UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP ANÁLISE COMPARATIVA DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS NOS GOVERNOS FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA LEDA MARA DE SOUZA Orientador: Dr. Carlos Eduardo Sell Itajaí - 2005 1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP ANÁLISE COMPARATIVA DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS NOS GOVERNOS FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA LEDA MARA DE SOUZA Dissertação apresentada à Banca Examinadora no Mestrado Profissionalizante em Gestão de Políticas Publicas da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, sob a orientação do Professor Dr. Carlos Eduardo Sell, como exigência para obtenção do titulo de Mestre em Gestão de Políticas Públicas / Profissionalizante. Itajaí - 2005 2 LEDA MARA DE SOUZA ANÁLISE COMPARATIVA DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS NOS GOVERNOS FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Esta Dissertação foi julgada APTA para a obtenção do título de Mestre em Gestão de Políticas Públicas/Profissionalizante e aprovada, em sua forma final, pela Coordenação do Programa de Mestrado Profissionalizante em Gestão de Políticas Públicas – PMGPP da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Professor Dr. Carlos Eduardo Sell Orientador e Presidente da Banca Professora Dra. Adriana Rossetto Membro Titular da Banca Professora Dra. Rosa Maria Membro Titular da Banca Itajaí (SC), 28 de Novembro de 2005. 3 DEDICATÓRIA Dedico este estudo aos meus amados filhos Adel e Alan, e a meu querido companheiro Sérgio, a quem privei por muitos momentos de minha companhia, e que sempre me apoiaram e compreenderam. 4 AGRADECIMENTOS A Deus, por me dar força, fé e coragem. Ao meu orientador, professor Dr. Carlos Eduardo Sell, pela paciência e humildade em saber me conduzir. Aos professores do Programa de Mestrado. Aos meus pais Hélio e Erica que começaram tudo isso. Aos meus filhos que de uma forma ou outra irão prosseguir nesse caminho do estudo, da dedicação aos ideais e da busca constante por aperfeiçoamento. Ao meu amado Sérgio, companheiro de todas as horas, que soube perdoar o tempo que lhe retirei para a conclusão deste estudo. Ao meu chefe Nei Antonio Cristofolini, que me apoiou e permitiu minhas necessárias ausências para que eu pudesse freqüentar e concluir o Programa de Mestrado. Aos amigos Soiara e Vilmar que dividiram comigo as conquistas do aprendizado e a alegria das viagens, motivando os meus esforços e fazendo com que tudo valha a pena. Ao Denilson, que com sua humildade e conhecimento, me lembrou que quando tudo parece pronto ainda há muito ser feito. E, por fim, a todos aqueles que, mesmo não citados, de alguma forma me incentivaram e colaboraram para a conclusão deste estudo. 5 A humildade é a chave da libertação. (autor desconhecido) 6 DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito e sob as penas da lei, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, o Programa de Mestrado Profissionalizante em Gestão de Políticas Públicas – PMGPP, a Banca Examinadora, o Professor Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Por ser verdade, firmo a presente. Itajaí (SC), 28 de Novembro de 2005. LEDA MARA DE SOUZA Mestranda 7 SUMÁRIO RESUMO................................................................................................................... 13 ABSTRACT ............................................................................................................... 14 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 15 CAPÍTULO I – ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL ..................................................................................................................... 20 1.1O ESTADO E AS POLÍTICAS HABITACIONAIS ................................................. 20 1.2PRIMÓRDIOS ...................................................................................................... 25 1.3PERÍODO AUTORITÁRIO ................................................................................... 32 1.3.1 O Banco Nacional da Habitação (BNH)............................................................ 34 1.3.2 Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) ......................................... 42 1.3.3 Caixa Econômica Federal ................................................................................ 44 1.4 PERÍODO DA DEMOCRATIZAÇÃO ................................................................... 47 1.4.1Reforma Urbana no Brasil ................................................................................. 49 1.4.2 O Estatuto da Cidade ....................................................................................... 52 CAPÍTULO II – ANÁLISE DAS DIRETRIZES DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS DOS GOVERNOS FHC E LULA ............................................................................... 56 2.1 IDEOLOGIAS POLÍTICAS E POLÍTICAS PÚBLICAS NOS GOVERNOS FHC E LULA. ........................................................................................................................ 56 2.1.1 Ideologias políticas ........................................................................................... 57 2.1.1.1 Liberalismo e Neoliberalismo ........................................................................ 58 2.1.1.2 Social-Democracia ........................................................................................ 61 2.1.1.3 Socialismo ..................................................................................................... 62 2.2 GOVERNOS E IDEOLOGIAS NO BRASIL: DE FHC A LULA............................. 64 2.2.1 Pressupostos Ideológicos do Governo FHC..................................................... 64 2.2.2 Pressupostos Ideológicos do Governo LULA ................................................... 68 2.3 DIRETRIZES DA POLÍTICA HABITACIONAL NO GOVERNO FHC.................. 70 2.4 DIRETRIZES DA POLÍTICA HABITACIONAL NO GOVERNO LULA ................. 79 2.4.1 Ministério das Cidades ..................................................................................... 80 2.5 PROGRAMAS HABITACIONAIS FINANCIADOS COM RECURSOS FGTS: CARACTERÍSTICAS................................................................................................. 86 2.5.1 Financiamentos Individuais .............................................................................. 88 2.5.2 Financiamentos Associativos .......................................................................... 94 CAPÍTULO III ANÁLISE DOS PADRÕES DE FINANCIAMENTO COM RECURSOS FGTS DOS GOVERNOS FHC E LULA................................................................... 100 3.1 O DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL ........................................................ 100 3.1.1 Déficit Habitacional no Governo FHC............................................................. 106 3.1.2 O déficit habitacional no Brasil no governo LULA .......................................... 109 3.2 NÚMERO DE UNIDADES HABITACIONAIS PRODUZIDAS ............................ 116 3.2.1 Antecedentes ................................................................................................. 117 3.2.2 Número de unidades habitacionais produzidas no governo FHC................... 123 3.2.3 Números de unidades habitacionais produzidas no governo LULA ............... 130 8 3.3 DESTINAÇÃO DOS RECURSOS POR FAIXA DE RENDA.............................. 132 3.3.1 Destinação dos recursos por faixa de renda no governo FHC ....................... 140 3.3.2 Destinação dos recursos por faixa de renda no governo LULA ..................... 142 CONSIDERAÇÕES................................................................................................. 147 REFERÊNCIAS....................................................................................................... 155 9 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Parâmetros das Modalidades .................................................................... 92 Tabela 2: Parâmetros das Modalidades Operações Especiais ................................. 93 Tabela 3: Taxas de Juros .......................................................................................... 93 Tabela 4: Prazos ....................................................................................................... 94 Tabela 5: Limites Operacionais ................................................................................. 96 Tabela 6: Limites Operações Especiais .................................................................... 97 Tabela 7: Condições de Aplicações .......................................................................... 98 Tabela 8: Prazos de Amortização ............................................................................. 98 Tabela 9: Componentes do Déficit Habitacional...................................................... 104 Tabela 10: Déficit habitacional no Brasil e grandes regiões - 1995......................... 107 Tabela 11: Faixas de Tamanho da População ........................................................ 108 Tabela 12: Déficit Habitacional............................................................................... 110 Tabela 13: Distribuição Percentual do Déficit Habitacional Urbano por Renda....... 115 Tabela 14: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas – Total............ 118 Tabela 15: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas........................ 121 Tabela 16: Contratação Programa Carta de Crédito 1996 ...................................... 125 Tabela 17: Contratação Programa Carta de Crédito 1997 ...................................... 125 Tabela 18: Contratação Programa Carta de Crédito 1998 ...................................... 126 Tabela 19: Contratação Programa Carta de Crédito 1999 ...................................... 127 Tabela 20: Contratação Programa Carta de Crédito 2000 ...................................... 127 Tabela 21: Contratação Programa Carta de Crédito 2001 ...................................... 127 Tabela 22: Contratação Programa Carta de Crédito 2002 ...................................... 128 Tabela 23: Contratação Programa Carta de Crédito FGTS Imóvel na Planta ......... 129 Tabela 24: Contratação Programa Carta de Crédito 2003 ...................................... 131 Tabela 25: Contratação Programa Carta de Crédito 2004 ...................................... 132 Tabela 26: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas – Total............ 133 Tabela 27: Total por Faixa de Renda – Imóvel na Planta ....................................... 134 Tabela 28: Total por Faixa de Renda – Material de Construção / Construção ........ 135 Tabela 29: Total por Faixa de Renda – Material de Construção / Melhoria ............ 135 Tabela 30: Total por Faixa de Renda – Lote ........................................................... 136 Tabela 31: Total por Faixa de Renda – Construção................................................ 136 Tabela 32: Total por Faixa de Renda –Construção / Reforma ................................ 137 Tabela 33: Total por Faixa de Renda – Imóvel Novo .............................................. 137 Tabela 34: Total por Faixa de Renda – Imóvel Usado ............................................ 138 Tabela 35: Distribuição Regional de Contratações – 1995-2003/ RES 289/98 / Déficit Quantitativo / Carência de Infra-Estrutura. ................................................... 139 Tabela 36- Distribuição dos recursos por faixa de renda – Governo FHC 2001 .... 140 Tabela 37- Distribuição dos recursos por faixa de renda - Governo FHC 2002 .... 141 Tabela 38-Total por Faixa de Renda –Total Geral– Governo FHC ......................... 141 Tabela 39-Distribuição dos recursos por faixa de renda – Governo Lula – Total 2003 ...................................................................................... 142 Tabela 40-Distribuição dos recursos por faixa de renda – Governo Lula – 2004 ... 143 10 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1: Necessidades Habitacionais ................................................................... 107 Gráfico 1: Déficit Habitacional ................................................................................. 111 Gráfico 2: Rendimento por Faixa de Renda ............................................................ 114 Gráfico 3: Unidades Habitacionais Produzidas de 1974 a 1994.............................. 119 Gráfico 4: Unidades Produzidas Governo FHC....................................................... 124 Gráfico 5: Unidades Habitacionais Produzidas no Governo Lula ............................ 131 Gráfico 6: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas ......................... 133 11 ABREVIATURAS UTILIZADAS ABECIP - Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança AF - Agente Financeiro BACEN - Banco Central do Brasil BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNH – Banco Nacional de Habitação CAIXA - Caixa Econômica Federal CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano CMN – Conselho Monetário Nacional DER - Depósitos Especiais Remunerados FCVS - Fundo de Compensação de Variações Salariais FDS - Fundo de Desenvolvimento Social FGTS - Fundo de Garantia por Tempo De Serviço FHC - Presidente Fernando Henrique Cardoso FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas FJP – Fundação João Pinheiro FUNDHAB - Fundo de Assistência Habitacional LULA – Presidente Luiz Inácio Lula da Silva PAR – Programa de Arrendamento Residencial da CAIXA 12 PSH – Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social SBPE - Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo SEDU/PR – Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República SFH - Sistema Financeiro da Habitação SFI - Sistema de Financiamento Imobiliário SISBACEN - Sistema de Informações do Banco Central UPF - Unidade Padrão de Financiamento 13 RESUMO Este trabalho objetiva estudar o desenvolvimento das políticas habitacionais desenvolvidas durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. A motivação para a pesquisa surgiu da consideração da habitação digna ser uma necessidade humana básica. Buscou-se, nesse aspecto, analisar o histórico da habitação no Brasil, que, inegavelmente, enfrenta distorções das mais diversas, principalmente devido ao desenvolvimento da política habitacional nacional, que ao longo de sua história mostrou-se fragmentada e pouco focada na resolução dos principais problemas voltados ao tema. Como introdução ao tema foi apresentada a questão do Estado e as políticas habitacionais, focando suas origens históricas e contextualizando seus objetivos no decorrer dos anos. Abordou-se o déficit habitacional no país, utilizando-se da metodologia criada pela Fundação João Pinheiro de Belo Horizonte e questões ligadas ao tema, como a criação e o trabalho desenvolvido pelo BNH, que se tratou da primeira grande ação do governo em prol da política habitacional, o papel da Caixa Econômica Federal no desenvolvimento das políticas públicas da habitação e aplicação dos recursos oriundos do FGTS na habitação popular. Culminando com uma análise sobre a política desenvolvida para o setor habitacional durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. É uma tentativa de se conhecer a situação habitacional do Brasil através da análise dos resultados produzidos pelo principal programa do governo federal, o “Carta de crédito” com recursos do FGTS, no período de 1996 a 2004 em comparação com as necessidades habitacionais espelhadas pelo Déficit habitacional. 14 ABSTRACT This essay aims to study the development of habitation policies carried out during the Government of Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.The motivation for the research came up based on the consideration of dignifying housing being a basic human need. The attempt on this matter was to analyse the history of habitation in Brazil, which has undoubtedly been facing various distortions, mainly due to the development of the habitation policy, which has throughout the years shown itself fragmented and little focused on the resolution of the main problems regarding the theme. As an introduction to the theme, the matters of the State and the habitation policies were presented focusing in their historical origins and contextualizing their goals throughout the years. The deficit in habitation in the country has also been approached in the essay, makinguse of the methodology created by Fundação João Pinheiro de Belo Horizonte and the issues linked with the theme, such as the creation and the work developed by BNH, which was the first great action of the government in favour of the habitation policy. Also, the role of Caixa Econômica Federal in the development of public policies of habitation and the application of resources arising from FGTS on popular housing. Culminating with an analysis of the policy which was developed for the habitation sector during the government period of Fernando Henrique Cardoso and Luiz Inácio Lula da Silva. It is an attempt to get to know the habitation situation in Brazil through the analysis of results produced by the main Federal program , called “Carta de Crédito”, with the resources of FGTS in the period between 1996 and 2004 in comparison with the habitation needs reflected by the habitation deficit. 