Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
RESOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NA ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC)
Autor: Diogo Rafael de Arruda
Orientador: Professor Doutor Antônio de Moura Borges
Brasília - DF
2012
DIOGO RAFAEL DE ARRUDA
RESOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO
COMÉRCIO (OMC)
Monografia apresentada ao curso de
Bacharelado em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito
parcial para obtenção do Título de
Bacharel em Direito.
Orientador: Professor Doutor Antônio de
Moura Borges
Brasília
2012
Monografia de autoria de DIOGO RAFAEL DE ARRUDA, intitulada
RESOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO
COMÉRCIO (OMC), apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em ____/____/ 2012,
defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:
_____________________________________________________________
Professor Doutor Antônio de Moura Borges
Orientador
Direito – UCB
_____________________________________________________________
Professor
Direito – UCB
_____________________________________________________________
Professor
Direito – UCB
Brasília
2012
AGRADECIMENTO
Envolto de simples e sinceros sentimentos, deixo meus expressos
agradecimentos aos mestres atuantes durante minha vida acadêmica, e obviamente
a minha família pelos incentivos e ensinamentos que colaboram constantemente
para meu desenvolvimento pessoal.
MÚSICA: Pelado
AUTOR: Roger Rocha Moreira - Ultrage a
Rigor.
[...] Indecente
É você ter que ficar
Despido de cultura
Daí não tem jeito
Quando a coisa fica dura
Sem roupa, sem saúde
Sem casa, tudo é tão imoral
A barriga pelada
É que é a vergonha nacional [...]
RESUMO
Referência: ARRUDA, Diogo Rafael de. RESOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NA
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC). Defesa em 2012. 72 fls.
Monografia (Bacharelado em Direito) – Universidade Católica de Brasília,
Taguatinga, 2012.
Faz-se presente neste trabalho de conclusão de curso alguns dos tópicos de maior
relevância na discussão sobre a atuação da Organização Mundial do Comércio
diante de sua proposta de liberalização comercial e fomento ao desenvolvimento dos
mecanismos de resolução das possíveis controvérsias advindas das relações
estabelecidas no ambiente comercial internacional. Para tal, além de delinear,
brevemente, o contexto de surgimento atinente aos ensejos temporais no âmbito do
comércio entre os Estados, vislumbra-se o caminho trilhado pelos questionamentos
que possam afetar negativamente as transações comerciais, os possíveis agentes
atuantes, conforme a necessidade de acionamento de um membro especifico da
entidade, com competência para se manifestar sobre a matéria, que é o Órgão de
Solução de Controvérsias, além das implicações diante da adoção de medidas
voltadas ao restabelecimento do equilíbrio e da fluidez das negociações mercantis.
Em associação ao desenvolvimento lógico do trabalho, está inserido o
questionamento doutrinário atual sobre a natureza jurídica que está envolta na
manifestação expressa dos atos do Órgão de Solução de Controvérsias quando da
elucidação e pacificação dos interesses divergentes entre os participantes da
organização. Ressalte-se a verificação dos dados utilizados para elaboração textual
deste trabalho por meio de pesquisa bibliográfica, objetivando clarificar ainda mais
os mecanismos passiveis de uso diante dos embates comerciais internacionais e o
relevante desempenho que a Organização Mundial do Comércio tem demonstrado
desde sua formação, formatando sua essencialidade nos tempos atuais.
Palavras-chave: Organização Mundial do Comércio. Órgão de Solução de
Controvérsias. Mecanismos. Contramedidas. Natureza jurídica.
ABSTRACT
Reference: Arruda, Diogo Rafael de. World Trade Organization. Defense in 2012.
72 pages. Monograph (Bachelor of Law) - Catholic University of Brasilia, Taguatinga,
2012.
Is present in this work of completion some of the topics of greatest relevance in the
discussion on the role of the World Trade Organization on its proposal to liberalize
trade and promote the development of mechanisms for the resolution of possible
disputes arising from relationships established in the environment international trade.
For this purpose, and outline briefly the context of the emergence wishes regards the
time in trade between the States, they see the path taken by the questions that may
negatively affect commercial transactions, the possible agents acting as the need for
activation of a specific member of the entity, qualified to speak on the matter, which
is the Dispute Settlement body, and the implications on the adoption of measures
aimed at restoring the balance and fluidity of commercial negotiations. In association
with the logical development of the work, is inserted into the current doctrinal
questions about the legal nature that is wrapped in an explicit statement of the acts of
the Dispute Settlement Body when elucidation and pacification of the divergent
interests among the participants of the organization. Point out to verify the data used
for the preparation of this work by textual means of literature, aiming to further clarify
the mechanisms liable to use before the clashes and the relevant international trade
performance than the World Trade Organization has shown since its formation, its
formatting essentiality in modern times.
Keywords: World Trade Organization. Dispute Settlement Body. Mechanisms.
Countermeasures. Legal nature.
RÉSUMÉ
Référence: Arruda, Diogo Rafael de. Organisation mondiale du commerce. Défense
en 2012. 72 pgs. Monographie (Bachelor of Law) - Université catholique de Brasilia,
Taguatinga, 2012.
Est présent dans ce travail d'achèvement quelques-uns des sujets les plus pertinents
dans le débat sur le rôle de l'Organisation mondiale du commerce sur sa proposition
de libéraliser le commerce et promouvoir le développement de mécanismes pour la
résolution d'éventuels litiges découlant des relations établies dans l'environnement le
commerce international. A cet effet, et décrire brièvement le contexte des ensejos
émergence ce qui concerne le temps dans le commerce entre les États, qu'ils voient
le chemin emprunté par les questions qui peuvent affecter négativement les
transactions commerciales, des agents possibles agissant comme la nécessité de
l'activation d'un membre spécifique de l'entité, qualifié pour parler de la question, qui
est l'Organe de règlement des différends, et les implications sur l'adoption de
mesures visant à rétablir l'équilibre et la fluidité des négociations commerciales. En
association avec le développement logique du travail, est inséré dans les questions
doctrinales actuelles sur la nature juridique qui est enveloppé dans une déclaration
explicite des actes de l'Organe de règlement des différends lorsque l'élucidation et la
pacification des intérêts divergents entre les participants de l'organisation. Pointez
pour vérifier les données utilisées pour la préparation de ce travail par des moyens
textuelles de la littérature, visant à clarifier davantage les mécanismes susceptibles
d'utiliser avant que les affrontements et la performance du commerce international
pertinent que l'Organisation mondiale du commerce a montré depuis sa création, sa
mise en forme essentialité dans les temps modernes.
Mots-clés: Organisation Mondiale du Commerce. Organe de Règlement des
Différends. Mécanismes. Les contre-mesures. La nature juridique.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9
1. O COMÉRCIO INTERNACIONAL – SURGIMENTO DA ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DO COMÉRCIO: DA NECESSIDADE À ELABORAÇÃO DE UM NOVO
SISTEMA ................................................................................................................. 13
2. A OMC E A FORMALIZAÇÃO DAS REGRAS DE DIREITO INTERNACIONAL
APLICÁVEIS AOS CONFLITOS ECONÔMICOS INTERNACIONAIS .................... 24
3.
PROCESSO
E
PROCEDIMENTOS
NOS
LITÍGIOS
ECONÔMICOS
INTERNACIONAIS UTILIZADOS PELA OMC ........................................................ 32
3.1. DAS CONSULTAS BILATERAIS ...................................................... 32
3.2. DOS GRUPOS ESPECIAIS ............................................................. 33
3.3. DA PREVISIBILIDADE DO LITISCONSÓRCIO INTERNACIONAL . 35
3.4. DA APELAÇÃO ................................................................................. 36
3.5. DE EXPECTATIVA DE EXEQUIBILIDADE DAS DECISÕES ........... 39
4. IMPLICAÇÕES DAS MEDIDAS ECONÔMICAS DESFAVORÁVEIS APLICAVEIS
A UM
ESTADO
-
SANÇÕES
ECONÔMICAS
ADOTÁVEIS
NA ÓRBITA
INTERNACIONAL .................................................................................................... 46
5.
AS
DECISÕES
ADOTAS
PERANTE
A INTERNACIONALIZAÇÃO
DO
MERCADO - VIABILIDADE DA EXECUÇÃO DA MEDIDA ADOTADA DIANTE DOS
PRESSUPOSTOS DE EFICÁCIA E CONFIABILIDADE DA OMC ......................... 52
6. A NATUREZA JURÍDICA DO ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA
OMC - CARÁTER DIPLOMÁTICO E/OU DECISÓRIO ........................................... 59
CONCLUSÃO .......................................................................................................... 68
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 71
9
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento das estruturas comerciais foi por várias décadas foi a
meta que a união dos Estados estrangeiros buscou por influência de diversas crises
envolvendo a economia global.
O modo como o capitalismo foi construído levou a intensa promoção do
comércio entre os países, e devido a esta proposta de sistema, as necessidades de
integração e regulamentação das relações econômicas ficam mais evidentes quando
analisadas de acordo com a estabilidade global.
O estabelecimento de uma entidade com vistas a atuar no comércio
internacional e no desenvolvimento de mecanismos que resultem numa distribuição
mais útil e mais equilibrada dos recursos em favor da humanidade deixou de ser
uma expectativa, e passou a realidade quando da elaboração do Tratado de
Marrakesh, resultante de tantas outras negociações em favor da liberalização do
mercado internacional, em que culminou no surgimento da Organização Mundial do
Comércio – OMC.
Diante das constantes indeterminações quanto às regras internacionais,
várias concepções interpretativas exaltaram o conturbado período vivenciado em
meados da década de oitenta (século XX), como por exemplo, o conflito entre
oriente (socialista) e ocidente (capitalista), fazendo surgir o choque cultural entre a
cooperação dos Estados, e a imposição à livre iniciativa e regramento da mútua
concorrência necessária para otimização do mercado internacional, que como tal,
fortificou a implementação do General Agreement on Tariffs and Trade – GATT.
A importância histórica de tal entidade se determina na evolução da
sistemática de entendimento sobre comércio internacional e na resolução de
possíveis conflitos neste ambiente, como forma de garantir a existência equilibrada
de todas as nações, fundamentada na noção de justiça, eficiência e imparcialidade
dos posicionamentos e medidas adotadas, por meio de um braço especifico da
organização, intitulado Órgão de Solução de Controvérsias – OSC.
A formalização de um sistema que disponha do modo como deva se
desenrolar uma reclamação comercial, traz para a Organização Mundial do
Comércio – OMC – a responsabilidade de intervir para uma conclusão pacifica,
10
sendo entendimento unificado, que, de forma equilibrada, seja praticável por todos
os membros.
Desta forma, a questão processual do mecanismo de solução de
controvérsias se mostra bastante útil àqueles que por vez façam seu uso para
defesa dos interesses estabilizadores do bloco, visto que, dentre as principais
características verificáveis, ratificam o amplo respeito à manifestação soberana de
cada nação, vinculada a necessidade de produção de resultados aceitáveis e o
reestabelecimento do equilíbrio multilateral em favor da coletividade.
De certo, veio a organização em questão intervir nas políticas econômicas de
países que, participando da Organização Mundial do Comércio– OMC – não
considerem a necessidade de existência de um conhecimento comum para não
gerar o declínio de outros países considerados menores economicamente, mas, de
modo algum, objetiva intervir na soberania e independência dos Estados, afirmando,
com isso, seu papel opinativo técnico e gerando a expectativa de adesão de suas
conclusões por seus integrantes, conforme a manifestação livre e consciente de
pactuação.
Cabe assim a indagação do caráter imperativo, dotado da devida coerção, e
do caráter diplomático que detém as decisões advindas do Órgão Solucionador de
Controvérsias – OSC – quando da não adesão por nações que ajam danosamente
aos interesses do comércio internacional.
Conforme se exprime do contexto formalizador da organização, uma das
metas buscadas com a elaboração de normas vinculadoras das relações comerciais,
atingiu-se com o texto do Tratado, embora não haja como romper com toda a cadeia
de procedimentos diplomáticos baseados nos vínculos políticos estabelecidos pelas
próprias composições comerciais.
Neste sentido, e no intuito de agregar ainda mais conhecimento ao mundo
cientifico do Direito Internacional, seguem no transcurso deste trabalho os relevantes
argumentos identificados, diante da proposta de fomento à iniciação e à
fundamentação do caráter diplomático e/ou decisório das conclusões advindas da
Organização Mundial do Comércio – OMC – por meio de seu Órgão Solucionador de
Controvérsias – OSC –, de forma a identificar a jurisdicionalidade internacional de
tais medidas, e por último, promover o aprimoramento do entendimento sistemático
de resolução de conflitos comerciais externos.
11
Em observação a relevância deste estudo, cabe dizer que dos 195
(aproximadamente) países existentes atualmente no mundo, até fevereiro de 2011,
153 países (
, dentre estes o Brasil (a partir de 1º de janeiro de 1995, pelo
decreto presidencial n° 1.355, de 30 de dezembro de 1994, que sancionou o Decreto
Legislativo n° 30, de 15 de dezembro de 1994), ratificaram a intenção de submissão
às regras integrantes do acordo de formação da Organização Mundial do Comércio
– OMC – indicando que não deter o devido conhecimento sobre os seus aspectos
procedimentais, torna a existência e a busca por vínculos comerciais fadados ao
insucesso.
DECRETO LEGISLATIVO Nº 30, DE 1994
Faço saber que o Congresso Nacional aprovou, e eu, Humberto Lucena,
Presidente do Senado Federal, nos termos do art. 48, item 28, do
Regimento Interno, promulgo o seguinte:
Decreto Legislativo nº 30, de 1994
Aprova a Ata Final da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais
Multilaterais do GATT, as listas de concessões do Brasil na área tarifária
(Lista III) e no setor de serviços e o texto do Acordo Plurilateral sobre Carne
Bovina.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º. São aprovadas a Ata Final da Rodada Uruguai de Negociações
Comerciais Multilaterais do Acordo Geral de Tarifas e Comércio - GATT, as
listas de concessões do Brasil na área tarifária (Lista III) e no setor de
serviços e o texto do Acordo Plurilateral sobre Carne Bovina.
Parágrafo único. São sujeitos à apreciação do Congresso Nacional
quaisquer atos que resultem em revisão dos acordos mencionados no caput
deste artigo, ou que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio nacional, nos termos do art. 49, I, da Constituição Federal.
Art. 2º. Caberá às Comissões Técnicas Permanentes da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal o acompanhamento e fiscalização da
execução dos acordos previstos neste decreto legislativo para,
oportunamente, apresentar sugestões e propostas ao Congresso Nacional.
Art. 3º. Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.
Senado Federal, 15 de dezembro de 1994.
SENADOR HUMBERTO LUCENA
Presidente
12
DECRETO Nº 1355, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1994.
Promulgo a Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de
Negociações Comerciais Multilaterais do GATT.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso de suas atribuições, e
Considerando que o Congresso Nacional aprovou, pelo Decreto Legislativo
nº 30, de 15 de dezembro de 1994, a Ata Final que Incorpora aos
Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do
GATT, assinada em Maraqueche, em 12 de abril de 1994;
Considerando que o Instrumento de Ratificação da referida Ata Final
pela República Federativa do Brasil foi depositado em Genebra, junto ao
Diretor do GATT, em 21 de dezembro de 1994;
Considerando que a referida Ata Final entra em vigor para a
República Federativa do Brasil em 1º de janeiro de 1995,
DECRETA:
Art. 1º A Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de
Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, apensa por cópia ao
presente decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nele
contém.
