Título: EXTENSÃO UNVERSITÁRIA : CONTROVÉRSIAS Área Temática: Ensino Superior Autora: REGINA MARIA MICHELOTTO Instituição: Universidade Federal do Paraná - Setor De Educação - DEPLAE No Brasil, a extensão universitária começou a aparecer nos discursos oficiais na fase de industrialização e desde logo se evidenciaram as controvérsias a respeito de sua conceituação. Nas reformas de Francisco CAMPOS, de 1931, ela é definida como função supletiva (REIS, 1988: 09), devendo cumprir, assim, o papel de suprir determinada ausência: a da relação da universidade com determinados setores da sociedade na qual está inserida. No Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932, aparece como função vulgarizadora ou popularizadora das sciências e das artes. (In: GHIRALDELLI Jr., 1991, p. 71) o que leva ao pressuposto de que estas mantinham-se restritas a poucos. A Lei nº 4.024/61, primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pouca referência faz à extensão, restringindo-se, no art. 69 c, a citar “cursos de especialização, aperfeiçoamento e extensão, ou quaisquer outros...”, mas no contexto dos anos 60, a extensão retorna aos documentos oficiais na Lei nº 5.540/68, que, em seu art. 20, refere-se a ela como cursos e serviços estendidos à comunidade: “As universidades e os estabelecimentos isolados de ensino superior estenderão à comunidade, sob forma de cursos e serviços especiais, as atividades de ensino e os resultados de pesquisa que lhes serão inerentes.” O relatório que avalia essa Lei complementa que a extensão é “(...) antes uma forma de exercício das funções puras (ensino e pesquisa) e não uma terceira função”. (REIS, 1988: 15). Como se pode conferir, esse texto legal apresenta como atividades inerentes da universidade apenas ao ensino e a pesquisa. A extensão não é uma terceira função mas uma forma de estendê-los para fora dos muros da instituição. A nova LDB, Lei nº 9.394/96, vem modificar essa concepção, definindo, em seu art. 52, que “(...) as universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano...”. Nivela, nesse item, as atividades, aceitando a inerência da extensão. Porém, ao especificar a ação extensionista, afirma como uma das finalidades da Educação Superior “(...) promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição” (art. 43 - VII), reposicionando a extensão como encarregada da difusão do conhecimento. Constata-se assim a permanência de certa indefinição sobre a extensão universitária. FAGUNDES (1985: 144) reafirma a não inerência da extensão e a entende como circunstancial. Argumenta, a partir da reconstituição histórica desse tipo de atividade, que está equivocada a idéia de que a universidade tem três funções que lhe são inerentes: ensino, pesquisa e extensão, o seu tão divulgado tripé. Reforça que “(...) a inerência da extensão não se sustenta historicamente, além de desviar a atenção do problema fundamental”, o do não comprometimento da instituição. “Fica muito mais difícil defender a extensão como uma nova função da universidade, enquanto ela for postulada como forma de suprir as deficiências e omissões das outras funções universitárias, em relação à realidade social.” (Id. Ibid.: 111). Cotejando a extensão no âmbito da Universidade com a política social no âmbito da sociedade capitalista pode-se dizer que, assim como a política social só se justifica enquanto a política econômica é anti-social, também a extensão só se justifica na medida em que a Universidade é anti-social e elitista em suas funções de ensino e pesquisa. (FAGUNDES, 1985: 142). Colocada a questão desta forma, a extensão é apresentada na posição interessante de ter de voltar-se contra ela mesma. Isto é: de atuar de forma a que a universidade seja conduzida a não necessitar mais dela, quando terá desaparecido o seu descompromisso para com a maioria da população. Um entendimento em certa medida semelhante expressa Gurgel ROCHA, (1986: 166) quando advoga que a “Extensão como filosofia de ação da universidade venha a suceder a Extensão funcional”. Entende como horizonte uma universidade voltada para a sociedade, como um