15 INTRODUÇÃO O propósito deste estudo acadêmico é analisar a evolução das linhas gerais das políticas públicas na área de habitação no Brasil, com recorte específico para o período de 1996 a 2004. A escolha do período em questão, naturalmente, não se deu por acaso. O ano de 1996 marcou o lançamento oficial da política nacional de habitação do governo Fernando Henrique Cardoso que prosseguiu até 2002. E a análise até 2004 permite o estudo das políticas habitacionais implantadas nos dois primeiros anos do Governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Tomando como base as supostas diferenças de orientação políticoideológicas destes governos (o neoliberalismo, no caso de Fernando Henrique Cardoso e o socialismo e/ou social-democracia no caso do governo do PT), nossa intenção será verificar em que medida a política de habitação de ambos refletem estas concepções. Neste sentido, buscamos analisar dois conjuntos de fatores. Em primeiro lugar, na ordem do discurso, as diretrizes da política habitacional, tentando captar no discurso destes governos suas diferentes orientações quanto a habitação e sua relação com o perfil político do governo. Em segundo lugar, na ordem da prática, a destinação de recursos do FGTS efetuados por estes governos na destinação de casa própria. Tomando como indicadores principais o número (em termos absolutos) de unidades habitacionais financiadas com recursos do FGTS e sua respectiva destinação de acordo com a faixa de renda dos usuários, procuramos verificar em que medida a política pública de habitação está relacionada com a orientação e o padrão de política pública de cada um destes governos. Em outros termos, a política habitacional do governo FHC confirma a idéia de se trata de um governo "neoliberal", como afirma boa 16 parte da literatura? E, no caso do governo LULA, a política habitacional é claramente de "esquerda" (seja socialista ou social-democrata) como esperam os analistas políticos. É dentro desta problemática sociológica - com ênfase nas políticas públicas que se move este trabalho. As condições habitacionais são elementos fundamentais para a análise da qualidade de vida da população. A escassez de habitação, tanto em termos de qualidade, quanto quantidade, é um dos mais graves problemas sociais do Brasil, não só nos aglomerados urbanos como nas áreas rurais. A ausência de moradias com condições mínimas de habitabilidade é um dos principais agravantes da pobreza, e forte indutor da precariedade das condições de saúde e higiene, o que se reflete nos baixos níveis de escolaridade e induz à criminalidade. O direito à moradia é um direito constitucional que deve ser reconhecido, protegido e efetivado por meio de políticas públicas específicas. Para a conquista da moradia digna, e conseqüente redução do déficit habitacional, o desenvolvimento de políticas públicas que apóiem a produção habitacional mostra-se como medida necessária e obrigatória no sentido de se caminhar rumo a soluções que impactem positivamente na vida dos cidadãos carentes. Esta dissertação está organizada em três capítulos que abordam a questão habitacional no Brasil, especialmente as políticas habitacionais desenvolvidas no período selecionado para estudo (1996/2004), período que compreende parte do primeiro e todo o segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), bem como os dois primeiros anos do Governo de Luiz Inácio Lula da Silva (LULA), e a análise dos dados referente ao resultado obtido com a utilização dos recursos do FGTS para produção habitacional. Para tanto, será estudado o principal programa desenvolvido com recursos FGTS, pelo Governo Federal, a Carta de Crédito, nas 17 modalidades individual e associativo, programa esse que se apresenta como principal ferramenta das políticas públicas do Governo Federal para redução do déficit habitacional. O estudo foi desenvolvido com base em pesquisas quantitativas de documentação indireta, concentrando-se na pesquisa documental e pesquisa bibliográfica. Dessa forma esses assuntos estão organizados como se descreve a seguir: No capítulo I desenvolveu-se a revisão da literatura que versou sobre os antecedentes históricos da política habitacional no Brasil e a questão da política habitacional desenvolvida até o período recente, relatando-se a importância da participação do Banco Nacional da Habitação (BNH) no desenvolvimento das ações governamentais no âmbito da habitação ao longo na história, a participação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e da Caixa Econômica Federal, como gestor do FGTS e atualmente principal agente do governo federal na implementação das políticas públicas habitacionais. Ainda na contextualização da questão habitacional foram abordadas as questões da reforma urbana e o Estatuto das Cidades. No capítulo II discorreu-se sobre as diretrizes das políticas habitacionais dos governos em estudo neste trabalho. Primeiro, sobre as ideologias políticas, especificamente liberalismo, social-democrata e socialismo. O estudo das ideologias políticas permite compreender o modo como os governos de FHC e Lula se organizaram para atingir seus objetivos. . Em seguida, aborda-se a política habitacional desenvolvida durante o governo Fernando Henrique Cardoso com seus dois programas de governo que orientaram, respectivamente, o primeiro e segundo mandato bem como a política habitacional no governo Luiz Inácio Lula da Silva, que representa a chegada ao poder dos movimentos de esquerda, que mantiveram durante anos, críticas à política 18 habitacional desenvolvida pelos governos anteriores. A criação do Ministério das Cidades e a nova Política Nacional de habitação são objetos de estudo, bem como a síntese do Programa habitacional Carta de Crédito, operacionalizado com recursos FGTS, que se apresentou para melhor compreensão do panorama geral da política habitacional. O capítulo III é destinado a apresentação dos dados empíricos de nossa pesquisa. Dois conjuntos de variáveis de pesquisa são especialmente analisados: 1) o número de unidades habitacionais disponibilizadas pelos governos FHC e LULA e, 2) a correlação entre recursos do FGTS e a faixa de renda dos usuários dos programas de habitação popular. O capítulo discute primeiramente a questão do Déficit Habitacional no Brasil sendo adotada a metodologia utilizada pela Fundação João Pinheiro (FJP) de acordo com a proposta de quantificação das necessidades habitacionais. Para fins dessa quantificação, adotou-se a publicação Déficit Habitacional no Brasil Municípios Selecionados e Microrregiões Geográficas (2005) da Fundação João Pinheiro. Trata-se do trabalho mais recente publicado sobre o assunto, e que foi desenvolvido para o Ministério das Cidades, em convênio com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O objetivo geral era calcular o déficit e a inadequação habitacional para municípios brasileiros selecionados, microrregiões geográficas e a totalidade das regiões metropolitanas existentes em 2000, data de referência do cálculo. São apresentados os números referentes ao déficit habitacional no período estudado, bem como o déficit por faixa de renda e por região brasileira. O estudo da aplicação de recursos nos programas habitacionais operacionalizados com recursos FGTS no período de 1996 a 2002 foi feito com base 19 em relatórios colhidos junto ao Banco Central do Brasil e Caixa Econômica Federal, com números que traduzem a realidade de todo o Brasil. Analisaram-se os valores aplicados anualmente nas duas modalidades do programa Carta de Crédito, individual e coletivo, comparando graficamente o resultado obtido. Além da análise dos valores aplicados no período, analisou-se a aplicação por faixa de renda efetuando-se a comparação com as faixas de renda do déficit. Ao final do estudo, após analise dos números resultantes das intervenções pelas políticas públicas, identificou-se os resultados obtidos pela política habitacional dos governos FHC e LULA. O desejo de realizar esta investigação está intimamente associado à trajetória profissional desta pesquisadora, representada pela participação em diversas atividades que buscam levar a conquista da casa própria se tornar realidade para tantos brasileiros que acalentam esse sonho, tendo em vista que não assegurar o acesso às condições dignas de morar pode também significar uma violação dos direitos sociais e humanos fundamentais. 20 Capítulo I – ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL O objetivo deste capítulo é apresentar as correlações do Estado com as políticas habitacionais. Inicialmente aborda-se o papel do Estado no desenvolvimento das políticas públicas de habitação, seguindo pela dissertação dos antecedentes históricos da política habitacional brasileira. Neste capítulo, a intenção será situar a problemática da política habitacional no contexto histórico brasileiro, ressaltando especialmente a relação desta política com o papel do Estado na conjuntura atual. Desta forma, o capítulo busca um marco analítico que busque situar a pesquisa em seu contexto amplo, a saber, a história social brasileira e a ação do Estado, executor maior das políticas públicas. 1.1 O ESTADO E AS POLÍTICAS HABITACIONAIS Ao longo da história, o Estado assume as mais variadas feições, num processo de transformação constante, para que possa se conformar à dinâmica social. Nesse contexto de permanente mudança, o Estado Moderno, ao longo de sua evolução, foi levado a rever, por mais de uma vez, sua forma de intervenção na sociedade. Um dos grandes temas do pensamento social atual é o debate em torno da necessidade de um novo desenho para o Estado moderno. Intensamente discutido, 21 o debate inicia-se a partir da crise econômica internacional na década de 70, quando começa a ser colocada a crítica ao Estado de Bem-Estar Social, o qual entra em crise após um período de prosperidade econômica pós Segunda Guerra, permitindo a expansão de políticas sociais. (DRAIBE & HENRIQUE, 1988). Mesmo diante da diversidade de interpretações teóricas a respeito da Reforma do Estado pode-se apontar que o seu ponto central está no fato de que além dos ajustes necessários no papel do Estado, a superação da crise passa pela construção de um novo perfil da agenda das políticas públicas. Perfil esse que vem se constituindo dentro de um processo, que tem como ponto central o debate sobre a necessidade de serem estabelecidos novos arranjos de adequação, ou de construção, de novas fronteiras nas relações entre Estado - Sociedade. O Estado revela-se necessário, porém insuficiente para a promoção ou a indução do desenvolvimento. Para que a sociedade possa se desenvolver como um todo, são necessários três mecanismos de coordenação: o Estado, o mercado, e a própria sociedade - o Estado através das leis e das políticas públicas; o mercado, através da troca e da competição regulada pelo Estado; e a sociedade ou a comunidade, através dos valores morais e das crenças tradicionais ou consuetudinárias que regem essa sociedade independentemente do Estado. (OFFE, 1999). Nas sociedades democráticas, o regime político democrático e as políticas públicas são, em última análise, fruto de um contrato social, onde existem coisas que precisam ser feitas pelo Estado e existem coisas que não podem ser feitas pelo Estado, em alguns casos, devem ser feitas pelo mercado e, em outros, pela sociedade civil ou, ainda, por parcerias intersetoriais entre Estado e mercado, Estado e 22 sociedade civil, mercado, sociedade civil e Estado, mercado e sociedade civil. Ou seja, existem coisas que devem ser feitas pelo Estado, pelo mercado e pela comunidade ou por combinações desses três fundamentos da ordem social, e em uma mistura que consiga evitar que cada um deles se sobreponha aos outros e os elimine. (OFFE ,1994). De maneira geral, políticas sociais são medidas de melhoria do bem estar de determinados grupos sociais, que podem ser concebidas de modos diferentes; de um ponto de vista de quem admite a existência de três esferas da realidade social relativamente autônomas distinguíveis entre si por apresentarem lógicas e racionalidades próprias: o Estado, o mercado e a sociedade civil (ou a comunidade). A ênfase excessiva no papel de um desses tipos de agenciamento em detrimento dos demais gera ideologias que Offe (1999), qualificou como “doutrinas puras da ordem social”. Assim, como exemplos dessas “doutrinas puras”, tem-se o ‘estatismo socialdemocrata’, o ‘liberalismo de mercado’ e o ‘comunitarianismo conservador’ que constituíam os três tipos de filosofia pública que estavam presentes e em competição no final do século 20. A combinação adequada dessas doutrinas é o desafio que se deve buscar, pois a mistura inadequada das três esferas cria seis abordagens patológicas para a construção de instituições sociais e políticas, ou ao que se denomina seis falácias. Três delas resultam da permanência de uma abordagem “bitolada” em um dos blocos, e as outras três advêm da premissa de que algum dos três ingredientes pode ser inteiramente deixado de fora na arquitetura da ordem social. Essas falácias, conforme Offe, (1999) são: 1) a do estatismo excessivo; 2) a da capacidade de governo “pequena demais”; 3) a da excessiva confiança nos mecanismos de mercado; 4) a de 23 uma limitação excessiva das forças de mercado; 5) a do comunitarianismo excessivo; e 6) a de negligenciar comunidades e identidade. Enveredar por qualquer uma dessas “abordagens patológicas” significaria, para Offe (1999), inviabilizar a possibilidade de encontrar a “mistura correta” dos três setores. O governo sozinho não é capaz de dar conta da tarefa de promover o desenvolvimento social com eqüidade. Ele precisa da cooperação de parceiros como: partidos, empresas, igrejas e organizações da sociedade civil, capazes de assumir a responsabilidade por ações sociais adequadas às necessidades específicas de cada grupo. Só a parceria entre os diversos setores da sociedade é capaz de aumentar a eficiência das iniciativas que ao atender os mais pobres e vulneráveis contribui para o desenvolvimento social. O Estado implantando um projeto de governo, através de programas, de ações voltadas para setores específicos da sociedade, está desenvolvendo as políticas públicas. As políticas públicas são, em primeira instância, de responsabilidade do Estado, quanto à implementação e manutenção a partir de um processo de tomada de decisões que envolvem órgãos públicos e diferentes organismos e agentes da sociedade relacionados à política implementada. Nesse sentido, políticas públicas não podem ser reduzidas a políticas estatais. (OFFE, 1991). Diante da constatação de que os problemas não vão ser resolvidos apenas pela ação do Estado ou do mercado, é preciso um novo pacto, que resolva o dever do Estado de dar condições básicas de cidadania, garanta a liberdade do mercado e da competição econômica, evite o conflito entre esses dois interesses e permita a influência de entidades comunitárias. (OFFE, 1991). 24 A política social surge da dinâmica do próprio Estado e tem suas origens relacionadas a um processo de mediação de interesses conflitantes: (...) defendemos aqui a tese de que para a explicação da trajetória evolutiva da política social, precisam ser levadas em conta como fatores causais concomitantes tanto exigências quanto necessidades, tanto problemas da integração social quanto problemas da integração sistêmica tanto a elaboração política de conflitos de classe quanto a elaboração de crises do processo de acumulação. (OFFE, 1984, pg. 36). As ações desenvolvidas pelo Estado não se definem nem se implementam automaticamente, mas depende em grande parte da relação dinâmica que se estabelece entre as demandas sociais e o campo das políticas. Como assinala Mello (1991, p. 65) em seu estudo sobre o processo de formação de políticas sociais no campo da habitação: “Para analisar a formação de políticas, é necessário que se identifiquem as opções estratégicas dos atores individuais e coletivos e a configuração estrutural da arena política em que operam.” Se a implementação das políticas públicas não for acompanhada e devidamente estruturada pode gerar resultados diferentes dos esperados. As variáveis envolvidas são múltiplas e como se direcionam a grupos diferentes, o impacto pode ser negativo e o efeito diferente do pretendido, pois são resultados de diferenciadas relações sociais. Nesses termos, a habitação é uma política social, pois são desenvolvidas ações voltadas para a redistribuição dos benefícios sociais visando a diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico. No tópico seguinte abordamos os marcos históricos fundamentais da ação do Estado Brasileiro no que tange a política habitacional. Embora não tenhamos a 25 pretensão de sermos exaustivos, procuramos abordar os principais momentos desta trajetória, dividindo-a em três momentos: a) primórdios: que contempla a etapa populista do Estado Desenvolvimentista, particularmente dos anos 30 até meados da década de 60, b) período autoritário: que contempla a re-orientação tecnicista e autoritária do modelo desenvolvimentista, com seus respectivos reflexos no campo da política habitacional e, c) o período da democratização: que compreende tanto os anos 80 (de retomada da democracia), bem como os anos 90 e início do século XXI, em que está em curso a "consolidação" do regime democrático no Brasil. 1.2 PRIMÓRDIOS O surgimento do problema habitacional urbano no Brasil observa-se já no período do II Império, quando em 1876, proíbe-se a construção de novos cortiços na área central do Rio de Janeiro, por se associar aquele tipo de moradia às epidemias surgidas na época. (BONDUKI, 1998). O Estado tratava os problemas de habitação como de saúde pública, pois suas ações se ligavam mais à medidas de cunho sanitarista, objetivadas a diminuir as más condições de higiene das moradias dos trabalhadores urbanos, buscando evitar a propagação de epidemias, que constituíam uma ameaça à saúde da população. Assim, surgiram várias modalidades de moradia para alojar setores sociais de baixa e média renda, todas construídas pela iniciativa privada. Todas essas 26 habitações eram moradias de aluguel, uma forma dominante de morar da população, inclusive da classe média, com porcentagem superior a 80%. (BONDUKI, 1998). As políticas sociais voltadas à habitação começam a surgir no Brasil somente por volta da década de 30, quando se verifica uma pequena interferência estatal no setor habitacional. A solução para a carência habitacional no Brasil foi primeiramente resolvida no mercado, com o predomínio da produção rentista da habitação, em que indivíduos com melhor poder aquisitivo construíram casas para serem alugadas àqueles de renda mais baixa. Como as construções dessas unidades habitacionais seguiam a ordem do barateamento de custos, produziam-se moradias de baixa qualidade e em condições de insalubridade, como a construção de vilas e da conversão de antigos casarões em cortiços, o que facilitava a propagação de doenças epidêmicas e infectocontagiosas. No início da República, com a intensificação da imigração européia no país e o deslocamento de escravos libertos para as áreas urbanas, o crescimento das cidades começa a exigir medidas concretas no setor habitacional. Vilas operárias são construídas em diversas cidades, como uma resposta à necessidade de moradias. A produção habitacional da época era baseada em diversas formas de moradia, normalmente sob a forma de pequenas moradias unifamiliares construídas em séries. No entanto, somente uma parcela dos operários teve acesso a essas moradias, que em geral foram utilizadas por segmento da classe média. Para as pessoas pobres, especialmente da classe operária, o aluguel da casa absorvia uma grande parte dos ganhos do chefe da família. Não podendo pagar o aluguel de uma casa, o operário de baixa renda, o trabalhador informal e o desempregado, 27 encontravam no cortiço e na casa de cômodos, o alojamento compatível com seus míseros rendimentos.(KOWARICK, 1979). Até a década de 30, era raro que operários e trabalhadores de baixa renda fossem donos de suas moradias. Para o trabalhador urbano, a casa própria simbolizava o progresso material. (BONDUKI, 1998). Com o Estado Novo, o Brasil passa de uma sociedade de base agrária para uma sociedade urbano-industrial. Essa nova organização social marcou a década de 40, quando a pressão por moradias passou a se dirigir para o Estado, ou seja, deixou-se de se discutir somente o aluguel e passou-se a exigir do Estado a responsabilidade pela solução do problema da moradia. Em 1937, o então Presidente Getúlio Vargas cria as Carteiras Prediais, vinculadas ao sistema de previdência. Na reforma das CAPs (Caixas de Aposentadorias e Pensões), aquisição ou admitiu-se o uso do dinheiro previdenciário para a construção de casas para os associados das mesmas. O Estado assumia, pela primeira vez, a responsabilidade pela oferta de habitações a segmentos da população urbana. A intervenção direta do Estado no setor habitacional, com a criação as Carteiras Prediais, deve ser compreendida no contexto do desenvolvimento econômico e político da época, quando se dava o agravamento das condições habitacionais do meio urbano pelo impacto das crescentes taxas de urbanização em decorrência do redimensionamento econômico do setor agrário para industrial. (SILVA E SILVA, 1989). Com a criação do decreto 1.749, em 28 de junho de 1937, foi possível um efetivo desenvolvimento de um programa habitacional por parte dos IAPs (Institutos de Aposentadoria e Pensões). Os IAPs, modelos de pensões vinculadas a gênero ou 28 categoria profissional, foram organizados a partir de 1933, de forma a abranger as mesmas categorias em todo o território nacional. Muitas Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) foram transformadas em IAPs. Segundo Farah (1983), três fatores devem ser destacados: primeiro, o aumento da proporção da destinação das reservas monetárias dos IAPs à construções habitacionais; segundo, o crescente uso desse crédito pelos associados através da redução da taxa de juros, da dilatação do prazo de pagamentos, elevação do prazo máximo de financiamento e a permissão da construção de casas para associados que já fossem proprietários, desde que não tivessem obtido financiamento do Estado; terceiro, a autorização para a criação das Carteiras Prediais nos Institutos, que significou a definição de como cada Instituição deveria atuar no setor habitacional. O Regulamento, através das medidas adotadas, pode, portanto, ser considerado o marco inicial da atuação dos institutos neste campo, e, por conseqüência, a participação do Estado na solução da questão da moradia. O processo de urbanização brasileiro apresentou um crescimento desordenado das populações urbanas, desencadeado pelo acelerado processo de industrialização o que incentivava uma intensa migração rural-urbana, acentuada pela relativa estagnação da economia agrária em termos de absorção de mão de obra e de salários condizentes, cujo resultado foi a concentração em favelas, de grande parte dos imigrantes rurais. Outros fatores conjugaram-se para agravar o problema habitacional, tais como as crescentes taxas de inflação e a política governamental de congelamento de aluguéis, desestimulando os investimentos em moradia, destinados à locação e gerando uma alta nos novos contratos. 29 A criação de instrumentos legais voltados para o funcionamento de um governo democrático, marcou o período 1946 a 1964, quando o autoritarismo perde espaço, porém o populismo continua sendo o traço fundamental da relação EstadoSociedade. Para Barcellos (1983), as mudanças na economia e na política nesse período exigiram do Estado a ampliação e a rearticulação de suas funções para suprir as necessidades advindas do aprofundamento da concentração urbana e da modernização do país: Em relação à Previdência Social, os problemas da unificação administrativa, da universalização e da uniformização de benefícios e serviços constituíram-se na tônica do período; na área da saúde, estiveram em evidência as questões ligadas ao combate às doenças de massa e à ampliação da assistência médica; no setor trabalho, as lutas sindicais e a política salarial mobilizaram as atenções dos poderes públicos; no que diz respeito à educação, foram a democratização do ensino e a qualificação profissional os aspectos que assumiram maior relevância; finalmente, a constatação da existência de um expressivo déficit habitacional fez com que a habitação passasse a ser encarada também como uma questão social (BARCELLOS, 1983, p. 89). O governo Dutra (1946-1950) encontrou na habitação popular uma aliada para ajudar a garantir a ordem urbana, e foi explicitamente utilizada, pela primeira vez, como meio de angariar legitimidade e alcançar penetração junto aos trabalhadores urbanos. Nesse sentido a criação da Fundação Casa Popular – FCP, através do Decreto Lei 9.218 de 1° de Maio de 1946, representou o primeiro órgão em âmbito nacional voltado a prover habitações às populações de baixa renda. (SILVA E SILVA, 1989). A Fundação da Casa Popular foi pensada, inicialmente, para enfrentar os problemas habitacionais da população de baixa renda. Em 6 de setembro de 1946, com o Decreto Lei 9.777, passa a ter a possibilidade de atuar também em áreas 30 complementares que fariam dela um verdadeiro órgão de política urbana. Passava ser função da FCP, de acordo com o Decreto: IV – financiar obras urbanísticas, de abastecimento de água, esgotos, suprimento de energia elétrica, assistência social, e outras que visem a melhoria das condições de vida e bem-estar das classes trabalhadoras, de preferência nos municípios de orçamentos reduzidos, sob a garantia de taxas ou contribuições especiais, que para isso forem criadas; VI – proceder a estudos e pesquisas de métodos e processos, que visem o barateamento da construção, quer isolada, quer em série, de habitações de tipo popular, a fim de adotá-los e recomendá-los; VIII – financiar as indústrias de materiais de construção, quando, por deficiência do produto no mercado se tornar indispensável o estimulo do crédito, para o seu desenvolvimento ou aperfeiçoamento, em atenção aos planos ou programas; XI – realizar todas as operações que digam respeito à melhor execução das suas finalidades dentro das atribuições e competência que forem conferidas pela lei.(BRASIL, DECRETO 9777, 1946, disponível em www.soleis.adv.br). A percepção de que não era possível enfrentar o problema de moradias sem atacar os entraves, como a falta de infra-estrutura e saneamento básico motivou essas mudanças. Nos anos que se seguiram, a experiência se encarregou de mostrar que eram irrealistas e pretensiosas as medidas, como atacar, simultaneamente, o problema de moradia e o de infra-estrutura. (BONDUKI, 1998). As dificuldades enfrentadas pela Fundação da Casa Popular não eram apenas constrangimentos de ordem técnica, financeira e administrativa que tornavam inviável a abertura de tantas frentes de trabalho (AZEVEDO E ANDRADE, 1982). No plano político também faltava respaldo, traduzido em recursos financeiros, apoio dos Estados ou legislação que lhe conferisse monopólio de algum recurso crítico, que lhe conferisse posição de vantagem para negociar com os municípios: Com os exíguos recursos financeiros de que dispõe, a Fundação da Casa Popular não está, assim, em condições de, ao menos, atenuar de modo sensível a crise nacional de moradia. Daí as inúmeras sugestões que têm surgido para dar maior elasticidade e amplitude a seus movimentos, de modo a permitir a acumulação de recursos ponderáveis e necessários a uma política social de resultados 31 positivos. Através do Banco Hipotecário as classes menos favorecidas terão asseguradas pelo crédito a longo prazo e juros médios, as oportunidades de adquirir, reparar ou ampliar a moradia própria.(AZEVEDO E ANDRADE, 1982, p.41). Em 1953 houve uma tentativa de transformar a Fundação em banco hipotecário, tornando a política habitacional auto-sustentável. Mas a proposta só foi adiante no período Jânio Quadros, com a proposta de criação do Instituto Brasileiro de Habitação (IBH). Esse apoio adveio do fato da casa própria se constituir, no imaginário passado para o trabalhador urbano, um atrativo que possibilitaria sua ascensão social combinada com a patente intenção do Estado, nesse contexto de turbulência política, de associar a moradia à propriedade. A interface propriedade-moradia foi caracterizada como ferramenta fundamental para alcançar a estabilidade e o controle social, e sempre esteve associada a objetivos econômicos e políticos, visando adquirir, via ideologia da casa própria, o apoio e exercer o controle sobre as massas populares, o que tem condicionado o formato das políticas públicas e limitado seu impacto social (MEDEIROS, 2002). A situação do setor habitacional brasileiro era das mais graves. Em 1956 o Governo reconheceu publicamente através de mensagem enviada ao Congresso que o crescimento demográfico em ritmo superior ao da construção de moradias elevaria a um déficit de mais de 100 mil habitações anualmente o déficit já existente de 2,5 milhões de casas. Esses dados eram estatísticos já que o governo não dispunha de informações baseadas em levantamento de dados à época. O diagnóstico era de que as condições peculiares às diferentes regiões do Brasil, o desnível econômico, e a ação descoordenadora dos vários órgãos com atribuições pertinentes ao problema habitacional, vinham impedido a obtenção da casa. (ARRUDA, 1988). O crescimento explosivo da demanda por habitações urbanas, derivado da intensificação do processo de urbanização do país, em um contexto fortemente 32 inibidor do investimento na área, marcado por forte aceleração inflacionária, taxas de juros nominais fixas e leis populistas no mercado de aluguéis, acabou por gerar um salto no déficit. Nessa época inexistia qualquer sistema de indexação e controle inflacionário, resultando uma rápida descapitalização e conseqüente quebra das instituições responsáveis pelos financiamentos imobiliários, levando a FCP a paralisar seus investimentos a partir de 1960. (IBMEC, 1974). A ação do Estado, posta em prática no Governo Jânio Quadros para minorar a crise no setor habitacional, alocou recursos e assistência técnica e construiu uma diretriz que poderia ser seguida, não ocorresse a renúncia do Chefe da Nação em 1961. Antes de ser deposto pelo Golpe de 1964, o Presidente João Goulart fez um dos mais completos exames dos problemas habitacionais que o país vinha enfrentando. Baseados em dados estatísticos apurou-se que o Brasil possuía 78 milhões de habitantes, 85% dessa população estava no campo, porém tudo conspirava para que a situação habitacional se tornar cada vez mais crítica, tendo em vista o déficit já existente. (ARRUDA, 1988). 1.3 PERÍODO AUTORITÁRIO Os governos militares iniciados em 1964 inauguram uma fase de profundas alterações na estrutura institucional e financeira das políticas sociais, que ia de meados da década de 1960 a meados da década seguinte. Nesse período, conforme Barcellos (1983), são implementadas políticas de massa de cobertura 33 relativamente ampla, mediante a organização de sistemas nacionais públicos ou estatalmente regulados de provisão de serviços sociais básicos. Baseados em um regime fortemente repressivo, os governos militares restauram muitas das tradições corporativistas do Estado Novo. Conforme Martine, (1989, p. 100): Os recursos que circulavam pela área social passaram a ser estreitamente articulados com a política econômica, sendo subordinados, em várias áreas, ao critério da racionalidade econômica. A iniciativa privada foi, assim, estimulada a assumir importantes fatias dos setores de habitação, educação, saúde, previdência e alimentação. Com essas inovações, a política social passou, inclusive, a ser um dinamizador importante da iniciativa privada. O Presidente Castello Branco (1964-1967) assumiu o governo cônscio da situação caótica que o País experimentava no âmbito habitacional. Enquanto se observava um intenso aumento demográfico, e se verificava em torno das cidades uma expansão em ritmo duas vezes maior que o próprio aumento da população, o governo estava totalmente descapitalizado e, além dos minguados recursos orçamentários do governo, o setor privado também estava estagnado. Além de leis antigas e obsoletas a falta de mecanismos institucionais impediam que o governo dispusesse de uma autêntica Política Habitacional. Diante da necessidade de construir anualmente 290 mil unidades habitacionais, da inexistência de uma política habitacional e da necessidade de estancar o agravamento da crise, o governo cria o Banco Nacional da Habitação - BNH como órgão primordialmente de fomento, financiador da habitação e do saneamento básico, para desenvolver a economia, o emprego e atender às aspirações de melhoria social. (ARRUDA, 1988). 34 1.3.1 O Banco Nacional da Habitação (BNH) O Banco Nacional da Habitação - BNH foi criado com a finalidade de financiar a execução do Plano Nacional de Habitação, destinado a reduzir a escassez de moradia no país. Ele veio corrigir a situação de falta de financiamento, democratizando a obtenção de recursos. Sua função era realizar operações por intermédio de bancos privados e/ou públicos e de agentes promotores, como as companhias habitacionais e as companhias de água e esgoto. (ARRETCHE, 1996; MARICATO, 1996). A criação da LEI Nº 4.380 – de 21 de agosto de 1964, através da qual se Instituiu o BNH - Banco Nacional da Habitação, criou também o Sistema Financeiro da Habitação - SFH, as Sociedades de Crédito Imobiliário e a correção monetária nos contratos imobiliários de interesse social. Essa lei veio estabelecer um marco jurídico e institucional no sistema habitacional do Brasil, pois estabelecia um sistema que concentrava em um único órgão a coordenação dos investimentos públicos e privados e centralizava, no governo federal, a formulação das normas de obediência da política de habitação. (MARICATO, 1987). O objetivo do Banco Nacional da Habitação - BNH era favorecer as classes de baixa renda. Segundo as regras, a casa obtida pelo mutuário era de uso próprio, não podendo ser revendida, alugada, ou usada com fim comercial e por outra pessoa que não o financiado. A lei previa a rescisão do contrato de financiamento em caso de locação ou inadimplência do mutuário.( SACHS, 1999). 35 Relativamente às iniciativas habitacionais até então tentadas pelo poder público, o SFH apresentava características distintas, entre as quais podem ser destacadas: • Fontes de recursos próprias (o FGTS e as cadernetas de poupança), • Instituição da correção monetária no retorno dos financiamentos, • Diversificação dos objetivos dos financiamentos, que abrangiam diferentes itens de desenvolvimento urbano. Com a farta captação de recursos por parte do SFH, o sistema inicialmente, viveu uma fase de abundância em condições extremamente favoráveis para os grupos de renda média e alta, garantindo, ao mesmo tempo, lucros elevados para as construtoras, incorporadoras e agentes financeiros. Em 1969, o BNH chegou a ocupar o segundo lugar no “ranking” bancário brasileiro, só ultrapassado pelo Banco do Brasil. Vê-se assim, que recursos existiam, faltava, contudo, um bom direcionamento dos investimentos captados do FGTS provenientes dos trabalhadores brasileiros, e que foram carreados para beneficiar setores privilegiados como as construtoras e empreiteiras. O BNH financiou a aquisição de 4,4 milhões de unidades residenciais, sendo que apenas cerca de 1,1 milhão de unidades destinou-se à população com renda familiar mensal de até 5 salários mínimos, o que equivaleu a 25%. Inicialmente, observou-se crescimento quase contínuo no número de unidades residenciais financiadas, atingindo o auge em 1980, com 627 mil unidades. Após os anos promissores para o setor da construção civil, impulsionado pela oferta de recursos para a produção e obtenção de imóveis de financiamentos do SFH, que apresentou tendência crescente desde o ano de sua criação até 1982, observou-se o colapso do setor a partir de 1983(CARNEIRO, 2003). 36 A estagnação da renda agregada doméstica, inibidora direta dos investimentos da economia, e a falência dos mecanismos de investimento, inviabilizaram o desenvolvimento sustentado do setor imobiliário: Limitado pelos objetivos políticos de sucessivos governos, o Estado brasileiro mostrou-se incapaz de distribuir competências e utilizar recursos de maneira impessoal e eqüitativa. Disso resultaram várias deficiências do sistema, como ineficiência e ineficácia dos programas sociais; superposições de competências, objetivos e clientela; regressividade dos gastos sociais; altos custos de implementação e administração; distanciamento entre formuladores e executores e os beneficiários das políticas; quase total ausência de avaliação dos programas; instabilidade e descontinuidade das políticas; e peso desproporcional dos interesses burocráticos, corporativos e privados nas definições e na dinâmica de funcionamento da máquina social do Estado. (DRAIBE; HENRIQUE, 1988, p.15). Contudo o BNH, que devia ser um Banco social, terminou assim por aplicar uma política habitacional de efeito perverso, pois com seus recursos construíram-se avenidas, abriram-se canais, asfaltaram-se ruas que em vez de atender as populações de baixa renda atenderam aos especuladores imobiliários, o que terminou por expulsar e jogar as populações urbanas pobres para as periferias da cidade, pois em vez de atenuar as desigualdades sociais, colaborou para o agravamento da concentração de renda no país. O modelo de política habitacional implementado a partir de 1964, pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), baseava-se em um conjunto de características que deixaram marcas importantes na estrutura institucional e na concepção dominante de política habitacional nos anos que se seguiram. A principal delas, diz respeito as fontes de recursos do SFH: • A arrecadação do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE), isto é, o conjunto da captação das letras imobiliárias e cadernetas de poupança; e 37 • A partir de 1967, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), gerado a partir de contribuições compulsórias dos trabalhadores empregados no setor formal da economia. Essas são, ainda hoje, as fontes tradicionais de recursos para financiamento da política habitacional. A poupança voluntária proveniente dos depósitos de poupança do denominado Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), constituído pelas instituições que captam essa modalidade de aplicação financeira, com diretrizes de direcionamento de recursos estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e acompanhados pelo Banco Central do Brasil - BACEN, bem como a poupança compulsória proveniente dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), regidos segundo normas e diretrizes estabelecidas por um Conselho Curador, com gestão da aplicação efetuada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), cabendo à CAIXA o papel de agente operador.(BACEN, 2005). Atualmente, as normas do CMN disciplinam as regras para o direcionamento dos recursos captados em depósitos de poupança pelas instituições integrantes do SBPE, estabelecendo que 65%, no mínimo, devem ser aplicados em operações de financiamentos imobiliários, sendo que 80% do montante anterior em operações de financiamento habitacional no âmbito do SFH e o restante em operações à taxas de mercado, desde que a metade, no mínimo, em operações de financiamento habitacional. (BACEN, 2005). As operações chamadas de faixa de mercado ou livre estão vinculadas às operações do SFI - Sistema de Financiamento Imobiliário instituído em 1997, com a finalidade de promover o financiamento imobiliário em geral. No SFI, as operações de financiamento imobiliário em geral são livremente pactuadas pelas partes, sendo que a 38 mudança de maior impacto foi a possibilidade da adoção da alienação fiduciária1 como garantia do financiamento do imóvel. Outras medidas como o Patrimônio de afetação2 foram criadas com o objetivo de proteger o comprador do imóvel em construção, e o agente financeiro que concede o crédito ao construtor.(BACEN, 2005). Dentre outras, as principais características do SFI são: • As prestações dos mutuários vão subir conforme o mercado e não podem mais estar atreladas nem aos reajustes do salário nem a um teto de comprometimento da renda familiar (até então de 30%). • No SFI não há limite dos juros, (no SFH é de 12% ao ano). • Os agentes financeiros passaram a ter sua proteção ampliada (com a alienação fiduciária, vai retomar mais rápido o imóvel de quem ficar inadimplente: no sistema antigo, da hipoteca, isso levava cinco anos em média; no SFI, tudo pode ser resolvido em um ano). • Cria instrumentos de captação de novos recursos para o sistema, adicionalmente aos atuais da Caderneta de Poupança e do FGTS. • Deverá ampliar o volume de financiamentos, tanto pela ampliação dos recursos, quanto pela redução dos riscos dos financiadores. • O SFI deverá ser o financiador de imóveis da classe média, ficando o SFH, com os recursos da poupança e do FGTS, restrito ao financiamento para mutuários de renda até R$ 2.000,00 (CAIXA, 2005). O SFH continua como um segmento especializado do Sistema Financeiro Nacional. Já, na montagem do SFH, observou-se que havia necessidade de 1 A alienação fiduciária é o negócio jurídico pelo qual o comprador / devedor ou fiduciante, contrata a transferência ao financiador / credor ou fiduciário, da propriedade, dando o imóvel como garantia. É necessário o registro do contrato no competente Registro de Imóveis 2 Por este instrumento todos os bens e recursos recebidos para a construção de um determinado empreendimento ficam separados dos demais. Em caso de falência da empresa, o patrimônio de 39 subsídios às famílias de renda mais baixa, o que foi realizado de maneira a não recorrer a recursos do Tesouro Nacional. Foi estabelecido, então, um subsídio cruzado, interno ao sistema, que consistia em cobrar taxas de juros diferenciadas e crescentes, de acordo com o valor do financiamento, formando uma combinação que, mesmo utilizando taxas inferiores ao custo de captação de recursos nos financiamento menores, produzia uma taxa média capaz de remunerar os recursos e os agentes que atuavam no sistema. A partir de 1971, adotou-se um mecanismo de subsídio via imposto de renda. De 1971 até 1981, havia um critério seletivo para concessão de subsídios. Os mutuários de maior renda pagavam integralmente as suas prestações. Conforme fosse decrescendo o salário, o Governo Federal assumia uma parte da prestação, via redução de Imposto de Renda. A partir de 1983, o princípio da identidade de índices foi quebrado. Em 1984, o subsídio foi repetido. Em 1985, houve novamente um subdimensionamento do índice de reajuste das prestações dos contratos. E, atualmente, os subsídios são concedidos somente nos financiamento vinculados ao FGTS. (BACEN, 2005). Em 1986, com a extinção do BNH, o SFH passou por uma profunda reestruturação e as atribuições referentes a habitação são distribuídas entre o então Ministério de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MDU), o Conselho Monetário Nacional (CMN), o Banco Central do Brasil (BACEN) e a Caixa Econômica Federal . Ao MDU coube a competência para a formulação de propostas de política habitacional e de desenvolvimento urbano; ao CMN coube exercer as funções de Órgão central do Sistema, orientando, disciplinando e controlando o SFH; ao BACEN foram transferidas as atividades de fiscalização das instituições financeiras que integravam o SFH e a elaboração de normas pertinentes aos depósitos de poupança e a CAIXA à afetação não integra a massa falida. Esta medida tem como objetivo reduzir o risco das operações de compra de imóvel na planta 40 administração do passivo, ativo, do pessoal e dos bens móveis e imóveis do BNH, bem como, a gestão do FGTS. (BACEN, 2005). As atribuições inicialmente transferidas para o então MDU foram posteriormente repassadas ao Ministério do Bem Estar Social, seguindo depois para o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e, finalmente, a partir de 1999 até hoje, alçadas à Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República - SEDU/PR. (BACEN, 2005). Por outro lado, a extinção do BNH foi motivo de surpresa, conforme Azevedo (1995), uma vez que ocorreu de maneira abrupta e sem margem para contrapropostas. Esse procedimento chocava-se com as declarações de intenções e encaminhamentos anteriores feitos pelo próprio governo. A maneira como o governo incorporou o antigo BNH à Caixa Econômica Federal tornava explícita a falta de proposta clara para o setor, ficando evidenciada a desarticulação institucional do banco, agravando assim os problemas existentes. De acordo com levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR-UFRJ, disponível em www.ippur.gov.br), a explosão das favelas se confunde com o colapso do sistema de crédito habitacional. As duas décadas que marcaram a explosão da moradia subnormal – (NRODAPE) classificação do IBGE para residências em áreas irregulares, com imóveis distribuídos desordenadamente e sem acesso a serviços básicos - coincidem com a extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH). A combinação de mazelas tem efeitos dramáticos para a população de baixa renda que, sem outra opção de moradia, acabava inflando as favelas. Desde então, o país ficou mergulhado num processo de desarticulação institucional para reger a política habitacional. Mais do que isso, o que houve durante 41 os anos subseqüentes ao regime militar foi uma política habitacional regida por uma aliança de interesses políticos clientelistas dos setores do capital de promoção imobiliária como o da construção. (AZEVEDO, 1996; MARICATO, 1999). Assiste-se, portanto, nos períodos subseqüentes, a uma política habitacional sucateada, uma conjunção de interesses entre Executivos municipais, a burocracia central e grupos privados que atuam na “prestação de serviços” de intermediação. (MELLO, 1990). A pulverização, por vários órgãos federais, das atribuições na área habitacional do governo, antes praticamente concentradas no BNH, e o arranjo institucional configurado passou a atribuir ao Conselho Monetário Nacional (CMN) a função de orientar, disciplinar e controlar o Sistema Financeiro da Habitação (SFH), o que vem provocando a aplicação inadequada dos recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), isto é, os recursos das Cadernetas de Poupança e dos Fundos Habitacionais de Apoio, bem como dos agentes financeiros e do SFH, pois são aplicados de forma divorciada do órgão detentor da competência de definir e implementar a Política Nacional de Habitação.(MARICATO, 1996). Ao Banco Central do Brasil (BACEN), foi atribuída a competência de fiscalizar o funcionamento e os agentes integrantes do SFH, o que abrange as entidades financeiras e não financeiras. Entretanto, a fiscalização não vem ocorrendo de forma satisfatória, pois tem sido restrita às entidades financeiras, captadoras de recursos. Com a extinção do BNH, os recursos do FGTS passaram a ser administrados pela Caixa Econômica Federal, com planejamento do Ministério do Planejamento e sob supervisão do Conselho Curador do FGTS.(ARRETCHE, 1996). 42 1.3.2 Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi instituído pela Lei nº 5.107, em setembro de 1966. A sua criação decorreu da crescente demanda social por mecanismos mais eficientes de proteção aos trabalhadores do setor privado nos casos de demissão involuntária, bem como da melhor adequação desses mecanismos às necessidades das empresas. A lei que criou o FGTS determinava o recolhimento mensal pelas empresas do equivalente a 8% das remunerações pagas aos empregados. Esses depósitos deveriam integrar um fundo unificado de reservas, com contas individuais cujos titulares seriam os próprios trabalhadores. Mas o grande objetivo da introdução do FGTS era, de fato, a flexibilização da legislação trabalhista.(CAIXA, 2005). O FGTS é um fundo público de poupança compulsória, e tem dupla função: de um lado, é um fundo de indenização para o trabalhador demitido sem motivos. De outro, é o principal instrumento financeiro da política federal de desenvolvimento urbano, que compreende as políticas setoriais de saneamento básico e habitação popular. Nessa função, o FGTS é a principal fonte financeira do Sistema Nacional de Saneamento e parte importante dos recursos do Sistema Financeiro da Habitação. (ARRETCHE, 1996). A gestão do FGTS foi delegada ao Banco Nacional da Habitação (BNH) que passou a ter direito ao uso dos recursos bem como a atribuição de garantir as aplicações dos mesmos. A delegação da administração do FGTS ao BNH explicitava sua vinculação com a política nacional da habitação. 43 A Lei Complementar n°110, de 29 de junho de 2001, instituiu a contribuição social devida pelos empregadores à alíquota de 5% sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas as parcelas de que trata o art. 15 da Lei 8.036/90, não sendo, no entanto objeto do presente estudo. Também compõe o saldo das contas vinculadas à correção monetária e os juros – 3%, 4%, 5% e 6% a.a., que são pagos pelo próprio Fundo a título de remuneração, por força de lei. A correção monetária e remuneração dos valores das contas vinculadas visam assegurar a cobertura das obrigações desse Fundo. (CAIXA, 2005). A partir de 1989 a Caixa Econômica Federal passou a ser o agente operador e atende às determinações oriundas do Conselho Curador do FGTS – CCFGTS. Para a regulamentação e o controle da operacionalização desses recursos, foi criado o Conselho Curador do FGTS, cujos integrantes representam alguns dos segmentos da sociedade como: empregadores, governo e trabalhadores. De acordo com a legislação do FGTS, as aplicações dos recursos devem seguir as diretrizes e programas em consonância com a política nacional de desenvolvimento urbano e as políticas setoriais de habitação popular, saneamento básico e infraestrutura urbana, estabelecidas pelo Governo Federal, bem como o orçamento aprovado pelo Conselho Curador do FGTS. O Ministério das Cidades – MC exerce a função de Gestor da Aplicação do FGTS, cabendo-lhe, nessa qualidade, a responsabilidade legal pela seleção e hierarquização dos projetos a serem contratados. Com a extinção do BNH – Banco Nacional de Habitação em 1986, a Caixa Econômica Federal passou a administrar o FGTS, transformando-se na maior 44 agência de desenvolvimento social da América Latina e tornando-se o órgão-chave na execução de políticas de desenvolvimento urbano, habitação e saneamento. O papel da Caixa, como agente executor de políticas públicas é examinado a seguir. 1.3.3 Caixa Econômica Federal A Caixa Econômica Federal é uma instituição financeira sob a forma de empresa pública de direito privado, vinculada ao Ministério da Fazenda, Instituição integrante do Sistema Financeiro Nacional e auxiliar da execução da política de crédito do Governo Federal. Em 145 anos, a CAIXA desenvolveu-se, diversificando sua missão, agregando valores e reorientando o foco dos negócios. A história da CAIXA é marcada por este traço: agregar funções, quase sempre em decorrência de decisões tomadas em instâncias situadas fora de seu alcance.(CAIXA, 2005). A Caixa Econômica foi fundada em 1861, na cidade do Rio de Janeiro, pelo então Imperador do Brasil, Dom Pedro II. Monte de Socorro foi o nome de batismo dado à CAIXA, tendo a missão de realizar empréstimos e fomentar a poupança popular. Já naquela época, tinha como premissa proteger a sociedade, inibindo atividades bancárias praticadas por outras empresas que não ofereciam garantias aos seus depositantes e cobravam juros exorbitantes. A nova empresa atraiu príncipes, barões e escravos, esses últimos, ávidos por comprarem suas alforrias, nela depositavam seus recursos, com o que teve início sua trajetória como banco popular ou de poupança, no qual as pessoas humildes depositavam não só os seus recursos, mas também suas esperanças de um futuro melhor (BUENO, 2002). 45 Em função de a Caixa ser a única entidade financeira sob controle total e completo do poder público federal, a incorporação de novos papéis processou-se, algumas vezes, para contornar dificuldades surgidas em áreas de atuação diversas daquelas destinadas à CAIXA. O seu envolvimento na implementação da política habitacional do governo se deu com maior ênfase com a incorporação do Banco Nacional de Habitação – BNH à CAIXA, em 1986. Até então, a CAIXA, nesse campo, restringia-se a operar a carteira hipotecária, surgida logo após a Revolução de 30, quando foi assinada a primeira hipoteca, em 01 de junho de 1931, destinada à aquisição de bem imóvel.(CAIXA, 2005). Ao longo da história, a CAIXA sedimentou estreitas relações com a população, fundada no atendimento de necessidades imediatas: hábito de poupança, penhor, crédito consignado, operação do FGTS, Programa de Integração Social (PIS), seguro-desemprego, crédito educativo, casa própria, renda mínima, inclusão bancária. Alimentou, também, o sonho da riqueza, por meio das Loterias Federais. Porém, ao herdar parte do espólio e das atribuições do BNH, a CAIXA assumiu de vez a condição determinantemente de maior agente nacional de financiamento da casa própria e de importante financiadora do desenvolvimento urbano, especialmente do saneamento básico. Essa herança continua a produzir efeitos na vida funcional, financeira e operacional da Instituição. Com a transformação do Estado, a CAIXA foi chamada à desempenhar alguns novos papéis. A implementação da política reducionista, nos anos recentes, gerou um vácuo no setor público, o que levou o governo a procurar apoio em estruturas capazes de responder às demandas carentes de executores. O histórico de relacionamento que a CAIXA mantém com o governo, seu controlador, e com a sociedade reforça a condição de parceira do governo na implementação das políticas 46 públicas. Essa ligação com a sociedade baliza um padrão de relacionamento com o Estado em que a CAIXA figura como braço do governo que se estende aos confins do País e se infiltra nas periferias dos grandes centros urbanos, promovendo aproximações geográficas e sociais. (CAIXA, 2005). A história da CAIXA espelha profundo entrelaçamento entre Estado, sociedade e governo. Essa vocação diferenciada numa Instituição Financeira já se faz evidente na descrição de sua missão, onde a intermediação de recursos financeiros aparece em segundo plano, estando o destaque principal em seu mais conhecido mote “Promover a melhoria contínua da qualidade de vida da sociedade”. A posição de agente operador de políticas públicas é confirmada novamente em sua missão quando se define que sua atuação se dará “prioritariamente, no fomento ao desenvolvimento urbano e nos segmentos de habitação, saneamento e infra-estrutura, e na administração de fundos, programas e serviços de caráter social”. (CAIXA, 2005, disponível em www.caixa.gov.br). Nesse sentido, o financiamento à construção de habitações populares constitui o coração das políticas públicas executadas pela Caixa. É uma típica política de crescimento da renda e do emprego com distribuição de maior poder aquisitivo para a população carente de moradias próprias, tendo em vista que o poder de compra que se disponibiliza no orçamento doméstico, quando uma família realiza “o sonho da casa própria” e deixa de pagar aluguel. A aquisição da casa própria abre a possibilidade de uma ascensão social, inclusive porque passa a possuir uma garantia patrimonial para tomar novos empréstimos e até mesmo começar novo empreendimento. É incumbência da Caixa, de acordo com a Lei 8.036/90, manter e controlar as contas vinculadas, participar da rede arrecadadora dos recursos do FGTS, 47 normatizar procedimentos administrativo-operacionais dos bancos arrecadadores, dos agentes financeiros, dos empregadores e dos trabalhadores, integrantes do sistema do FGTS, definir procedimentos operacionais necessários à execução dos programas de habitação popular, saneamento básico e infra-estrutura urbana estabelecidos pelo Conselho Curador do FGTS a partir de normas e diretrizes de aplicação elaboradas pelo Gestor desse Fundo, elaborar as análises jurídicas e econômico-financeiras dos projetos de habitação popular, saneamento básico e infra-estrutura urbana, emitir Certificado de Regularidade do FGTS e elaborar as contas do FGTS e encaminhá-las ao Gestor. 1.4 PERÍODO DA DEMOCRATIZAÇÃO O período que começa nos anos 80 é marcado especialmente por dois grandes fenômenos. Do ponto de vista econômico, entra-se na fase conhecida como "década perdida", tendo em vista a crise que se instaura no modelo de desenvolvimento brasileiro. Mas, trata-se não tanto da crise da economia em si, mas do Estado Desenvolvimentista. A crise do Estado que se manifestou no Brasil nos anos 80, deriva dos processos de acumulação e reestruturação; dos problemas fiscais e redistributivos; das heranças do autoritarismo; das resistências classistas; e dos problemas de exclusão que enfraquecem o potencial regulador do Estado, gerando o colapso das políticas sociais. .(MARICATTO, 1997). 48 O resultado é a fragmentação social, marcada não só pelas desigualdades sociais geradas pelo processo de urbanização espoliativo, mas também pela exclusão social. A questão habitacional no Brasil constitui-se em um dos mais graves problemas sociais da atualidade. A dimensão desse problema é visível, seja nos grandes centros urbanos, com seus contingentes elevados de população favelada, seja nas regiões mais pobres do interior do país, onde a precariedade da estrutura de moradias aparece como um fator agravante para a questão da pobreza em suas inúmeras manifestações. (IPEA, 1998). Por outro lado, os anos 80 são marcados também pela retomada da democracia no plano político. As diretas já (em 1984), a eleição de Tancredo Neves (em 1985), a promulgação da Constituição em 1988 e as eleições diretas de 1989 são alguns marcos importantes deste processo. Este momento de volta da democracia vai marcar profundamente as políticas habitacionais que começam a sofrer o reflexo da pressão da sociedade civil, especialmente dos movimentos sociais, que agora podem manifestar-se no novo regime de liberdades trazida pela democracia. Isto fica particularmente claro se analisamos as duas maiores expressões da política habitacional deste período - o movimento pela reforma urbana (anos 80) e o Estatuto das Cidades (anos 90), que vamos analisar a seguir. 49 1.4.1Reforma Urbana no Brasil O direito à moradia foi incluído como um dos direitos fundamentais do cidadão brasileiro, juntamente com saúde e educação, somente em 14 de fevereiro de 2000, através de Emenda Constitucional nº 26 (BRASIL, disponível em www.soleis.adv.br). Porém, apenas o reconhecimento formal de direito não resulta em práticas eficazes para solucionar a carência de habitação no país. De qualquer forma, a presença da questão habitacional e mais amplamente, da questão urbana na lei, tem um histórico de mobilização popular. A reforma urbana não é um projeto desta contemporaneidade. Para Souza (2002), o marco histórico desse debate foi o Seminário Nacional de Habitação e Reforma Urbana, realizado em 1963, no Hotel Quitandinha em Petrópolis. Das discussões travadas principalmente por arquitetos, urbanistas, técnicos e alguns cientistas sociais, surgiram os elementos que culminaram com a criação do Banco Nacional de Habitação – BNH e do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo – SERFHAU, os quais, juntos, tinham a finalidade de organizar o chamado espaço habitacional, em face do elevado déficit de moradias existente no país naquela ocasião. Porém, o movimento só ganhou força quando, no final dos anos 70, a CPT - Comissão Pastoral da Terra, setor da igreja católica que se dedicava à assessoria da luta dos trabalhadores no campo, passou, a partir de uma primeira reunião realizada no Rio de Janeiro, a promover encontros destinados a auxiliar a construção de uma entidade que assessorasse os movimentos urbanos. Foi somente a partir de 1986 que os movimentos pela luta da reforma urbana conseguiram se articular e apresentar propostas de iniciativa popular ao texto da 50 Constituição Federal. Apesar da heterogeneidade marcante entre as entidades, foi produzido um texto consensual elaborado na forma de artigos constitucionais denominado "Emenda Popular pela Reforma Urbana", conquistando cerca de 200 mil assinaturas. Desde então vêm implementando esforços no sentido de articular as questões da problemática urbana das cidades no Brasil. (LAVERDI, 1999). Trata-se de um engajamento político pela afirmação de uma concepção do direito à cidade que visa a melhoria das condições de vida urbana, considerando a plataforma que norteia o planejamento territorial, habitação, saneamento ambiental e transporte e mobilidade: No decorrer da década de 80, a questão urbana constituiu-se como um problema nacional, mesmo porque foi visualizada por uma verdadeira teia de movimentos populares que se articularam numa infinidade de entidades por todo o país. Nesse contexto, situavam-se: movimentos populares de creches, mutuários do BNH, inquilinos, loteamentos clandestinos e irregulares, moradores de cortiços, favelados, mutirantes, movimentos e outros.(LAVERDI, 1999, p.171). Nesse aspecto, a reforma urbana coloca-se como um conjunto de ações que articula o plano da produção e distribuição de bens e serviços; a universalização dos direitos sociais e a inversão de prioridades na política de investimentos públicos; o fortalecimento das políticas públicas com ênfase na habitação, saneamento e meio ambiente; ações reguladoras da economia urbana, principalmente na geração de trabalho e renda; e ações de restauração e criação de laços de sociabilidade como uma alternativa às estratégias individualistas, violentas e ilegais de sobrevivência. Os princípios da reforma urbana estão fundamentados no ideário de cidades justas, democráticas e auto-sustentadas, construídas a partir de uma política urbana universalista e redistributiva. (SANTOS JUNIOR, 2004). Apesar das poucas pesquisas sobre os impactos da atual dinâmica urbana nas grandes cidades, algumas análises sugerem uma fragmentação socioespacial das metrópoles. O Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal 51 da UFRJ (2005), tem pesquisado a dinâmica urbana e a gestão municipal, e apresenta algumas conclusões: • Existência de fortes contrastes socioeconômicos (renda, trabalho, educação, habitação e família) e de acesso aos serviços de saneamento (água, esgoto e lixo), e tendências à segmentação e polarização da estrutura social entre as áreas centrais e periféricas; • Transformação e diferenciação do contexto sociopolítico local, em razão da crise e reconfiguração dos movimentos sociais urbanos, expressas pela tendência à fragmentação do tecido associativo em dois padrões: um corporativo e outro popular. E seus impactos sobre a cena política local e o desempenho institucional do setor público estadual e municipal; • Multiplicação de formatos organizativos das prefeituras na direção daquilo que a literatura internacional tem chamado de governança e, ao mesmo tempo, crescente incapacidade técnico-institucional dos governos locais em adotarem sistemas planejados de gestão urbana; • Crise fiscal e financeira dos governos locais, efeito da fragmentação institucional do sistema público de financiamento urbano, da inexistência de cooperação intergovernamental e de estabilidade econômica. Nas novas abordagens sobre a questão urbana, há o reconhecimento de que o papel da cidade vem passando por grandes transformações. A inserção da economia no movimento da globalização absorve o novo padrão produtivo baseado na flexibilidade do trabalho e traz a necessidade de repensar o processo de urbanização. Esse é marcado, no caso brasileiro, pelo colapso da desenvolvimentista e a decorrente crise fiscal e orgânica do Estado. coalizão política 52 Diante desse cenário no contexto da reforma e desenvolvimento urbano, o marco na luta por reforma urbana é a aprovação do Estatuto da Cidade em 2001. 1.4.2 O Estatuto da Cidade Os primeiros passos para o surgimento do Estatuto das Cidades foram dados durante o processo de consolidação da Constituição de 1988, quando foi incluído um capítulo específico para a política urbana, que previa uma série de instrumentos para a garantia, no âmbito de cada município, do direito à cidade, da defesa da função social da cidade e da propriedade e da democratização da gestão urbana. (artigos 182 e 183 da CF, BRASIL, 1988). No entanto, o texto constitucional requeria uma legislação específica de abrangência nacional para que os princípios e instrumentos enunciados na Constituição pudessem ser implementados. Após o período de mais de uma década foi aprovado em julho de 2001 o Projeto de Lei n° 5.788/90, que ficou conhecido como o Estatuto da Cidade. O documento definiu as diretrizes para a política urbana do país, nos níveis federal, estadual e municipal. O Estatuto abarca um conjunto de princípios, no qual está expressa uma concepção de cidade e de planejamento e gestão urbanas, e uma série de instrumentos que, como a própria denominação define, são meios para atingir as finalidades desejadas. (BRASIL, MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2005). 53 O Estatuto da Cidade preconiza que a: “A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana”. Foram apontadas no Estatuto dezesseis diretrizes gerais e, dessas, as que interessam particularmente ao desenvolvimento do presente trabalho, são: I - a garantia do direito às cidades sustentáveis, direito esse entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; II – a gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; III – o planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente. (BRASIL. Estatuto da Cidade, 2001, p.32-33) Com o Estatuto das cidades surgiu a necessidade de se pensar as políticas públicas voltadas à habitação de forma que o planejamento deve se desenvolver de forma integrada e consciente para instrumentalizar a sociedade, de forma que ela possa avaliar os planos de desenvolvimento que são apresentados para as regiões e contribuir com o planejamento e gestões futuras. Hodiernamente praticamente todos os municípios brasileiros têm seu território ocupado em desacordo com a legislação urbanística. Não existe uma consciência coletiva ambientalista que se preocupe com as ocupações desordenadas que geram a deterioração do meio ambiente. Assim, loteamentos clandestinos ou em área de proteção aos mananciais, favelas, condomínios em áreas rurais e invasões de terras são uma constante no cenário surreal da ordem legal urbana. Notadamente, é muito grande a defasagem entre o modelo adotado pela legislação urbanística e a vida 54 da cidade real. A tônica do uso do solo e das construções nas cidades, é a irregularidade (Maricato, 2001). O Estatuto procurou garantir a participação popular através de instrumentos como os conselhos de política urbana; os debates, audiências e consultas públicas e as conferências de desenvolvimento urbano, entre outros. Esses mecanismos visam também, aumentar a pouca interlocução existente entre poder público e sociedade civil em geral e, pelo forte impacto que os planos e normas urbanísticas acarretam na cidade como um todo, ampliando para além das fronteiras dos setores que têm atividades ligadas diretamente a construção da cidade. O Estatuto da Cidade definiu firmemente a necessidade de se pensar a cidade e, conseqüentemente, a situação habitacional, pois desenvolve os conceitos do planejamento integrado, do envolvimento e da instrumentalização da sociedade através de sua efetiva participação. Por essa razão, torna-se necessária e evidente que as políticas desenvolvidas pelos Governos, quer Municipal, Federal e Estadual estejam em sintonia com o objetivo de potencializar as ações e obter um melhor resultado relativo aos aspectos do direito às cidades sustentáveis, seu planejamento e a gestão democrática. O Estatuto da Cidade é um instrumento efetivo para a incorporação de mecanismos de gestão dos problemas socioeconômicos e ambientais vivenciados pela maioria dos municípios do país. No entanto, a eficácia do novo diploma legal aponta para a necessidade de redefinição de responsabilidades, e esse proceder conclama os três níveis de governo, muito especialmente quando o objeto de regulação é a formulação e implementação de políticas públicas para habitação de interesse social. A aprovação Estatuto da Cidade não é garantia de melhoria da qualidade da vida urbana no Brasil, embora sejam ferramentas importantes, não é 55 apenas por falta de instrumentos legais que não se implementa uma política urbana socialmente justa. Ao lado das variáveis políticas, deve-se considerar os aspectos orçamentários do financiamento das cidades. E, nesse campo, não bastam as soluções estritamente urbanísticas, físicas. É preciso encontrar mecanismos de sustentabilidade econômica e social das cidades brasileiras. 56 Capítulo II – ANÁLISE DAS DIRETRIZES DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS DOS GOVERNOS FHC E LULA Neste capítulo abordam-se as diretrizes das políticas habitacionais dos governos FHC e LULA, bem como as diferentes estruturas institucionais e políticas de cada um destes governos em relação à política habitacional. Ou seja, neste capítulo buscamos identificar as concepções "teóricas" ou "ideológicas" que presidiam cada um destes governos, especialmente no tange a ação do Estado em relação ao déficit habitacional. Por isso, o capítulo começa com uma discussão sobre nosso entendimento do conceito de ideologia, bem como do perfil ideológico dos governos LULA e FHC. Em seguida, procuramos verificar como estas concepções estão materializadas nas diretrizes da política habitacional bem como nas estruturas políticas no interior do Estado no qual estes diferentes governos alocaram sua política habitacional. Ao final, visando preparar o leitor para o entendimento dos dados empíricos, explicam-se as características e modalidades dos programas de financiamento oriundos do FGTS. 2.1 IDEOLOGIAS POLÍTICAS E POLÍTICAS PÚBLICAS NOS GOVERNOS FHC E LULA. O perfil adequado do Estado sempre foi objeto de intenso debate. A busca por um Estado eficiente sempre esteve no topo da lista de prioridades de 57 políticos e reformadores. O estudo das ideologias políticas permite compreender o modo como os governos se organizam para atingir seus objetivos. 2.1.1 Ideologias políticas A ideologia política nada mais é que as relações que acontecem no modo de produção, a forma que a sociedade se estrutura para produzir seus bens de consumo, a visão que se tem de mundo, o reflexo da base econômica na qual se apóia uma dada sociedade.(MARX; ENGELS, 1997). A divisão existente entre a esquerda e a direita relativamente à questões econômicas foi aspecto-chave no debate em torno da reforma do Estado e da modernização do setor público conforme PEIXOTO, (2003). Para se fazer uma análise da esquerda-direita se faz necessário verificar o significado político dos termos esquerda e direita. Os termos ganharam significado político na Revolução Francesa. Durante a Assembléia Constituinte, aqueles que apoiavam e que estavam a favor do antigo regime ficavam originalmente, do lado direito, por outro lado, aqueles que defendiam a nova ordem social e política se sentavam do lado esquerdo. Isso significa que os conservadores, que pretendiam manter o regime anterior, se agrupavam à direita no parlamento, os defensores da mudança se agrupavam à esquerda: Analisando as noções ‘esquerda’ e ‘direita’ poderíamos identificar a direita com aquele conjunto de forças políticas interessadas em manter o sistema atual vigente, que é o capitalista. A esquerda seria identificada com aqueles que se propõem a lutar por mudanças no sistema capitalista, seja no sentido de reformulá-lo ou seja no sentido de superá-lo e instituir um outro sistema. 58 Dessa forma, as pessoas ou partidos que lutam para implementar mudanças e até pela superação do sistema capitalista, constituem a esquerda. Quanto a essa diferenciação, podemos colocar que hoje a direita se compõe dos conservadores daqueles que se interessam pela reprodução e manutenção do sistema vigente, o capitalismo, e a esquerda se caracteriza por integrar aqueles que desejam a evolução e a superação de tal sistema (SADER, 1995, p.21). Para efeitos do presente estudo, o interesse é pelos tipos de ideologia a seguir: 2.1.1.1 Liberalismo e Neoliberalismo A doutrina liberal tem suas origens no século XVIII, iniciando-se na Inglaterra e estendendo-se em seguida pela França e por grande parte da Europa. Pensadores como Adam Smith, David Ricardo, Thomas Robert Malthus e John Stuart Mill, entre outros, buscavam com seus discursos, isentar os ricos de qualquer responsabilidade pelo estado de desigualdade social existente, acusando os próprios pobres como responsáveis pela sua situação, alegando que eram preguiçosos e tinham uma enorme propensão à procriação. (MELLO, 2002). A Grande Depressão de 1930 causou forte impacto na economia norte-americana, com o aumento considerável do desemprego, da queda da produção, diminuição da margem de lucros, falências das empresas e o conseqüente agravamento dos problemas sociais forçou o Estado a ampliar sua participação na atividade econômica, de modo a garantir o emprego e a demanda agregada, aplicando o dinheiro público em infraestrutura destinada a fomentar a iniciativa empresarial. John Maynard Keynes, defendia que para criar demanda, as pessoas precisavam obter 59 meios para gastar. Nesse sentido, o Estado deveria almejar o pleno emprego. Os governos deveriam estimular uma política de investimentos, com baixas taxas de juros, bem como um amplo programa de obras públicas que proporcionaria empregos e geraria uma demanda maior de produtos industriais.(KEYNES,1988). Em resumo, Keynes defendia que a miséria é ruim para os ricos, e não apenas para os pobres. Porém o sistema proposto previa a cobrança de impostos das empresas para financiar a redistribuição e a dinamização econômica. Com a globalização, qualquer reforço de impostos leva as empresas a emigrar para regiões onde se produz mais barato. A economia se globalizou, enquanto os instrumentos de política econômica, essenciais para uma política keynesiana, continuam sendo nacionais e, portanto, de efetividade cada vez mais limitada. Como não há governo mundial que possa retomar o mecanismo já no nível planetário, regrediram as políticas de redistribuição e volta-se a um capitalismo próximo do antigo liberalismo: o neoliberalismo. Os neoliberais negam o modelo Keynesiano, acreditam que o Estado cresceu muito e que deve diminuir sua participação na economia. O denominado Estado Mínimo seria alcançado pelas privatizações e pela desregulamentação. A desregulamentação seria deixar a economia entregue às oscilações do mercado financeiro. Com as privatizações viria também a diminuição dos impostos para que os empresários tenham mais recursos para investir. Além disso, o neoliberalismo prevê a diminuição de impostos para que os empresários tenham mais recursos para investir, a liberação das importações e a abertura ao capital estrangeiro. A limitação dos gastos governamentais, com a prevalência da economia de mercado e a busca de um “Estado Mínimo”, redirecionando sua atuação e tamanho, especialmente com as privatizações. (ANDERSON, 1996). 60 Os teóricos do neoliberalismo são da década de 40, especialmente Friedrich August Von Hayek com a publicação do texto de origem, O Caminho da Servidão, escrito em 1944. Trata-se de uma reação contra o Estado Intervencionista e de bem-estar, um ataque contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também, política. Heyek acusa ainda o planejamento e o Estado de levarem à tirania: Se o resultado é tão diverso dos nossos objetivos se ao invés de liberdade e prosperidade, é miséria e servidão o que temos pela frentenão está claro que forças funestas devem ter frustrado as nossas intenções, e que somos vítimas de algum poder maligno que deve ser dominado antes de retomarmos o caminho para melhores coisas.(HAYEK, 1946, p. 33). Outro fundamento básico do neoliberalismo é o corte do déficit público. Para a doutrina neoliberal, os gastos com pessoal e com as políticas sociais geram inflação e descontrolam as contas públicas, logo, devem ser eliminados ou pelo menos ser drasticamente reduzidos. O diagnóstico neoliberal considera que a inflação e o descontrole dos gastos estatais viriam da folha salarial do Estado e de seus gastos em educação, saúde, habitação, saneamento básico, considerados populistas. Uma parte desses seria absorvida pelo mercado, na medida em que as pessoas dispusessem de recursos para se associar a planos privados de saúde ou para colocar seus filhos em escolas particulares. (Sader, 1995, p.189). As conseqüências mais graves das políticas de ajuste neoliberal em quase todos os países foram, sem dúvida, a ampliação das diferenças sociais, o aumento das desigualdades nas condições de renda e o incremento substancial da pobreza. No Brasil, a teoria neoliberal começou a ser implantada no governo do Presidente Fernando Collor de Mello (1989-1992), de acordo com alguns analistas, e teria sido retomada no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. 61 2.1.1.2 Social-Democracia A ideologia social-democrata prega uma gradual reforma legislativa do sistema capitalista a fim de torná-lo mais igualitário, geralmente, tendo em meta uma sociedade socialista. A Social Democracia surgiu em fins do século XIX e início do século XX, por partidários do marxismo que acreditavam que a transição para uma sociedade socialista poderia ocorrer por meio de uma evolução democrática. A publicação do Manifesto Comunista em 1848 (MARX, ENGELS, 1997), contribuiu de forma profunda na discussão e formação do mundo das idéias socialistas. Um dos trechos do Manifesto já antecipava sua linha mestra: A história de todas as sociedades que existiram até hoje tem sido a história de lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora aberta, ora disfarçada: uma guerra que sempre terminou ou por uma transformação revolucionária de toda a sociedade, ou pela destruição das duas classes em luta.(MARX, ENGELS, 1997, p. 12). O conflito entre classes nascia juntamente com o nascimento da nova sociedade. O Manifesto surgia num momento em que os socialistas estavam divididos, pois havia formas diferentes de socialismo, diferenciadas pelas correntes ideológicas, incluindo o socialismo utópico, o socialismo marxista, o comunismo, o anarquismo, o socialismo aristocrático e a social-democracia. (SANTOS, 1991). A principal causa da divisão no movimento socialista era a forma de chegar à sociedade socialista. O socialismo da social-democracia defende uma concepção menos interventiva do Estado, aceita a propriedade privada, apostando 62 numa política centrada em reformas sociais caracterizadas por uma grande preocupação com as pessoas mais carentes ou desprotegidas e uma distribuição mais eqüitativa da riqueza gerada. A social-democracia surgiu em finais do século XIX, quando alguns partidos reclamavam do ideário marxista. Eduard Bernstein (1850-1932) foi um dos lideres e teóricos políticos defensores das idéias de Marx e Engels, mas após rigorosa análise à evolução das sociedades onde a economia capitalista estava mais desenvolvida, convenceu-se que as teses marxistas estavam erradas. A partir de 1897, Bernstein publica um conjunto de artigos e livros onde refuta as teses marxistas, concluindo que o capitalismo em vez de aumentar a pobreza gerava uma melhoria do bem estar da população. (PRZEWORSKI, 1989). Essa proposição se diferencia dos demais regimes por propor uma reforma social com princípios de universalismo e desmercadorização dos direitos sociais que se estenderam também às novas classes médias. A social-democracia foi a força dominante por trás da reforma social. Uma diferença do tipo de Welfare State buscado pelos social-democratas, foi a promoção da igualdade com os melhores padrões de qualidade, (PRZEWORSKI, 1989). 2.1.1.3 Socialismo e não uma igualdade das necessidades mínimas. 63 Em linhas gerais, o socialismo é a denominação genérica de um conjunto de teorias socioeconômicas, ideologias e práticas políticas que postulam a abolição das desigualdades econômicas entre as classes sociais, ou a completa abolição do conceito de classes. Desde o início o objetivo do socialismo foi a superação do capitalismo, portanto, todas as forças que lutam pela superação do capitalismo são as forças de esquerda. A origem histórica do Socialismo compreende o período que vai da antiguidade, na opinião de alguns autores, passando pelo Renascimento, com More e Campanella, pela era das revoluções burguesas na Inglaterra e na França, pelos socialistas utópicos do século XIX, até a publicação da obra O Capital de Karl Marx, quando o Socialismo deixa o seu caráter utópico, para se tornar uma doutrina revolucionária.(MACKENZIE, 1967). A introdução das idéias de Marx e Engels em 1848, com O Manifesto Comunista, no universo das propostas de construção de uma nova sociedade consegue dar maior homogeneidade ao movimento socialista internacional. Pela primeira vez, trabalhadores de países diferentes, quando pensavam em socialismo, estavam pensando numa mesma sociedade - aquela preconizada por Marx - e numa mesma maneira de chegar ao poder. A doutrina surge principalmente como forma de protesto contra as desigualdades provocadas pelo intenso processo de industrialização e contra as péssimas condições de vida dos trabalhadores. Os socialistas observam que são o mercado e a livre concorrência as principais fontes das desigualdades sociais. O socialismo propõe, então, limitar o alcance do mercado através de mecanismos reguladores, e defende, sobretudo, o planejamento da produção como a forma mais eficaz de distribuir a riqueza produzida entre todos os membros da sociedade. 64 Essa é a principal preocupação da ideologia socialista: promover uma distribuição equilibrada de bens e de serviços, tornando-os acessíveis a toda a população. Havia ainda duas correntes de pensamento socialista: A primeira, da qual Marx faz parte, argumentava que o socialismo só seria possível se todas as nações praticassem-no de forma simultânea, caso contrário o fluxo financeiro e as trocas comerciais entre elas impediriam um planejamento equilibrado de suas provisões e necessidades. A outra corrente acreditava na possibilidade de implementar o socialismo em poucos países, e então, depois de estabilizado, expandí-lo para outros. Para isso seria preciso a intervenção do Estado na economia, pois essa seria a única força capaz de controlar a atividade dos empresários capitalistas em benefício de toda a população. 2.2 GOVERNOS E IDEOLOGIAS NO BRASIL: DE FHC A LULA Com base nos esclarecimentos conceituais acima, já estamos em condições de discutir as orientações ideológicas que presidiram a ação do governamental dos governos de FHC e LULA. Nosso pressuposto é que a adoção de diferentes orientações ideológicas fazem diferença, pois direcionam a ação do Estado, suas políticas e suas ações e, em última instância, a compreensão do próprio papel do Estado na sociedade. 2.2.1 Pressupostos Ideológicos do Governo FHC 65 Embora alguns intelectuais e analistas, particularmente aqueles ligados ao próprio governo FHC, tenham qualificado este governo como sendo de "esquerda", na medida em que ele estaria orientado por uma lógica social-democrata ou mesmo pela terceira via (que seria uma social-democracia moderna, pelo menos na visão de Giddens (1999)), a maioria dos estudiosos brasileiros partem da tese de que o governo FHC representou no Brasil a continuidade do modelo "neoliberal" de ação das políticas governamentais. Sem entrar necessariamente no mérito desta questão, nossa intenção será adotar esta tese como "hipótese" para ser devidamente testada no âmbito da política habitacional. Ou seja, a política habitacional do governo FHC pode ser qualificada de "neoliberal"? Antes de responder a esta pergunta, precisamos esclarecer em que medida esta período pode ser qualificado como tal. É o que faremos, recorrendo a algumas das principais teses neste sentido. Nesta visão, portanto, ao assumir o governo em 1994, Fernando Henrique Cardoso implantou um programa neoliberal no Brasil que foi muito mais do que uma reforma do Estado brasileiro, em suas dimensões de gestão administrativa e racionalização. Ao incidir sobre o vazio político de um país recém-constitucionalizado em um contexto em que faltava implantar as diretrizes da Constituição de 1988 e regulamentar parte importante de seu texto e tornar exponencial o uso das medidas provisórias, promovendo seguidas reformas constitucionais, o governo FHC impulsionou uma verdadeira refundação neoliberal do Estado brasileiro. Isso significou a revisão decisiva de vários de seus contratos básicos e fundamentais em uma direção liberal, com intensidade inédita na história republicana do século XX. (Couto, 1998). O governo de Cardoso implementou um pacote de reformas econômicas. Essas reformas visavam estabelecer uma economia de mercado aberto 66 que garantisse estabilidade econômica e de preços, dado o temor de retorno da hiperinflação. Um significativo fator na vitória eleitoral de FHC fora o sucesso de seu programa de estabilização econômica (o Plano Real) em reduzir drasticamente a inflação. Reformas adicionais do Estado eram necessárias para garantir que o programa antiinflacionário continuasse a ter sucesso. O êxito do plano de estabilização teve por base a grande responsabilidade fiscal do governo FHC, que impôs significativos cortes aos gastos públicos.(BORGES, 2002). As reformas econômicas avançaram de modo constante por todo o ano de 1995. Apesar da plataforma anti-reformista da oposição, o governo conseguiu levar adiante um bom número de emendas constitucionais e basicamente alcançou os objetivos inicialmente propostos. Muito desse sucesso se deveu à efetiva coalizão construída entre os aliados políticos de FHC. Nenhuma força política no Congresso conseguiu opor-se eficientemente ao bloco de votação do governo, composto por mais de 370 deputados e 60 senadores. Dessa forma o governo Fernando Henrique Cardoso conseguiu alterar a ordem econômica, pela quebra dos monopólios estatais dos setores de energia, telecomunicações, petróleo, navegação de cabotagem e do gás canalizado. As reformas da previdência e da administração pública completaram o quadro de mudanças constitucionais visando a modernização do Estado, via fortalecimento da economia de mercado em detrimento do Estado empresário. (PEIXOTO, 2000). Essa mudança alterou o padrão das relações entre o Estado brasileiro e o mercado capitalista mundial, com a promoção de avanço substancial dos direitos do grande capital financeiro em detrimento da soberania nacional. Com a repactuação da dívida externa, profunda abertura comercial, desnacionalização de setores produtivos e financeiros-chave, desregulamentação do controle de fluxos de capitais e atrelamento dos gastos públicos a metas negociadas com o FMI, o país recém-democratizado 67 perdeu para os mercados financeiros parte substantiva das deliberações sobre seu destino econômico. Alem disso, alterou-se o padrão dos direitos e deveres entre os cidadãos brasileiros. Se a Constituição de 1988 indicou um caminho de universalização de direitos sociais, o plano neoliberal incorporou um ataque à lógica dos direitos dos trabalhadores. As políticas sociais passaram a ter como meta o padrão focal, isto é, o objetivo de reduzir ao mínimo o projetado Estado do Bem-Estar Social no Brasil, deslocando o restante para o mercado e para políticas assistenciais dirigidas focalmente a grupos de extrema penúria. (Vianna, 1998). O programa de refundação liberal do Estado brasileiro continuaria também no segundo mandato de FHC, consolidando o domínio da coalizão formada em 1994 e ampliada em 1998. Essa política promoveu as duas transformações mais negativas na economia brasileira: a financeirização e a precarização contínua das relações de trabalho. A financeirização significa que o Estado brasileiro ficou completamente refém do endividamento com o capital especulativo, as grandes empresas investem boa parte do capital na especulação e as pequenas e médias não conseguem sair do endividamento pelas elevadas taxas de juros que continuam vigentes, apesar da recessão da economia. A precarização significa que se antes havia uma grande proporção de trabalhadores na informalidade, a expectativa era sair dela, indo do campo para a cidade, sendo contratada com carteira assinada na indústria manufatureira, na construção civil, no comércio ou no setor de serviços.(SADER, 1995). O projeto neoliberal implantado exibe ideologia privatista, com a desregulamentação dos controles financeiros, caráter fisiológico da base governista e o insulamento burocrático das grandes agências econômicas do Estado, em contexto de massivos deslocamentos patrimoniais. (SALLUM JR, 2000). 68 É nesse contexto que se delineia a construção de candidaturas para as eleições de 2002. O governo Fernando Henrique deixou uma herança de reformas que continua dominando a agenda política brasileira. 2.2.2 Pressupostos Ideológicos do Governo LULA Tendo em vista que se trata de um governo ainda vigente, tentar uma análise do perfil ideológico do governo LULA ainda é tarefa complexa, pois nos falta a devida distância histórica. O tema ainda é alvo de polêmicas abertas e todas as teses são afirmadas: o governo do PT seria neo-liberal, social-democrata, socialista ("estalinista") ou nada disso! Por um lado, esperava-se do primeiro presidente eleito por um partido de esquerda no Brasil em 40 anos, a implementação de um novo modelo econômico que alterasse as políticas econômicas neoliberais implementadas na última década do século XX, por sucessivas administrações politicamente distintas a partir de 1990. Por outro, há quem afirme que os primeiros dois anos do novo governo, no entanto, mostraram continuidade nos aspectos centrais da política econômica, configuradas na manutenção dos princípios fundamentais da economia clássica, marca registrada do governo FHC. (PEIXOTO, 2003). ). Nesta segunda visão, o governo LULA, originário do mais importante partido da esquerda brasileira, referência internacional como um partido de novo tipo, democrático e vinculado aos movimentos sociais, não saiu do modelo neoliberal, ainda não conseguiu promover a prometida prioridade do social, nem 69 retomar um ciclo de desenvolvimento sustentável. E, para agravar o quadro, vem sofrendo denúncias reiteradas de envolvimento com a corrupção e de incompetência. É certo que a situação econômica herdada era ruim e o novo governo não tinha maioria parlamentar. Dispunha, no entanto, de um capital apoio popular e de um prestígio internacional, que teriam permitido outra linha de ação. O governo não rompeu compromissos com o capital financeiro, mas foram rompidos compromissos com os trabalhadores. Passou a frustrar-se as expectativas dos movimentos sociais em relação a temas essenciais como a reforma agrária, as políticas do meio ambiente, as políticas indigenistas, entre outras. Mas, para voltar a uma fala mais otimista, na visão de seus defensores, a agenda de reformas continua a desafiar o governo de Luiz Inácio Lula da Silva com os mesmos dilemas políticos, impulsionadas pelos mesmos fatores internos e externos. O pragmatismo necessário para implementar a agenda de mudanças, explica em parte, porque regimes e governos tão diferentes, pareçam tão iguais. De toda forma, o atual governo petista está sendo o responsável pela implantação de uma nova posição no tocante ao desenvolvimento brasileiro: nem o liberalismo, nem nacionalismo radical. Reconhecendo a democracia como regime político e o capitalismo como sistema econômico, ambos insubstituíveis neste início de novo milênio, buscando um Estado racional acompanhado de instituições reformuladas como pilar de todo o processo. (PEIXOTO, 2003). Nossa intenção não é esgotar o debate ou mesmo dar um parecer definitivo sobre o tema. De qualquer forma, vamos assumir o pressuposto de que o governo petista de Luís Inácio Lula da Silva pode ser tomado como um governo de "esquerda", pelo menos nas intenções de seu partido - o PT (Partido dos Trabalhadores) que possui o "socialismo" como horizonte utópico ideológico. E, ainda 70 que este governo não esteja promovendo a ruptura com o capitalismo, sua ênfase discursiva nas políticas sociais o qualifica no mínimo como social-democrata. De qualquer forma, vale testar esta hipótese quando falarmos das políticas de habitação. Será mesmo um governo de "esquerda"? É o que tentaremos verificar. 2.3 DIRETRIZES DA POLÍTICA HABITACIONAL NO GOVERNO FHC A complexidade de se governar um país com as dimensões do Brasil tem se constituído num dos maiores desafios dos governos e não foi diferente com o governo de Fernando Henrique Cardoso. Os principais desafios que os governantes brasileiros vem enfrentando estão ligados ao crescimento demográfico e aos problemas do inchamento das cidades devido à migração e ao êxodo rural, que contribuíram para ampliar questões fundamentais como a pobreza e as desigualdades sociais. Ao assumir o governo em 1994, FHC apresentou à nação um projeto político-econômico orientado para o neoliberalismo e a globalização, como já mencionado anteriormente. Essa opção adotada nos programas de cunho neoliberais dirigiu-se para o crescimento econômico e para a política externa. Assim, a situação social foi concebida como uma série de problemas sociais a ser enfrentada de forma isolada e desarticulada entre si. (LORENZETTI, 2001). Em seu programa de governo da campanha de 1994, intitulado Mãos à obra Brasil (1994), o sociólogo Fernando Henrique Cardoso projeta a efetiva realização do Brasil através do desenvolvimento econômico com a inserção do Brasil na nova ordem mundial. Em sua retórica, o progresso está apresentado como condição de 71 evolução social. Na sua campanha de 1998, seu slogan, Avança Brasil, demonstra a continuação dessa mesma idéia, e em relação à Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, propõe que sejam vinculados, mediante um arranjo institucional, os diversos órgãos públicos formuladores e executores daquela política, bem como os responsáveis pela gestão do desenvolvimento urbano. Propõe ainda a integração dos recursos distribuídos em diversos ministérios e agências que administram e implementam programas e projetos voltados para o desenvolvimento urbano, notadamente a habitação. Para Fernando Henrique Cardoso, as bases de um crescimento sustentável e socialmente benéfico para a grande maioria dos brasileiros, só são obtidas por três razões interligadas: i) apoiar-se na estabilidade econômica; ii) estar associada a mudanças profundas, como a abertura econômica, que promovem ganhos genuínos de competitividade; iii) vir acompanhada da progressiva recuperação da capacidade do Estado de executar políticas sociais eficientes, em bases descentralizadas e não clientelistas. (BRASIL EM AÇÃO, 1998). Ainda de acordo com o plano de Governo de FHC: A melhoria das condições de vida da população brasileira é um objetivo desejável do ponto de vista da coesão social e do fortalecimento do regime democrático e um requisito necessário à sustentação do crescimento econômico no longo prazo. As mudanças decorrentes dos processos associados de globalização econômica e aceleração do avanço tecnológico condenam ao fracasso as estratégias de desenvolvimento apoiadas na oferta de mão-de-obra barata e desqualificada. Hoje os investimentos tendem a migrar para espaços econômicos em que existam condições sociais compatíveis com padrões elevados de qualidade na produção, notadamente no que toca aos níveis de instrução da mão-de-obra, mas também às suas condições de vida de modo mais amplo. De tal modo que países empenhados em ter participação relevante nos fluxos de investimento, comércio e tecnologia estão obrigados a melhorar de modo sustentando e permanente as condições de educação, saúde, saneamento e habitação de sua população. (BRASIL EM AÇÃO, 1998, disponível em www.psdb.org.br) 72 Em mensagem enviada ao Congresso Nacional em 1995 (BRASIL, SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO DE GOVERNO DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2005) o governo FHC faz um diagnóstico da situação da habitação no Brasil, e aponta a má distribuição da renda nacional e a inadequação dos programas habitacionais como os principais responsáveis pelo déficit de moradias que aflige o País. Os problemas que impedem de encaminhar adequadamente a solução das questões habitacionais no país seriam a ausência de uma política habitacional adequada às condições financeiras da população; o rombo causado pela renegociação do valor das prestações em níveis inferiores à inflação; a queda nos instrumentos de captação de recursos para financiamento, notadamente o FGTS e as cadernetas de poupança; e a incerteza da concessão de financiamento de longo prazo num ambiente de superinflação. O relatório apontava que a política habitacional padronizada para todo o País, sem levar em conta as diferenças dos estratos de renda e as particularidades de cada região, terminou por inviabilizar a produção de moradias, sobretudo para as camadas mais pobres da população. A existência de extensas áreas ocupada por habitações subnormais impede a provisão adequada de serviços urbanos, como abastecimento de água, esgotamento sanitário e transportes urbanos, o que contribui para a queda na qualidade de vida da população e causa sérios problemas para a gestão das cidades. Diante desses desafios, num primeiro passo para reorientar a estrutura de formulação e operação da política habitacional, o Governo Fernando Henrique Cardoso extingue o Ministério do Bem-Estar Social e cria a Secretaria de Política Urbana (SEPURB), no âmbito do Ministério de Planejamento e Orçamento, para cumprir duas funções básicas: 73 • Resgatar a competência da esfera federal nas ações de desenvolvimento urbano; • Coordenar as ações dos diversos órgãos federais que atuam nesses setores, evitando a pulverização e a reduzida eficácia das ações e dos investimentos públicos. (BRASIL, SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO DE GOVERNO DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2005). A linha básica de atuação da SEPURB consistia na descentralização da execução de programas específicos nas áreas de habitação, saneamento e infraestrutura para estados e municípios, ficando a União com funções normativas e reguladoras, que seriam exercidas via processo legislativo convencional, por meio da edição de medidas provisórias. Assim, a SEPURB propôs-se a formular uma política habitacional para o País, levando em conta as características da sociedade, suas demandas e as diferenças regionais.(LORENZETTI, 2001). Tal proposta concretizou-se num documento divulgado em 1996, com vistas à Conferência de Istambul 3- Habitat II -, que foi denominado “Política Nacional de Habitação” (PNH), por meio do qual pretendeu-se expor os conceitos, princípios, diretrizes e programas básicos da atuação federal na área. Segundo esse documento, a Política Nacional de Habitação deve ter como objetivo central a universalização do acesso à moradia como forma de garantir o direito à moradia a todas as pessoas. Refletindo a influência das discussões que cercaram a realização da 2ª Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos (Habitat II), o texto assume, como compromisso do governo, os princípios de moradia adequada para todos e desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos, defendidos na Conferência do Habitat. (LORENZETTI, 2001). 3 A Conferência Habitat II que ficou conhecida como Conferência de Istambul realizada em 1996, teve como objetivo principal atualizar os temas e paradigmas que fundamentam a política urbana e habitacional, com vistas a reorientar a linha de ação dos órgãos e agências de cooperação 74 As diretrizes da política habitacional previam a reformulação dos programas de habitação e saneamento, com atuação concentrada na redefinição do arcabouço jurídico-institucional da área de desenvolvimento urbano. A proposição era definir os princípios, as diretrizes gerais e as fontes de financiamento da política; as competências e as relações das três esferas de governo, as formas de participação dos cidadãos na formulação, acompanhamento e avaliação da política; criar o Conselho Nacional de Política Urbana, prevendo ampla participação das demais esferas de governo e de entidades representativas da sociedade civil. (AZEVEDO, 1990). A ineficiência do sistema habitacional brasileiro, segundo Santos (1999), estava ancorada sob quatro premissas: • A focalização de políticas públicas voltadas para a área habitacional no atendimento a camadas populacionais de baixa renda; • A necessidade de descentralizar e aumentar o controle social sobre a gestão dos programas federais de habitação; • O reconhecimento, por parte do governo, de sua incapacidade de resolver sozinho o problema habitacional do país e da necessidade de tentar melhorar o funcionamento do mercado de moradias no Brasil; • O reconhecimento de que as políticas públicas não devem negligenciar a grande parcela da população de baixa renda do país que trabalha no setor informal da economia e/ou habitam moradias informais. (SANTOS, 1999, p.22). O primeiro governo Fernando Henrique Cardoso empreendeu, então, uma reforma mais efetiva do setor habitacional, promovendo uma ampla reorganização. Essa reorganização do aparato institucional teve amplas conseqüências sobre o papel desempenhado pela Caixa Econômica Federal, que passou a ter sua atuação limitada ao papel de agente operador dos recursos do FGTS e agente financeiro do SFH, enquanto à SEPURB coube o papel de formulação e coordenação das ações que passam a integrar habitação, saneamento e infra-estrutura, e estão baseadas em uma articulação intra e intergovernamental. (OLIVEIRA, 2000). internacional para estes temas, incluindo a do próprio Centro das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos. 75 Após a reorganização do setor, foram criadas novas linhas de financiamento, tomando como base projetos de iniciativa dos governos estaduais e municipais, com sua concessão estabelecida a partir de um conjunto de critérios técnicos, considerando que uma política habitacional ideal deve identificar e segmentar a demanda, permitindo um tratamento diferenciado para cada segmento. A partir de 1995 o Governo FHC iniciou o lançamento de vários novos programas e aperfeiçoamento de programas existentes. Esses programas procuram, em princípio, refletir a diversidade do problema habitacional brasileiro, de forma a intervir nas várias faces do déficit. Conforme Lorenzetti (2001), os principais programas habitacionais do Governo FHC podem ser agrupados em três grandes conjuntos: • Programas de financiamento aos governos municipais ou estaduais, em geral a fundo perdido ou subsidiados, destinados especialmente às populações com rendimentos familiares inferiores a três salários mínimos; • Programas de financiamento direto às famílias, destinados à compra, construção e/ou melhoria das condições de habitação de famílias com renda mensal inferior a doze salários mínimos; e • Programas e ações visando à melhoria do funcionamento do mercado habitacional. Os dois principais programas federais, o Pró-Moradia e o Habitar-Brasil, que foram destinados ao financiamento dos governos municipais e estaduais, continuam em vigor até o presente. Possuem desenho e objetivos muito semelhantes: o Pró-Moradia, financiado com recursos do FGTS e contrapartidas estaduais e municipais, previa a concessão de financiamentos a estados e municípios, na qualidade de mutuários, para projetos destinados a famílias com renda de até 3 salários mínimos, que vivam em moradias inadequadas, por condições de falta de segurança ou de insalubridade. Exigia, como condição para participação no programa, a comprovação da 76 capacidade de pagamento/endividamento do mutuário (estado ou município), o adimplemento de compromissos anteriormente assumidos para com o FGTS e a disponibilidade de recursos para a contrapartida exigida, que varia de 10 a 20% do investimento. Essa exigência acabou sendo a causa da paralisação das contratações. Se cumprida a risca, acabaria seguindo os passos de programas anteriores, em que os mais necessitados eram justamente os que não conseguiam contrair financiamento. (CAIXA, 2005). O Pró-Moradia, que entre 1995 e 1998 investiu cerca de R$ 790 milhões (eram mais de R$ 2,17 bilhões orçados), encontra-se quase paralisado em função da incapacidade de Estados e Municípios contraírem novos empréstimos junto ao FGTS. Conforme análise de LORENZETTI (2001), o que evidencia a dificuldade de se equacionar as necessidades habitacionais da população e a situação financeira de Estados e Municípios como mutuários. Se poucos têm condições sequer de se habilitar ao Programa, não podem também arcar com a parcela de subsídio requerida para compensar o baixo poder aquisitivo da população-alvo. Destinado igualmente aos poderes públicos estaduais e municipais e atuando junto à mesma faixa de população do Pró-Moradia, o Habitar-Brasil utilizava como fontes de recursos o OGU (orçamento Geral da União) e contrapartidas de estados e municípios, além da possibilidade de canalização de recursos externos. O Banco Interamericano de Desenvolvimento tem alocado recursos para esse programa e a modalidade assim financiada chamava-se Habitar-BID. A modalidade que usa recursos orçamentários da União é conhecida como Habitar-OGU. O Habitar Brasil objetivava a melhoria das condições de habitabilidade e da qualidade de vida das famílias que viviam em áreas degradadas, de risco, 77 insalubres ou impróprias para moradia, o Pró-Moradia e o Habitar-Brasil, investiram, em conjunto, cerca de dois bilhões de dólares no período 1995 -1998. (SEPURB, 1998). Atualmente as ações do Habitar-OGU estão concentradas no programa Morar Melhor, empreendido pela Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República – SEDU/PR –, que tem por objetivo universalizar os serviços de saneamento básico, reduzir o déficit habitacional e melhorar a infra-estrutura urbana para a população em estado de exclusão social. O Morar Melhor busca a produção de moradias em parceria, integrando as demais esferas do Poder Público – Estados, Distrito Federal e Municípios – nos empreendimentos. (CAIXA, 2005). Segundo informações da Caixa Econômica Federal, os programas Habitar-Brasil e Morar Melhor financiaram em conjunto, desde 1995 até 2000, cerca de 310 mil unidades, num investimento de R$ 829 milhões. A partir da análise dos números, é necessário considerar que os programas Habitar Brasil e Pró-Moradia prevêem que estados e municípios apresentem projetos às instâncias federais que decidem, ou não, a liberação de recursos. Os técnicos levam em conta a disponibilidade de recursos, a qualidade técnica do projeto, sua relação custo-benefício e sua adequação aos objetivos do programa. (SANTOS, 1991). A política de descentralização é um dos pilares da proposta e deixa claro que deve partir de Estados e municípios a iniciativa da proposição. É um assunto por demais debatido que a maioria dos municípios não tem corpo técnico especializado para atender o nível de exigência dos programas. Os recursos do Orçamento Geral da União para a habitação, além de serem definitivamente insuficientes para suprir o déficit quantitativo e qualitativo de habitações, ainda passam pelo crivo das negociações políticas dos parlamentares e, 78 finalmente, quando chegam ao nível do município, a morosidade da tramitação e adequação é a regra. (SEPURB, 1998). Certamente o programa de maior impacto no desafio da moradia foi o programa Carta de Crédito voltado para a população com renda familiar de até 12 salários mínimos e que previa o crédito direto ao cidadão para aquisição de habitação nova ou usada, ampliação e melhoria de habitação existente, construção de moradia ou aquisição de lote urbanizado para construção, bem como compra de material de construção com recursos do FGTS. Na sua modalidade associativa, o programa Carta de Crédito voltava-se para a concessão de financiamento para pessoas físicas agrupadas em condomínios ou organizadas por associações, sindicatos, cooperativas ou empresas construtoras do setor habitacional, bem como para empreendimentos promovidos por companhias de habitação ou outros órgãos assemelhados. (PAULA, 2002) Esse programa, conforme LORENZETTI (2001), embora se mantenha em funcionamento regular, estava estruturado numa condição operacional que deixa de priorizar os critérios sociais na seleção dos beneficiários, como o número de pessoas da família, para colocar em primeiro plano a análise da capacidade de pagamento, segundo parâmetros de uma linha de crédito bancário convencional. Em 1999, foi criado o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), que prioriza o atendimento às famílias com renda mensal de até 6 salários mínimos, sob a forma de arrendamento com opção de compra no final do contrato. A Caixa Econômica Federal tem a propriedade fiduciária das unidades, que são adquiridas por um fundo financeiro constituído exclusivamente para o programa. Embora existam outros programas e ações desenvolvidos, fica evidente no Relatório Nacional Brasileiro para a Conferência Istambul no seu item 4.12, que a 79 ação do Poder Público federal não tem conseguido romper a tradição excludente que sempre marcou o SFH, conforme se observa em sua transcrição abaixo: No período 1995 a março de 2000 foram beneficiadas 1.443.169 famílias e gerados cerca de 597.525 novos empregos com programas habitacionais. A principal fonte de financiamento dos programas foi o FGTS, responsável por cerca de 90,51% dos recursos, enquanto o OGU respondeu pelos 9,49% restantes. O principal programa da SEPURB/SEDU em termos de participação no investimento total foi o Carta de Crédito Individual (60,48%) seguido do Carta de Crédito Associativo (19,06%). Os principais programas destinados a agentes do poder público, com foco na população de mais baixa renda, como o Habitar Brasil e o PRÓ-MORADIA foram responsáveis por apenas 9,49% e 9,23% dos recursos totais investidos, demonstrando que os investimentos em habitação não têm privilegiado a população de baixa renda. (BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES. 2005). Segundo MARICATO (2001, p.138), algumas das características da atuação do governo FHC em relação à questão urbana foram: • Mercado residencial restrito – no Brasil, o salário jamais foi regulado pelo preço da moradia o que fez com que o mercado imobiliário ficasse restrito a uma parcela da população. Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o financiamento habitacional oferecido pelo mercado privado legal não atingia aqueles que ganham menos de 10 salários mínimos. O resultado disto foi o crescimento da ocupação urbana ilegal como dinâmica própria do modelo de urbanização do país. Entre 1995 e 2000 houve um crescimento de 4,4 milhões de domicílios no país, enquanto apenas 700 mil foram criadas pelo mercado. • Gestões urbanas de investimento regressivo – prefeituras e estados orientam a localização dos investimentos públicos com base nos interesses de proprietários de terras e especuladores imobiliários. Áreas específicas das cidades são privilegiadas na definição do orçamento público. • Aplicação arbitrária da lei – as leis e os planos diretores se aplicam à “cidade oficial”, mas nas periferias, a “cidade ilegal”, as invasões e o desrespeito às leis são tolerados. 2.4 DIRETRIZES DA POLÍTICA HABITACIONAL NO GOVERNO LULA 80 Analisando-se os dois primeiros anos do governo Lula, verifica-se que o governo tem sido capaz, até o momento, de abarcar parcialmente as demandas sociais historicamente constituídas no país. A produção legislativa verificada no âmbito das políticas sociais nesses dois primeiros anos de governo, e a proliferação de espaços institucionais de participação – como o são conselhos, fóruns, grupos de trabalho etc. – quanto a criação de secretarias especiais e órgãos públicos voltados ao tratamento de questões sociais, demonstram esse esforço. Essa reorientação das políticas do Estado brasileiro no âmbito da habitação foi atingida com a criação do Ministério das Cidades. A consciência da necessidade de reverter esta situação de desigualdade e exclusão, preencher o vazio institucional diante de tema tão importante e urgente para a sociedade brasileira, além da necessidade de dar voz aos movimentos e fóruns sociais em torno da questão urbana, foram os motivadores fundamentais da criação do Ministério das Cidades pelo novo governo que assumia a direção da nação. 2.4.1 Ministério das Cidades A criação do Ministério das Cidades no Governo LULA constituiu um fato inovador nas políticas urbanas, pelo fato de ser o resultado do clamor do movimento formado por profissionais, lideranças sindicais e sociais, ONGs, intelectuais, pesquisadores e professores universitários. Como o próprio Ministério divulga em seu sitio, “a estrutura do Ministério das Cidades constitui hoje um paradigma, não só em território brasileiro, mas como em toda a América Latina”.(BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES. 2005). 81 O aspecto fundamental de sua criação está na estrutura que coordena os setores da habitação, do saneamento e dos transportes (mobilidade) e trânsito para integrá-los, levando em consideração o uso e a ocupação do solo. Além disso, o objetivo é a busca da definição de uma política nacional de desenvolvimento urbano em consonância com os demais entes federativos (município e estado), demais poderes do Estado (legislativo e judiciário), além da participação da sociedade visando a coordenação e a integração dos investimentos e ações nas cidades do Brasil dirigidos à diminuição da desigualdade social e à sustentabilidade ambiental. Com a criação do Ministério das Cidades o governo federal ocupa um vazio institucional e cumpre um papel fundamental na política urbana e nas políticas setoriais de habitação, saneamento e transporte sem contrariar, mas reforçando, a orientação de descentralização e fortalecimento dos municípios definida na Constituição Federal de 1988. (BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES. 2005). O principal desafio do novo Ministério é o desenvolvimento de ações solidárias entre governo federal, governos estaduais e governos municipais para o financiamento da habitação e da infra-estrutura urbana. O Ministério das Cidades está desenhando novas políticas e novos sistemas que viabilizem o investimento coerente e integrado – público e privado - de modo a racionalizar os recursos de acordo com as prioridades e necessidades previstas em planos, indicadores de desempenho e posturas (nacionais/gerais e locais/específicas) definidos de forma democrática como se verá mais adiante. Espera-se, assim, eliminar os constantes desperdícios de recursos decorrentes da descontinuidade de projetos, desarticulação entre ações simultâneas e sucessivas, falta de integração intermunicipal, falta de controle social e público, e desconhecimento das questões ambientais. (GOVERNO LULA, 2004). 82 Para tratar da questão habitacional o Ministério das cidades criou a Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades que é responsável pela formulação e proposição dos instrumentos para a implementação da Política Nacional de Habitação e busca desenvolver os trabalhos de concepção e estruturação da estratégia para equacionamento do déficit habitacional brasileiro. A questão habitacional precisa ser enfrentada de forma articulada com as políticas urbana, fundiária e de saneamento. (BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2005). Para tanto, a nova Política Nacional de Habitação, de acordo com as diretrizes que orientam o atual governo (baseadas na inclusão social, participação e gestão democrática), apresenta os diferentes aspectos, que compõem a Política Nacional de Habitação, o Sistema e o Plano Nacional de Habitação, o Plano de Capacitação e Desenvolvimento Institucional e o Sistema de Informação, Monitoramento e Avaliação da área habitacional: A estratégia proposta parte do pressuposto que deve ser criado um Sistema Nacional de Habitação que possibilite uma ação articulada entre União, estados e municípios, de modo a evitar a dispersão de recursos e a fragmentação de programas e projetos, e que se promova a integração entre a política habitacional e as políticas de planejamento territorial e fundiária e saneamento, a ser coordenada pelo Ministério das Cidades.(BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES. 2005). Conforme o Ministério das Cidades, são cinco os eixos estratégicos necessários para garantir a implantação da nova Política Nacional de Habitação - PNH: • Articulação entre as diferentes fontes de recursos • Fortalecimento institucional • Política fundiária para habitação • Modernização da produção habitacional • Estruturação de linhas de financiamento. 83 De acordo com a Política Nacional de Habitação divulgada pelo Governo LULA, o Sistema Nacional de Habitação deve estabelecer as bases do desenho institucional proposto e a articulação financeira da Política Nacional de Habitação, incluindo a criação dos subsistemas de habitação de interesse social e de mercado, e deve perseguir os seguintes objetivos básicos: • Universalizar o acesso à moradia digna em um prazo a ser definido no Plano Nacional de Habitação levando-se em conta a disponibilidade de recursos e a capacidade operacional; • Implementar uma política de planejamento de cidades destinando em seus planos diretores imóveis desocupados e áreas infraestruturadas, adequadas para provisão de programas habitacionais de interesse social; revertendo dessa forma a lógica de segregação social e espacial; • Enfrentar o problema habitacional de forma articulada com as políticas fundiária, de saneamento e de transporte e em consonância com as diretrizes de política urbana; • Fortalecer o papel do Estado na gestão da Política e na regulação dos agentes privados; • Concentrar esforços e canalizar, de forma articulada, recursos não onerosos dos três âmbitos de governo no enfrentamento dos problemas habitacionais; • Promover o atendimento à população de baixa renda, aproximando-o ao perfil do déficit qualitativo e quantitativo; • Estimular o mercado para atender as faixas de renda média evitando que existam faixas de renda desprovidas de financiamento; 84 • Buscar a expansão do crédito habitacional, ampliando fontes de recursos existentes e criando ambiente de mercado estável; • Facilitar e baratear o acesso à terra urbanizada e ao mercado secundário de imóveis (preferencialmente os imóveis desocupados); • Promover o desenvolvimento tecnológico na área da construção civil para reduzir custos; • Ampliar a produtividade e melhorar a qualidade do produto; e • Gerar empregos e renda dinamizando a economia, apoiando-se na capacidade que a indústria da construção apresenta em mobilizar mão de obra, utilizar insumos nacionais sem a necessidade de importação de materiais e equipamentos e contribuir com parcela significativa do PIB. (BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES. 2005). A Secretaria Nacional de Habitação tem procurado focar a aplicação dos Recursos habitacionais na faixa de renda de até cinco salários mínimos, revertendo a lógica de exclusão consagrada historicamente. Mas não é apenas no aumento dos números dos investimentos que se observa a reorientação do estado brasileiro em relação à questão urbana. Ela se verifica também na experiência, inédita em âmbito federal, de planejamento participativo da gestão urbana. A participação democrática foi implementada por meio da Conferência Nacional das Cidades realizada em outubro de 2003. Aderiram ao processo de conferência 3457 municípios e todos os estados organizaram sua Conferência Estadual das Cidades. Foram definidos os princípios e as diretrizes da política de desenvolvimento urbano do governo Lula, além do estabelecimento e da eleição do tão esperado Conselho Nacional das Cidades, o governo federal estabeleceu um canal de comunicação com os movimentos populares. 85 Dessa forma, o Ministério das cidades tem procurado mostrar que é possível planejar o espaço urbano brasileiro de forma plural com o objetivo de superar as severas desigualdades que marcam a sociedade brasileira.(GOVERNO LULA, 2004). As Ações do Governo Federal dão ênfase aos programas destinados ao atendimento de demandas habitacionais para famílias de baixa renda, sendo que o principal programa continua sendo o Carta de Crédito – recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O programa está sendo desenvolvido nos mesmos moldes e é uma continuidade do programa implantado no governo FHC. Outros programas como o Nosso Bairro, que concede financiamento a estados e municípios para implantação de melhorias habitacionais, ampliação ou melhoramento da infraestrutura urbana e de conjuntos habitacionais, produção de conjuntos habitacionais e urbanização de áreas degradadas e o Morar Melhor, para construção de unidades habitacionais em parceria com instituições financeiras públicas, elevando as condições de habitabilidade, não apresentam uma efetividade que possa ser destacada. Em relatório divulgado no sitio do Ministério das Cidades (2005), a Arquiteta Ermínia Maricato, afirma que o novo Sistema Nacional de Habitação está sendo o marco regulatório e da nova estrutura que será complementada pelo FNHIS Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e o SNHIS- Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social previstos na Lei Federal 11.124/2005 aprovada no Congresso Nacional após 13 anos de tramitação. A tese perseguida para a mudança de paradigma na área de habitação é a seguinte: • Buscar segurança jurídica e ampliar recursos financeiros para o mercado privado de moradias para a classe média. Dessa forma espera-se que a classe média não dispute recursos federais com as faixas de baixa renda como aconteceu em anos anteriores ao governo LULA. • Ampliar os recursos e dar prioridade de investimentos que estão sob gestão federal e nacional para as faixas de rendas mais baixas (92% do déficit habitacional está situado abaixo de 5 SM). Dessa forma 86 espera-se conter o crescimento das favelas e das ocupações urbanas ilegais. (BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES. 2005). 2.5 PROGRAMAS HABITACIONAIS FINANCIADOS COM RECURSOS FGTS: CARACTERÍSTICAS Elaborar uma Política Nacional de Habitação sustentável é um dos maiores desafios do Governo Federal. Os investimentos no setor habitacional possuem grande capacidade de alavancar o desenvolvimento econômico e social. A implementação de ações que facilitem a produção de habitações impacta diretamente em um dos segmentos da indústria com maior capacidade de absorver mão-de-obra menos qualificada e altamente penalizada pelo desemprego, além de aquecer outros segmentos da economia e, assim, contribuir para a geração de trabalho e renda. O desenvolvimento sustentável das cidades passa pela disponibilização de recursos para financiar a produção e a comercialização de imóveis. A existência de leis e normas claras, objetivas e compatíveis com a realidade do mercado e da capacidade das famílias são imprescindíveis para ampliar o universo das famílias em condições de ter acesso à moradia. Viabilizar o acesso à moradia se constitui em uma poderosa ferramenta redistributiva, uma vez que a habitação é o ativo de maior importância para os segmentos sociais mais pobres e se apresenta como um dos mais valiosos instrumentos para melhorar o padrão de vida e promover a inclusão social. (ARANTES; MARICATO; VAINER, 2000). 87 Quando o assunto é financiamento para a Habitação, o primeiro ponto a ser analisado é o volume de recursos disponíveis ou disponibilizados, pois normalmente atribui-se o insucesso no combate ao déficit habitacional a má aplicação dos recursos. Na área de habitação a principal fonte de recursos públicos é o FGTS, sendo o Ministério do Planejamento e Orçamento o gestor das aplicações desse Fundo e a Caixa Econômica Federal seu agente operador. A análise do perfil do déficit habitacional brasileiro demonstra que a maior parcela da necessidade de moradia no Brasil é caracterizada por carência e não por demanda, uma vez que 83,25% está concentrado em famílias com renda até 3 salários mínimos, as quais possuem baixa ou nenhuma capacidade de pagamento. Esse fato, por si só, já evidencia que aumentar a oferta de crédito não garante a redução do déficit. O papel do poder público no processo de desenvolvimento urbano é destacado por MARICATO (2001), quando a autora afirma que o padrão de crescimento urbano foi recorrentemente sancionado pelo poder público, ao permitir a instalação de conjuntos habitacionais distantes da área urbana consolidada; ao licenciar a implantação de loteamentos em áreas rurais e ao promover alterações pontuais na legislação de uso e ocupação do solo e na definição da legislação de perímetro urbano e de zonas de expansão urbana. Para GROINSTEIN (2001), esse padrão de expansão metropolitana regido pela ilegalidade dos loteamentos e das ocupações sobre áreas protegidas e solos frágeis, está pautado na insustentabilidade e é responsável por um alto grau de impactos sobre o ambiente. Para a autora, o grau de sustentabilidade urbana está relacionado aos seguintes aspectos: a forma de ocupação, a disponibilidade de insumos (água), a descarga de resíduos (esgoto e lixo), a 88 acessibilidade (transporte público); o atendimento à moradia, equipamentos sociais e serviços; e a qualidade do espaço público. Desta forma, a autora relaciona esse padrão de expansão urbana, baseado na ilegalidade e na clandestinidade, aos problemas sócio-ambientais: Nas parcelas da cidade produzida informalmente, onde predominam os assentamentos populares e a ocupação desordenada, a combinação dos processos de construção do espaço com as condições precárias de vida urbana gera problemas sócio-ambientais e situações de risco, que afetam tanto o espaço físico quanto a saúde pública: desastres provocados por erosão, enchentes deslizamentos; destruição indiscriminada de florestas e áreas protegidas; contaminação do lençol freático ou das represas de abastecimento de água; epidemias provocadas por umidade e falta de ventilação nas moradias improvisadas, ou por esgoto e águas servidas que correm a céu aberto, entre outros. (GROINSTEIN, 2001, p.30). Ciente desse tipo de condições criada em suas metrópoles, são desenvolvidos programas com produtos do FGTS, para fazer frente à carência habitacional. Para desenvolvimento deste estudo acadêmico se analisarão os dois programas com o maior volume de aplicação de recursos, os quais servirão de base para desenvolver a comparação das unidades produzidas nos governos de FHC e LULA: • Programa Carta de Crédito Individual • Programa Carta de Crédito Associativo ] 2.5.1 Financiamentos Individuais 89 O Programa Carta de Crédito Individual é uma linha de financiamento com recursos do FGTS, destinada à aquisição de moradia que atenda às condições mínimas de habitabilidade. Podem aderir ao programa famílias com renda bruta enquadrada nos limites definidos para a operação, a qual varia de acordo com a modalidade que se pretende contratar. Atualmente são atendidas no programa famílias com renda familiar mensal bruta que não exceda a R$ 4.900,00 na data da emissão da Carta de Crédito. Para fins de análise a CAIXA4 considera a renda familiar mensal bruta como sendo a renda mensal do proponente e respectivo cônjuge/companheiro, dos dependentes e dos demais participantes da operação, deduzida dos créditos provisórios e eventuais. De acordo com a Caixa Econômica Federal (2005), o Programa objetiva conceder financiamentos a pessoas físicas para fins de aquisição, construção, conclusão, ampliação, reforma ou melhoria de unidade habitacional, propiciando ainda a aquisição de cesta de material de construção ou a aquisição de lote urbanizado. Desta forma, os recursos disponibilizados pelo programa podem ser utilizados para aquisição de unidade habitacional nova; construção de unidade habitacional; aquisição de unidade habitacional usada; conclusão; ampliação; reforma ou melhoria de unidade habitacional; aquisição de material de construção e aquisição de lote urbanizado. A fonte de recursos dos financiamentos concedidos é o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), sendo que a contrapartida dos tomadores, de no mínimo 5% (para imóveis novos) e 7,5% (para imóveis usados), referente ao valor 4 Agente financeiro habilitado a operar o programa Carta de Crédito FGTS 90 de venda ou de produção do imóvel não financiável pelo FGTS, pode ser representada pelo pagamento de juros e outros encargos financeiros durante a fase de obra. Somente poderão ser concedidos financiamentos com recursos do FGTS a pretendentes, pessoas físicas, que não detenham, em qualquer parte do país, outro financiamento nas condições do SFH, e não sejam proprietários, promitentes compradores ou titulares de direito de aquisição de imóvel residencial no atual local de domicílio nem onde pretendam fixá-lo. São participantes do processo: O Ministério das Cidades, que possui a função de regulamentar o programa, à luz das normas baixadas pelo Conselho Curador do FGTS, e realizar a gestão, acompanhamento e a avaliação do programa. A Caixa Econômica Federal, como agente operador do FGTS, que tem a função de contratar, em nome do FGTS, operações de empréstimo com os Agentes Financeiros por ela habilitados a participar do programa. E os agentes financeiros que irão contratar operações de empréstimo com o agente operador e operações de financiamento com os beneficiários finais do programa. Salientando que a CAIXA, como se trata do principal agente financeiro, possui duas funções distintas: a de agente operador e agente financeiro. Além disso, a administração pública estadual do Distrito Federal ou municipal, direta ou indireta, ou seja, o poder público, não participa diretamente do programa. Sua participação, contudo, é desejável particularmente nos casos de operações coletivas com aquisição de material de construção e para fins de redução de exigências construtivas, taxas e/ou emolumentos. Para participar do programa não é necessário fazer inscrições, pois os interessados devem procurar diretamente os Agentes Financeiros habilitados a operar os programas do FGTS, como, por exemplo, a Caixa Econômica Federal. O valor do 91 financiamento é definido em função do resultado da análise de risco e apuração da capacidade de pagamento do cliente, efetuada pelo Agente Financeiro, respeitados os limites de renda e de avaliação do imóvel. Uma das principais características do programa é o fato de que todo cidadão com rendimento familiar mensal de até R$ 1.500,00 possui direito a subsídio nos seus financiamentos concedidos com recursos do FGTS. O subsídio5 representa o pagamento do custo financeiro da operação de crédito, isto é, o custo bancário do financiamento concedido. O subsídio permite o pagamento de parte do valor de venda ou de produção do imóvel e varia de acordo com a combinação dos seguintes fatores: • Renda familiar do cidadão (e o correspondente financiamento obtido); • Localização do imóvel (considerando o porte do município, capitais estaduais e regiões metropolitanas); • Modalidade operacional pretendida (construção, conclusão, ampliação, reforma, melhoria, cesta de material de construção, aquisição de imóvel novo, aquisição de imóvel usado ou lotes urbanizados). O valor de financiamento é determinado de acordo com a capacidade de pagamento. A capacidade de pagamento é analisada, caso a caso, pelo Agente Financeiro, levando em consideração, entre outros fatores, sua renda familiar. Não há valores de financiamento previamente estabelecidos. Além disso, o FGTS não financia 100% do valor do imóvel, sendo necessária uma contrapartida. 5 O subsídio é concedido na forma de desconto financeiro na operação de crédito para possibilitar o acesso ao crédito habitacional por mutuários com baixa capacidade financeira. O subsídio no FGTS sempre existiu, a forma e as regras para concessão da ajuda é que são alteradas e ampliadas. O subsídio permite que as famílias com renda de até R$ 1,5 mil paguem uma taxa de juros menor (de 3% enquanto que nas demais faixas a taxa varia de 6% a 8%) e estão isentos da taxa de administração do contrato pelo agente financeiro, que chega a R$ 25 por mês. 92 Tabela 1: Parâmetros das Modalidades VALORES MÁXIMOS (em R$) MODALIDADE OPERACIONAL Aquisição de Unidade Habitacional Nova Construção de Unidade Habitacional Aquisição de Unidade Habitacional Usada Conclusão, Reforma Renda Familiar Venda / Avaliação Investimento 72.000,00 - 3.900,00 - 72.000,00 3.900,00 72.000,00 - 3.000,00 - 62.000,00 (1) 2.400,00 - 62.000,00 (2) 1.500,00 20.000,00 - 1.500,00 Bruta Ampliação, ou Melhoria de Unidade Habitacional Aquisição de Material de Construção Aquisição de Lote Urbanizado Fonte: Caixa (2005) (1) valor-limite da unidade habitacional no estado original, acrescido das benfeitorias a serem realizadas; (2) valor-limite, nos casos de construção; e da unidade habitacional no estado original acrescido das benfeitorias a serem realizadas, nos casos de conclusão, ampliação, reforma e melhoria. O cidadão que não possui Carteira de Trabalho assinada, contra-cheque ou outra maneira de comprovar, formalmente, seu rendimento mensal, também poderá pleitear financiamento com recursos do FGTS. Nesses casos, os agentes financeiros buscarão caracterizar a renda familiar do cidadão por intermédio de questionário especifico. O Conselho Curador do FGTS determina os limites operacionais que serão adotados para o programa; os valores máximos de avaliação devem ser observados pelos agentes financeiros conforme tabela 01.Os limites definidos são elastecidos para atendimento de operações especiais, comumentemente as de financiamento coletivo, quando o imóvel é adquirido na planta e posteriormente 93 construído por uma construtora aprovada pela agente financeiro. Os limites atuais para essa modalidade estão descritos na tabela 2. Tabela 2: Parâmetros das Modalidades Operações Especiais VALORES (em R$) MODALIDADE OPERACIONAL Aquisição de Venda/Avaliação Unidade Habitacional Nova Construção de Unidade Habitacional Fonte: Caixa (2005) Investimento De 72.000,01 a - 80.000,00 - De 72.000,01 a 80.000,00 Renda Familiar Bruta De 3.900,01 a 4.900,00 De 3900,01 a 4.900,00 A composição do investimento é variável de acordo com a modalidade pretendida, correspondente à soma de todos os custos diretos e indiretos necessários à execução das obras e serviços propostos, podendo ser integrado total ou parcialmente pelos seguintes itens (exceto nos casos de aquisição de unidades habitacionais ou lotes): nos custos diretos são considerados os valores do terreno, projetos, construção e materiais de construção. Nos custos indiretos são considerados os juros na carência, seguros, despesas de legalização, remuneração pela operação financeira, taxas e atualização do saldo devedor. Tabela 3: Taxas de Juros ÁREAS Habitação Popular TAXAS BÁSICAS NOMINAIS DE JUROS 6% ao ano Habitação / Operações Especiais 8% ao ano Fonte: Caixa (2005) As taxas acima são acrescidas de 2,16% ao ano (pessoas físicas). Para famílias com renda até R$ 1.500,00, o diferencial de 2,16% ao ano é suportado pelo FGTS (desconto). 94 As taxas de juros das operações estão descritas na tabela 3, e são variáveis de acordo com a renda familiar. Outro aspecto a ser abordado são os prazos de financiamento os quais podem chegar até 30 anos de acordo com a tabela 4. Tabela 4: Prazos TOMADORES PRAZOS MÁXIMOS DE AMORTIZAÇÃO (em anos) Pessoas físicas (Imóveis Usados) 25 Pessoas físicas (Imóveis Novos) 30 Fonte: Caixa (2005) Para contratação da operação o proponente procura o agente financeiro. No caso de financiamentos nessa modalidade o único credenciado é a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, que fornece as orientações sobre o produto, relação de documentos e preenche Ficha Cadastro, a qual é submetida à aprovação pelo sistema de risco. Após aprovação, o proponente recebe a Carta de Crédito com validade por 30 dias, origem do nome do programa, pois se trata da garantia que o proponente possui para procurar o imóvel que se adapte às suas exigências e possibilidades, bem como prazo hábil para providenciar a documentação necessária para contratação da operação. 2.5.2 Financiamentos Associativos O processo de expansão das cidades brasileiras, realizado através do parcelamento do solo, é marcado pela implantação de empreendimentos habitacionais periféricos promovidos principalmente pelo setor privado através dos loteamentos. Esse 95 fenômeno, que na maioria das vezes ocorre de forma desordenada, ocupando áreas desfavoráveis a esse tipo de uso, é uma das atividades de grande impacto sobre o ambiente, além de gerar pesado ônus ao poder público e riscos à população. Para BONDUKI (1996), esse processo contribui para uma expansão horizontal desmedida sob a regência dos loteadores e da dinâmica do mercado fundiário especulativo, originando uma intensa produção de loteamentos clandestinos e irregulares, geralmente em áreas públicas ou de risco à população, e a favelização daqueles que não possuíam recursos suficientes para obter a casa própria. Esse padrão de expansão urbana cresceu indiscriminadamente gerando cidades excessivamente desconcentradas, que se estendem desmensuradamente. Para os especuladores imobiliários essa forma é extremamente lucrativa, uma vez que ocorre um aumento da demanda de lotes vazios e uma intensa transformação de glebas rurais e urbanas. (BONDUKI, 1996). Como forma de concentrar estas populações em regiões com infra-estrutura adequada, a produção de conjuntos habitacionais, organizados pelo poder público apresenta-se como uma alternativa. Para o desenvolvimento das políticas públicas nesse sentido, o principal programa desenvolvido é o Programa Carta de Crédito Associativo – Imóvel na Planta. O Programa Carta de Crédito Associativo tem por objetivo conceder financiamentos a pessoas físicas, associadas em grupos formados por condomínios, sindicatos, cooperativas, associações, Companhias de Habitação (COHAB) ou empresas do setor da construção civil. O financiamento, também conhecido por imóvel na planta – associativo, é uma linha de Crédito destinada à produção de empreendimentos habitacionais, podendo também ser utilizado para a reabilitação de empreendimentos urbanos e produção de lotes urbanizados. 96 O Financiamento é feito diretamente às pessoas físicas nos mesmos moldes do Programa de Carta de Crédito, sendo que nessa modalidade as pessoas são agrupadas em condomínios, sindicatos, cooperativas, associações, pessoas jurídicas voltadas à produção habitacional, companhias de habitação ou órgãos assemelhados, Estados, Municípios, Distrito Federal ou órgãos da sua administração direta ou indireta, com a participação ou não, de Construtora. As operações são destinadas a um público definido de acordo com a renda, que é definida e atualizada sempre que necessário. O programa permite a produção de lote urbanizado, a construção de unidade habitacional ou a aquisição de unidade nova produzida no âmbito do próprio programa. Existe também uma modalidade denominada “Reabilitação Urbana” por intermédio da qual o grupo associativo poderá adquirir unidades usadas e executar obras voltadas à recuperação e ocupação para fins habitacionais. De acordo com a CAIXA (2005), as características do Programa Carta de Crédito Associativo em relação ao tomador do financiamento são as mesmas da Carta de Crédito FGTS Individual e os financiamentos possuem a mesma fonte de recursos, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Tabela 5: Limites Operacionais MODALIDADE OPERACIONAL Aquisição de Unidades Habitacionais VALORES MÁXIMOS (em R$) – por Unidade Habitacional Venda/Avaliação Renda Familiar Bruta 72.000,00 3.900,00 Construção de Unidades Habitacionais 72.000,00 3.900,00 Reabilitação Urbana 72.000,00 3.900,00 Produção de Lotes Urbanizados 20.000,00 1.500,00 Fonte: Caixa (2005) 97 Os participantes do programa: Ministério das Cidades, Caixa Econômica Federal, como Agente Operador do FGTS e Agente Financeiro, e o poder público possuem as mesmas funções, porém essa modalidade exige a participação das entidades organizadoras do grupo associativo que serão responsáveis pela formação e apresentação, ao agente financeiro, do grupo associativo; pelo cumprimento, em nome do grupo, das exigências necessárias à contratação das operações de financiamento: e pela orientação dos beneficiários finais com relação aos seus direitos e obrigações decorrentes dos financiamentos contratados que terão seus valores fixados de acordo com a tabela 5 e 6 de limites operacionais e operações especiais: Tabela 6: Limites Operações Especiais MODALIDADE OPERACIONAL Aquisição de Unidade Habitacional Construção de Unidade Habitacional VALORES (em R$) – por unidade habitacional Venda/Avaliação Renda Familiar Bruta De 72.000,01 a 80.000,00 De 3.900,01 a 4.900,00 De 72.000,01 a 80.000,00 De 3.900,01 a 4.900,00 Fonte: Caixa (2005) Da mesma forma que no CCFGTS Individual, as famílias com rendimento mensal de até R$ 1.500,00 possuem direito ao subsídio (descontos) nos seus financiamentos concedidos com recursos do FGTS o que vai alterar as taxas de juros da tabela 7, nas mesmas proporções já explicitada anteriormente: 98 Tabela 7: Condições de Aplicações TAXAS BÁSICAS ÁREAS NOMINAIS DE JUROS Habitação Popular 6% ao ano Habitação / Operações Especiais 8% ao ano Fonte: Caixa (2005) As taxas acima são acrescidas de 2,16% ao ano (pessoas físicas). Para famílias com renda até R$ 1.500,00, o diferencial de 2,16% ao ano é suportado pelo FGTS (desconto). Nos financiamento em forma coletiva os prazos máximos de amortização são elastecidos para 30 anos, conforme tabela 8, com exceção da modalidade reabilitação urbana que pode ser contratada por até 25 anos. Tabela 8: Prazos de Amortização MODALIDADES PRAZOS MÁXIMOS DE AMORTIZAÇÃO (em anos) Todas as modalidades, exceto Reabilitação Urbana Reabilitação Urbana 30 25 Fonte: Caixa (2005) A operação consiste na emissão de Carta de Garantia de Financiamento à Entidade Organizadora/Construtora/Agente Promotor, que assegura a contratação individual do financiamento com os beneficiários, pessoas físicas. Para a assinatura dos contratos é necessário que esteja sob gestão da CAIXA o valor total dos recursos para conclusão do empreendimento ou módulo. Além dos programas apresentados são utilizados recursos do FGTS para desenvolvimento de programas como: Programa de Apoio à Produção, o PróMoradia – Programa de Atendimento Habitacional através do Poder Público, o PSH - 99 Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social, o PAR – Programa de Arrendamento Residencial, o Programa de Apoio à Produção de Habitações e o Crédito Solidário. 100 Capítulo III ANÁLISE DOS PADRÕES DE FINANCIAMENTO COM RECURSOS FGTS DOS GOVERNOS FHC E LULA Neste capítulo discorre-se sobre o déficit habitacional no Brasil e os principais indicadores da carência habitacional. Analisam-se os números de unidades habitacionais produzidas nos períodos referentes aos governos FHC e LULA e verificam-se alguns aspectos como a produção por faixa de renda e outros aspectos que permitirão aprofundar o estudo acadêmico. 3.1 O DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL As políticas voltadas para a habitação são desenvolvidas baseadas na noção oficial de carência habitacional que surge da defasagem entre crescimento populacional urbano e o lento ritmo de construção de casas populares. Os indicadores habitacionais constituem importante ferramenta no auxílio à formulação e implementação de políticas públicas orientadas à busca de solução para o problema da moradia, uma vez que os recursos, em todas as esferas governamentais, mostram-se escassos; o que demanda, portanto, orientação técnica para seleção de prioridades de atendimento. A questão da falta de moradia apresenta, além de um aspecto econômico, um aspecto social e político, pois a população tem de enfrentar o alto preço cobrado para a aquisição da casa própria, e ainda se depara com a diferenciação social 101 no espaço urbano, sendo que em cada período histórico, as formas de expressão desses aspectos mudam de acordo com a posição ou a força dos grupos e classes sociais envolvidas no processo.(GRAZIA; QUEIROZ, 2001). Tal situação agravou-se quando o Brasil passou de um país rural a um país urbano; a partir da década de 60, suas principais cidades têm convivido com problemas gerados pelos efeitos dessa mudança, entre eles, o aumento da demanda por moradia. Para se estabelecer políticas públicas adequadas e voltadas a resolver o problema habitacional, faz-se necessário estabelecer o déficit habitacional. Os números sobre as deficiências de moradia são tão divergentes quanto polêmicos; conhecer os níveis diferenciados de exigências e demandas habitacionais possibilita a sinalização de prioridades de investimentos para o setor público e privado visando à melhoria de qualidade do habitat para os diferentes estratos sociais. Em uma sociedade com índices de desigualdade extremamente elevados como a brasileira, questões aparentemente universais como educação, serviços de saúde e habitação não são facilmente comparáveis, e muito menos intercambiáveis, entre alguns dos diversos submundos sociais. Em outras palavras, seria possível dizer que, em muitos aspectos, não há mercados reais que operem igualmente para todos: o substrato dessa proposição é que o processo de penetração capitalista da sociedade ainda apresenta lacunas e ou deficiências importantes. (REIS, 1988 apud FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2004). Os números apresentados para ilustrar as estimativas do déficit habitacional no Brasil são bastante diferentes e variam, conforme a metodologia empregada, de 5 a 13 milhões de moradias. Na prática, isso representa algo entre 20 a 102 52 milhões de pessoas no país que não disporiam de habitações adequadas. Há famílias morando em residências não servidas por saneamento básico (abastecimento de água e esgotamento sanitário), mais de uma família em uma única habitação, em favelas, em cortiços, quartos ou salas e até embaixo de pontes. (IPEA, 1996). