Contudo a discussão maior vem do projeto de lei que hoje já foi pacificada, surgindo questionamento a respeito até onde o Direito Penal regula essa matéria da interrupção da gravidez de feto Anencéfalo. Sem muito adentramos nestas questões, o projeto visa alterar dispositivo da lei penal, onde esta visa proteger o bem jurídico mais importante, e como parte dele o jurídico – penal instrumento eficaz que o Estado disponibiliza para realizar o controle social, com normas reguladoras, usando como meio normas incriminadoras, penas e medida de segurança. Segundo o Código Penal Brasileiro a conduta para ser crime, esta necessita ser típica antijurídica e atingir o bem tutelado. Deste modo se o bem jurídico protegido não for atingido, não temos como falar de crime. Contudo o projeto expõe argumentos para concessão da liminar onde deixa claro que tecnicamente o feto Anencéfalo, não possui vida extrauterina, pela falta de cérebro. Ausência esta que é considerada juridicamente de morte, possibilitando a retirada de órgãos. Como este bem jurídico, não terá vida após o parto, à interrupção da gestação não é considerado típico penal. A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), em 2008, com apoio do Instituto da Bioética, Direitos Humanos e Gênero-ANIS, entrou com pedido de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF de nº 54 )pretendendo obter um pronunciamento visando garantir à gestante acesso à antecipação terapêutica do parto, e o direito dos profissionais de saúde a realização do procedimento, tendo amparo à liberdade pessoal e profissional. Em entrevista a Revista Época (2004, p.41) o ministro Marco Aurélio de Mello defende à interrupção da gravidez de feto Anencéfalo, reportando ao Código Penal Brasileiro onde viabiliza a interrupção terapêutica da gravidez quando há risco de vida para a mulher, sendo seu entendimento que o risco não se trata apenas de questão relacionada à integridade física, mas a saúde em sentido amplo; como a 40 saúde psicológica da mulher, os danos irreversíveis que essa gestação possa trazer a gestante do ponto de vista físico quanto do psicológico. O mesmo declara se naquele tempo houvesse tecnologia médica para detectar a má formação fetal, esta provavelmente estaria previsto no Código Penal Brasileiro e a gestação de Anencéfalo seria interrompida sem causar nenhum dano moral à sociedade e ao direito do concepto (ADPF/54). ABORTO-PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA INTERRUPÇÃO TERAPEUTICA DE GESTAÇÃO-INDEFERIMENTO DO PEDIDO PELO JUIZ CRIMINAL, EM PRIMEIRO GRAU-INTERPOSIÇÃO DE APELAÇÃO CRIMINAL E, CONCOMITANTE, DE AGRAVO DE INTRUMENTO, VISANDO À OBRENÇÃO DA MEDIDA ANTES DO JULGAMENTO DA APELAÇÃO, DEFERIMENTO PELO RELATOR E CONFIRMADA PELA CÂMARA. Do pedido de Habeas Corpus feito ao Superior Tribunal de Justiça, mediante decisão da ministra Laurita Vaz, concedeu a liminar, suspendendo a autorização da interrupção da gravidez no sentido de que o nascituro tem o direito de ter preservado sua vida. (ADPF/54) HABEAS CORPUS. PENAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA PRATICA DE ABORTO. NASCITURO ACOMETIDO DE ANE NCEFALIA. INDEFERIMENTO. APELAÇÃO. DECISÃO LIMINAR DA RELATORA RETIFICADA PELO COLEGIADO DEFERIMENTO O PEDIDO. INEXISTENCIA DE PREVISÃO LEGAL. IDONEIDADE DO WRIT PARA A DEFESA DO NASCITURO. Neste mesmo sentido tem o Tribunal de Justiça do Paraná decidido: Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em julgar extintos os processos pela perda de objeto. EMENTA: HABEAS CORPUS PREVENTIVO - PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA INTERROMPER GRAVIDEZ DE FETO ANENCÉFALO - DECISÃO QUE SUSPENDEU A AUTORIZAÇÃO - TEMPO DE GESTAÇÃO SUPERIOR AO POSSÍVEL PARA A PRÁTICA DO ATO PRETENDIDO - PERDA DE OBJETO DO PEDIDO - ORDEM PREJUDICADA PELO DECURSO DO TEMPO. (TJPR - 1ª C.Cível Suplementar (2006) - HCC 393683-4 - Foro Regional de Fazenda Rio Grande da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Rui Bacellar Filho - Unânime - J. 23.07.2007) Já quanto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais segue seu entendimento: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ALVARÁ JUDICIAL. AUTORIZAÇÃO PARA INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ. FETO ANENCÉFALO. INVIABILIDADE DA 41 VIDA EXTRA UTERINA. MANUTENÇÃO DA GRAVIDEZ. DEMASIADO SOFRIMENTO PSICOLÓGICO. AUTORIZAÇÃO CONCEDIDA. SENTENÇA REFORMADA. Considerando que a gestação de um feto portador de anomalia incompatível com a vida extra-uterina, a antecipação do parto é medida que se impõe, já que a morte desse feto é inevitável, em decorrência da aludida patologia. A sentença de morte proferida por ocasião da constatação da anencefalia já fulminou todas as expectativas e planos daqueles que aguardavam o nascimento daquele filho, de modo que não se mostra razoável e proporcional infligir à gestante o martírio de levar às últimas consequências uma gravidez sem serventia, o que somente lhe acarretará amargura e demasiado sofrimento psicológico, o que viola o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da CF, do qual deflui, como consectários naturais, o respeito à integridade física e psíquica das pessoas.. Não se pode lançar mão dos avanços médicos, mormente, em casos de anencefalia cabalmente comprovada, cujo grau de certeza é absoluto acerca da impossibilidade de continuidade de vida extrauterina do feto anencefálico por tempo razoável. Para haver a mais límpida e verdadeira promoção da justiça, é de fundamental importância realizar a adaptação do ordenamento jurídico às técnicas medicinais advindas com a evolução do tempo. Vale dizer, o direito não é algo estático, inerte, mas sim uma ciência evolutiva, a qual deve se adequar à realidade . Seja pela inexigibilidade de conduta diversa, causa supra legal de exclusão da culpabilidade, seja pela própria interpretação da lei penal, a interrupção terapêutica do parto revelasse possível à luz do vetusto Código Penal Brasileiro de 1940. Considerando a previsão expressa neste diploma legal para a preservação de outros bens jurídicos em detrimento do direito à vida, não se pode compreender por qual razão se deve inviabilizar a interrupção do parto no caso do feto anencefálico, se, da mesma maneira, há risco para a vida da gestante, com patente violação da sua integridade física e psíquica, e,ainda, inexiste possibilidade de vida extrauterina. Dentre os consectários naturais do princípio da dignidade da pessoa humana deflui o respeito à integridade física epsíquica das pessoas. Evidente que configura clara afronta a tal princípio submeter a gestante a sofrimento grave e desnecessário de levar em seu ventre um filho, que não poderá sobreviver. Não bastasse a gravíssima repercussão de ordem psicológica, a gestação de feto anencefálico, conforme atestam estudos científicos, gera também danos à integridade física, colocando em risco a própria vida da gestante. Ademais, com o advento da Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, adotou-se o critério de morte encefálica como definidor da morte. “Nessa linha, no caso de anencefalia, dada a 42 ausência de parte vital do cérebro e de qualquer atividade encefálica, é impossível se cogitar em vida, na medida em que o seu contraponto, a morte, está configurado”. 43 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em suma, no Brasil, se busca justificar o aborto de Anencéfalo, visando o melhor entendimento do ponto de vista legal, sendo que o estado de necessidade é o ponto principal, devido às consequências geradas tanto “moral, familiar e social” decorrentes do nascimento de um feto que configuraria perigo de grave dano à pessoa da gestante, no mais, se essa hipótese não é vislumbrada, não se justifica o aborto ( ADPF/54). Contudo, a exclusão de crime de aborto busca dirimir o conflito gerado entre interesses opostos, os quais estão os direitos fundamentais do feto e a saúde da mulher. O que é visto na Doutrina é bastante fática ao assinalar que a mãe deve correr perigo de morte para que lhe seja permitida a conduta do aborto, não simplesmente o seu agravamento de saúde é suficiente para tal procedimento, à prática abortiva (ADPF/54). O aborto de fetos Anencéfalo é um tema muito discordante na seara jurídica brasileira, e também pelas religiões e sociedade, pois, a palavra eugenia sugere uma certa conotação política ,levando-nos a uma idade remota onde esta prática eram feitas para que a população fossem perfeita e que não houvesse nenhuma anomalia em sua gente tidos como “sangue puro”, entretanto não é essa o viés que queremos dar a interpretação do aborto eugênico, entretanto, o que se busca como objetivo demonstrar que o aborto de feto Anencéfalo não é simplesmente abortar um feto anomalia adquirida durante a gestação por única é exclusiva vontade da mãe, pois pelo exposto o que se tem notado é que muitas delas optam por ter seus filhos, mas necessitam da segurança que se desejarem a interrupção da gravidez de fetos Anencéfalo tenham o Estado a lhes assegurar esse direito, contudo, o Estado não pode impor por ser o guardião dos direitos e deveres do cidadão, que seja permitido a gestante sofrimento e tortura tanto física como psicológica; nesta ótica, ao serem realizada a interrupção da gravidez, estaria sendo infringido direito fundamental a vida intrauterina do feto, mas, por outro lado, se mantida a gestação, estaria ferindo-se o princípio da dignidade da pessoa humana da gestante, do direito a saúde física e psíquica, bem como da sua autonomia de vontade (BARBATO, 2007, p.43). 44 Sendo um dos princípios basilares da Organização Mundial de Saúde, quais sejam, o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença (LIMA, 2012,apud OMS, p108). Note-se que o conflito relacionado entre manter o direito à vida intrauterina do Anencéfalo versus os direitos à saúde e à liberdade de autonomia reprodutiva da mulher quando esta optar pela realização do aborto, vai muito mais além que simplesmente sua liberação, sendo notado que a maioria dos indeferimentos pautouse simplesmente por concepções religiosa (GOMES, 2009, p.8). No entanto, o Estado em sua legislação, especificamente, o direito penal, não pode estabelecer limites para a vida em sociedade, onde esta não se mostra necessária. A legislação deve sim, proteger os cidadãos e evoluir com a tecnologia e com a medicina, não podendo de forma alguma esta ser injusta e inadequada, observando o principio da dignidade humana, não tirando da mãe o direito em relação a manter ou interromper sua gravidez, já que foi comprovado que o concepto não sobreviverá após seu nascimento. Nota-se que não é apenas abortar um ser nascente, mas, um concepto que após se desligar de sua genitora não terá vida, como se este estivesse ligados a aparelhos, que seu suporte seria sua mãe; pois cientificamente o Anencéfalo é um ser sem perspectiva de vida após o parto. De acordo com o exposto, o que se tem notado é que: Por meio do princípio da proporcionalidade, busca-se dirimir da melhor forma possível no caso concreto, quem poderá sofrer uma lesão mais gravosa frente ou outro, tendo prevalecido na decisão dada pelo Superior Tribunal Federal a dignidade da mulher em relação a futura dignidade do feto (CUELLAR, 2006, p.61). Dentro de toda essa analise podemos verificar que a gestante em seu período mais critica pode ter do Estado o apoio que mais precisava, tendo seu direito resguardado, o da dignidade da pessoa humana e o direito de autonomia reprodutiva, podendo escolher em prosseguir ou não com sua gestação. Sendo assim, o que fica demonstrado é que a anencefalia não pode ser considerada como um aborto, pois não feri nenhum dos principio jurídicos preservado por nossa legislação, pois o feto somente tem futuro direito e este feto anencéfalo tem somente uma vida vegetativa intrauterinamente, sendo que fora do corpo de sua genitora, sua vida durará somente segundo. 45 Durante toda a pesquisa da presente monografia, muito buscaram demonstra o inicio da morte do anencéfalo, mas o que ficou demonstrado é a divergência em todos os níveis sociais, acadêmicos, jurídico em especial das ciências medicas em relação a esta, não entrando em um consenso. O que ficou demonstrado, no entanto não é a modificação da Lei, mas a garantia que se a gestante com o resultado médico de uma gravidez de anencéfalo, ela pelo principio da autonomia reprodutiva, possa optar em ter ou não seu filho, tendo seu direito resguardado e o Estado lhe protegendo em qualquer arbítrio de qualquer ramo da sociedade que venham a lhe querer impor algumas restrições. Como já dizia o Provérbio “mente sã corpo são” a base de todo equilíbrio emocional de um ser vivente. 46 REFERÊNCIAS BARBATO JR, Roberto. Revista dos Tribunais. nº 96. 2007. P.436-448. BENUTE, G. R. (2007). Aborto por anomalia fetal letal: do diagnostico ä decisão entre solicitar ou não alvará judicial para interrupcao da gravidez. Revista dos Tribunais: Doutrina Penal, 486-509. CUELLAR, Karla Ingrid Pinto. O Princípio constitucional da dignidade humana, Princípio da Proporcionalidade e o Aborto. GARCIA VITTA, Heraldo. 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