todo, isto é, uma universidade toda “estendida”. BOTOMÉ reafirma que a extensão não é atividade à parte ou paralela, nem ocupa um terceiro posto dentro da estrutura universitária, mas deve ser entendida como dimensão e como etapa indispensável do ensino e da pesquisa (1996: 20). TAVARES corrobora essa idéia, afirmando que “(...) a extensão é o próprio ensino e pesquisa, desenvolvidos dentro de uma concepção políticometodológica que privilegia as necessidades da maioria da população”. (1997: 15). Entretanto, o que comumente se encontra, atualmente, no desenvolvimento das atividades da universidade, é a extensão ocupando um terceiro posto e formando com o ensino e a pesquisa o propalado tripé. O problema expõe a fragmentação com que a universidade costuma entender o cumprimento de seu papel, separando a reflexão da ação, em conformidade com a organização capitalista da sociedade. Define-se, então, que cabe à pesquisa a reflexão e à extensão a ação, como se viu no texto da nova LDB, criando para esta última uma conotação ativista e secundarizada, da mesma forma como é entendida a pura ação, na sociedade. O grifo nessa última expressão visa a alertar sobre a sua incoerência. Quando o respaldo da análise é a realidade concreta, a ação sem reflexão, embora muitas vezes imposta, como na administração taylorista, mostra-se impossível de realizar, o que não impede que seja bastante devastadora em termos sociais, separando e marginalizando atividades e seus atores. Da mesma forma, o ativismo extensionista apresenta bases falsas, mas que causa graves conseqüências à universidade. Comprova-se o equívoco dessas bases quando se depara com a extensão acontecendo, em atividades diretamente articuladas com a população. A complexidade das concretas relações sociais vai exigir pesquisa e ensino, ratificando tanto a opinião de BOTOMÉ como a de TAVARES, acima expostas. Porém, na estrutura da universidade, a extensão continua a ser considerada terceira, ao lado da pesquisa e do ensino. Setores mais progressistas têm tentado equacionar o problema da fragmentação estrutural das atividades universitárias, advogando a indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão, expressão essa que se encontra na Constituição Federal de 1988 (art. 207). Sem entrar no mérito da escolha do termo indissociabilidade, foco de inúmeras críticas, convém ressaltar que ele, embora carregando a intenção de que se evite a compartimentação das atividades universitárias, produz resultado inverso, uma vez que sacramenta a colocação paralela da extensão junto às duas atividades inerentes à universidade: ensino e pesquisa. Estas, de fato, devem se apresentar sempre associadas, já que reciprocamente se enriquecem e realimentam. Com certeza, as pesquisas desenvolvidas por professores enriquecem e atualizam o ensino por eles ministrado. Por sua vez, as atividades de ensino expõem, muitas vezes, lacunas do conhecimento que instigam à pesquisa. Essa consideração questiona a tendência de se isolar as instituições que se dedicariam à pesquisa daquelas dedicadas ao ensino, como uma tendência de caráter puramente econômico. Visa apenas dar resposta às pressões pela expansão de matrículas na educação superior, pela criação dos hoje chamados colegiões, menos dispendiosos, voltados apenas à transmissão de conhecimentos. Quanto à extensão, colocada ao lado do ensino e da pesquisa, toma cunho de pura ação. Essa localização paralela da extensão é o problema. Propugnar a indissociabilidade das três atividades é, portanto, reforçar que são três coisas diversas que devem estar associadas. Ora, a principal crítica recai, justamente, no fato de se considerar que as atividades são três e diversas. Compartimentam-se as três atividades, delegando-se à extensão o encargo de atuar junto à população, isentando a pesquisa e o ensino de fazêlo, como se a extensão tivesse apenas caráter prático, enquanto a pesquisa teria conotação apenas teórica. Separa-se, assim, a teoria da prática, como defende a organização capitalista da sociedade. Após o que, cria-se a idéia artificial da indissociabilidade para se resolver o problema da fragmentação. Essa idéia mostra-se incapaz de resolver o problema, pois a realidade vai mostrar que, dentro da burocrática estrutura universitária, os projetos de extensão não se relacionam aos de pesquisa; pelo contrário, a própria universidade promove sua desarticulação, tornando difícil indissociá-los. Uma tentativa mais articulada de resolver o problema da conceituação da extensão foi realizada pelo Fórum de Pró-Reitores de Extensão, em 1987, que, após inúmeros debates, a definiu como um processo educativo, cultural e científico e como instrumento articulador entre universidade e sociedade, entre ensino e pesquisa, entre disciplinas, departamentos e setores da universidade. Eis a íntegra desse conceito: “A Extensão Universitária é o processo educativo, cultural e científico, que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre universidade e sociedade.” (In: SESu/MEC, 1987: 3). BOTOMÉ questiona tal conceito afirmando que ele atribui um poder mágico à extensão, “(...) conferindo-lhe uma capacidade de redenção da instituição”. (1996: 85.). Enquanto elemento articulador, capaz de conferir sentido transformador à universidade, a extensão aparece como a panacéia dessa instituição. SOUSA também analisa o conceito do Fórum e deduz: Dizer somente que a Extensão é um processo educativo não estaria contribuindo para clarear sua concepção, pois o ensino e a pesquisa também podem, com muita propriedade, reclamar esse papel e proclamar sua suficiência, sem necessidade de serem complementados pela extensão. (...) [Com] a idéia de instrumento articulador (...) procura-se conseguir um espaço para a extensão entre os espaços já conquistados pelas outras funções. (1994: 167). Como se constata, também a conceituação conferida pelo Fórum à extensão apresenta aspectos controversos. Tem se constituído, entretanto, importante referencial para o trato progressista da extensão universitária. Como se viu, as controvérsias a respeito da extensão estão presentes já em sua conceituação; mas não se restringem a ela. Teoricamente, o trabalho extensionista é aceito como o encarregado de “abrir” a universidade, promovendo sua relação com a sociedade em geral. Por decorrência, é o que visa resgatar uma dívida que a universidade pública tem para com as camadas mais baixas na escala social, que ajudam a sustentá-la por meio de impostos, se não diretos, indiretos. Um dos pontos controversos aqui enfocado diz respeito à própria necessidade de existir a extensão, uma vez que há quem entenda que o atendimento às demandas sociais, ou seja, a busca empenhativa da melhoria da qualidade de vida de todos, já é efetuada pela universidade, nas atividades de ensino e de pesquisa, embora, às vezes, com resultados mais a longo prazo e/ou indiretos. Citam-se, também, as atividades chamadas Pesquisa-ação ou Pesquisa-participante que, já que se assemelham àquelas entendidas como extensionistas, tornariam essas últimas desnecessárias. Tal afirmação requer maior reflexão. Analisando-se primeiramente as atividades de ensino, constata-se que os problemas sociais podem, de fato, ser enfrentados quando a universidade forma profissionais muito bem preparados para atuar com competência em sua área específica e, principalmente, indignados com as desigualdades e assim, comprometidos com a justiça social. Isso pode estar ocorrendo, em certa medida, embora mais ou menos pontual e desarticuladamente, e muitas vezes independente dos currículos dos cursos. Costuma-se defender teoricamente que todos os currículos devem ser pautados pela realidade social, mas há um cunho de alienação que, em geral, continua a permeá-los, principalmente quando colocados em prática nos cursos (1). Assim, a institucionalização do ensino descrito acima se encontra, ainda, no âmbito da utopia, já que requer uma universidade que tenha tal compromisso como filosofia; enfrenta, também, a inserção em uma sociedade que é dirigida em sentido inverso ao da busca de condições igualitárias e justas e que está sempre forjando, para se consolidar, argumentos que justifiquem a pobreza e