PODER JUDICIÁRIO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU 3a V ARA CRIMINAL Autos de n. o 2012.3620-4 SENTENÇA Vistos e examinados os presentes autos de processo crime autuados sob nO.2012.3620-4, em que figura como autor o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ e como réu LUCAS HENRIQUE OLIVEIRA DE PAULA, brasileiro, solteiro, sem ocupação definida, com 18 anos de idade à época dos fatos, nascido em 13/04/1994, natural de Belo Horizonte/MG, filho de Divaldo de Paula Silva e de Edna Oliveira Machado da Silva, portador da Cédula de Identidade nO 16.503.409/MG, inscrito no CPF nO 124.450.406-80,residente na Av. Cel. Manoel Assunção, nO 26, Bairro Serra Verde (em frente à quadra de esportes), Belo Horizonte/MG, telefone (31) 3455-5415 ou 3455-3504, atualmente recolhido na cadeia pública local, e GERALDO PEDRO SIQUEIRA, vulgo "Bozó", (que também se faz passar por LUIZ FELIPE ou por BRUNO HENRIQUE AVELAR DE DEUS), brasileiro, solteiro, sem ocupação definida, com 22 anos à época dos fatos, nascido em 20/02/1990, natural de Belo Horizonte/MG, filho de Laudelino Pedro de Siqueira e de Maura Cândida dos Santos, inscrito no CPF nO112.029.906-30,residente na Rua Conselheiro Rocha, nO 3800, bairro Santa Teresa, Belo Horizonte/MG, ou Rua Aristides Nonato Santos, nO 151, bairro Minas Landia, Belo Horizonte/MG, ou Rua Ariolino ou Ariolina Aristides dos Santos, nO151, Bairro Serra Verde, Belho Horizonte/MG. I - RELATÓRIO O Ilustre Promotor de Justiça com encargo nesta Comarca, no uso de suas atribuições legais, ofereceu denúncia contra o réu em epígrafe, o como incurso nas sanções dos artigos 14, da Lei nO10.826/03, 157, 93°, c/ c o art. 29, ambos do Código Penal, bem como do art. 157, 93°, c/ c os artigos 14, II e 29, todos do Código Penal, pelo cometimento do fato assim narrado na denúncia (fls. 02/06): 1° Fato "Em data não precisada nos autos, mas sabendo que entre os dias 30 de junho e 04 de julho de 2012, nesta Cidade e Comarca de Foz do Iguaçu/pR, o denunciado GERALDO PEDRO SIQUEIRA, consciente e voluntariamente, adquiriu de um desconhecido um revólver da marca Taurus, calibre .38 SPL, nOde série MH83126 )conforme auto de exibição e apreensão de fls. 10-IP e laudo pericial de fls. 116/117), municiado com seis projéteis intactos, bem como ao depois forneceu dita arma ao denunciado LUCAS HENRIQUE OLIVEIRA DE PAULA, artefato este recebido pelo denunciado também com consciência e vontade, o que ambos fizeram em desacordo com determinação legal e regulamentar, posto que sem autorização da autoridade competente e sem registro no SINARM - Cadastro Nacional de Armas de Fogo, regulamentado pelo Decreto Federal nO5.123, de Olj07/2004" 2° Fato " De posse da arma de fogo acima mencionada, os denunciados LUCAS HENRIQUE OLIVEIRA DE PAULA e GERALDO PEDRO SIQUEIRA, ainda com consciência e vontade, resolveram praticar u crime de roubo nesta Cidade e Comarca de Foz do Iguaçu/pR. Para tanto, o denunciado GERALDO PEDRO SIQUEIRA passou a observar a rotina de estabelecimentos comerciais, culminando por escolher a Joalheria Savaris, localizada na Av. Brasil, n° 1.244, centro, como a mais propícia para a perpetração do ilícito. Na sequência, o denunciado GERALDO PEDRO SIQUEIRA repassou as informações e providenciou o transporte do denunciado LUCAS HENRIQUE OLIVEIRA DE PAULA até o local. Assim, no dia 04 de julho de 2012, por volta das 9h50min, à vista do planejamento acima narrado, os denunciados LUCAS HENRIQUE OLIVEIRA DE PAULA e GERALDO PEDRO SIQUEIRA dirigiram-se até a Joalheria Savaris, localizada na Av. Brasil, n° 1.244, centro, nesta cidade e Comarca de Foz do Iguaçu .. Ato contínuo, enquanto o denunciado GERALDO PEDRO SIQUEIRA permaneceu em uma motocicleta do lado de fora do estabelecimento dando cobertura, isso com o fito de garantir o assenhoramento definitivo da res furtiva, bem como a fuga de ambos os agentes após o assalto, o denunciado LUCAS HENRIQUE OLIVEIRA DE PAULA adentrou ao estabelecimento comercial em questão. Ao adentrar no estabelecimento, o denunciado LUCAS HENRIQUE