Art. 2º Este decreto entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
Brasília, 30 de dezembro de 1994; 173º da Independência e 106º da
República.
ITAMAR FRANCO
Celso Luiz Nunes Amorim
13
1. O COMÉRCIO INTERNACIONAL – SURGIMENTO DA ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DO COMÉRCIO: DA NECESSIDADE À ELABORAÇÃO DE UM
NOVO SISTEMA
No processo de desenvolvimento histórico-civilizatório da humanidade,
desenvolver novas metodologias quando diante de dificuldades que ameacem a sua
sobrevivência é o modo de criação mais inteligível.
Dentro da teoria darwiniana de evolução das espécies, o histórico
pesquisador observa que a dinâmica biológica não pode nem deve ser estagnada,
ao contrário, devem em conjunto com o meio interagir, meio do qual o homem e a
sociedade de que faz parte estão inseridos, quando afirma que: “Ora, enquanto que
o nosso planeta, obedecendo à lei fixa da gravitaçao, continuar a girar sobre sua
órbita, uma quantidade infinita de belas e admiráveis formas, saídas de um começo
tão simples, não têm cessado de se desenvolver e desenvolvem-se ainda!”
(DARWIN, 1859, p.554).
O surgimento da Organização Mundial do Comércio (OMC), marco evolutivo
regulamentador das relações no comercio internacional, também não poderia se
desassociar deste raciocínio evolutivo.
O inevitável progresso que o conhecimento histórico do homem gera, permite
a dinâmica de situações e momentos que variam da crise ao advento, em todos os
sentidos, analisados socialmente.
Neste entendimento, Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat, marquês de
Condorcet, em seu Ensaio de um quadro histórico do espírito humano, 1795, se
determina em meio às crises que permeavam a França, entorno da Revolução
Francesa, época de conflitos economico-sociais e progresso atinente aos termos
iluministas:
Provaremos que estas eloquentes declamações contra as ciências e as
artes são fundadas sobre uma falsa aplicação da historia e que ao contrario,
os progressos das virtudes sempre acompanham os progressos das luzes,
assim como os progressos da corrupção sempre acompanham a
decadência. Então ver-se-á que esta passagem tempestuosa e penosa de
uma sociedade grosseira ao estado de civilização dos povos esclarecidos e
livres não é uma degeneração da espécie humana, mas uma crise
necessária na marcha gradual em direção ao aperfeiçoamento absoluto
(CONDORCET, 1993, p.67).
14
Referencialmente, Auguste Comte (1798-1857), em seu raciocínio sociológico
positivista, exprime que o progresso decorre da interpretação das fases do contexto
histórico humanitário ora enfrentado e superado, meio pelo qual a problemática
social possa ser explicada, entendida e sanada. Vale a menção associada ao
pensamento de Comte, ditando que “as idéias conduzem e transformam o mundo”
(MANDJAROF;
DUARTE, 2012) 1.
O conhecimento das leis dos fenômenos, cujo resultado constante é fazer
com que sejam previstos por nós, evidentemente pode nos conduzir, de
modo exclusivo, na vida ativa, a modificar um fenômeno por outro, tudo em
nosso proveito.( COMTE, 2000, p.47).
Assim sendo, ao longo das duas grandes guerras mundiais, o comércio
internacional, em reação ao pós-guerra, se viu diante da imposição de dificuldades,
barreiras, que obstavam a livre relação entre as nações, com fulcro na promoção do
abastecimento produtivo baseado no meio exterior, e de alguma forma, no interior.
Neste sentido, expõe:
Durante a primeira guerra mundial – 1914 a 1918 – as relações comerciais
entre os países europeus se tornaram ainda mais complicada. Os Estados
passaram a guardar a produção interna para proveito próprio. Isso fez com
que o comércio passasse a ter elevados níveis tarifários, bem como
proibições, em determinados países, de exportações e importações.
(FAVARO, 2011, p. 20).
E, também em referência a existência de blocos comerciais no advento da
segunda guerra mundial, cita:
O estabelecimento desses blocos decorreu da escassez de determinadas
matérias primas essenciais para o abastecimento interno. Em virtude dessa
escassez, alguns países passaram a se preocupar com a segurança interna
e a chegar ao extremo de recorrerem às forças militares para garantir o
acesso seguro às matérias primas. (FAVARO, 2011, p. 23).
Após a segunda grande guerra, com o declínio das relações comerciais
internacionais, ocorreram varias tentativas de equilibrar a balança do mercado
internacional, principalmente quanto a acordos tarifários, com vistas a alinhar as
1
MANDJAROF, Rosana; DUARTE, Carlos. O positivismo – Auguste Comte. Disponível em:<
http://www.mundodosfilosofos.com.br/comte.htm>. Acesso: 05 mar. 2012.
15
políticas aduaneiras entre aqueles Estados que se manifestassem de acordo com a
proposta normativa liberal.
Da necessidade de regulamentação das relações comerciais adveio a
delimitação de ações que consideradas em suas particularidades seriam passiveis
de causar danos graves às diversas nações e aos interesses de promoção dos
direitos do homem e do ambiente que o rodeia.
Tal fator se agravou com o declínio das grandes guerras mundiais que
culminaram em um protecionismo exacerbado, prejudicando o sistema de relações
do comércio entre os Estados. Mas é importante observar que a preocupação com o
livre comércio e com a liberalização do mercado tende a um linear de acordo com a
época crítica analisada, e na proporção do desafio a ser superado, de modo a
desenvolver
um
sistema
que
possa
resistir
às
variações
econômicas
contemporâneas. Neste sentido, Alberto Amaral Júnior trata de forma explícita ao
mencionar que:
A escolha do ponto de vista que predominará em um dado momento é
consequência das constelações de interesses que têm capacidade de se
impor e das condições prevalecentes na realidade mundial. (AMARAL
JÙNIOR, 2008, p. 12)
E ainda acrescenta, acentuando de forma evolutiva, a idéia de que o
nascimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) é deriva da consciência de
novos mecanismos devendo-se utilizar o conhecimento adquirido em situações já
superadas intelectualmente, relatando que:
A experiência da última década atestou, principalmente após o
término bem sucedido da Rodada do Uruguai, cujos resultados estão em
sintonia com a desregulação e internacionalização dos mercados, a
preponderância do livre-comércio na orientação das políticas econômicas
nacionais. (AMARAL JÙNIOR, 2008, p.12).
Deste modo, o pós Segunda Guerra Mundial foi decisivo para a criação de
uma ordem econômica mundial que visasse à liberalização do mercado, autônomo
com
relação
às
possíveis
desestabilizações,
reafirmando
a
proposta
de
desenvolvimento de serviços e fornecimento de bens, aliados à aceitável
manutenção dos índices empregatícios e elevação da renda interna das
comunidades internacionais envolvidas.
16
Neste contexto, em combate às práticas protecionistas a que muitos países
faziam uso para autopromoção e blindagem comercial, em detrimento de Estados
diminuídos economicamente, começaram a ser realizadas reuniões, cujo objetivo
principal era promover a liberalização do comercio internacional, através de
concessões multilaterais, como a proposta de Bretton Woods, nos Estados Unidos
da América, 1944, que de relevante monta, serviu de base para o atual sistema
econômico internacional.
Em suma, o sistema Bretton Woods tratava-se de um acordo de gestão
econômico internacional, dotado de mecanismos normativos e procedimentais,
promovendo a indexação do cambio ao dólar e consequentemente ao ouro, com
vistas a uma maior colaboração entre as nações diante do histórico de depressões
monetárias e políticas, e da consciência de uma necessidade mútua colaborativa,
desde meados da década de 30, em que a formação de blocos centralizados, em
alguns casos, promovia o déficit da balança de outros países, a chamada política de
“beggar-thy-neighbor" ("empobrece teu vizinho").
Frente a isto, o sistema tornou-se marco de inicialização para a
implementação de uma organização internacional atuante no comércio, e neste caso
também a criação de um Fundo Monetário Internacional provedor do pagamento em
havendo impossibilidades de quitação de débitos, de caráter temporário, e do Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento de países em desenvolvimento
ou em reformulação ao pós segunda guerra.
Em projeção à proposta, havia a previsão de criação de uma organização
com competência para atuar na órbita internacional, atenta a idéia soberana de cada
Estado, e com fim na promoção do princípio da não discriminação das relações
comerciais. Vale lembrar que a criação de uma organização com atuação no livre
comércio mundial, protelou-se ao longo de vários anos, desde os termos descritos
na Carta de Havana, Cuba, em 1947-1948, cuja ideologia foi de encontro com os
interesses norte-americanos, implicando em um boicote do seu Senado quanto às
regras comerciais, porém, dando a largada para uma política comercial moldada no
contexto de formação de algo bem amplo ligado a diminuição e até mesmo a
extinção de barreiras alfandegárias aos produtos e serviços prestados entre os
países participantes do movimento. Conhecia-se assim, o General Agreement on
Tariffs and Trade (GATT), antecessor e importante marco de fundamentação para o
17
multilateralismo econômico da atual estrutura da Organização Mundial do Comércio
(OMC).
Do grupo de países dispostos a realizar acordos concessivos mercantis,
ocorreu a formação da proposta de elaboração de uma organização de caráter
internacional que interviesse no comércio, e, além disso, nas políticas de empregos,
investimentos e serviços estrangeiros.
As discussões transcorreram os anos de 1947 e 1948, resultando na histórica
Carta de Havana, supracitada, a qual propunha a criação de uma Organização
Internacional do Comércio (OMC), que posteriormente não prosperou, tendo em
vista a não adesão da maior economia mundial à época, os Estados Unidos. Mas
em decorrência desta vontade multilateral em fortalecer o mercado externo, decidiuse pela implementação de um acordo temporário2 com respaldo na regulação de
tarifas e na promoção do livre comércio, denominado Acordo Geral de Tarifas e
Comércio (do inglês, General Agreement on Tariffs and Trade - GATT).
Figura 1 – Conferência Monetária de Bretton Woods em 22 de julho de 1944.
Fonte: Google (2012)
2
A citar a temporariedade que durou todo o período compreendido entre os anos de 1948 e 1994.
18
Desta forma, a provisoriedade do Acordo Geral de Tarifas e Comércio
(AGTC), não sobressaiu por ter sido utilizado durante vários anos, ao longo das
chamadas rodadas de negociações entre os países membros, indo de 1947,
realizada em Genebra, até 1986, no Uruguai3, que culminou na formação da
esperada entidade de regulamentação, fiscalização, e manifestação analítica de
casos conflitantes, de âmbito internacionalmente reconhecido, a denominada
Organização Mundial do Comércio – OMC. Sobre isto, relata Accioly:
A transição do GATT para a OMC representou extensão considerável não
quanto ao número de participantes, como ao aumento da abrangência de
temas regulados pelos diferentes acordos setoriais, inseridos no conjunto da
ata final de Marraqueche, de 1994, cuja adoção conduz à entrada em vigor
da matéria de proteção da propriedade intelectual (TRIPs), como também
pela implementação de sistema institucionalmente aperfeiçoado de solução
de controvérsias, com mecanismo de revisão.(ACCIOLY, 2011,p.463).
Seguiu-se assim um período de pacificação financeira, que por hora supria as
necessidades buscadas pelo mercantilismo mundial.
Com o inicio da década de 70, mais precisamente entre os anos de 19731979, a crise do petróleo desencadeou mais uma vez um protecionismo ameaçador,
que deu margem ao descumprimento de certas cláusulas que contrariavam os
interesses de cada nação em suas ações perante outras, fragilizando o sistema
antes estabelecido pelo GATT, e indicando que mais uma vez, estaríamos perante o
obstáculo que cada marco evolutivo se impõe.
3
Durante a existência do Acordo Geral de Tarifas e Comércio, foram realizadas um total de oito
reuniões de negociação, chamadas rodadas, para citar:Rodada de Genebra (1947);Rodada de
Annecy (1949);Rodada de Torquay (1951);Rodada Genebra (1956);Rodada de Dillon (196061);Rodada de Kennedy (1964-67); Rodada de Tóquio (1973-79);Rodada Uruguai (1986-94),
concluida em Marrakesh.
19
Figura 2 – Charge representativa do tratamento dado aos países subdesenvolvidos
pelas potências econômicas, frente às limitações impostas.
FONTE: ZANETTI, Augusto, 2011, p.61.
Alberto Amaral Júnior, em comentário sobre Robert Hudec, Enforcing
International Trade Law, faz um relato sobre o momento de tensão vivenciado:
Os contenciosos entre Estados Unidos, CEE (comunidades européias) e o
Japão avolumaram-se perigosamente, cada qual buscando a defesa
exclusiva de seus interesses, em detrimento das soluções multilaterais.
Nesse ambiente, envolto pela perspectiva sombria de uma guerra comercial
iminente, foi convocada a Rodada do Uruguai com a missão de revigorar o
multilateralismo combatido pela fragmentação causada pelas políticas
unilaterais dos governos. (AMARAL JÙNIOR, 2008, p.21).
Fica implementada, no decorrer do século XX, uma tendência gerada das
relações internacionais, ligada aos direitos e obrigações mútuos entre os países
signatários de um mesmo tratado de cooperação, ou seja, a necessidade de uma
regulamentação juridicamente fundamentada, mais abrangente que os então
20
acordos de liberalização comercial, em tendência ao processo de globalização e que
trouxesse maior segurança fática aos possíveis atos contrários de seus
participantes.
Deste modo, o desenvolvimento de regras de direito que buscassem atingir o
consenso na obtenção de resultados aos impasses internacionais fortificou-se, até
mesmo pelo reconhecimento de existência de uma comunidade internacional, com
interesses distintos e convergentes, e pela necessidade de imparcialidade, de um
terceiro, ausente de vícios, investido de personalidade de direito internacional, com
titularidade para promover direitos e obrigações em nome próprio, e inteiramente
dotado de poderes especiais para invadir a órbita do mérito em questão, que não
visasse o prejuízo de um em detrimento de outro, rogando assim, pela maximização
do interesse coletivo, que antes se apoiava meramente no campo regulatório das
relações diplomáticas, e que agora pudesse atuar em uma lógica normativa de
caráter internacional.
Como todo rompimento ideológico, o direito internacional deu um grande
passo ao romper com a idéia clássica do bilateralismo, da coexistência entre
Estados e da fragmentação de normas inclinadas sobre o histórico princípio pacta
sunt servanda.
Abre-se então uma nova oportunidade de promoção da cooperação
internacional, segundo os interesses da reconhecida comunidade internacional,
agora apoiada sobre hierarquização de normas inteiramente relacionadas à
obrigatoriedade de cumprimento, imperativas, com expresso impedimento quanto à
derrogação perante a vontade das partes, cujos interesses se submetem ao
surgimento de novos entendimentos determinados por normas envoltas da
legalidade internacional, assinalada pelo chamado jus cogens.
Vale lembrar que, dentre as divergências quanto à natureza jurídica deste
novo princípio, delimitou-se sua existência no campo jus naturalista, como fez Alfred
Verdross, e também pela dissociação com todo o conteúdo moral, conforme Hans
Kelsen. Vislumbra-se a indeterminação para identificar a imperatividade das normas
gerais internacionais pela ausência de critérios claros, conforme Prosper Weil.