miséria de muitos e a imensa riqueza de uns poucos. A universidade não só não está imune a tais argumentos como auxilia a produzi-los, e nesse caso o ensino tem caráter alienante. (Cf. BOTOMÉ, 1996). Portanto, racionalmente, não é possível afirmar que a universidade está sendo democrática em suas atividades de ensino. Já no que se refere à pesquisa, há que se concordar que o avanço científico e tecnológico por ela produzido acaba algumas vezes por beneficiar, de maneira generalizada, a população. Inúmeras pesquisas realizadas pela universidade, sem dúvida, visam à melhoria das condições de vida de todos, mesmo que, geralmente, a longo prazo. Porém não se pode negar que há, ao mesmo tempo, além das que se mostram inócuas (2), as que reforçam as disparidades sociais. O fator central de uma análise da pesquisa é que a ciência não é neutra e o avanço científico-tecnológico, situado no contexto da sociedade capitalista, chega ao cotidiano das pessoas permeado pelo objetivo de acúmulo de capital e pela desigualdade de condições de acesso a ele, fruto da má distribuição da renda, mormente em situações como a do Brasil. Assim, não é suficiente que a universidade produza ciência que indiretamente reverte em benefício da população. Precisa preocupar-se com o se, o quando e o como esse conhecimento vai ser apropriado pelos indivíduos sociais. HOBSBAWM, demonstrando uma grande inquietação quanto ao crescimento da tendência de se entregar a empresas privadas a manutenção das pesquisas científicas universitárias, reafirma a não neutralidade da ciência: Tornou-se evidente, na década de 1970, que não se podia divorciar a pesquisa das conseqüências sociais das tecnologias que ela, agora, e quase imediatamente, gerava. (...) Sabiam todos os cientistas: a pesquisa científica não era ilimitada e livre, quando nada porque exigia recursos que eram limitados. A questão não era se alguém devia dizer aos pesquisadores o que fazer, mas quem impunha esses limites e orientações, e por quais critérios. (...) A verdade é que a “ciência” estava demasiado grande, demasiado poderosa, demasiado indispensável à sociedade em geral e a seus pagadores, em particular, para ser deixada entregue a seus próprios cuidados. (1994: 534536). Tullio REGGE acrescenta: “A redução da ciência a atividade puramente mercantil pode provocar um processo de decadência cultural que custará a todos, mesmo àqueles aos quais a cultura interessa pouco.” (In: FROIO, 1996: 218) No atual contexto, a questão da mercantilização da ciência está potencializada, principalmente em países como o Brasil, onde já se tornou oficial o incentivo a que as universidades públicas busquem auferir recursos financeiros para complementar sua receita. Convênios são realizados com esse fim. Se, em princípio, não há o que os desabone, tornam-se preocupantes quando se explicita o objetivo real dessa imposição. Com efeito, a conjuntura vem impulsionando a universidade, não apenas no Brasil, ao uso desse artifício, uma vez que é intenção do atual Estado, que tem base mercadológica, diminuir ao mínimo possível seus gastos com o ensino superior e incentivar a competitividade entre as universidades. Assim, reduz progressivamente as verbas e incita a chamada prestação de serviços a empresas, como fator de auto-sustentação das instituições públicas. Tal prestação de serviços envolve a remuneração das tarefas desenvolvidas por professores universitários junto às empresas. É, na verdade, uma venda de serviços, que possibilita, inclusive, uma complementação salarial a alguns professores. O risco que essa situação oferece é, como se viu, o atrelamento da pesquisa a interesses financeiros; é a universidade ser colocada como um balcão de serviços, onde quem mais paga mais recebe. É óbvio que o progressivo envolvimento de um número cada vez maior de professores nesse tipo de atividade prejudica tanto a pesquisa científica chamada de “básica” quanto aquela voltada às demandas dos excluídos, que não podem pagar. Tais atividades, embora envolvam pesquisa e ensino, são geralmente oficializadas como extensionistas, o que reafirma a indefinição que reina sobre o assunto. A análise da forma como são desenvolvidos o ensino e a pesquisa conduz à seguinte conclusão: considerando-se a participação das camadas sociais de baixo poder aquisitivo no sustento da universidade, por meio dos impostos (mesmo os indiretos embutidos na compra de um simples pão), há de convir que o retorno a elas dos benefícios que podem advir da relação com essa instituição é, no mínimo, insatisfatório. Apontados os limites da forma como geralmente são desenvolvidas pela universidade as atividades de ensino e pesquisa, compreende-se porque muitos estudiosos do assunto estabelecem relação entre eles e a criação da extensão universitária, que teria a incumbência de tornar mais concreta a atuação da universidade junto à população, cumprindo, assim, uma função supletiva. Colocada neste papel, a extensão toma um caráter compensatório. Seria o veículo de superação de um histórico descompromisso que a universidade muitas vezes apresenta em suas atividades de ensino e pesquisa, para com a população, mormente para com os setores excluídos. Assim, em lugar de se reestruturar a universidade no seu todo, constituindo a universidade estendida (Gurgel ROCHA: 1986), cria-se a extensão, encarregando-a de estabelecer contato com a sociedade e desincumbindo o ensino e a pesquisa de fazê-lo. Assim entende BOTOMÉ: “(...) desde sua gênese, a extensão universitária parece ser uma ‘compensação’ pelo ensino alienado e pela pesquisa descomprometida com a realidade social.” (1996: 58). Nesse caso, há uma substituição em relação ao papel das outras atividades universitárias: ensino e pesquisa. Nesta concepção, a extensão acaba justificando o lado elitista do ensino e da pesquisa, ou, em outras palavras, eximindo quem realiza essas atividades da responsabilidade de vinculá-las às demandas sociais. O quadro é ainda agravado pelo fato de a extensão ser, geralmente, secundarizada dentro da estrutura universitária (FÁVERO, 1977: 85), muitas vezes considerada atividade menos importante frente às outras, da mesma forma que as atividades de ação, na sociedade, não merecem a consideração dada às entendidas como de reflexão, embora se saiba que, nas relações sociais concretas, umas não existam sem as outras. Nessa situação, a extensão universitária carrega consigo para uma posição também menos importante, secundarizada, todas as atividades realizadas em interação com a população. O fato de se colocar a extensão como terceira função, no mesmo “tripé”, não resolveu a minimização da importância de tais atividades; antes, acirrou tal entendimento. Há denúncias, também, de um outro tipo de substituição, de caráter mais amplo, promovido por atividades extensionistas. Aqui não se trata da substituição das atividades de ensino e pesquisa, mas da universidade realizar funções de outras instituições sociais, por intermédio da extensão universitária. Configura-se, assim, a extensão como fator de descaracterização da universidade. DURHAM, entendendo que a população mais pobre não faz demandas à universidade, critica que : É certamente pretender demais que {a universidade} se substitua à previdência social, aos partidos políticos, aos movimentos sociais, aos sindicatos, atendendo aos problemas da população e encaminhando sua luta política. O resultado costuma ser ou um assistencialismo disfarçado de vanguardismo ou, ao contrário, uma militância política disfarçada de ação universitária. (1986: 23/24). Embora já se tenha comprovado que as demandas dos pobres, ao contrário do que afirma a professora, chegam sim à universidade quando a oportunidade se apresenta a eles e que essa instituição não pode estar alheia a elas, convém analisar os resultados da referida substiuição que pode, de fato, ocorrer. Quando a universidade desenvolve atividades que cabem a outras instituições sociais, descaracteriza-se. E, segundo BOTOMÉ “(...) a extensão universitária parece ter sido uma das atividades da instituição que mais contribuiu para a sua descaracterização, comprometendo a identidade da Universidade.” (1996: 32). E ressalta que “Uma Universidade