OLIVEIRA DE PAULA, mediante grave ameaça exercida com a utilização do revólver marca Taurus, calibre .38 SPL, nOde série MH83126 (cf auto de exibição e apreensão de fls. lO-IP e laudo pericial de fls. 116/117), deu voz de assalto às vítimas Talita Wanderl y varis c:2S1 e Inaudi Savaris, exigindo a entrega de dinheiro e mercadorias do estabelecimento. Na sequência, a vítima Inaudi Savaris, na intenção de proteger seus bens e à vista de o denunciado estar empunhando uma arma de fogo, sacou de uma arma de fogo de sua propriedade, do tipo pistola, da marca Beretta, modelo 950 B, calibre 6.35mm, número de série G15202 (cf auto de exibição e apreensão de fls. 23-IP e laudo pericial de fls. 118/119), momento em que o denunciado LUCAS HENRIQUE OLIVEIRA DE PAULA efetuou diversos disparos contra as vítimas Talita Wanderley Savaris 'e Inaudi Savaris, tendo um dos projéteis acertado a região da cabeça dessa última vítima, a qual veio falecer ainda no local dos fatos em virtude de traumatismo crânio encefálico (cf laudo de exame cadavérico defls. 86j86v). Anote-se, por fim, que quanto à vítima Talita Wanderley Savaris o crime apenas não se consumou por circunstâncias alheias à vontade dos agentes, seja pelo término das munições do revólver portado pelo denunciado LUCAS HENRIQUE OLIVEIRA DE PAULA, seja em virtude de erro de pontaria." A denúncia veio acompanhada do caderno investigatório correspondente, inaugurado mediante auto de prisão em flagrante do acusado Lucas. A denúncia foi recebida em data de 17 de julho de 2012 (fls. 153/155). o réu Lucas foi devidamente citado (fls. 167) e presentou resposta à acusação por meio de defensor nomeado por este juízo (fls. 180/182). Às fls. 191 o feito foi desmembrado em relação ao acusado GERALDO PEDRO SIQUEIRA. Foi juntado aos autos o laudo de exame cadavérico (fls. 91), laudo de exame de local de morte (fls. 117/122) e laudos de exame de armas de fogo (fls. 121/122 e 123/124). Em instrução, foram ouvidas cinco testemunhas arroladas pelo Ministério Público (fls. 203/207), bem como foi realizado o interrogatório o éu (fls. 208). Ato contínuo, as partes ofereceram alegações finais. o Ministério Público (fls. 221/229) requer seja julgada procedente a denúncia para o fim de condenar o réu como incurso nas sanções dos artigos 14, da Lei nO10.826/03, 157, 93°, c/ c o art. 29, ambos do Código Penal, bem como do art. 157, 93°,c/ c os artigos 14, II e 29, todos do Código Penal, na forma do art. 69 do mesmo Codex. Por seu turno, a defesa do réu Lucas de Paula (fls. 232/242), pugnou pela absolvição do réu pela prática do delito previsto no art. 14, da Lei nO 10.826/03, em face do principio da consunção, a absolvição do delito de latrocínio contra a vítima Inaudi Savaris, por ausência de materialidade, a absolvição quanto ao delito previsto no art. 157, 93°,c/ c o art. 14, II, do CP (contra a vítima Talita Savaris), ante a ocorrência de crime impossível, e subsidiariamente, que se reconheça as atenuantes da confissão e da menoridade, aplicando-se a pena no mínimo legal, com a conversão da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Era o que cumpria relatar. Fundamento e decido. 11- FUNDAMENTAÇÃO Versam os autos em apreço, a respeito do delito de porte ilegal de arma de fogo, roubo com a causa especial de aumento de pena, consistente no resultado morte da vítima Inaudi Savaris, em decorrência da violência empregada à subtração, tal como previsto no artigo 157, parágrafo 3°, parte final, do Código Penal, e ainda, o crime de roubo com a causa especial de aumento de pena, consistente na tentativa de morte da vítima Talita Savaris, tal como previsto no art. 157,93°, c/ c o art. 14, II, ambos do Código Penal. De acordo com a inicial, o réu Lucas Henrique Oliveira de Paula, na companhia de outro agente que o aguardava com uma motocicleta, identificado como sendo Geraldo Pedro Siqueira, de posse de um revólver da marca Taurus, calibre .38 SPL, anunciou o roubo, tendo, contudo, em razão da reação das vítimas, efetuado contra estas, disparos de arma de fogo que atingiram mortalmente a pessoa de Inaudi Savaris. Quanto à vítima Talita Savaris, o crime não teria se consumado por circunstâncias alheias à vontade do agente, seja em virtude do erro de pontaria, seja pelo término das munições do revólver portado pelo denunciado Lucas de Paula. A despeito da imputação da prática de três crimes, tenho que restou configurada nos autos a ocorrência de apenas um crime de latrocínio, senão vejamos. A materialidade delitiva do roubo descrito na inicial encontra-se consubstanciada nos autos, dentre outros elementos, pelo auto de prisão em flagrante (fls. 09/10), auto de exibição e apreensão (fls. 17/18 e 29), laudo de exame cadavérico (fls. 91), laudo de exame de local de morte (fls. 117/122) e laudos de exame de armas de fogo (fls.121/122 e 123/124). A despeito da alegação da Defesa, de que não constam informações acerca do calibre do projétil de arma que culminou na morte da vítima Inaudi, bem se constata do laudo de exame cadavérico de fls. 91 que o projétil do disparo fatal (e único que atingiu a vítima), foi retirado e encaminhado a este juízo juntamente com o laudo pericial. Também se observa do ofício de fls. 147 que foram apreendidos seis estojos de munição deflagrada, de calibre .38SPL, mesmo calibre da arma utilizada pelo réu. Ademais, as imagens do circuito de segurança, aliadas à confissão extrajudicial e judicial do réu bem demonstram que o acusado utilizou-se da arma de fogo revólver calibre .38 para atingir fatalmente a vítima. Não há, portanto, dúvidas a respeito da materialidade do delito, razão pela qual a v Defesa deve ser afastada. Quanto à autoria do réu Lucas Henrique Oliveira de Paula, restou indiscutível, o que se observa pelo interrogatório (fls. 208, teor gravado em CD-R), o qual confessou o cometimento do roubo em questão, todavia, aduzindo que apenas revidou os disparos desferidos pela vítima contra sua pessoa. Afirmou o réu, em seu interrogatório, que aceitara convite de terceiro, conhecido como 'Bozó' (réu Geraldo) para cometer o roubo à joalheria, tendo recebido de tal pessoa a arma apreendida, a qual teria sido adquirida por este no Paraguai. Relatou que adentrou à joalheria, sacou o revólver e anunciou o assalto. A "moça" (vítima Talita Savaris) correu, razão pela qual o interrogado pulou o balcão, e em seguida a vítima Inaudi apareceu e atirou contra o acusado. Relata, entretanto, que disparou contra a vítima fatal porque esta iniciou os disparos, ficou com medo que ela o matasse. Afirmou ainda não tentou atingir a vítima Talita, e que após a troca de tiros, se evadiu do local sem conseguir subtrair bens da loja. Com relação à tese de legítima defesa apresentada pelo acusado, esta não resta demonstrada nos autos. Conforme o previsto no artigo 25 do Código Penal, a legítima defesa tem como pressuposto a existência de agressão injusta e atual (ou iminente) em relação à qual se sucede imediatamente a reação moderada e proporcional. Ora, o réu não foi vítima de agressão injusta, mas sim seu agente. Isso porque foi ele, réu, quem iniciou a agressão injusta ao adentrar no estabelecimento comercial com uma arma de fogo para ameaçar a integridade física das duas vítimas. Diante do anúncio do roubo e do ato de apontar uma arma de fogo contra a vítima Talita, a qual adentrou correndo no interior da joalheria, amedrontada, o ato da vítima Inaudi, de efetuar disparos contra o agressor ( réu), deve sim ser caracterizado como legítima defesa, própria e de terceiro (no caso da filha dele, a vítima Talita). A partir de então, não há que se falar em excludente de ilicitude no comportamento do réu que efetuou disparos contra Inaudi, haja vista não haver legítima defesa de legítima defesa. Enfim, diante do comportamento injustamente agressivo do réu (ameaça à vida e à integridade física das vítimas), a reação da vítima Inaudi se mostrou legítima, não havendo, portanto, que se falar em injusta agressão capaz de autorizar o reconhecimento da pretensa excludente de ilicitude em relação ao crime de latrocínio. Também não merece guarida a alegação do réu, em sede de autodefesa, de que simplesmente "fechou os olhos e atirou em direção à vítima no susto; virou o rosto e foi se dirigindo 'pra trás' da loja pra assustar ele (vítima) e tentar fugir", ou seja, de que não tinha a intenção de atingir a vítima fatalmente. Nota-se, pelo depoimento da vítima Talita, que o disparo efetuado pelo réu atingiu a vítima Inaudi na região da cabeça, fato este comprovado nos laudos de exame de local de morte e de necropsia de fls. 91 e 117/121. Dessa forma, ficou clara a intenção de matar a vítima, tendo em vista a região visada quando do disparo. Ainda que assim não se entenda, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná entende que a utilização de arma de fogo pelo réu na realização do assalto revela que assumiu o risco de produzir o resultado morte na execução da empreitada criminosa, não comportando a desclassificação para o crime de roubo. A esse propósito julgado da 3a Câmara do Tribunal de Justiça do Paraná onde se ressaltou: "Para a configuração do delito de latrocínio basta a presença de dolo eventual, ou seja, é suficiente que o réu assuma o risco de produzir o resultado morte no momento da subtração da res, em que os recorrentes, além de terem produzido dois disparos contra as vítimas, pretendiam praticar o roubo e estavam armados, portanto, assumiram o risco da produção de um resultado mais gravoso" (AP 636.496-1,ReI.Des. Rogério Kanayama, j. 08/04/2010). A responsabilização penal do acusado, portanto, pelo crime de latrocínio, é de rigor, não cabendo a desclassificaçãopara roubo simples. Ademais, ainda que se admita a tese aventada pelo réu, de que o tiro fora efetuado" apenas para assustar a vítima", cumpre asseverar que tal premissa não afasta a subsunção ao delito de latrocínio, senão vejamos. O réu anunciou o assalto e após a reação da vítima Talita, a qual correu em direção à sala existente nos fundos da loja, pulou o balcão e se posicionou na direção da porta da sobredita sala, apontando a arma de fogo, instrumentalizando grave ameaça que colocou as vítimas em situação de risco. Constata-se, portanto, que o réu, em se admitindo sua versão (a qual, diga-se, de passagem, restou isolada nos autos), com seu comportamento, envolveu-se na linha de desdobramentos do evento morte, de modo que sua versão, de que os tiros seriam para assustar a vítima, não retira seu comportamento dentre as concausas do evento morte, as quais são irrelevantes para fins penais. Insta observar que a violência e a grave ameaça instrumentalizada pelo réu com a pontaria da arma de fogo para a direção da vítima, para fins de cometimento de roubo, não pode ser afastada da linha causal do evento morte com a alegação de que o disparo na direção da vítima não se mostrou intencional, em decorrência de o réu ter sido anteriormente alvejado pelo ofendido. Aliás, o comportamento da vítima em efetuar disparos contra o roubador m s .a-se razoável e esperado, (reação da vítima ao roubo não autoriza desclassificação de latrocínio para homicídio culposo [TJPR,ApeI. Crim nO307920-1/Ctba, 4a CCrim, reI. Des. Roberto De Vicente, julgo 06/07/06, un.]), tanto mais ao se constatar que a reação da vítima, em se admitindo a tese do réu, constitui concausa anterior (e não superveniente) e que se mostra totalmente dependente do comportamento do réu, não estando, portanto, rompida a cadeia causal entre o comportamento do réu e o evento morte da vítima por força da norma do art. 13, S lOdo Código Penal. Ademais, mesmo em casos de concausa (do evento morte) superveniente (ao comportamento do agente) o STJ admitiu a presença da morte como qualificadora do roubo a ser imputada ao réu, conforme o paradigmático acórdão que segue: PENAL. HABEAS CORPUS. LATROCÍNIO. CAUSA SUPERVENIENTE INDEPENDENTE .INOCORRÊNCIA. CO-AUTORIA. I - Não há falar na existência de causa superveniente independente e, por conseguinte, na descaracterização do delito de latrocínio, na hipótese em que os réus, praticando atos com o intuito de garantir a consumação do delito de roubo, envolvem-se, no desdobramento causal da ação criminosa, em acidente automobilístico, do qual resulta a morte da vítima. II - A circunstância de o paciente não haver efetivamente praticado o ato que causou a morte da vítima, consistente na direção de veículo objeto de acidente automobilístico, não o retira da condição de co-autor do crime de latrocínio, haja vista que, associado ao co-réu para a prática do delito de roubo, responde pelas sanções penais daí resultantes. Habeas Corpus denegado. (HC 27. 152jMG, ReI. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 27/05/2003, Dl 30/06/2003 p. 279) Assim, mesmo tendo sido infirmada pelas seguras provas produzidas em juízo, ainda que admitida como verdadeira a tese do réu, não tem esta o condão de afastar a procedência do pedido, nos termos em que pleiteado, sendo oportuno ainda colacionar o seguinte aresto: APELAÇÃO CRIMINAL - LATROCÍNIO - ART. 157, S 3°, PARTE F DO CÓDIGO PENAL - PRELIMINARES ARGUMENTANDO CERCEAMENTO DE DEFESA E NULIDADE DO LAUDO PSICOLÓGICO - REJEIÇÃO - PERÍCIA CONFECCIONADA POR PERITOS OFICIAIS - DISPENSA DO COMPROMISSO LEGAL PREVENÇÃO - NULIDADE RELATIVA - NÃO ALEGAÇÃO EM TEMPO OPORTUNO - PRECLUSÃO - POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO - CRIME-FIM (ROUBO) QUE ABSORVE O CRIME-MEIO (POSSE DE ARMA DE FOGO) - ARMA UTILIZADA COMO UM MERO INSTRUMENTO PARA O EXERCÍCIO DA VIOLÊNCIA QUE ACARRETOU A MORTE DE UMA DAS VÍTIMAS - NÃO CONFIGURAÇÃO DA POSSE COMO CONDUTA AUTÔNOMA - AUSÊNCIA DE CONCURSO MATERIAL DE CRIMES - READEQUAÇÃO DA PENA - LATROCÍNIO - CRIME COMPLEXO - RESULTADO MORTE QUE PODE ADVIR DO DOLO (DIRETO OU EVENTUAL) OU CULPA CONSUMAÇÃO EVIDENCIADA APENAS COM O RESULTADO MORTE OCORRIDO EM CONTEXTO DE CRIME PATRIMONIAL ... (TJPR - 2a C.Criminal AC 0367814-6 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rei.: Des. Antônio Martelozzo - Unânime - J. 25.07.2007) Desta forma, analisando-se os elementos dos autos, verificase o perfeito enquadramento entre a conduta do acusado com os elementos constantes do tipo penal do art. 157, 93°, do Código Penal (ausente qualquer excludente de ilicitude), uma vez que, munido de violência à pessoa, tentou praticar um roubo a uma joalheria, o que deu causa ao resultado morte contra a vítima Inaudi Savaris. Ressalte-se ainda que o réu foi detido e reconhecido pela testemunha Gilberto José Matela (ouvida às fls. 204), a qual presta serviços para a empresa da vítima fatal. As testemunhas policiais Carlos Alberto Azevedo Gomes, Fábio Ferreira dos Santos e Felipe do Nascimento (fls.205/207) chegaram ao local do fato minutos após o crime e também presenciaram o réu detido por populares em frente à joalheria das vítimas. Tem-se, portanto, que ambas as partes não divergem sobremaneira quanto à comprovação da materialidade e da autoria do crime de latrocínio que vitimou Inaudi Savaris, estando instalada a cizânia, contudo, em relação ao reconhecimento da tentativa de latrocínio em face da vítima Talita. Nesse aspecto, o agente ministerial requer a condenação do réu pela prática do elito de latrocínio tentado contra a vítima Talita, em concurso material, ao passo que a combativa defesa em sua alegação final, defende a versão do réu de que deve ser reconhecida a ineficácia absoluta do meio empregado, eis que a arma estava desmuniciada, tratando-se, portanto, de crime impossível. Por tal razão, pleiteia o reconhecimento da atipicidade da conduta praticada em relação à vítima Talita Savaris. A despeito da culta argumentação do Ministério Público, tem-se que merece guarida a pretensão da Defesa, senão vejamos. A informante Talita Wanderley Savaris afirmou (£1s.203) em juízo que o réu adentrou à joalheria, colocou a mão na cintura e anunciou o assalto. Em seguida, a depoente correu para os fundos da loja, avisou seu pai Inaudi, que, de posse de uma arma de fogo, foi em direção ao balcão. Na sequência, ouviu os disparos de arma de fogo e viu que seu pai foi atingido. Disse que foi até a parte frontal da loja acionar o alarme ou avisar o funcionário de nome Gilberto, momento em que o réu tentou lhe atingir