E de acordo com Paul de Visscher, embora decorra da busca pelo
cerceamento de uma liberdade ilimitada exercitada pelos Estados, as normas jus
cogens não conseguiram adquirir caráter de direito material, sendo ainda uma
noção. Mas entre todas as divergências é fim último que o jus cogens estabelece
21
uma conexão humanitária garantidora de uma ética mínima para vida global,
esforçadamente inserida nos ditames da Convenção de Viena.4
Assinala Alberto Amaral Júnior, no tocante a convergência doutrinaria
segundo o entendimento de norma jus cogens5:
Não obstante grande discrepância doutrinária, os autores tendem a
concordar que integram o jus cogens as regras constantes da Carta das
Nações Unidas sobre o uso da força, as normas que reprimem a pirataria, o
genocídio e os crimes contra a humanidade, e as Convenções de Genebra
constitutivas do direito internacional humanitário. (AMARAL JÙNIOR, 2008,
p.42).
Assim sendo, a atuação jurídica no meio comercial se deu por uma
organização com uma proposta amplamente liberatória e englobadora de um
sistema multilateral que incorporava todo o conhecimento reunido ao longo das
relações internacionais até então realizadas, juntamente com a delimitação jurídica
do lícito e do ilícito, da obrigatoriedade de adesão as decisões externas na política
interna dos países e de um comportamento mútuo que possa gerar uma expectativa
vinculadora quanto à opinião dos demais membros, sendo ao mesmo tempo
normativa, analítica e decisória.
A constituição da Organização Mundial do Comércio (OMC) serve de marco
para os meios de gestão do comercio internacional, proporcionando a implantação
de um sistema multilateral, influenciador na formação de normas, tratados e acordos
entre as nações, dotada de personalidade jurídica internacional, podendo ser
investida como órgão solucionador de impasses, chamado Órgão Solucionador de
Controvérsias – OSC, em que se faz uso do Entendimento Sobre Resolução de
Controvérsias, concebido e compartilhado por seus membros, e dotado de
argumentos jurídicos e diplomáticos, com base permanente e em caráter
especializado, sob a ótica do Conselho Geral da Organização Mundial do Comércio.
Para delimitar a abordagem do Órgão Solucionador de Controvérsias, cabe
enfatizar que a controvérsia, que possa ser alvo do citado órgão, é aquela existente
entre membros (agentes governamentais) da Organização Mundial do Comércio
4
AMARAL JÙNIOR, Alberto do, 2008, p.41.
Em ainda em discussão doutrinária, a criação de regras interpretativas a dispositivos presentes no
Tratado depende de quorum de três quartos dos membros, pois sendo maioria, teria a força
obrigacional necessária para criação de normas jus congens. Em divergência, há o entendimento
pela maioria simples, para que uma nova regra interpretativa seja sucessivamente adotada.
(FIORATI, Jete Jane, 2006,p.75).
5
22
(OMC) devido a adoção de políticas econômicas ou meios comerciais que
prejudiquem a estabilidade do bloco em frente à segurança do sistema de
estabilidade proposto.
Cabe ainda dizer que as normas constantes de tais instrumentos normativos,
possuem características secundárias, não tendo por fim a imposição de normas
coercitivas ao mercado, mas a promoção da liberalidade mercantil e do equilíbrio
entre as nações envolvidas no meio econômico, fundando-se na paz mundial e nos
ditames das conciliações e acordos diplomáticos.
Figura 3 – Logo atual da Organização Mundial do Comércio
Fonte: World Trade Organization (2012).
23
Figura 4 – Fotografia da sede da Organização Mundial do Comércio, em Genebra,
Suíça.
Fonte: World Trade Organization (2012).
24
2. A
OMC
E
A
INTERNACIONAL
FORMALIZAÇÃO
APLICÁVEIS
DAS
AOS
REGRAS
CONFLITOS
DE
DIREITO
ECONÔMICOS
INTERNACIONAIS.
Toda regulamentação relativa ao entendimento das normas e procedimentos
na solução de controvérsias foram inclusas no acordo constituído durante a Rodada
do Uruguai, momento em que o Acordo Geral de Tarifas e Comércio foi
transformado em Organização Mundial do Comércio.
Este texto, também chamado de Tratado de Marrakesh, expõe as conclusões
relativas aos acordos multilaterais sobre o comércio de bens (anexo 1A), acordos
sobre serviços (anexo 1B), acordos sobre aspectos da propriedade intelectual
relacionados ao comércio (anexo 1C), entendimento relativo às normas e
procedimentos sobre solução de controvérsias (anexo 2), mecanismo de revisão de
política comercial (anexo 3), e acordos comerciais plurilaterais (anexo 4).
O entendimento relativo às normas e procedimentos sobre solução de
controvérsias, contido no anexo 2 do documento, composto de 27 artigos, traz em
seu escopo, toda a argumentação sobre a linha de raciocínio adotada pelos países
membros, delimitando o momento que se deverá estabelecer a atuação do órgão
internacional como solucionador das controvérsias comerciais, bem como a
aplicabilidade de suas normas quando houver conflito com outros entendimentos
decorrentes de acordos já estabelecidos em anteriores reuniões diplomáticas.
Cabe aqui citar que embora possa haver concurso de jurisdições
internacionais, por existência da regionalização de blocos comerciais, a cláusula da
jurisdição facultativa é do interesse dos membros litigantes, pois, através dela, os
conflitantes se submetem a apreciação da Corte escolhida como terceiro imparcial.
Interessante é que a Corte Internacional de Justiça, embora tenha
competência internacional para a grande maioria dos contenciosos, diante da
referida cláusula de jurisdição facultativa, se atuar, será como corte suprema,
observadora da coerência institucional, controladora da legalidade e imparcialidade
dos atos e da internacionalização da ideia de justiça.
Neste sentido, a resolução de interesses controversos, de acordo com o que
se espera da noção de justiça, vem a agregar um valor ainda maior com base na
25
promoção do sentimento de integração mundial a que a economia se submete
atualmente.
Assim sendo, um dos objetivos da jurisdicionalização das regras regulatórias
das disputas internacionais é a noção coativa a que toda regra de direito emana, de
acordo com a soberania inerente a cada representação estatal, indicando o caráter
preventivo e terminativo que se proponha.
A força jurisdicional traz consigo a necessidade de determinação da
competência a ser dada para análise do caso in fine.
Já neste linear, a competência decorre da matéria de direito a ser analisada
pelo órgão verificador da legalidade dos atos, e também da definição do que seja
passível para tal análise, que no caso, reflita a definição de controvérsia
internacional.
A controvérsia é entendida, na redação de Alberto do Amaral Júnior, como:
[...] um desacordo, na divergência de opiniões ou na oposição de pontos de
vista entre dois ou mais sujeitos de direito. Trata da desavença sobre a
materialidade de um fato, sobre a interpretação de uma regra ou a
qualificação jurídica de um fato ou de uma situação. (AMARAL JÙNIOR,
2008, p. 59).
Quanto ao momento do advento da controvérsia internacional, o referendado
mestre menciona:
As controvérsias internacionais surgem, pois, em duas circunstâncias:
quando há disputa sobre o significado de norma internacional existente ou
quando a divergência na qualificação dos fatos venha a motivar a criação de
uma regra. (AMARAL JÙNIOR, 2008, p. 60).
Conforme a Corte Permanente de Justiça Internacional, em prolação de uma
de suas preciosas decisões, a controvérsia internacional será entendida como:
“Un différend est um désacoord sur um point de droit ou de fait, une
opposition des theses juridiques ou interest entre deux personnes.
[Uma controvérsia é um desacordo sobre um ponto de fato ou de
direito, uma oposição de teses jurídicas ou interesses entre duas
pessoas. Tradução nossa]” (AMARAL JÙNIOR, 2008, p. 59).
26
Por conseguinte, a controvérsia surgida, poderá ser questionada nos
parâmetros do mecanismo internacional segundo uma demanda que somente
poderá ser suscitada diante dos órgãos adjudicatórios da Organização Mundial do
Comércio por sujeitos de direito internacional público participantes da entidade,
ficando impedidos todos os indivíduos ou entidades privadas ausentes de
representação governamental atuante dentro das regras da organização 6.
Carece, contudo, estabelecer a noção de jurisdição internacional, que na
visão de Alberto do Amaral Júnior:
Reside na presença de um terceiro imparcial e independente, cujas
decisões se impõe às partes de forma obrigatória [...] Cabendo a um juiz
internacional defender a ordem jurídica nas situações em que os Estados
acentuam uma predisposição anárquica compatível com a afirmação
exacerbada dos interesses soberanos. (AMARAL JÙNIOR, 2008, p. 6465).
E quanto à atuação na função jurisdicional envolta de todo um liame político,
que por hora ainda sobrevoa as relações internacionais, o juiz internacional além de
se ater as normas jurídicas, fica sombreado por todo o aparato diplomático.
Nas relações externas a função jurisdicional se manifesta pela competência
atribuída a certos indivíduos para apreciar a licitude das condutas dos
Estados e mais raramente dos indivíduos à luz das normas jurídicas em
vigor. [...] Limites políticos, além dos limites estatutários propriamente ditos,
circunscrevem a ação do juiz internacional. (AMARAL JÙNIOR, 2008, p. 89).
Cabe delinear que tipo de demanda pode ser alvo da análise no âmbito da
Organização Mundial do Comércio.
Primeiramente, as reclamações podem ser devidas por violação das
obrigações previstas nos acordos subscritos, em que, um membro possa alegar
descumprimento de determinado acordo, e em decorrência disto, mesmo que
indiretamente, implique na supressão ou anulação dos fins objetivados pela
subscrição das partes, tendo, portanto, a presunção de que todo o sistema está
prejudicado pela exaltação do interesse particular em detrimento da coletividade.
6
Segundo Mario Sergio Araujo Braz, a atual jurisprudência da OMC não veda o patrocínio de causa
por entidades não governamentais e nem as petições amicus curiae, embora não se obrigue a aceitálas. (BRAZ, 2006, p.44).
27
A intenção será provar o conflito com alguma disposição emergente dos
tratados firmados, conforme o art. 3.8 do Entendimento sobre Solução de
Controvérsias.
Outra demanda que possa ocorrer, e de interesse da Organização Mundial do
Comércio, são as reclamações de não violação dos acordos firmados no âmbito da
organização internacional, de forma a demonstrar que as implicações tarifárias
assumidas não estão afetadas em virtude de outras medidas políticas adotadas, em
consonância às necessidades internas de cada nação.
Assim, busca-se a reafirmação de cumprimento dos acordos e o
reconhecimento de que as medidas em si não ferem o interesse do comércio
internacional e associadamente consumam a independência de atuação soberana
de cada ente.
Faz-se necessário colocar que é razoável e esperável a adoção da medida
analisada, de modo a estabelecer a sobrevivência comercial sem contrariar qualquer
que seja a regra estabelecida no acordo tarifário.
Por derradeiro, existem as chamadas demandas de situação, nas quais o
reconhecimento de uma vantagem decorrente dos acordos estabelecidos está
anulada (ou reprimida) por uma medida adotada e imputável a outro membro,
servindo como uma salvaguarda, que impeça ao possível infrator alegar a prática do
ato em contrário, em espécie de reconvenção.
Fica deste modo delineado o ponto de partida material de atuação para o
órgão de composição internacional expressar seus entendimentos sobre fatos e
direitos inerentes a cada parte, analisando os respectivos acordos abrangidos,
inclusive as normas especiais ainda vigentes em acordos específicos firmados em
outras épocas.
Ressalte-se que neste caso, optou-se por definir os litígios, disputas e
conflitos internacionais, sob o conceito de controvérsias internacionais, das quais
embora se busque uma regulamentação vinculante, obrigacional, mais específica ao
comércio, não quer se mostrar ofensiva e repressora da soberania dos Estados.
Com isso, exalta certo nível diplomático e amenizador na força das expressões,
vislumbrando as soluções pacíficas sem o uso da força, idealizadas pela Carta da
Organização das Nações Unidas (ONU), através do Conselho de Segurança.
Por tal, se encontra o estabelecimento, ao Órgão Solucionador de
Controvérsias, de sua competência para a aplicação das normas e procedimentos
28
relativos às consultas e soluções de controvérsias, e a possibilidade de formação de
um Grupo Especial para análise de casos de maior discrepância.
A criação da Organização Mundial do Comércio e do respectivo sistema de
solução de controvérsias, em resposta as alterações aos artigos XXII e XXIII do
GATT, trouxe à tona uma divisão estrutural administrativa no tronco da Organização
(OMC), ou seja, com a aglutinação das regras aplicáveis, optou por compor o Órgão
Solucionador de Controvérsias, dotado de amplo consentimento para a formação de
um grupo técnico, chamado painel, e também com competência para analisar a
adoção de relatórios advindos dos peritos e do respectivo Órgão de Apelação,
podendo inclusive se determinar quanto à execução das medidas elaboradas e
retaliações necessárias para a concretização dos atos.
Buscou-se, com isso, corrigir alguns pontos controversos que sinalizavam a
ineficácia do antigo sistema, como por exemplo, a demora da solução aos conflitos
com imposição de altos custos, o não cumprimento dos acordos resultantes da
autocomposição entre as parte, e o considerado mais grave, a vasta amplitude de
interpretações
das
recomendações
que
davam
ensejos
a
outras
novas
controvérsias.
Interessante que o objetivo ainda é ressaltar a existência da cordialidade
durante a ação litigiosa entre as nações, determinando-se a favor da resolução por
composição entre as partes, entre outros mecanismos que tragam conclusões
satisfatórias, de modo a não regredir na confiabilidade do sistema.
Em sentido mais especifico, não se pode aduzir o total rompimento com os
parâmetros do antigo sistema até porque, na análise atual, ainda se busca a
fundamentação dos posicionamentos em termos de entendimentos impressos no
GATT, mesmo como promoção do principio da continuidade das recomendações,
fazendo uma linha lógica nessa metodologia evolutiva.
Todo entendimento sobre resolução de controvérsias torna-se imprescindível
quando da manutenção, no comercio internacional, de uma autoridade que possa
interpretar as divergências e posicionar-se juridicamente diante da variedade de
opiniões.
A proposta do novo sistema é a interpretação pelos painéis de tudo que esteja
relacionado com os fatos controversos, fundamentadamente.
As normas de Direito Internacional, assim como as de Direito Interno, visam à
promoção da sensação de equilíbrio expressa pela paz social que toda nação deva
29
conter, sendo fonte de afirmação de seus princípios e ideais como Estado de direitos
e deveres, emanados pela função política.
Como bem diz Alberto do Amaral, o adensamento da jurisdicionalidade não
afasta a função política e diplomática inserida na atuação do órgão solucionador de
litígios (AMARAL JÙNIOR, 2008, p. 105), em que no vértice diplomático abre-se
alternativa de autocomposição dentro dos bons ofícios, podendo ter a participação
do diretor geral como conciliador, e até mesmo a interrupção da atuação do painel
para que ele mesmo promova a negociação, concluindo-se pelo reconhecimento das
partes na necessidade de manutenção das relações comerciais clarificadas.
De grande monta é o reconhecimento da analise política e jurídica dos temas
abordados, dentro da divisão administrativa da Organização Mundial do Comércio.
Os painéis em conjunto com o Órgão de Apelação devem ater-se ao mundo jurídico
das normas, enquanto ao Órgão de Solução de Controvérsias, recai a reunião de
todos os membros participantes para o exercício da função administrativa e
fiscalizatória das execuções de decisões, sendo em sua essência, primordialmente,
política.
Na atualidade, mesmo com toda paramentação normativa, ainda o sistema de
solução de controvérsias tende a dois caminhos pacificadores: um incentivando a
informalização, e outro, a promoção da jurisdicionalização. Neste sentido, o primeiro
proporá à mediação entre as partes com fulcro ao emprego de todos os esforços
necessários pelos entes, para que diante de um impasse mútuo, possam acordar e
recompor o sistema de livre comércio. O segundo tende a resolução por meio da
aplicação de regras e fontes legais comuns sobre os desentendimentos
internacionais.
Como mesmo afirma Celso Lafer, a regulamentação de normas e regras
comerciais não visa o distanciamento entre jurídico e diplomático, mas sim uma
integração política de coexistência entre dois entendimentos que não podem se
desassociar, mas de outro modo, se adensar. (LAFER, 1999, p.75-79 apud AMARAL
JÙNIOR, 2008, p. 103).
Cabe indicar que a atuação da Organização Mundial do Comércio por meio
da qual a legitima como terceiro imparcial na análise das controvérsias
internacionais detém o devido caráter jurisdicional que emana do complexo poder
judiciário, com a respectiva promoção do devido processo institucional, imbuído de
contraditório e ampla defesa, emanadora de princípios internacionais e normas
30
vinculadoras, a obrigatoriedade de submissão à sua competência conforme
celebrado em acordo inclinado à constituição de um juizado competente,
cumprimento de suas decisões associadas à possibilidade de exequibilidade,
indicação de possibilidade de revisão por uma instância superior, e como o próprio
Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias
remete:
Artigo 3.2 O Sistema de Solução de Controvérsias da OMC é elemento
essencial para trazer segurança e previsibilidade ao sistema multilateral de
comércio. Os membros reconhecem que esse sistema é útil para preservar
diretos e obrigações dos Membros dentro dos parâmetros dos acordos
abrangidos e para esclarecer as disposições vigentes dos referidos acordos
em conformidade com as normas correntes de interpretação do direito
internacional público.
Em consonância a formação de normas amplamente aceitáveis e atualizadas,
a alguns princípios específicos fazem jus menção neste momento.
Enobrecendo os ensinamentos de Fiorati (2006) em importante contribuição
ao tema, podemos iniciar pelo controle da discriminação a mútua coexistência entre
os Estados, segundo o princípio da nação mais favorecida atualmente conhecido
como tratamento geral de nação mais favorecida. Esta extensão de vantagens e
privilégios cedidos a todos em decorrência da concessão a um dos membros, têm
efeitos sóbrios principalmente na minimização do regionalismo tão combatível.
Os demais princípios então diretamente associados ao entendimento do
princípio acima exposto. O principio do tratamento nacional ou não discriminação
entre produtos quer consagrar a regra da não diferenciação quanto a produtos
nacionais e importados já internalizados no território comercial.
Já a lista de concessões, tido como principiológica, abarca a extensão de
concessões necessárias aos integrantes da organização independentemente de lista
previa fornecida no ato de adesão ao Acordo da instituição da organização. Vem
como facilitador a fluidez do comercio.
Outro é o que garante publicidade e coletividade aos atos emanados da
entidade, conforme o principio da transparência, impondo o dever de informação em
eliminação a promoção da individualidade de interesses setoriais.
E, como proibitivo a imposição de quotas e barreiras tarifárias autoritárias, o
princípio da eliminação das restrições quantitativas, que apesar de exceções quanto
a sua aplicação decorrentes da necessária proteção do bem estar coletivo e da
31
garantia de existência de situações particulares que causem prejuízo potencial, tanto
econômico financeiros, quanto a vida em comum, tenham de serem reconhecidos na
orientação interpretativa conforme a verificação de alguns temas questionados.
De tal sorte, ainda requer mencionar a idéia de que a Organização Mundial do
Comércio promova não só um procedimento oferecedor de fim a contenta entre as
partes, mas de modo amplo, reflete uma verdadeira análise de legalidade, sob a
ótica de favorecimento e efetivação do principio da legalidade de acordo com os
interesses de toda a coletividade, direta e indiretamente, afetadas por meio de suas
recomendações.
32
3. PROCESSO
E
PROCEDIMENTOS
NOS
LITÍGIOS
ECONÔMICOS
INTERNACIONAIS UTILIZADOS PELA OMC.
Com a instauração da Organização Mundial do Comércio, advinda da rodada
do Uruguai, o mecanismo de resolução de litígios se mostrou como desenvolvimento
das regras utilizadas pelo Acordo Geral de Tarifas e Comércio ao longo de sua
existência, configurando um método ainda mais preciso e seguro, com prazos
estipulados visando maior celeridade no trâmite das interfases, e ainda uma
instância de apelação harmonizadora dos entendimentos jurídicos adotáveis, porém
ainda dando o devido valor às conciliações promovidas pelos litigantes.
Todo o entendimento relativo à sistemática aplicável, em resposta aos
conflitos comerciais, está disposto no Acordo de Marrakesh, onde se encontra o
meio pelo qual se dá inicio a análise casuística da lide, seu desenvolvimento,
legitimidade para atuação, procedimentos para emitir suas recomendações finais e a
possibilidade do questionamento recursal caso haja descontentamento relevante de
um membro atuante.
3.1.
DAS CONSULTAS BILATERAIS
As formalidades procedimentais constantes do Entendimento sobre Solução
de Controvérsias se iniciam quando da verificação preliminar por um dos membros,
de supressão, mesmo que parcial, de alguma benesse relativa aos acordos tarifários
da organização.
Esta fase, que é obrigatória, prevista no art. 4º do Entendimento sobre
Solução de Controvérsias, visa a estabelecer o primeiro vinculo entre as partes
conflitantes, de modo a forçar uma análise mais especifica de cada violação
proposta.
Mesmo diante de tal fase, ainda se quer fomentar a composição entre as
partes por meio de bons ofícios, arbitragem, conciliação, e tudo quanto possa
resultar a uma solução comum aceitável, que por si, torne inviável o estabelecimento
de futura contenda.
33
As consultas solicitadas devem ser escritas, com todos os argumentos que
demonstrem as possíveis violações imputáveis aos membros que fazem o uso das
medidas prejudiciais ao equilíbrio do comercio internacional, incluído os possíveis
embasamentos legais, concluindo no apontamento de infração a um acordo
integrante da OMC.
A solicitação desta fase deve ser prontamente encaminhada ao secretariado
da OMC, com remessa aos possíveis Conselhos e Comitês auxiliares de relevância
ao caso, assumindo a partir disso, o caráter público dos atos praticados.
Pontualmente, poderá haver o interesse de terceiros não indicados na
solução de consulta original. Neste caso, desde que haja interesse comercial e
substancial na lide, poderá este terceiro, com a devida anuência do demandado,
dentro de dez dias da formalização da consulta, formular requerimento às partes e
ao Órgão de Solução de Controvérsias, para integrar formalmente a análise
casuística. Em havendo recusa, embora não haja um recurso previsto, nada impede
que dos interesses relativos aos fatos advenha uma nova proposição de consulta,
agora como polo ativo, o interessado, demonstrando seus fundamentos de direito.
3.2.
DOS GRUPOS ESPECIAIS
Do dia em que houve a solicitação de consultas bilaterais até os 60 dias
subsequentes, fica aberto o período para autocomposição das partes.
A partir de então, pode o membro demandante solicitar a formação de um
Grupo Especial de peritos para verificar o caso e emitir um relatório com as
recomendações necessárias ao encerramento da violação.7
Este grupo é formado, em regra por três peritos, que são denominados
“painelistas”. Cada painel, será indicado pelo Secretariado da OMC, não podendo as
partes recusarem as indicações, desde que hajam motivos de relevância que
mostrem o contrário. Neste caso, as partes podem compor o grupo, mediante
acordo, com até cinco indivíduos reconhecidamente qualificados e com notórios
7
A única forma de obstar a formação do Grupo Especial é da pelo consenso de todos os membros do
Órgão de Solução de Controvérsias, inclusive com manifestação do próprio demandante, diante da
sua desnecessidade.
34
conhecimentos à questão controversa, podendo ser nacional ou não de uma das
partes, ter ou não vínculos governamentais, mas o que se deixa claro é que a
indicação do Secretario é meramente uma sugestão política para evitar mais
conflitos.
Mesmo não havendo acordo quanto à formação, em até 20 dias do
estabelecimento da intenção de composição do grupo, o Diretor Geral da OMC,
poderá intervir e indicar sob sua responsabilidade os indivíduos que atuarão como
painel no caso, após ouvir minuciosamente o Presidente da OMC e os Presidentes
dos Conselhos e Comitês relacionados à questão.
A atuação do Grupo Especial tem por fim auxiliar o Órgão de Solução de
Controvérsias quando da prolação de sua decisão à luz do acordo suscitado. Já na
inicial de formação do grupo, o ente demandante pode indicar o ponto essencial à
causa, que mereça maior atenção na análise, direcionando o trabalho dos peritos
aos fatores centrais do problema, favorecendo a celeridade e precisão dos
resultados.
Todo o procedimento de atuação do Grupo Especial está descrito no
apêndice 3 do Entendimento sobre Solução de Controvérsias. Há também a
possibilidade de que se faça uso de procedimentos especiais diversos dos contidos
no Entendimento, mas neste caso, ouvem-se as partes, mensuram-se os prazos
para não os dilatar além do já estipulado e demonstram-se as motivações.
Mas no geral, o demandante submete sua petição reclamatória com suas
explanações, fundamentos de fato e de direito que validem suas interpretações,
seguida da petição do demandado. Normalmente é dada as partes um prazo comum
que culmine na apresentação concomitante das suas petições. Quaisquer outras
interpelações deverão ser concomitantemente submetidas ao grupo.
Há no posicionamento emitido pelo Grupo a necessidade de proteção às
opiniões individuais, até mesmo como proteção àquelas que forem contrarias aos
resultados deliberativos, surgindo o pressuposto de confidencialidade dos atos
periciais.
Da formação do Grupo Especial até a emissão do relatório com as questões
fáticas e jurídicas advindas do caso, não excederão 6 meses corridos. Após a
elaboração, e dentro deste mesmo prazo, antes da sua publicidade, serão enviadas
cópias as partes envolvidas para que realizem as analises preliminares de todo o
texto, e refutem os pontos controversos. Em seguida, é feita a emissão do relatório
35
final e divulgação aos membros integrantes da OMC para que nos 20 dias
subsequentes seja apreciado pelo Órgão de Solução de Controvérsias para
efetivamente ser adotado, em não surgindo objeção ao seu conteúdo por
unanimidade dos membros.
O prazo para adoção do relatório é de 60 dias após a divulgação a todos os
membros da OMC, exceto se algum integrante manifestar interesse de contrapor a
decisão.
Os terceiros interessados poderão ser ouvidos em audiência desde que
demonstrem interesse substancial e notifiquem previamente em 10 dias da formação
do Grupo Especial ao Órgão de Solução de Controvérsias por meio do Secretariado
da OMC. Há a possibilidade de manifestação de interesse na reunião de formação
do Grupo Especial, inclusive por meio da oralidade. Deste modo, fica garantido
direito de participação e manifestação oral nas reuniões, receber as primeiras
petições interpostas pelas partes, e tantos outros atos que sejam essenciais ao
deslinde da questão e reconhecidos pelo Grupo Especial.
Mais uma vez, frise-se que mesmo após a instituição do Grupo, as partes
podem acordar sobre os pontos divergentes paralelamente aos trabalhos periciais,
garantida a divida confidencialidade à transigência. Neste caso, sendo anterior a
divulgação do relatório dos especialistas, os termos finais dos “painelistas” se
limitarão a explicitar as questões de fato e a solução elaborada pelas partes.
3.3.
DA PREVISIBILIDADE DO LITISCONSÓRCIO INTERNACIONAL
Há nas controvérsias analisadas pela OMC a identificação da figura do
litisconsórcio como forma de propiciar ainda mais a participação de possíveis
interessados que não se contentem na manifestação como terceiros na lide.
Em geral o litisconsórcio se da no polo ativo, em que demandantes se
agrupam desde a solicitação de consultas, como forma de maximização dos
resultados objetivados contra o ato violador do membro demandado8.
8
Como menciona Mauro Sergio de Araujo Braz, havendo varias reclamações distintas contra um
mesmo membro em torno da mesma violação, far-se-á a reunião das reclamações para submissão a
um Grupo Especial único. Em observação adicional de meu entendimento, tratar-se-ia de um
36
Nada impede que também se dê o litisconsórcio no polo passivo, sendo modo
de combate ao excesso de litígios que tratam da mesma causa de pedir e de
favorecimento à coerência e a harmonização das decisões adotadas.
Em tese, a sugestão de manifestação na controvérsia como terceiro
interessado garante menos direitos, por exemplo, não ser obrigatoriamente
considerado na elaboração das recomendações, impossibilidade de fazer uso
recursal na implementação das sanções e decisões, possibilitando, contudo, que
haja a interposição de uma nova proposta litigiosa para reanalise do caso como
demandante se advier prejuízos relevantes, devendo ser utilizado o mesmo painel
inicialmente convocado. Cabe na escolha de como atuar na controvérsia, a
avaliação dos possíveis demandantes quanto a possibilidade de sucumbência de um
membro ser maior ou menor que do litisconsórcio, e do momento em que a
solicitação de consultas é interposta.
Prevê o trecho do acordo que trata da atuação de múltiplos demandantes (art.
9.1), que sempre que possível, em ocorrendo mais de uma reclamação sobre o
mesmo objeto, as ações serão apreciados por um único grupo especial composto
por integrantes comuns, desde que as audiências ainda não tenham ocorrido. Na
impossibilidade de grupo especial único, poderá opta-se pela formação de grupos
distintos a cada caso, porém com integrantes comuns a todos os referentes ao tema.
A justificativa recai no conhecimento sobre a questão controversa já adquirida e na
harmonização dos resultados como modo de fortalecimento e previsibilidade do
sistema.
3.4.
DA APELAÇÃO
O Órgão de Apelação previsto no tratado de Marrakesh proporcionou o
surgimento de um importante método ainda mais apurado de incentivo a
confiabilidade das soluções submetidas ao crivo da OMC, posto que, nas
metodologias anteriores ausente de previsibilidade estava o duplo grau de jurisdição.
litisconsórcio necessário visto na necessidade de celeridade, economicidade e coerência dos
resultados finais. (BRAZ, 2006, pag. 71).
37
Segundo as normas de funcionamento do sistema de solução de
controvérsias, todos os recursos contra a adoção dos relatórios finais emitidos pelo
Grupo Especial, pelo Órgão de Solução de Controvérsias, cabe a um outro braço
funcional do mecanismo dirimidor de conflitos.
O órgão de apelação tem por objetivo a estreita atenção às questões jurídicas
diante dos tratados da OMC, no tocante a preservação da legalidade, observação ao
principio da continuidade das recomendações em afirmação à segurança jurídica do
mecanismo
e
na
uniformização
de
uma
verdadeira
rama
jurisprudencial
questionadas na órbita dos Grupos Especiais.
A composição do Órgão de Apelação é feita dentre um universo integrado por
7 indivíduos, com mandados de 4 anos, indicados de acordo com os métodos
usados na escolha dos “painelistas”, podendo serem reeleitos para mais um mesmo
período, deter os conhecimentos necessários às questões de direito da OMC, sem a
necessidade de algum vinculo governamental o outra imposição quanto a
nacionalidade, devendo a renovação ocorrer com novas indicações em períodos
cíclicos de dois anos citando 3 ou 4 novos possíveis integrantes.
Quanto à apreciação da apelação, serão usados grupos de três dos sete
indivíduos, escolhidos de acordo com as necessidades do caso, segundo
procedimentos e critérios sigilosos, seguindo o regimento interno da entidade,
garantindo assim que as apreciações e expectativas geradas com a interposição dos
recursos sejam harmônicas e não personificadas.
Podem fazer uso deste ato processual somente aqueles que atuaram como
polo litigante ao longo dos trabalhos do conjunto “painelista”. Demandantes e
demandados detém a possibilidade, inclusive, de fazer uso em concomitância caso
ambos discordem da posicionamento emitidos nos relatórios finais.
Aos terceiros interessados, embora não possam apelar formalmente, ficam
garantidas o direito de petição e de requisição de audiências que sejam
imprescindíveis ao esclarecimento dos fatos, de acordo com a anterior autorização
obtida para figurar na lide.
Embora sem previsão legal, o terceiro que apenas deseje participar do
momento recursal, poderá interpor seu pedido como amicus curiae, embora ainda
esteja passível a discricionariedade do Órgão de Apelação.
38
Como modo de garantir a participação no ambiente recursal, o terceiro deverá
praticar um dos seguintes atos, como exprime Mario Sergio Araujo Braz (BRAZ,
2006, pag. 60-83):
i.
Dentro dos 25 dias subsequentes à notificação do termo de apelação,
apresentar sua petição, garantindo sua presença em audiência e participação
conforme ativa nos debates;
ii.
Caso não peticione, dentro dos mesmos 25 dias, remeta ao Secretariado do
Órgão de Apelação uma notificação como garantia de participação;
iii.
Se não peticionar nem comunicar o Secretariado dentro dos 25 dias, mas
remeter o mais breve possível ao Órgão de Apelação notificação escrita com
suas intenções colaborativas, será avaliada a sua presença e possibilidade de
manifestação;
iv.
E por último, se não peticionar nem comunicar o Secretariado dentro dos 25
dias, porém notificando o respectivo Órgão, será avaliada a sua participação
como observador passivo da lide.
Dentre as características básicas pertinentes aos recursos na OMC é a
possibilidade de em havendo interesse, poderá a parte a qualquer momento desistir
do prosseguimento do recurso, refletindo a ideia de que a composição das partes
ainda possa ocorrer. Alguns autores (BRAZ, 2006, p. 76), remetem a ideia de que a
possibilidade de desistência do recurso pode se dar pelo crescente reconhecimento
por todos os membros da OMC da previsibilidade das decisões de acordo com a
coerência de sua jurisprudência emanada e em louvor a economicidade dos
trabalhos.
Outra é a conferência do efeito suspensivo às decisões do Grupo Especial
que forem alvo de apelação, impossibilitando a adoção do relatório imediatamente.
Assim sendo, no decorrer do prazo recursal, que não ultrapassará 60 dias, via de
regra, com a possibilidade de mais 30 dias quando o prazo for considerado
insuficiente pela autoridade, não haverá a matéria transitada em julgado por assim
dizer.
Também é uma tendência da atuação do Órgão de Apelação o exercício do
collegiality, que consiste na comunicação dos três membros selecionados para
análise do teor recurso com os demais indivíduos do Órgão de Apelação,
39
possibilitando que todos tenham acesso a um relatório preliminar passível de
discussão pelo grupamento, visando harmonizar e dar mais coerência com a
jurisprudência internacional da OMC.
Após a emissão do entendimento referente a análise dos recursos e sua
disponibilização aos demais membros, deverá o Órgão de Solução de Controvérsias
decidir sobre sua adesão ou rejeição, ficando esta ultima submetida ao consenso.
Se da análise final resultar pela inviabilidade de adoção, será requerido ao
demandado que exponha suas razões de acordo com o relatório demonstrando a
ausência de violação do acordo e possíveis recomendações práticas.
Por fim, o prazo de duração de toda a análise de controvérsias, desde a
formação do Grupo Especial até o deslinde da verificação apelativa, não
ultrapassará 9 meses (art.20 ESC).
3.5.
DE EXPECTATIVA DE EXEQUIBILIDADE DAS DECISÕES
Em decorrência da adoção do relatório final pelo Órgão de Solução de
Controvérsias, gera-se a expectativa de que as normas integrem o mundo dos fatos.
Como modo fiscalizativo aos entendimentos proferidos, cabe a todo o grupo zelar
pela efetividade dos trabalhos realizados, em especial demandante e demandado.
Conforme a própria legislação se mostra, o membro demandado deve se
manifestar de acordo com as medidas que pretende adotar, em 30 dias, como
afirmação à adesão dos resultados da contenda.
A sistemática apresentada para submissão às recomendações requer que
sejam as medidas resolutivas
efetuadas de modo imediato, reequilibrando as
relações comerciais afetadas. Porém, deve-se levar em consideração que a
imediatividade fica condicionada ao que o direito interno de cada país membro
determine, mesmo porque, a sustação de um ato violador internacional se delimita
dentro da especificidade política que a emanou, podendo fazer necessário o debate
legislativo interior.
Mas em geral, se recorre a alguns prazos como a própria sugestão de criação
da OMC já delimita, em confirmação aos princípios da celeridade e da razoabilidade
40
dos atos. Assim, pode o próprio violador apresentar prazo conforme uma justificativa
que atenda aos interesses coletivos, ou a partir da adoção do relatório final pelo
Órgão de Solução de Controvérsias, contam-se 45 dias para produção dos
resultados, e, por fim, em havendo a interferência da audiência arbitral, que não
ultrapassará 90 dias, tal prazo de conformidade com as medidas deverá ser
implementado em até 15 meses.
A previsão da interferência arbitral se justifica caso traga ainda mais
benefícios a ordem comercial do que se fosse utilizado o meio solucionador da
OMC. Além do consenso entre as partes e da previa comunicação aos demais
membros internacionais, impõe-se o esclarecimento das regras a serem utilizados
arbitralmente, para validação do laudo final que
deverá ser submetido aos
comentários do Órgão de Solução de Controvérsias e dos respectivos Comitês e
Conselhos atinentes ao caso, fazendo a adequação aos entendimentos da
organização. Ficam garantidos, neste caso, os direitos de socorrerem-se os
membros dos recursos fiscalizatórios e retaliatórios quando da não adimplência dos
resultados obtidos.
Esse processo de fiscalização da prática dos resultados finais adotados, visa
a fundamentação para que em não ocorrendo a positividade de adesão, mostre a
necessidade de uma imposição negativa, sancionando o membro violador.
Passado o prazo estipulado, pode o vencedor da lide, solicitar a notificação do
vencido para que se justifique ou apresente alguma proposta, juntamente com a
composição de uma novo grupo, chamado Grupo Especial de Cumprimento (do
inglês, compliance painel), que sugere ser o mesmo da análise ocorrida em primeira
instância . Tal solicitação é obrigatória, e será estudada em até 90 dias pelo Grupo.
A princípio, mesmo o descumprimento sendo evidente, o demandante deve
solicitar a notificação do demandado para que se justifique e ofereça uma
contrapartida substitutiva à omissão de incentivo ao reestabelecimento do comercio
internacional. Caso não haja qualquer acordo resta, conforme o art. 21.3, nos 20
dias seguintes ao término do período de implementação, ao vencedor solicitar a
medida punitiva cabível, ou seja, a suspensão dos Acordos vigentes e seus
benefícios.
Ao vencido somente lhe assiste o direito de questionar a proporcionalidade
das medidas desfavoráveis compondo um juízo arbitral mensurador de valores
econômicos, e impositor de um efeito suspensivo aos atos do vencedor, até que
41
efetivamente sejam afirmadas e reconhecidas as pretensões. Aqui também, fica
estabelecida a possibilidade submissão dos laudos arbitrais ao crivo do
entendimento do Órgão Solucionador de Controvérsias.
42
Figura 5 – Organograma procedimental da análise de controvérsias na OMC.
DEMANDADO
DEMANDANTE
RESPOSTA
EM 10 DIAS
INICIO DE
CONSULTA
DE BOA FE
EM ATÉ 30
DIAS
SOLUÇÃO
MÚTUA
TERCEIRO
INTERESSADO:
10 DIAS
CONSULTAS
BILATERAIS
60 DIAS
GRUPO
ESPECIAL
INDICAÇÃO DE NOMES PELO
SECRETARIADO
REJEIÇÃO: ESCOLHA PELAS
PARTES
20 DIAS
GRUPO ESPECIAL
CONSTITUIDO
RAZÕES DO DEMANDANTE
RELATÓRIO
PROVISÓRIO
RELATÓRIO FINAL
ESCOLHA PELO DIRETORGERAL: INFORMAR AS
PARTES EM ATÉ DIAS
RAZÕES DO DEMANDADO
RAZÕES DO
TERCEIRO
43
ENVIO AS PARTES
RAZÕES DE
OBJEÇÕES:
10 DIAS
ANTES DA
REUNIÃO
20 DIAS
SUMISSÃO AO
ÓRGÃO DE
CONTROVÉRSIAS
PARA
APROVAÇÃO
PRAZO CORRIDO: 9 MESES ADOÇÃO
REUNIÃO DE ADOÇÃO: 60 DIAS
APÓS RELATÓRIO FINAL
RECURSO
REJEIÇÃO
30 DIAS
ÓRGÃO DE APELAÇÃO
60 DIAS + 30 DIAS
REUNIÃO DO
ÓRGÃO DE
CONTROVÉR –
SIAS:
EXECUÇÃO
30 DIAS
PRAZO CORRIDO: 12 MESES
RELATÓRIO FINAL DO
RECURSO
REMESSA AO ÓRGÃO DE
CONTROVÉRSIAS
ADOÇÃO
IMEDIATA
REJEIÇÃO: 30
DIAS APÓS DA
APRESENTAÇÃO
44
DESIGNAÇÃO DE ARBITRAGEM
AVALIATIVA DE EXECUÇÃO: EM 90
DIAS
IMPLEMENTAÇÃO DAS
MEDIDAS EM
45 DIAS
RESPEITAR: MÁXIMO DE 15 MESES
CUMPRIMENTO DA DECISÃO: NÃO
EXCEDER 15 MESES
(EXCEPCIONALMENTE 18 MESES) DO
DIA DE CRIAÇÃO DO PAINEL
PROPOSTA DE
COMPENSAÇÃO:
ATÉ 20 DIAS APÓS
EXPIRADO O
PRAZO
RELATÓRIO
90 DIAS
HAVENDO DIVERGÊNCIA: PAINEL DE
ARBITRAMENTO PARA ANÁLISE DAS
MEDIDAS
6 MESES
REUNIÃO AVALIATIVA
DE CUMPRIMENTO DO
ÓRGÃO DE
CONTROVÉRSIAS:
DEMANDADO ENVIA
RELATÓRIO 10 DIAS
ANTES
AUTORIZAÇÃO
PARA RETALIAR
30 DIAS
AUTORIZAÇÃO
OU REJEIÇÃO
ARBITRAGEM
DECUMPRIMENTO
VERIFICADO
VERIFICAR SE HOUVE
PROPOSTA DE
COMPENSAÇÃO 20
DIAS APÓS EXPIRADO
PRAZO DE
CUMPRIMENTO
RELATÓRIO 60 DIAS
45
Figura 6 – Estrutura administrativa da Organização Mundial do Comércio.
Fonte: World Trade Organization (2012)
46
4. IMPLICAÇÕES
DAS
MEDIDAS
ECONÔMICAS
DESFAVORÁVEIS
APLICAVEIS A UM ESTADO - SANÇÕES ECONÔMICAS ADOTÁVEIS NA
ÓRBITA INTERNACIONAL.
A acepção do termo sanção pode ter vários significados, principalmente
dentro dos ramos do Direito, com o intuito de caracterizar uma punição para aquele
que infringir determinada norma jurídica, agindo de modo diverso a razoabilidade do
entendimento fático.
Para o professor José de Oliveira Ascenção, a sanção jurídica é: “Uma
consequência desfavorável normativamente prevista para o caso de violação de
uma regra, e pela qual se reforça a imperatividade desta”. (ASCENÇÃO, 2001, p.
55.)
De acordo com o professor Maurício Benevides Filho, a sanção dentro das
várias acepções etmologicas:
Representa a consequência positiva ou negativa prevista em lei para
determinado ato praticado por um indivíduo. Realizada certa ação ou
omissão prevista na norma jurídica, a retribuição será a aplicação de uma
sanção igualmente nela prevista, podendo ser uma punição (pena) ou um
incentivo (prêmio). (BENEVIDES FILHO, 1999).
A sanção econômica na órbita internacional se reveste do caráter diplomático
necessário à manutenção dos diálogos resolutivos de todos os entraves formados
no meio comercial, formando uma variedade de expressões que procuram
demonstrar o verdadeiro sentido da pretensão punitiva proposta pela metodologia
procedimental adota pela OMC.
Dentre as principais expressões notadamente relacionadas ao tema,
obtemos: suspensão de concessões e outras obrigações (conforme o texto do
próprio Acordo, em seu art. 22), contramedidas (normalmente utilizada no
entendimento jurisprudencial), retaliação (terminologia doutrinária), sanção ou
sanção comercial (doutrina), e em homenagem à fiel letra do Acordo, há menção à
expressão suspension of concessions. (BRAZ, 2006, p. 88-89).
De toda sorte, o sentido que ser quer expressar, independentemente do termo
utilizado, refere-se à possibilidade que tem um membro da OMC de se posicionar de
modo diverso ao previamente objetivado pelo grupo comercial, em decorrência de
47
uma ação danosa praticada por outro membro (que é o ponto de justificativa), que
implique em diminuição ou supressão de uma vantagem tarifária, flagrantemente
interferindo no equilíbrio das relações comerciais.
Indica, consequentemente, a perda de privilégios econômicos em decorrência
de danos ocasionados pelas práticas prejudiciais adotadas por países em suas
relações comerciais, possuindo relevância moral na grande maioria das vezes, com
o objetivo de privar o infrator de todos os privilégios proporcionados pela
participação no bloco comercial.
O método busca atingir o membro violador de tal modo que, o
constrangimento causado e as perdas comercias, o obriguem a oferecer uma
compensação compatível com as perdas ocorridas, ou proceder a retirada do ato
prejudicial de cena. Para isso, podem-se buscar aumentos tarifários aos já
estabelecidos, suspensão de obrigações mútuas, adesão de novas regras
rigidamente prejudiciais, desestimulação na prestação e contração de serviços, até
mesmo a chamada legislação espelho, refletindo a adoção prática dos mesmos
termos violadores iniciais.
Porém, a execução das contramedidas não estão ao bel prazer daquele que
faz jus ao uso. Devem ser levantadas algumas características relacionadas à
proporcionalidade da infração em relação às retaliações adotadas, ficando a cargo
do Órgão Solucionador de Controvérsias intervir quando da verificação dos
excessos.
Nas linhas elencadas por Mauro Sérgio Araujo Braz (2006), conforme
entendimento dominante, algumas especificidades devem ser observadas quando
se enseje a implementação de contramedidas restabelecedoras da regularidade
comercial, sendo:
i.
A necessidade de formalização do pedido ao Órgão Solucionador de
Controvérsias para suspensão ou diminuição das vantagens, bem como
discriminação de medidas e liquidação dos valores a serem considerados na
verificação dos danos e compensações, e os meios utilizáveis para
verificação dos montantes;
48
ii.
A desnecessidade de anuência da parte sucumbente para que o vencedor da
lide possa dar inicio às contramedidas, ou mesmo desistir de aplicá-las
(unilateralidade das contramedidas)9;
iii.
As contramedidas são úteis enquanto perdurarem as ações violadoras e o
consequente
desequilíbrio
entre
as
partes
(temporariedade
das
contramedidas);
iv.
A mitigação da cláusula da nação mais favorecida, caso se opte pela
compensação ao setor afetado, pois do contrário, os benefícios se
estenderiam a todos os membros da OMC, distorcendo a pretensão punitiva
(pois não é objetivado a concessão de benesses ao vencedor, mas sim a
punição do sucumbente), podendo, indistintamente, fomentar a ampliação do
mercado do infrator.
v.
Quanto à extensão dos efeitos decorrentes das autorizações de imposição de
sanções comerciais, a doutrina e jurisprudência dominantes mostram-se a
favor da manifestação ex nunc10, iniciando-se a partir do término de prazo
estabelecido de adoção das recomendações dos painéis ou do Órgão de
Apelação;11
vi.
A consideração de que a contramedida deva se dar no mesmo setor
(estabelecido nos entendimentos da OMC como setor de bens, de serviços e
de propriedade intelectual) de abrangência da violação efetuada pelo
demandado (art.22.3); Ou em casos mais graves, a possibilidade da prática
do carrossel, que consiste na alteração dos setores alvo da retaliação,
periodicamente, visando diversificar a aplicação das contramedidas pelos
setores existentes entre partes envolvidas;
vii.
A possibilidade de extensão da contramedida a Acordos diversos dos ora
questionados (cross-retaliation), sempre que tornar-se excessivamente
oneroso ao demandante a prática da retaliação no mesmo setor.
9
Não se quer usar da discricionariedade do membro para a ação retaliar, pois assim ausente estaria
a necessidade de autorização para início da sanção.
10
EC-Hormones, EC-Bananas, Brasil-Aircraft, US-Foreing Sales Corporations, Canada-Aircraft, USByrd Amendment: Brazil, Canada, Chile, India, Japan, Koreia and Mexico.
11
Embora haja uma linha doutrinária que fomenta a possibilidade de efeitos ex tunc às sanções, o
ponto médio das discussões implica na análise das características de cada caso para a delimitação
dos efeitos temporais das sanções comerciais.
49
viii.
A indicação do quantum as contramedidas hão de atingir conforme os
princípios da equivalência12 e da utilização da contramedida apropriada13,
cabendo o ônus da prova ao ente acionador do questionamento quantificador
perante a Arbitragem Internacional (ao demandado);
ix.
A opção pela medida retaliadora a ser disposta deverá levar em conta a
possibilidade efetiva de induzir o cumprimento da decisão por parte do
demandado, não restando alternativa, que em comparação, seja mais
benéfica ao violador.
Quer-se, contudo, primar pela supressão de excessos que possam surgir ao
se fazer uso de medidas que caminhem de encontro com políticas externas
desfavoráveis ao sistema, praticadas por nações soberanas, dotadas de presunção
de legalidade em seus atos.
Ressalte-se que se faz uso de determinada sanção, no contexto internacional,
perante outro país membro desde que frustradas todas tentativas de conciliação
entre as partes e, obedecendo ao princípio da proporcionalidade entre o dano e a
retaliação, mediante autorização para fazer uso da medida negativa, impele-se o
transgressor a comportar-se adequadamente aos ensejos de fortalecimento do
sistema comercial, sendo persuadido a não agir de modo diverso ao entendimento
do grupo, sob a condição de imposição de barreira tarifárias aos produtos que
comercialize com Estados estrangeiros.
Em linhas gerais, importa a verificação da equação moldada pelo uso da
sistemática promovida e gerenciada pelo Órgão de Controvérsias da OMC, por
culminar em uma gama de resultados que por ocasião formem preceitos positivos e
por ora negativos.
Neste sentindo, a imposição das regras comerciais internacionais aos
membros acordantes, traz consigo a tão buscada celeridade em relação aos
12
Para efetivar a implementação deste princípio da equivalência previsto no art.22.4 entre a
proporcionalidade da violação e a respectiva contramedida cabível, usa-se o método denominado
counterfactuals, consistente em determinar quais eventos foram suprimos em virtude da violação, e
como poderiam ter se desdobrado caso não houvessem violações fáticas.
13
Há um embate entre jurisprudência e doutrina sobre a relação entre os princípios da equivalência e
da contramedida apropriada. Neste sentido, prevalece a jurisprudência da OMC, estabelecendo que
embora ambos tenham o condão de coibir violações comercias, há a possibilidade de que a sanção
comercial imposta a um membro seja superior ao nível dos prejuízos causados, quando a questão
estiver relacionada com a promoção de subsídios proibidos.
50
sistemas anteriormente adotados, pelo menos com uma proposta estabelecida de
prazos a serem observados por todos os sujeitos atuantes.
A automaticidade com que as decisões possam ser efetivadas e a
unilateralidade demonstram que não mais se requer que a parte demandada dê sua
anuência sobre a questão retaliadora (como era contrário no GATT 47 em evidente
deformação da pretensão) podendo agora a justiça expressar-se formalmente diante
da fonte moral dos atos violadores e, assim, contribuir para maior incitação ao
cumprimento das decisões.
Ainda mais que, o caráter político do Estado-membro que busca litigar pelos
interesses comerciais de seus cidadãos, coerentemente com o padrão de justiça,
tende a mostrar-se cada vez mais sólido e confiável quando prima pela proteção de
seus setores domésticos e pela adequação interna dos tópicos internacionalmente
pacificados. Além de proporcionar uma integração dos grupamentos comercias
interiores no sentido de todos buscarem a unificação e padronização de métodos
para constituição de instrumentos defensivos aos ditames internacionais.
Em contrapartida, ainda existem distorções que podem resultar da fiel
aplicação dos entendimentos solucionadores das controvérsias, como a produção de
custas ao vencedor que tornem o sistema inviável ou oneroso, a superficialidade dos
resultados
produzidos
desenvolvidos
e
que
sobre
não
os
tenham
membros
relação
considerados
de
dependência
historicamente
com
outros,
principalmente quando envolvam países subdesenvolvidos, a não obrigatoriedade
de reparação especifica do meio industrial afetado, a possibilidade de afetação do
mercado interno do demandante provocando a diminuição do seu mercado e a
supervalorização de produtos domésticos ou de qualidade inferior, a ausência de
coercitividade para impor a adesão de suas decisões, quando se opte pelo não
cumprimento expresso dos conhecimentos institucionais, o desenvolvimento de
economias baseadas no protecionismo decorrente das retaliações, que por ser uma
desproporcionalidade necessária, prolongam-se no tempo, e não necessariamente
nos setores prejudicados, e, doutrinariamente a de maior monta, a interferência
externa ao pressuposto máximo regulador do comércio moderno, ou seja, o princípio
do livre comércio decorrente da relação oferta/procura e mútua concorrência.
Fica clarificado o desejo pela busca de uma normatização cada vez mais
sólida e vinculante, diante dos embates internacionais, embora as interpretações
emanadas das várias decisões proferidas ainda deem margem para discussão
51
doutrinária, bem como possibilidades de adoção de métodos punitivos ainda mais
criativos e atualizados, que impliquem no fiel cumprimento as decisões, e
promovam, de acordo com o contexto histórico das relações internacionais, a
evolução dos procedimentos utilizáveis.
Assim sendo, observa-se que a sanção advinda da Organização Mundial do
Comércio, e manifestada através da ação de seus países membros em repúdio à
política prejudicial atacada, com a elevação tarifária de produtos comerciáveis,
requer maior reflexão sobre o fator coercitivo característico de uma decisão judicial,
como se de um tribunal pleno seja, de acordo com a própria proposta de criação
desta organização internacional, ficando, geralmente, adstrita ao meio diplomático
sua adesão prática, aliada ao meio processual para investigação, aferição de danos
causados e indicação da medida aplicável.
52
5. AS
DECISÕES
ADOTAS
PERANTE
A
INTERNACIONALIZAÇÃO
DO
MERCADO - VIABILIDADE DA EXECUÇÃO DA MEDIDA ADOTADA DIANTE
DOS PRESSUPOSTOS DE EFICÁCIA E CONFIABILIDADE DA OMC.
A proposta de regulação do comércio internacional por uma organização que
tenha poderes plenos de atuação na orbita jurídica de diversos países, traz em sua
metodologia a idealização de mecanismos seguros que possam obstar o avanço de
crises mundiais pela exacerbada competitividade que o capitalismo impõe aos meios
econômicos.
Visando tal operacionalidade do sistema, o próprio tratado de criação da
Organização Mundial do Comércio reduziu em seus termos a necessidade de que
todos os países que venham a aderir às regras comerciais ali dispostas devem
ratificar a sua pratica dispondo de ordenamentos jurídicos internos com meios pelos
quais a atuação da organização internacional seja reconhecidamente válida e
praticável objetivando o pleno emprego dos meios e entendimentos obtidos pela
dialética entre os membros.
Assim, expõe o artigo VIII, anexo 1 do tratado que cria a Organização Mundial
do Comércio:
“Artigo VIII - status da OMC
1. A OMC será dotada de personalidade jurídica, sendo-lhe concedida pelos
seus Membros a capacidade jurídica que se afigure necessária para o
exercício das suas funções.
2. Os Membros da OMC conceder-lhe-ão os privilégios e imunidades
necessários para o exercício das suas funções.”
Deste modo, ao mitigar a liberalidade de atuação de cada nação, pelo menos
inicialmente, às disposições do entendimento de uma entidade exterior, torna o ato
positivo/negativo dotado de maior credibilidade e confiabilidade, que são, nas
relações internacionais, as grandes máximas para que não haja o declínio
econômico dos vínculos globais.
À todos os procedimentos elencados no Acordo constitutivo da OMC, e no
tocante aos direitos que se buscam resguardar, houve a expressa idealização de
uma pretensão punitiva, que com o passar dos anos, serviu de base para vários
53
questionamentos em volta do real sentido perseguido pela implantação do sistema
liquidador de controvérsias.
A divergência mais relevante aos tempos atuais, remonta ao fiel objetivo a
que se propõe o uso de contramedidas em desfavor de um Estado descumpridor do
Acordo perante a ordem internacional prejudicada.
Em referencial discussão sobre o núcleo fundamentador das sanções
comerciais, Mario Sérgio Araujo Braz, remete aos ensinamentos de Aurélio Buarque
de Holanda Ferreira, quanto à identificação do sentido latente da expressão
eficiência de uma retaliação:
[...] algo é eficaz quando produz o efeito desejado, ou seja, só se pode
afirmar se a retaliação é ou não eficaz se puder-se verificar que atingiu ou
não o seu objetivo” (AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, 1999,
p. 720 apud BRAZ, 2006, p.164).
Em entendimento comum, o objetivo máximo de uma retaliação é a retirada
do ato ilegal do mundo dos fatos, em decorrência dos decréscimos econômicos e
diplomáticos que a manutenção daquele resulte ao praticante.
Acrescentando aos objetivos almejados de toda e qualquer contramedida, os
fatores de indução ao cumprimento da decisão previamente recomendado e a
retomada do ponto de equilíbrio entre as relações prejudicadas, de modo recíproco,
mostram uma sensibilidade acentuada do legislador em tentar evitar o rompimento
da relações existentes repentinamente, concomitante com a preocupação em não
estimular ações extremistas de auto imposição econômica.
Alude a indução de cumprimento das decisões pelo país demandado, todo um
viés político que propicie o constrangimento de não se submeter à retaliação, seja
por prejudicar o alcance a interesses governamentais no âmbito das relações
externas, em menção à reciprocidade de ação, ou mesmo por promover o demérito
do próprio sistema, quando não existam as práticas sanativas das medidas ilegais
efetivadas, confrontando a promessa de submissão ao Acordo homologado e,
consequentemente, a idoneidade internacional do inadimplente perante sua
participação interpartes.
É sabido que, às normas de direito internacional, abarcam toda a
indumentária atinente à pacta sunt servanda, consagrada nas relações contratuais
de direito privado, minadas no ramo internacional. Por tal, espera-se que o acordado
54
seja fielmente cumprido consoante a previsibilidade esperada dos acordantes, e não
entendimentos diversos ameaçadores a estabilidade financeira arduamente
almejada.
Quer-se, contudo, dar destaque que este ato extremo de manifestação da
reprovabilidade às ações de um Estado, que lhe impute um ilícito comercial,
recaindo na coletividade e,
tangendo à imoralidade, somente será usufruído se
todos os meios pacíficos forem esgotados, mesmo diante da ofensiva promessa
retaliadora ignorada, intencionalmente, como opcional mais favorável ao violador,
observando benefícios e prejuízos, e também a fragmentação da presunção de boafé das partes envolvidas na lide.
Frente à possibilidade de não praticar a recomendação final, emerge a
disparidade entre o poder exercido por cada nação nas relações comerciais diante
de Estados com menor expressividade comercial.
Esta preocupação envolta na delimitação de aplicabilidade do principio de
cumprimento indutivo das decisões, suscitando a faculdade de posicionamento
negativo, se resolve na própria máquina política que atuará na preservação da
confiabilidade, vislumbrada pelo diálogo entre as nações e o órgão mediador como
condição a não regressão para as incertezas e ausências de critérios que não
fomentem coexistência das nações.
Outra questão de destaque aos objetivos aplicáveis à retaliação, como supra
citado, é a busca pelo reequilíbrio entre os conflitantes.
Como já desenvolvido, a ideia central desta ação supressora da violação é a
afirmação do principio da reciprocidade de atuação entre as partes.
Por tal, justifica-se uma atuação negativa se, para combater uma outra, que
inicialmente burlou as regras estabelecidas, faça necessária, atitude ilegal, porém
justa, e por assim dizer, justificável. Esta balança mensuradora de ações quer
recompor os danos causados ao demandante em virtude dos obstáculos causados
pela distorção mercantil utilizada pelo demandado.
Como por bem entender, Judith Hippler Belo, expõe seu entendimento sobre
a magnitude da manutenção entre o equilíbrio dos membros da OMC, afirmando
que: “O único imperativo sagrado na OMC é a manutenção do equilíbrio de forma a
manter o apoio político para o Acordo da OMC pelos membros.” (BELLO, 1996, pag.
417 apud BRAZ, 2006, pag.191).
55
Em conformidade aos questionamentos existentes em torno dos objetivos das
contramedidas, a sensação mais notória é de que a manutenção do equilíbrio
comercial é o gênero composto por espécies praticas como a indução ao
cumprimento das decisões, a oferta de compensação e mesmo a indicação da
sanção mais apropriada à retirada do ato violador de cena.
Art. XXII, inciso 4º [Princípio do equilíbrio]
O nível de suspensão de concessões ou outras obrigações autorizadas pelo
Órgão de Solução de Controvérsias deve ser equivalente ao nível da
anulação ou redução de vantagens.
Nesta linha de raciocínio, poder-se-ia até combater o desequilíbrio gerado
pelo uso desmedido de uma imposição negativa, como por exemplo, um possível
enriquecimento ilícito do demandante gerado por uma receita perdurável ad
eternum, em decorrência do caráter permanente do descumprimento, que não se
consiga efetivamente induzir sua sustação e por consequente não se atinja a
paridade nas relações existentes, fechando na insatisfação dos envolvidos.
Baseando-se na característica de temporariedade correlacionada com a
atuação inicial da organização que é a indução ao cumprimento de suas decisões,
os art. 3.7 e 22.8, trazem a imediatividade de retirada do ato violador em
contrapartida a limitação na perpetuidade de duração da imposição negativa.
Art. III, inciso 7º [Indução ao cumprimento das decisões]
Antes de apresentar um pedido, o Membro verificará se qualquer pedido
apresentado no âmbito desses processos é fundamentado. O objetivo do
sistema de resolução de litígios é o de obter uma solução positiva para um
litígio.
É preferível uma solução mutuamente aceitável para as partes e conforme
aos acordos abrangidos. Na falta de uma solução mutuamente acordada, o
objetivo imediato do sistema de resolução de litígios é normalmente o
de assegurar a supressão das medidas em causa, caso se verifique
que as mesmas são incompatíveis com as disposições de qualquer um
dos acordos abrangidos. Só se deve recorrer à regra da compensação se
a imediata abolição da medida for impraticável e como uma medida
provisória, na pendência da abolição da medida que é incompatível com um
acordo abrangido. O último recurso previsto no presente Memorando de que
dispõe um Membro consiste na possibilidade de o mesmo suspender a
aplicação de concessões ou outras obrigações previstas nos acordos
abrangidos numa base discriminatória em relação a outro Membro, sob
reserva de autorização pelo Órgão Solucionador de Controvérsias das tais
medidas.”(Grifo nosso).
Art. XXII, inciso 8º: Principio da temporariedade
A suspensão de concessões ou outras obrigações será temporária e
só se manterá enquanto a medida que foi considerada incompatível
com o acordo abrangido não for revogada, ou o Membro que deve dar
56
cumprimento às recomendações ou decisões não apresentar uma solução
para a anulação ou redução de vantagens, ou enquanto não for encontrada
uma solução mutuamente satisfatória [...].(Grifo nosso).
Mesmo assim, toda a expectativa de confiabilidade depositada no sistema de
controvérsias em questão, ainda gera em torno da credibilidade e da manifesta
intenção que os Estados participantes têm em promover a existência de um terceiro
capaz de gerenciar a perseguição pela liberalização do comercio internacional. Este
ideal foi inclusive adotado no preâmbulo de criação normativa da OMC.
Desejosos de contribuir para esses objetivos mediante a celebração de
acordos recíprocos e mutuamente vantajosos dirigidos à redução
substancial de tarifas e outras barreiras ao comercio e à eliminação do
tratamento discriminatório nas relações comerciais internacionais. (BRAZ,
2006, p. 200).
Mais um fato que incomoda quando é necessária a efetivação das
contramedidas, é a invasão de imposições externas na legislação e na política
interna dos Estados, prejudicando o exercício da soberania inerente a cada membro.
Soberania que, segundo Del’ Omo (2000), corresponde internamente ao
máximo poder estatal frente aos seus nacionais, e externamente remete ao
nivelamento de poderes e mediante igualdade de condições conforme a múltipla
dependência existente na dinâmica negocial de Estados soberanos. Em seus
ensinamentos quanto à aplicação da norma estrangeira ao direito pátrio, explica que
cada ordenamento jurídico tem suas particularidades, que devem ser observadas e
respeitadas de modo a preservar a ordem pública. Desta forma, é reservado a
qualquer país rejeitar a força normativa estrangeira quando dela implique violação a
ordem pública, que revestida pelos valores morais e políticos, dos quais se
exprimem a soberania nacional e os bons costumes, sejam suprimidos.
Em semelhante delimitação, Dolinger (2008) expõe seu entendimento
pareado com Mancini (2003) afirmando que à vida em sociedade, além do
necessário reconhecimento dos princípios da nacionalidade da pessoa e liberdade
dos atos, o consagrado entendimento do princípio da soberania conduz a aplicação
forçosa das leis do foro cabível, a todos que se encontrem no território de vigência,
sem
distinção,
discricionariamente
as
decisões
políticas
do
governo
reconhecidamente constituído, conforme a oportunidade e conveniência interna.
Mas, se tomarmos soberania como gênero, em um apótema ainda mais
57
específico, pode-se extrair a noção de soberania econômica como modo de
afirmação da independência econômica e tecnológica diante da atuação estrangeira.
Decorre daí temas como defesa da produção nacional, expansão do mercado
interno e externo e formação tecnológica independente.
Vale lembrar que a nenhum membro pactuante ao Acordo da OMC é obrigado
a cumprir todas as regulamentações produzidas na organização, mostrando-se
ausente às recomendações o poder coercitivo 14 do modo como é consagrado no
contexto judiciário, porém, caso haja feito uso da cláusula de subimissão facultativa,
dando pleno consentimento e poderes ao órgão para manifestação, deverá arcar
com o risco econômico ligado a esta intenção, declinando as possíveis perdas
concessivas que resultem das analises desfavoráveis.
Muito embora se queira divulgar o sucesso procedimental das decisões
emitidas, cada vez mais se faz útil a real produção de resultados pelo uso de
sanções mais rígidas, em ensejo a existência de possibilidades diversas a adesão
aos julgados finais. Em termos de soberania, imposições punitivas afrontam a
liberdade política e comercial que já está inserida na noção de Estado reconhecido
internacionalmente.
Teme-se que esta rigidez de tratamento incite a retirada de membros da
organização pela restrição ao um termo fundamental.
Fato é que, a retirada da natureza punitiva da retaliação, suprime por
completa a exigibilidade de indução ao cumprimento das decisões, sendo otimizadas
quando dispostas na intensidade necessária a persecução de um resultado
mutuamente reconhecível.
Sendo assim, os temores reconhecidamente presentes nas relações
internacionais atinentes à possibilidade de rompimento ao mecanismo formulado,
embora de difícil solução, não demonstra qualquer fragilidade intrínseca ao sistema,
visto que, ao vencido em qualquer lide, espera-se, no mínimo, sua manifestação de
14
Observa-se que a punição advinda da Organização Mundial do Comércio, e manifestada através da
ação de seus países membros em repúdio à política prejudicial atacada, com a elevação tarifária de
produtos comerciáveis, carece do fator coercitivo característico de uma decisão judicial, como se de
um tribunal pleno seja, de acordo com a própria proposta de criação desta organização internacional,
ficando adstrita ao meio diplomático para sua adesão prática, aliada ao meio processual para
investigação, aferição do dano causado e indicação da medida aplicável.
58
descontentamento aliada a sua consciência de submissão ao ato em beneficio da
coletividade e da confiança à normatividade aplicada. Não é contrario a este
entendimento, em projeção às contendas de direito interno, a substituição da pessoa
física pela pessoa de direito internacional.
Por óbvio, como não se trata de um tribunal com poderes imperativos e
coercitivos para a imposição de suas penalidades, deve fazer uso de meios
persuasivos que promovam a adequação de todos os integrantes, ficando atenta a
noção de justiça e equilíbrio entre os Estados, para não promover obstáculos ao livre
comércio, indicando o protecionismo de certos integrantes, a promoção desmedia de
sanções inadequadas e, por demais, a interferência na política de cada Estado,
reduzindo a soberania de cada nação e determinação de cada povo como livre no
tocante ao desenvolvimento de seus interesses internos.
Torna-se assim, em termos atuais, uma organização dotada de credibilidade
perante organismos internacionais, e como nota-se, bastante atuante, dentro de sua
proposta
de
ação
no
sistema
de
controvérsias,
qual
desenvolvimento e a liberalização do comercio internacional.
seja
promover
o
59
6. A NATUREZA JURÍDICA DO ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS
DA OMC - CARÁTER DIPLOMÁTICO E/OU DECISÓRIO
Umas das principais preocupações já conhecidas ao logo do desenvolvimento
das técnicas comerciais e dos métodos a serem utilizados para dar resposta aos
embates surgidos em virtude de divergências relacionava-se a necessidade de
superação paradigmática conforme regras contidas em meio à obrigatoriedade
diplomática.
O grande desejo, até mesmo como forma de garantir credibilidade e lógica
diante das diversidades interpretativas, repercutiu na promoção de um complexo
normativo capaz de vincular todos os seus pactuantes à concorrência dos fins
objetivados pela conjuntura internacional, que passou a reconhecer a mútua
dependência aliada às ações independentes que cada Estado pratica em
conformidade à sua soberania.
Em decorrência do desejo de elaboração de uma codificação baseada em
mecanismos legislativos e jurídicos que promovessem o entendimento do
desenvolvimento progressivo das normas internacionais de mutua cooperação
econômica, a aglomeração em um bloco multilateral, dotado de universalidade
normativa e administrativa configurou a interdependência sistemática resultante do
processo de globalização econômica e financeira. Nestes termos, podemos concluir
pela tendência extintiva da total desconsideração e necessária vinculação entre
políticas internas e o comércio de interesse internacional.
Conforme o texto que instituiu a OMC, em seu preâmbulo:
Os
Ministros
representantes
das
partes-contratantes
resolveram
desenvolver um sistema comercial multilateral integrado mais viável e
durável compreendendo o Acordo Geral de Tarifas e Comercio, os
resultados de esforços de liberalização comercial anteriores e todos os
resultados da Rodada do Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais.
(FIOTATI, 2006, p. 70)
Em consonância à mútua interdependência entre os Estados, e concordando
que complexo é um sistema que busque integralizar diversos entendimentos
jurídicos e sócio culturais, a formalização da OMC segundo a vertente do poder
60
fiscalizatório e intervencionista traz de inicio o sucesso obtido pelos membros
idealizadores da organização em promover o processo de liberalização do comercio
internacional. Vera Thorstensen, inteligentemente demonstra este entendimento ao
firmar um vínculo evolutivo das normas internacionais em parceria a mutua
cooperação entre os Estados soberanos.
O cenário atual apresenta uma densa rede de comércio e investimentos,
que evolui de forma a determinar os contornos de operações de comércio
global. Tal fato exige que o comércio de bens e de serviços e o investimento
passem a ser coordenados em níveis multilaterais e que as regras de
condutas dos parceiros comerciais passem a ser controladas e arbitradas
também em nível internacional. Daí a importância da criação e do papel da
OMC – Organização Mundial do Comércio, como coordenadora e
supervisora das regras do comércio internacional. (THORSTENSEN, 1999,
p. 26).
Ante a todo este reconhecimento de mútua dependência formatado a partir da
integração mercantil no pós segunda guerra, frente a crescente interferência
vislumbrada na pacificação dos desentendimentos mundiais, vital torna-se refletir
sobre o caráter diplomático inserido nas históricas negociações entre nações e a
possibilidade de formação de uma norma jurídica que se sobreponha a
particularidade da cada membro em pró da coletividade constituída.
Reconhecidamente o advento das mobilizações internacionais pela formação
de organizações específicas à matéria e as pessoas envolvidas, confirmaram o
surgimento do momento constitucionalista normativo, conforme aglutinação de
regras e princípios limitativos ao comportamento individualizado.
A proposta originalmente instituída no Tratado de Marrakesh resumia todo
debate em torno da prevalecia obrigacional quando por terra caiam as tentativas
pacifistas da autocomposição e abdicação em favor da coexistência solidificada na
conservação dos vínculos relacionais.
Atualmente há um embate sobre a determinação da natureza jurídica do
sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio, ora tida
como prioritariamente diplomática e ora como amplamente jurisdicional diante do
âmbito internacional.
Há ainda o reconhecimento da impossibilidade em se estabelecer como se dá
a determinação dos atos advindos da resolução de controvérsias, indicando uma
natureza mista do mecanismo sanatório, com equilíbrio entre fatores compatíveis,
sendo sui generi.
61
Em defesa dessa relação jurídico-diplomática dos atos emanados da
Organização Mundial do Comércio em relação aos embates comerciais dos quais
possa atuar, Luciano Monti Favaro, cita José Cretela Neto, neste sentido:
O Órgão Solucionador de Litígios apresenta natureza jurídica de órgão
judicante sui generis, de caráter misto ou hibrido, pois atua em três esferas,
isto é, segue alguns mecanismos tipicamente diplomáticos, estabelece e faz
cumprir procedimentos administrativos e é dotado de jurisdição. (NETO,
2003,et al, apud FAVARO, 2011, p. 154).
Em ensejo ao aspecto jurisdicional não houve como se desvincular da
necessidade de manutenção do meio diplomático, mesmo porque as representações
presentes no andamento de cada ato da Organização Mundial do Comércio são
predominantemente políticas.
Mais precisamente, no próprio texto do Tratado há a consideração da
existência passada e reconhecimento futuro das relações jurídicas inerentes as
partes conforme suas práticas costumeiras, o que proporciona uma projeção de
caráter continuo nesta comunhão dúplice identificadora dos atos da organização.
Artigo XVI – Disposições diversas
§1º Salvo disposição em contrário do presente Acordo ou dos acordos
comerciais multilaterais, a OMC será regida pelas decisões,
procedimentos e práticas habituais seguidas pelas Partes Contratantes
no GATT de 1947 e pelos órgãos criados no âmbito do GATT de 1947.
(grifo nosso).
Até mesmo a própria divisão administrativa da Organização Mundial do
Comércio - OMC, mostra a cumplicidade com que os dois aspectos se fazem
presentes diante da prolação de decisões. De fato, o painel e o Órgão de Apelação
atem-se ao mundo jurídico das normas existentes nos tradados analisados, de forma
estrita, evitando acréscimos e supressões de direitos previstos. Em consequência,
nenhuma decisão terá força para produção de resultados, caso não seja aprovada
pelo Órgão de Solução de Controvérsias, que é um colegiado formado por todos os
entes da Organização Mundial do Comércio para administração e controle político
do sistema.
Driblando questionamentos de cunho desvirtuantes, o sistema de solução de
controvérsias buscou fundamento na reunião de mútuos sentimentos tendentes à
obrigatoriedade de produção de resultados, focando ao objetivo primeiro que são as
62
soluções amplamente aceitáveis e praticáveis voltadas a confiabilidade e segurança
que se exprimem no âmbito jurisdicional.
Em breve comentário, Amaral Júnior (AMARAL JÙNIOR, 2008, p. 98), expõe
a duplicidade naturalística na qual a solução de controvérsias internacionais suscitou
ao longo do processo evolutivo das teorias políticas e legalistas. Conforme seus
ensinamentos, a exigência de maior formalidade nos procedimentos com o
estabelecimento de prazos e fundamentos jurídicos que induzissem os contratantes
a adesão das decisões sem necessidade de consenso para exequibilidade,
contrapôs-se a uma característica inerente a qualquer Tratado, ou seja, a
possibilidade de ajustes devido às variações políticas das partes em favor da
manifestação de vontade e interesses relativamente inerente aos envolvidos. E
ainda complementa:
O ESC (Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução
de Controvérsias) combinou a lógica diplomática, que privilegia a
negociação direta entre os interessados, à lógica jurisdicional, com o reforço
das garantias procedimentais e a produção de decisões obrigatórias para as
partes da disputa. Olvidar esse hibridismo é perder de vista muito da
originalidade peculiar ao mecanismo que o ESC delineou. (AMARAL
JÙNIOR, 2008, pag. 103).
De grande importância é perceber que embora decorra de uma análise
totalmente específica ao caso concreto, a decisão advinda dos peritos, ou do
procedimento recursal, e manifestada pelo órgão solucionador de controvérsias, no
próprio
tratado,
é
tida
como
um
relatório
de
expressão
sugestivo
das
recomendações adotáveis pelas partes, como modo de reconhecer a soberania do
tratado, a adesão e a participação no bloco dos Estados, que se impuseram esta
condição voluntariamente.
Em conclusão, embora com todo o trâmite processual indicando a fase
jurisdicional, volta-se todo o caráter diplomático de recomendações e diálogos entre
as nações. E mais, não há qualquer mitigação da soberania dos integrantes, pois ela
já foi absolutamente reconhecida na manifestação livre e consciente de vontade em
participar do sistema comercial.
Em termos de reparação dos danos e de sustação dos ilícitos comerciais,
associado ao fator de proporcionalidade que faz surgir a pretensão punitiva diante
da reprovabilidade do ato, a sanção comercial mostra a atuação jurídica moldada
através da suspensão de concessões ou outras obrigações decorrentes.
63
Esta privação temporária visa a afetar direitos cristalinos do Estado que tenha
invadido e equilíbrio dos deveres e obrigações mútuas, repercutindo o jus puniendi,
consagrado nas normas penais de direito.
Contudo, o direito de punir não se liga ao jus exequendi, devido à inexistência
de atuação obrigacional que se possa usar contra um membro após o término da
demanda. Assim nasce apenas o direito de que o vencedor da lide tenha uma
justificativa para contrapor os atos violadores em sua resposta, conduzida sem agir
em desfavor da coletividade e da sua reputação internacional.
Especificamente, ainda não há como estender a aplicação jurídica com todas
as suas nuances, por ausente se fazer o poder coercitivo decorrente de toda decisão
jurídica.
Em paridade com a exposição presente, decorre a desvinculação do poder
puramente coercitivo para submeter um Estado às recomendações do Órgão
Solucionador de Controvérsias, o que poderia suprimir a Soberania que cada nação
deva deter para ter como válidos e reconhecidos seus atos internacionais, e sua
existência como governo livre e independente.
Mas em virtude disso, através da cláusula de jurisdição obrigatória, espera-se
de cada membro o cumprimento das recomendações, possibilitando a existência
comercial de países e setores com pequena representação internacional.
Conforme descrito nos termos do Tratado, vemos a presunção de “autoexecutoriedade” que o ente violador deve ter para retirar a ilegalidade de cena, por
si, posto a impossibilidade de imposição externa direcionado a um ato interno, e
autônomo, ditando que devem ser extintos por quem os tenha efetuados, restando
ao prejudicado a esperança de que realmente seja dado fim ao ato ilegal. Pode-se
exigir a exequibilidade, mas não há como impô-la senão por decisão política
favorável as partes.
Artigo 22 – Compensação e suspensão das concessões
§1º A compensação e a suspensão de concessões e outras obrigações são
medidas temporárias que se podem adotar caso as recomendações e as
decisões não sejam executadas dentro de um prazo razoável. Contudo,
nem a compensação nem a suspensão de concessões ou outras
obrigações são preferíveis à execução completa de uma recomendação
como forma de tornar uma medida conforme aos acordos abrangidos. A
compensação é voluntária e, se aprovada, deve ser compatível com os
acordos abrangidos.
64
§2º Se o Membro em causa não tornar a medida que foi considerada
incompatível com o acordo abrangido conforme ao mesmo, ou se, de
qualquer outro modo, não cumprir as recomendações e as decisões dentro
de um prazo razoável, esse Membro deverá, se tal lhe for requerido e nunca
após o termo do prazo razoável fixado, entabular negociações com qualquer
parte que tenha acionado os processos de resolução de litígios, com vista a
chegarem a acordo sobre uma compensação mutuamente satisfatória. Se
não for acordada nenhuma compensação satisfatória no prazo de 20 dias a
contar da data em que expira o prazo razoável, qualquer parte que tenha
acionado o processo de resolução de litígios pode solicitar autorização do
Órgão Solucionador de Controvérsias para suspender a aplicação, em
relação ao Membro em causa, das concessões ou outras obrigações
previstas nos acordos abrangidos. (Grifo nosso)
Moldando-se à legalização dos procedimentos, a solicitação formalizada de
autorização para qualquer procedimento retaliatório mostra essencial evolução da
norma, pois evita que a predominância do poder diplomático do membro mais forte
economicamente se sobreponha e sobressaia no envolvimento controverso,
combatendo a retaliação auto impositiva sem negar-lhe a possibilidade política de
manifestação.
Levante-se que de acordo com os objetivos de criação da Organização
Mundial do Comércio, entre os principais itens, ligados a liberalização comercial e à
reciprocidade de comportamentos, a segurança jurídica necessária a efetivação de
investimentos é o alvo perseguido na luta evolutiva dos procedimentos.
Aduz à natureza dúplice, o fato de uma derrota contenciosa trazer
consequências negativas a reputação do membro perdedor, pois nenhum quer ser
visto como sucumbente nem tão pouco sofrer a medida punitiva ocasionada por uma
decisão política interna, particularizada, favorável às suas pretensões, segundo
justificativas próprias e possivelmente válidas em sua legislação, o que de fato deve
ser considerado, e por tal, impossibilitando, assim, a prevalência jurídica sobre a
diplomática em detrimento da manutenção dos vínculos comerciais futuros que
possam ser mitigados.
Assim sendo, a ideia mista referente à natureza jurídica dos atos emanados
pela Organização Mundial do Comércio, por meio de seu Órgão Solucionador de
Controvérsias, passa a ser a mais racional, por não ter como desvincular, segundo o
raciocínio até agora desenvolvido, o âmbito diplomático do caráter jurisdicional, e
vice-versa, até mesmo como respeito à existência e a política de convencimento de
cada nação independente.
65
Recorre-se, portanto, ao entendimento de segurança e regularidade advindos
da continua colaboração e coexistência entre os povos, necessários para que o
acordo expresso pelo Tratado de Marrakesh detenha o status de norma integrante
por cada Estado participante, favorecendo assim o exercício da personalidade
jurídica de direito público internacional, forma essencial de admissão à validade
gerencial, confirmadora do caráter legal, assumido em exaltação ao valor
diplomático, com bem dita o artigo VIII, do citado tratado: “Artigo VIII [status da
OMC]: A OMC terá personalidade legal e receberá de cada um de seus membros a
capacidade legal necessária para exercer suas funções”.
Quanto à necessária existência de normas de regulação atinentes as
atribuídas para atuação da OMC, deve-se mencionar a presença do pactum in
negotiando e do pactum in contraendo trazendo consigo a integração liberalista
associada ao dever de cooperação entre todos os membros.
Em clara jurisdicização de regras jurídicas, a proposta de rompimento com o
sistema puramente negocial, remete as dificuldades enfrentadas pelo jogo político
advindo do dialogo entre representantes governamentais voltados à promoção de
interesses particularizados em suas normas internas. Por assim dizer, o diálogo
puramente diplomático não tem o condão de se impor como norma obrigatória
dentro da particularidade e soberania de cada Estado, gerando com isso a criação
de regras definidas pela máxima: se definido há que ser decidido constituindo um
ciclo de eficácia entre a criação da norma e sua posterior aplicação na produção de
resultados (FIORATI, 2000, p. 71).
Em completa agregação ao fator diplomático, a necessária jurisdicização dos
ares mercantis internacionais, mostrou seu viés quando nas palavras elencadas no
artigo II, em seu primeiro parágrafo, do acordo advindo da rodada do Uruguai:
A Organização Mundial do Comércio fornecerá um marco comum
institucional para a conduta de relações comerciais entre seus membros em
matéria relacionada aos acordos e instrumentos jurídicos incluídos nos
anexos deste Acordo.
Conforme a tentativa de conferir o caráter obrigacional às normas inclusas na
atuação da OMC, o Entendimento utilizado na Solução de Controvérsias elenca a
idealização da chamada jurisdição automática, como garantia de adimplemento dos
acordos pactuados entre os membros integrantes. Assim, fica ao membro
66
prejudicado a garantia de, em havendo comprovado o interesse cumulado com o
respectivo prejuízo, solicitar a criação e manifestação do painel, para que com os
relatórios elaborados sobre o caso concreto, e com aval do Órgão de Apelação,
possam ser reconhecidos pareados com o interesse internacional, em motivação à
adoção de medidas negativas que possam contrabalancear todo o relacionamento
afetado, emergindo a sensação de justiça internacional.
Porém, mesmo com a tentativa normativa em latente crescimento no meio
mercantil externo, ainda vemos presentes, resquícios sólidos dos métodos
diplomáticos servindo como ratificadores às normas legais que por si já deveriam se
impor, investidas de toda a indumentária intrínseca aos atos jurisdicionais válidos.
Digo, se se almeja a criação de um mecanismo dotado de formalidades, em
tendência à necessária existência das normas primárias e secundárias reguladoras
das condutas humanas no Direito, como aceitar que anos após anos, coexistam
obrigatoriedade e facultatividade em afirmações como as mencionadas pela ilustre
professora Fiotati (2006), no tocante a aceitação formal de regras normativas a não
ser que o consenso esteja prejudicado de tal monta que não obrigue a todos. Em
suas letras:
A OMC possui um sistema jurídico formal para a prática do consenso e este
procedimento é previsto no Acordo de Marraqueche art. IX. A regra normal
é a aceitação formal por todos os membros. A menos onde houver
disposição diversa, se não houver possibilidade de consenso a matéria será
submetida à votação, onde cada membro terá direito a um voto e nenhum
membro o direito de veto. Emendas que não alterem os direitos e
obrigações das partes poder ser aprovadas por dois terços dos membros,
embora somente obriguem aqueles que nelas votaram. (FIOTATI, 2006,
p. 75. Grifo nosso).
Claramente temos o reconhecimento de situações específicas, que para não
gerar um mal estar coletivo, e a retirada de membros do bloco, devido a
impossibilidade de cumprimento de alguns termos acordados, em que é cedido aval
estritamente excepcional, o waiver, a não observação da regra geral. Fica previsto
no entendimento um salvo conduto diplomático para desobediência normativa
estabelecida validamente.
Ora, não há como concluir de modo diferente a não ser que, ambos os
institutos, jurídico e diplomático, até então distintos, estão, no presente momento
indissociáveis na atuação da Organização Mundial do Comércio, o que mostra por
um lado a evolução, mas ao mesmo tempo a estagnação diante deste paradigma,
67
que a meu ver mexe profundamente nas fontes do Direito Internacional, servindo a
questionamentos e carecendo de maiores delimitações as gerações futuras
identificadoras do Direito.
68
CONCLUSÃO
A evidência do modo como a humanidade mostra seu desenvolvimento a
partir de momentos de crise é espantosa do ponto de vista da criação de métodos
que possa lhe trazer conforto e paz coletiva.
O surgimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) se mostra pela
necessidade de mútua colaboração entre os Estados, em reconhecimento a
existência da comunidade internacional, sendo esta instituição, o modo pelo qual o
desenvolvimento de sistemas solucionadores de controvérsias se externou após
longos e conturbados períodos de recessão enfrentados pela economia mundial,
contornando as graves instabilidades que permeavam as negociações fundadas
exclusivamente no aparato diplomático de resolução dos conflitos.
Como agente administrador do conjunto de acordos da Rodada do Uruguai, a
Organização Mundial do Comércio assumiu seu papel frente a outras organizações
incentivadoras de políticas econômicas de nível mundial, em tendência ao
necessário corpo institucional, vinculados às práticas legalistas, que possibilitam
uma universalização, concentrada, de entendimentos atinentes às interpretações
normativas/vinculativas e assistidas pelo democrático diálogo exaltado pela
necessária cooperação entre as partes.
A codificação de normas diante do desenvolvimento do Direito Internacional
alia-se a expansão capitalista de modo progressivo, dando condições amplas para
que os detentores de capital no mercado externo possam expandir suas relações
mercantis, a ambientes pouco explorados que se encontravam nesta situação em
decorrência das incertezas jurídicas inerentes aos investimentos monetários,
reforçando ainda mais a noção de comunidade internacional e as vantagens de sua
autodeterminação.
Da natureza puramente contratual, até a atribuição de personalidade jurídica
própria à Organização, o comércio internacional circundou entre as práticas
consensuais, que sem demérito algum sustentaram o comércio entre nações por
longos períodos, culminando na supremacia jurídica garantidora da economia
moderna, consequência direta do desenvolvimento sócio cultural dos povos. Muito
embora ainda não seja possível desassociar estes dois institutos, privilegiando um
em detrimento do outro, o mais inteligível é senão a moderação institucional que não
69
afaste a diversidade política de sua essência, exaltando o positivismo de necessária
dinâmica inter relacional .
De tal sorte, e entendo como modo de aperfeiçoamento metodológico, a
relevância do entendimento do sistema, ora discutido neste estudo, traz em seu bojo
toda uma principiologia a ser considerada, para que o constante processo de
evolução de mecanismos apurem-se cada vez mais, proporcionando a sensação de
justiça tão idealizada por todos, dando credibilidade e previsibilidade aos
procedimentos que anteriormente baseavam-se na discricionariedade altamente
individualizada dos entes.
Identificar, então, se faz necessário à noção vinculativa de uma organização
internacional reguladora dos interesses coletivos de sustentação comercial,
mostrando-se ora como um típico órgão decisório, dotado de processos e
procedimentos, ora com características diplomáticas, tendo relatórios e sugestões a
serem aderidas por seus integrantes, bem como o incentivo a auto composição das
partes em diálogo prévio à lide.
Especificamente, a constituição da norma legal no âmbito da OMC não visa o
rompimento com os costumes alinhavados pelo discurso político das relações
internacionais, mas como muito bem determinado, a proposta é de associação de
forças na busca de decisões amplamente justificáveis e aceitáveis, exaltando a
necessidade de manutenção da estabilidade econômica e da promoção da paz, que
por vários momentos históricos mostrou-se ameaçada pelo crescimento alienado ás
condições humanitárias.
Portanto, caso se deseje atribuir o aspecto predominantemente vigente na
resolução de controvérsias comerciais internacionais, e considerando que embora
nascida da proposta de ampliação da jurisdicionalização em detrimento da
diplomacia, até então insuficiente, ainda não há como decantar as duas forças,
sendo mais prudente, recorrer à natureza mista almejadora de uma normatização
cada vez mais concreta e por isto mais vinculativa na produção de resultados,
conforme a aceitabilidade dos procedimentos e a evolução dos meios comerciais se
mostrem no caminhar dos anos.
Em suma, e dotado da devida vênia, ressalto que a crescente recorrência no
acionamento do sistema de controvérsias da Organização Mundial do Comércio,
mostra que a tendência de globalização dos atos, não mais se estabelece em um
desejo a atingir, distante ao mundo dos fatos, mas por contrário, é um fator
70
vivenciado pelas atuais gerações, a qual faço parte, e que se incumbem desde
então na quebra de paradigmas, como modo de auto afirmação da comunidade
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Diogo Rafael de Arruda - Universidade Católica de Brasília