ANAIS DO VI SENALIC – TEXTOS COMPLETOS | ISSN – 2175-4128 Organizadores: Carlos Magno Gomes; Ana Maria Leal Cardoso; Maria Lúcia Dal Farra São Cristóvão: GELIC, Volume 06, 2015 ROCK ROMANCES: UMA LEITURA COMPARATIVA DE ALTA FIDELIDADE E ÁLBUM DUPLO Antonio Eduardo Soares Laranjeira (UFBA) As relações entre literatura e rock and roll são comumente mencionadas em diversos contextos através de expressões como “o poeta do rock”, para remeter a compositores, cujas produções apresentem uma suposta “literariedade”, ou através de polêmicas que, usualmente, opõem literatura e rock, ao se colocar em questão se letras de canções de rock poderiam ser também lidas e interpretadas como poemas. Em ambos os casos, o senso-comum toma como parâmetro a noção de que a literatura está hierarquicamente acima do rock.1 É preciso assinalar que, neste estudo, tais problemas estão superados: em primeiro lugar, não é uma meta sacralizar o rock por meio de uma aproximação da literatura, tomada enquanto grande arte; além disso, a relevância do rock como prática de sentido não é subestimada. No prefácio de Rock book: contos da era da guitarra, Ivan Hegen assinala a visão estereotipada que se tem do rock e a pertinência da conexão entre rock e literatura: conforme Hegen, há tempos ambos se entrecruzam e “é preciso vencer os estereótipos dos dois lados” (HEGEN, 2011, p.6). Portanto, trata-se, aqui, de refletir a respeito de uma relação horizontal entre literatura e rock, a partir da abordagem de dois romances contemporâneos: Alta fidelidade, do escritor britânico Nick Hornby, publicado em 1995, e Álbum duplo: um rock romance, do brasileiro Paulo Henrique Ferreira, lançado em 2013. A despeito do que afirma Paulo Henrique Ferreira em entrevista, enfatizando a relação com O encontro marcado, de Fernando Sabino, a aproximação com o romance de Hornby não é casual. Em ambos, os protagonistas Sobre essa questão, vale destacar que Simon Frith, em Performing Rites: on the value of popular music (1996) discute sobre as limitações impostas pela tendência em estudar as canções pop, separando-se letra e música. Para Frith, o sentido de uma canção não seria revelado através de uma interpretação da letra como poesia, mas, sobretudo, compreendendo letra cantada como uma forma de expressão singular, levando-se em conta o caráter performativo da línguagem. 1 1 ANAIS DO VI SENALIC – TEXTOS COMPLETOS | ISSN – 2175-4128 Organizadores: Carlos Magno Gomes; Ana Maria Leal Cardoso; Maria Lúcia Dal Farra São Cristóvão: GELIC, Volume 06, 2015 são homens adultos jovens narrando, em primeira pessoa, circunstâncias que envolvem relacionamentos amorosos, amizades e vida profissional. No romance de Hornby, a personagem central da trama é Rob Fleming, dono de uma loja de discos em Londres e recém-abandonado por Laura. O rompimento com a namorada é o fato que deflagra o processo de autoanálise que o protagonista empreende como tentativa de desvendar os motivos do seu fracasso nas esferas afetiva e profissional. De modo similar, em Álbum duplo, o narrador-personagem é Marlo Riogrande, um professor de história com vinte e tantos anos de idade que, assim como Rob, sofre pelo final de um relacionamento amoroso, com Marcela, e também não vive bons momentos profissionais. É preciso destacar, contudo, além das convergências que há entre os enredos, o fato de que ambas as narrativas se desenvolvem em torno de referências ao rock and roll e outros elementos da cultura pop. Sem o intuito de estabelecer uma linhagem literária, atravessada pelas problemáticas noções de originalidade, influência ou inovação, o que pauta este artigo é uma abordagem que traça conexões horizontais entre as duas narrativas e entre elas e o rock and roll. Conforme Andreas Huyssen, em ensaio publicado no final da década de 90, intitulado Literatura e cultura no contexto global, “A globalização vai , com certeza, mudar o campo dos estudos culturais e literários”. A partir dessa constatação, o teórico propõe uma revisão crítica dos estudos culturais e literários, com vistas a sugerir um paradigma para o estudo dessas produções no que denomina contexto global (o mesmo que circunscreve as narrativas de Hornby e Ferreira). Em sua reflexão, Huyssen acredita ser necessária a retomada de um debate em torno das tensões entre o erudito e o popular que escape da armadilha de um binarismo excludente. Não se trata de afirmar a inexistência de particularidades que diferenciem a cultura erudita da cultura popular, mas de enfatizar que as fronteiras existentes precisam ser compreendidas como um entrelugar; uma zona horizontal de trocas, pilhagens e hibridações. Nessa 2 ANAIS DO VI SENALIC – TEXTOS COMPLETOS | ISSN – 2175-4128 Organizadores: Carlos Magno Gomes; Ana Maria Leal Cardoso; Maria Lúcia Dal Farra São Cristóvão: GELIC, Volume 06, 2015 perspectiva, questões referentes à qualidade e à complexidade das produções culturais não fazem com que a balança penda para apenas um dos lados. Diante disso, Huyssen propõe alguns parâmetros norteadores de uma prática no âmbito dos estudos literários e culturais no contexto global. Em primeiro lugar, problematiza a oposição entre literatura e arte séria e mídia de massa, distanciando-se de uma abordagem tradicional da relação entre as esferas do erudito e do popular, visto que ambas estão submetidas às pressões de mercado. Além disso, afirma a necessidade de explorar o tópico da mídia, considerando-se a oralidade, a escrita e a linguagem visual, o que extrapola a concepção modernista tradicional de que o erudito é o literário. Um outro critério relevante diz respeito à reintrodução de tópicos da ordem do estético no estudo das práticas e produtos culturais. Afirma Huyssen: [...] não o radicalmente novo, mas a complexidade da repetição, a reescrita e a bricolagem poderiam ser o foco, como também poderiam ser a intertextualidade sugestiva, a imitação criativa, o poder de questionar hábitos enraizados por meio de estratégias visuais ou narrativas, a habilidade de transformar o uso da mídia etc. (HUYSSEN, 2002, p.30) Por fim, uma mirada que combine diferentes campos do saber e permita a discussão acerca de comunidades imaginárias e, sobretudo, imaginários transnacionais globais é para Huyssen um caminho viável para a leitura de uma produção inscrita no cotidiano do Ocidente globalizado. Alta fidelidade e Álbum duplo são dois textos que se constituem a partir da convergência entre as alusões à cultura erudita e as pinceladas com as cores fortes da cultura pop. Se no romance de Hornby, as referências pop se apresentam desde a construção do protagonista Rob Fleming, dono de uma loja de discos, que dissemina alusões à música, ao cinema e à televisão, o Álbum duplo, de Ferreira, parece acrescentar detalhes mais contundentes à estrutura, que propõe uma trilha sonora para a história (com uma playlist, disponibilizada no 3 ANAIS DO VI SENALIC – TEXTOS COMPLETOS | ISSN – 2175-4128 Organizadores: Carlos Magno Gomes; Ana Maria Leal Cardoso; Maria Lúcia Dal Farra São Cristóvão: GELIC, Volume 06, 2015 website do livro)2. Cada capítulo é introduzido por uma epígrafe extraída de uma canção e apresenta uma playlist com cinco músicas, sempre associadas com os fatos narrados pelo protagonista. A configuração de ambos os romances remete à noção de discurso literário pop, discutida por Evelina Hoisel em Supercaos, estudo a respeito da produção de José Agrippino de Paula. De acordo com Hoisel, a partir da leitura de PanAmérica e Nações Unidas, pode-se conceber o discurso literário pop a partir da convergência entre diferentes linguagens, sobretudo da pop art. Disso resulta uma literatura que dilui as fronteiras entre as culturas erudita e popular, ao incorporar as técnicas e temáticas dos meios de comunicação, dos quadrinhos, do cinema, da televisão ou da música pop (universo de que faz parte o rock and roll). Entre alguns teóricos alemães, o termo literatura pop está igualmente associado a uma literatura produzida no âmbito da sociedade de consumidores, apesar das discussões em torno da delimitação do conceito. Segundo Thomas Ernst (2004), entre os teóricos que refletem sobre o conceito, há duas direções. Moritz Baßler considera que a literatura pop corresponde a uma produção de palavras secundárias, tendo em vista sua propensão para o arquivismo, estratégia mais adequada para produzir uma “enciclopédia do presente”. Por outro lado, o próprio Ernst e Johannes Ullmaier evitam pensar o texto pop através de uma perspectiva única, tratando-o não como “texto de estilos de vida”, mas considerando seu potencial de explorar a linguagem de modo a minar ou expandir a percepção que se tem do mundo ao redor. A literatura pop não seria, portanto, para Ernst e Ullmaier, uma mera descrição do mundo globalizado. Não se trata, contudo, na interpretação do texto pop, de priorizar a mimesis ou a semiosis (para evocar duas das forças da literatura apresentadas por Roland Barthes), mas de situá-lo em um entrelugar. Em outros termos, é preciso 2 A playlist pode ser encontrada no website www.albumduplo.com 4 ANAIS DO VI SENALIC – TEXTOS COMPLETOS | ISSN – 2175-4128 Organizadores: Carlos Magno Gomes; Ana Maria Leal Cardoso; Maria Lúcia Dal Farra São Cristóvão: GELIC, Volume 06, 2015 pensar a literatura pop como um platô 3 e não necessariamente como um conceito. Neste trabalho, são articuladas as leituras propostas por Hoisel, Baßler, Ullmaier e Ernst, considerando-se que Alta fidelidade e Álbum duplo apresentam em sua tessitura tanto uma dimensão estética que os singulariza, quanto um potencial para inventariar a vida cotidiana no contexto global. Apesar de narrados em primeira pessoa, os romances se configuram de modo dinâmico, o que remeteria a uma escrita cinética, de que trata Hoisel acerca da prosa de Agrippino de Paula. É válido destacar que Alta fidelidade foi adaptado para o cinema em 2000, sob a direção de Stephen Frears; mas além desse fato, a narrativa se sustenta pela ágil descrição de ações e ambientes. Paralelamente, o texto é sonorizado, com uma trilha que se dilui ao longo dos parágrafos, à medida que as citações de canções pop se sucedem: Algumas das minhas canções favoritas: “Only Love Can Break Your Heart”, do Neil Young; “Last Night I Dreamed That Somebody Loved Me”, dos Smiths; “Call Me”, da Aretha Franklin; “I Don’t Want to Talk About It”, qualquer versão. E tem também “Love Hurts” e “When Love Breaks Down” e “How Can You Mend A Broken Heart” e “The Speed Of The Sound Of Loneliness” e “She’s Gone” e “I Just Don’t Know What To Do With Myself” e... Algumas dessas músicas eu ouvi, em média, uma vez por semana (trezentas vezes no primeiro mês e, depois, de vez em quando), e isso desde os meus dezesseis ou dezenove ou vinte e um anos. Como é que uma coisa dessas não deixaria marcas? Como é que isso não acabaria transformando o cara naquele tipo de pessoa suscetível a se quebrar em pedacinhos quando o primeiro amor não dá certo? O que vem antes, a música ou o sofrimento? Eu ouvia música porque sofria? Ou sofria porque ouvia música? Será que aqueles discos todos é que me deixavam melancólico?. (HORNBY, 1995, recurso eletrônico) A noção deleuziana de platô, discutida no primeiro volume de Capitalismo e esquizofrenia, diferente do conceito, permite uma abordagem mais descentrada do objeto em questão. Como afirma Deleuze, “Um platô está sempre no meio, nem início nem fim. Um rizoma é feito de platôs. [...]: uma região de intensidades vibrando sobre ela mesma, e que se desenvolve evitando toda orientação sobre um ponto culminante ou em direção a uma finalidade exterior. [...] Chamamos ‘platô’ toda multiplicidade conectável com outras hastes subterrâneas superficiais de maneira a formar e estender um rizoma.” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p.33). Pensar a literatura pop como platô é escapar de uma lógica totalizante, que estancaria a potência do discurso literário, proteiforme. 3 5 ANAIS DO VI SENALIC – TEXTOS COMPLETOS | ISSN – 2175-4128 Organizadores: Carlos Magno Gomes; Ana Maria Leal Cardoso; Maria Lúcia Dal Farra São Cristóvão: GELIC, Volume 06, 2015 O trecho anterior pertence ao início do romance, quando Rob narra em retrospecto os cinco mais memoráveis términos de relacionamento. Nas primeiras sequências, as cinco ex-namoradas são apresentadas, à medida que o tempo transcorre até a vida adulta. Os anos passam em flashback, e em cada momento, as referências à cultura pop e, mais especificamente, à música pop, conferem o tom da narrativa, numa prosa leve e veloz (duas das qualidades exploradas por Italo Calvino em suas Seis propostas para o próximo milênio). Nesta passagem, é possível perceber de que modo o narrador-personagem associa a música pop ao sofrimento por amor. As canções de amor, dos mais diversos cantores e épocas, são os textos que dão forma e ritmo ao sofrimento de Rob Fleming: “O que vem antes, a música ou o sofrimento? Eu ouvia música porque sofria? Ou sofria porque ouvia música?”. Para Rob, os efeitos de escutar música pop sobre o imaginário são tão nocivos quanto aqueles provocados por jogos eletrônicos violentos: “As pessoas mais infelizes que conheço, em termos românticos, são as que mais curtem música pop”, diz o narrador-personagem. A dúvida que acomete Rob sinaliza para o que Hoisel denomina repertório iconográfico pop. A despeito de as canções desempenharem um papel relevante na constituição de uma espécie de trilha sonora para o romance, é preciso destacar que elas também fazem parte de um conjunto de símbolos, produzidos e disseminados no contexto da cultura globalizada, que repercutem tanto na estrutura do texto quanto na formação das subjetividades das personagens. De acordo com Simon Frith, “a canção pop é a canção de amor, e o que isso implica é [...] que aquilo de que falam realmente as canções de amor são fórmulas de amor”4 (FRITH, 1996, p.161, tradução nossa). Se por um lado, tais fórmulas refletem de algum modo os costumes sociais, por outro, elas costumam ser contrapostas a canções consideradas mais realistas, por tratarem de questões que estariam supostamente vinculadas de modo mais estreito à vida cotidiana. O pensamento de Frith não se restringe aos parâmetros estabelecidos por esta “The pop song is the love song, and the implication [...] is that what pop songs are really about are formulas of love” 4 6 ANAIS DO VI SENALIC – TEXTOS COMPLETOS | ISSN – 2175-4128 Organizadores: Carlos Magno Gomes; Ana Maria Leal Cardoso; Maria Lúcia Dal Farra São Cristóvão: GELIC, Volume 06, 2015 dicotomia e apresenta uma concepção de canção pop que se distancia de uma tradicional separação entre forma e conteúdo. De um lado a “fantasia” da canção de amor, do outro, a contundência das canções que tratam do “mundo real”. Diante disso, a indagação de Rob poderia ser assim redimensionada: os símbolos da cultura pop espelham o mundo ou criam esse mundo? Para Frith, trata-se de escapar das oposições excludentes e situar-se no lugar intersticial. O texto de Paulo Henrique Ferreira também instaura essa tensão. De modo similar, Marlo Riogrande, o narrador-personagem de Álbum duplo, codifica a sua decepção amorosa e sua frustração profissional com uma sucessão de referências à cultura pop. O rock é, literalmente, a trilha sonora para a narrativa. Na capa, encontra-se impresso um símbolo representando um headphone, e ao lado a seguinte frase: “INDICADO LER COM TRILHA E HEADPHONE”. Uma advertência do escritor, logo após a folha de rosto, aponta para a relevância da trilha sonora e para a tensão entre realidade e imaginário: Caso os leitores não gostem da história, que pelo menos ouçam a trilha sonora sugerida. Para finalizar, vale ressaltar o óbvio: esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. – P.H.O.F, Rio de Janeiro, 2013 (FERREIRA, 2013, p.5) Talvez o óbvio não esteja tão evidente assim e as fronteiras entre realidade e ficção tenham se dissolvido ao longo do texto, mediante o recurso ao repertório iconográfico pop. Em uma das cenas do romance, Marlo se depara com sua condição solitária, após uma tentativa malsucedida de vivenciar as experiências de sua adolescência ao lado dos amigos. O grupo de amigos, nomeado de Cães de Aluguel, em alusão ao filme de Quentin Tarantino, já não se sustentava mais em torno das afinidades referentes aos videogames, à literatura, à música ou ao cinema: o tempo passara e ciclos se encerraram. O narrador-personagem no desfecho do capítulo assim traduz os seus sentimentos diante da mudança: 7 ANAIS DO VI SENALIC – TEXTOS COMPLETOS | ISSN – 2175-4128 Organizadores: Carlos Magno Gomes; Ana Maria Leal Cardoso; Maria Lúcia Dal Farra São Cristóvão: GELIC, Volume 06, 2015 A madrugada estava úmida, fresca e tranquila. Liguei o som. Blonde on Blonde, do Bob Dylan, estava no player. Disco magnífico, obra-prima, talvez a maior da extensa discografia do bardo fanho. Coloquei a faixa “Visions of Johanna”. Sabia que, finalmente, entenderia claramente aquela música. O inglês complexo de Dylan soou límpido como nunca. Percebi minha condição irreversível de solidão, entendi que os Cães de Aluguel se separaram naquela noite, de uma vez por todas. Aquela união não tinha mais sentido. [...] A Marcela era minha visão de Joana e, daquela música em diante, ficou claro que eu não saberia o que fazer para dissipar esta miragem insistente, cada vez mais forte. (FERREIRA, 2013, p. 55) A canção de Bob Dylan funciona aqui como trilha sonora do capítulo e como uma referência que codifica a experiência da personagem. Marlo apropria-se da solidão do sujeito lírico da canção de Dylan Visions of Johanna, atribuindo-lhe outro sentido, que mescla a narrativa da canção com a trama amorosa entre Marlo e Marcela. Desse modo, na advertência do autor, soa irônica a menção à obviedade do caráter ficcional do texto, ao passo que os diálogos entre o narrador e a música pop se sucedem, como na cena anterior: Marcela era a visão de Joana ou canções como a de Dylan existem porque sentimentos são efetivamente vividos? Simon Frith assinala que é preciso compreender as canções pop como respostas estéticas particulares a condições específicas: ou seja, os usos e as funções que assume a música pop estão assim relacionados com o contexto cultural em que são produzidas e circulam. Por outro lado, o teórico não se furta a destacar que essas canções oferecem maneiras de organizar e dar forma a sentimentos e desejos; elas oferecem ao público novos modos de encenar (e então modificar) a vida cotidiana”5 (FRITH, 1996, tradução nossa, p.169). Percebe-se assim que, para as personagens de ambos os romances, a música pop se apresenta como um amplo repositório de símbolos que permite a configuração de diferentes modos de ser e de estar no mundo. Ético e estético, nessas circunstâncias, não se dissociam. Conforme assinala Frith, a música pop “[...] ways of organizing and shaping feeling and desire; they offer listeners new ways of performing (and thus changing) everyday life” 5 8 ANAIS DO VI SENALIC – TEXTOS COMPLETOS | ISSN – 2175-4128 Organizadores: Carlos Magno Gomes; Ana Maria Leal Cardoso; Maria Lúcia Dal Farra São Cristóvão: GELIC, Volume 06, 2015 fortalece o sentido de sociabilidade, produz identidades, além de permitir que os sujeitos se insiram em narrativas culturais imaginárias, sobre o amor, a amizade ou a solidão, como o fazem Rob Fleming e Marlo Riogrande. Assim sendo, considerar o discurso literário pop nos interstícios das definições propostas pelos teóricos que se debruçam sobre o problema é escapar de uma solução que limitaria sua abordagem. As cenas destacadas permitem observar, através de uma amostra, que nos romances se verificam tanto o impulso arquivista, ao mobilizar um repertório iconográfico da cultura pop, quanto uma tendência a ressignificar os textos de que se apropriam ou com que dialogam intertextualmente. Nessa perspectiva, conceber o discurso literário pop como um “texto de estilos de vida” não reduz a sua força para incidir na percepção do mundo ao redor: em outros termos, a mimesis e a semiosis barthesianas são forças que não se excluem mutuamente no tecido da narrativa. REFERÊNCIAS BARTHES, Roland. Aula. Tradução Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix, 1997. CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. Tradução Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995, v. 1 ERNST, Thomas. German pop literature and cultural globalization. In: TABERNER, Stuart (Org.). German literature in the age of globalization. Birmingham: University of Birmingham Press, 2004. FERREIRA, Paulo Henrique. Álbum duplo: um rock romance. Rio de Janeiro: Record, 2013 FRITH, Simon. Performing rites: on the value of the popular music. Cambridge: Harvard University Press, 1996 HEGEN, Ivan (Org.). Rock book: contos da era da guitarra. São Paulo: Prumo, 2011 HOISEL, Evelina. Supercaos: estilhaços da cultura em PanAmérica e Nações Unidas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. 9 ANAIS DO VI SENALIC – TEXTOS COMPLETOS | ISSN – 2175-4128 Organizadores: Carlos Magno Gomes; Ana Maria Leal Cardoso; Maria Lúcia Dal Farra São Cristóvão: GELIC, Volume 06, 2015 HORNBY, NICK. Alta fidelidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, recurso eletrônico. HUYSSEN, Andreas. Literatura e cultura no contexto global. In: MARQUES, Reinaldo & VILELA, Lucia Helena. Valores. Belo Horizonte: UFMG, 2002 10