sem identidade coletiva é muito difícil de administrar: nela há um ‘vale tudo’ onde os interesses, o ‘informal’, o emergente, o circunstancial e o urgente substituem o importante quase o tempo todo.” (Id. ibid.: 16). A duplicação de ações de outras instituições sociais, promovida em algumas situações, pela universidade, é considerada, por esse autor, como “uma competição desnecessária e destrutiva, desviando seus próprios esforços de investimentos mais importantes e em contribuições sociais que só ela pode realizar.” (Id. ibid.: 112). CUNHA, já em 1989, destacara que, provavelmente a crise da universidade, responsável pelas suas outras várias crises, era a da identidade dessa instituição. Nessa ocasião, fez a seguinte crítica: “Em nome da confusa atividade de extensão, a universidade tende a ser confundida, por seus promotores, com outras instituições sociais.” (1989: 34). Para FAGUNDES, o governo brasileiro tem responsabilidade nisso, uma vez que “(...) transfere para a universidade problemas (...) gerados pelo modelo de desenvolvimento adotado”, o que se comprova, por exemplo, no uso que o governo militar fez da extensão, por intermédio do Projeto Rondon e dos CRUTAC. Por outro lado, o mesmo autor reafirma que “(...) não há como negar o compromisso social que a universidade deve ter, sobretudo com os segmentos que dela não se beneficiam, uma vez que ela é mantida pela sociedade como um todo”. (1985: 64). Há que se considerar que, se descaracterizar significa desfazer ou diluir as características próprias de uma instituição, faz-se necessária a reflexão sobre as relativas à universidade. Fato primeiro a ser levado em conta é que as características de uma instituição não são abstratas, mas têm caráter histórico e se concretizam nas relações sociais, a partir do que são explicitadas oficialmente. Encontra-se na nova LDB (Lei nº 9.394 de 20/12/96), que as universidades “se caracterizam por: I – produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional.” (art. 52 – par. I). A lei se refere, nesse tópico, apenas ao estudo dos problemas relevantes, proporcionado pela pesquisa, incorrendo na crítica que entende que tal estudo é fundamental mas não suficiente para a solução dos problemas sociais. Nessa concepção, a universidade não pode encerrar aí sua contribuição e eximir-se da aplicação ou não, por quem e como, do saber por ela produzido. Para o grupo do PAIUB (Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras), a universidade é “(...) reconhecida historicamente como instituição que produz e dissemina o saber voltado tanto para a busca das verdades científicas quanto para atender às necessidades básicas da sociedade”. (In: Rev. Avaliação, n. 1 de julho/96: 54, sem grifo no original). Reafirma, portanto, a responsabilidade da universidade na disseminação do saber por ela produzido, ou seja, que assim como não é suficiente produzilo, também não podem ser desconsideradas as demandas sociais. BOTOMÉ ratifica essa idéia: “Sem esquecer que a função de qualquer instituição social é melhorar a qualidade de vida de todos na sociedade, (...) a contribuição específica (...) da Universidade, considerando que seu objeto de trabalho é o conhecimento, parece ser (...) produzir o conhecimento e torná-lo acessível.” (1996: 39, sem grifo no original). Cotejando-se a primeira dessas assertivas com a segunda, conclui-se que tanto a produção quanto a socialização do conhecimento devem ter como fim a melhoria da qualidade de vida de todos. Sem dúvida, essa é a função democrática, por excelência, da universidade. TAVARES ressalta uma contribuição das atividades extensionistas nessa meta, reveladora do caráter contraditório das relações sociais em que se vive. Tendo desenvolvido um estudo sobre a extensão, essa autora verificou que, embora controvertida, na prática de algumas universidades brasileiras a extensão vem se tornando, principalmente a partir da década de 1980, um importante canal de democratização. TAVARES concorda que a idéia central da extensão tem estado sempre vinculada a interesses dos grupos poderosos e à prestação de serviços assistencialistas. Afirma também que os momentos de absorção das reivindicações das classes populares têm se mostrado pontuais e inorgânicos ao processo acadêmico. Porém, “contraditoriamente [tais atividades] possibilitaram o desvelamento de problemas sociais e econômicos, produzindo resultados diferenciados que motivaram o reordenamento desses programas, visando a um melhor atendimento dos interesses da população-alvo.” (1997: 200). Considerando-se que o cerne da universidade é o conhecimento, direcioná-lo para o referido desvelamento é, sem dúvida, fator de democratização dessa instituição, que se amplia quando se constata que atividades consideradas extensionistas, centradas na produção de conhecimento sobre as demandas da população das camadas sociais de menor poder aquisitivo, revelam possibilidades de articulação entre ensino e pesquisa. Acontece que enquanto, dentro da estrutura da universidade, projetos estanques dificultam a referida articulação, ao contrário, atividades desenvolvidas nas relações sociais concretas, em interação com setores da população, não apenas a aceitam como a exigem. Ocorre, então, a propalada indissociabilidade, não porém das atividades de extensão com o conjunto dos trabalhos de pesquisa e de ensino da universidade, mas com o ensino e a pesquisa requeridos pela situação do projeto extensionista. Dessa forma, conclui-se que “É penetrando no conjunto das relações sociais e produtivas concretas, confrontando-se com situações reais, que a síntese entre produção/reprodução/divulgação acontece, onde a fragmentação poderá ser superada.” (KUENZER, 1992: 187). De fato, as demandas sociais exigem da universidade a produção e a socialização de conhecimentos específicos que, desenvolvidos em interação com a população, adquirem um caráter que se pode entender como extensionista, não unicamente prático, mas de práxis. Trata-se de pesquisa e ensino articulados e com característica extensionista, pois nesses casos a extensão passa a desenvolver, também, produção e divulgação de conhecimento, características que, na concepção fragmentada, pertencem somente à pesquisa e ao ensino, respectivamente. Assim, para que se possa desenvolver um trabalho conhecido como extensionista, o concreto social vai exigir a pesquisa e isso vai redundar nessa “sala-de-aula sem portas e sem janelas” (BAIBICH, 1995: 07) ou seja, no ensino; o que sugere que a realidade insiste em não se mostrar compartimentada como a burocracia universitária desejaria que ela fosse. Dessa forma, considera-se um importante alerta o que enfatiza que “(...) a pesquisa e a extensão, espaços de articulação com o movimento do real, precisam ser repensadas, a partir da consideração de que a integração entre as três dimensões não ocorre formalmente no interior da universidade, mas apenas na riqueza, no movimento, no caos, na desordem que é a realidade.” (KUENZER, 1992: 187). Tais questionamentos tem conduzido a UFPR, desde a primeira gestão eleita pela comunidade universitária em 1986, a discutir o caráter ativista da extensão. A partir das análises desenvolvidas, tem buscado conferir à extensão um caráter de produtora e disseminadora de conhecimento. Tal processo vem expondo limites e possibilidades da extensão e sua relação com o ensino e a pesquisa. O incentivo ao desenvolvimento de projetos e programas multidisciplinares tem ocasionado experiências nesse sentido. Nessa linha, foi constituída, em 1994, uma Coordenação de Movimentos Sociais, cujas atividades já oferecem subsídios para a análise da extensão enquanto articuladora de ensino e pesquisa, realizados em interação com setores marginalizados da população. Notas (1) Cf: KUENZER, A. Para Estudar o Trabalho como Princípio Educativo na Universidade: Categorias Teórico-metodológicas. Tese para concurso de Professor Titular, em que analisa as reformulações curriculares de vários cursos da UFPR. Curitiba, 1992. (2) A Universidade de Harvard, nos EUA, costuma conferir um temido “prêmio” - Ig Nobel - à falsa ciência produzida nas universidades. 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