com dois tiros, porém a arma estava desmuniciada. Indagada, disse que não ouviu o barulho de gatilho, mas viu o movimento do réu com a arma como se fosse efetuar disparos contra a sua pessoa. No caso, o que se nota é que a peça narra grave ameaça contra as duas vítimas, mas em subtração do patrimônio do estabelecimento, devendo, portanto, o agente responder por crime único. E, como se sabe, é assente na jurisprudência que o concurso formal (e não material como propugna o agente ministerial) ocorre em havendo violação de patrimônios distintos. Isso se nota não só pelas decisões que deixam claramente expresso, mas também por outras posições já pacificadas, tais como a de que o roubo a família, em que são levados bens apenas da casa e não particulares do ofendido, ainda que sejam vários, configura crime único. Por fim, considerando a interpretação a contrario súmula nO610 do STP ("há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima"), ao se verificar que não houve subtração de valores, conclui-se que não há que se falar em crime de latrocínio tentado em face de tal vítima, mas tão-somente crime único, consumado, de latrocínio, no qual resultou a morte da vítima Inaudi. Ainda que houvesse a subtração de bens particulares da vítima Talita Wanderley Savaris, cumpre asseverar que merece guarida a própria argumentação da defesa, qual seja, a absoluta impropriedade do meio relacionado ao resultado naturalístico da causa de aumento de pena envolvendo tal vítima, eis que o último disparo de que dispunha o agente fora fatalmente reservado à vítima Inaudi Savaris, ou seja, a arma empunhada pelo acusado não dispunha de munições (tal como se observa do laudo pericial de fls. 122/123, do depoimento da vítima Talita e do interrogatório do réu) aptas a colocar em risco a vida da vítima sobrevivente, melhor dizendo, a arma de fogo estava desmuniciada quando da suposta "tentativa", pelo réu, de atingir a vítima Talita Savaris, razão pela qual a conduta do agente configuraria hipótese de atipicidade por absoluta ineficácia do meio empregado. Tem-se, assim, que o comportamento do réu subsume-se à prática de crime único, de latrocínio consumado. Quanto a tal delito a prova colhida é, pois, mais do que suficiente para respaldar um decreto condenatório contra o réu, sobretudo porque não se visualiza nos autos motivo para que as testemunhas ouvidas viessem a acusá-lo falsamente. Por fim, restou demonstrado nos autos que o recebimento e o transporte da arma de fogo, no caso, configuram o iter criminis percorrido pelo agente, ou seja, com a finalidade de realizar a subtração na joalheria em que ocorreu o crime de latrocínio, tratando-se, portanto, de hipótese de absorção de crime-meio, qual seja, porte ilegal de arma de fogo, pelo crime-fim (roubo), razão pe impõe o reconhecimento do princípio da consunção, in casu, e a co absolvição do réu pela prática do delito previsto no art. 14, da Lei nO10826/03. Bem se verifica que o réu, uma vez nesta comarca, adquiriu a arma de fogo, juntamente com seu comparsa, para cometer o roubo em questão. Outrossim, não há nos autos cenário probatório que aponte tal aquisição e porte de arma em realidade distinta ou com anterioridade tal que justifique o reconhecimento de crime autônomo, tal como pretendido. Deste modo, bem se constata que o réu cometeu o crime de roubo qualificado pelo resultado morte da vítima Inaudi Savaris, razão pela qual a condenação é medida que se impõe como decorrência lógico-jurídica do silogismo desenvolvido na fundamentação. IH - DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a denúncia, para o fim de CONDENAR o réu LUCAS HENRIQUE OLIVEIRA DE PAULA, pela prática do crime tipificado pelo artigo 157, S 3°, segunda parte, do Código Penal, nos termos da imputação contida na denúncia, bem como para o fim de ABSOLVÊ-LO da imputação de cometimento dos crimes do art. 14 da lei nO10.826/03 e art. 157, S 3°, c/ c art. 14, lI, do CP, o que faço com fulcro no art. 386, lI, do CPP. Considerando as disposições do artigo 59 e seguintes do Código Penal, especialmente o artigo 68 daquele diploma de leis, que elegeram o sistema trifásico para a quantificação das sanções aplicáveis aos condenados, passo a fixar as penas: A culpabilidade do réu é de grau elevado, em face da potencial consciência da ilicitude de seus atos reprováveis, sendo certo que o o réu ter viajado centenas de quilômetros, de outro Estado da Federação, com o fim de praticar crime de roubo nesta cidade, e por ter se valido da facilidade da compra de arma no país vizinho, torna ainda mais reprovável o seu ato. Outrossim, o crime fora praticado contra duas vítimas. Não registra maus antecedentes criminais. Personalidade e conduta social não aferidas, contudo o réu não possui ocupação definida e admitiu ter sido apreendido pela prática de ato infracional análogo ao delito de roubo na Comarca de VespasianojMG (fls. 58), bem como admitiu ser usuário de "maconha". O motivo foi à possibilidade de lucro fácil, sem esforço laborativo, o que não se mostra extraordinário ao tipo penal. Como circunstâncias há que se atentar que o roubo foi realizado em período matutino, em avenida da região central da cidade, onde é intensa a circulação de moradores e turistas, o que acabou por colocar um número indeterminado de pessoas em risco, haja vista ter ocorrido troca de disparos de arma de fogo, sendo inequívoco que o réu, com seu comportamento criminoso, deu causa a tal situação. As consequências são normais à espécie. A vítima em nada contribuiu para o roubo, todavia, é imperioso reconhecer que sua reação ao roubo contribuiu para o resultado naturalístico qualificador do roubo. A despeito de haver circunstâncias judiciais favoráveis ao réu, considerando a culpabilidade e circunstâncias do fato, estabeleço a pena base para o crime em vinte e oito (28)anos de reclusão e 35 dias-multa, tendo em conta o previsto no artigo 157, 9 3°,do Código Penal. Apesar de ter alegado a ocorrência de legítima defesa, cumpre asseverar que o réu não negou ter sido um dos agentes do crime descrito na inicial, tendo dado detalhes acerca da sua ocorrência, razão pela qual reconheço a presença da atenuante da confissão, reduzindo, portanto, a condenação em um (01) ano de reclusão e cinco (05)dias multa. Também se observa que o réu era menor de 21 anos' dos fatos, razão pela qual se faz presente a atenuante da menoridade, de modo que reduzo à pena em 01 (um) ano e cinco (05) dias-multa, restando, à míngua de demais circunstâncias modificadoras, a pena aplicada ao réu no patamar definitivo de vinte e seis (26) anos de reclusão e 25 dias-multa. Considerando a situação econômica do réu, arbitro o valor do dia-multa no mínimo legal. Considerando o quantum da pena, estabeleço como regime inicial da pena o fechado. Do exposto, fixo a pena do réu LUIS HENRIQUE OLIVEIRA DE PAULA em vinte e seis (26) anos de reclusão e 25 dias-multa fixados no mínimo legal, devendo o réu cumprir a pena privativa de liberdade sob o regime fechado. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Tendo em vista que o réu respondeu ao processo custodiado, denego-lhe a possibilidade de recorrer em liberdade da presente decisão, recomendando-o à prisão. Condeno, ainda, o apenado ao pagamento das custas processuais. Não há quantificação de prejuízo material, e a jurisprudência tem afirmado a impossibilidade de ser definida nesta sede quanti a ser paga a título de indenização por danos morais. Após o trânsito em julgado desta sentença independentemente de nova determinação: a) lance-se o nome do réu no r e culpados; b) façam-se as comunicações previstas nos itens 6.15.1e 6.15.3, do Código de Normas da Corregedoria da Justiça; c) expeça-se a competente Carta de Guia; d) calculem-se as custas e a multa. Após o trânsito em julgado, determino a destruição da arma apreendida em posse do réu. Determino ainda sejam os herdeiros da vítima intimados para que promovam a restituição da arma de fogo apreendida. Oportunamente, cumpram-se, no que forem aplicáveis, as disposições do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Gustavo G. \. .\ \jde \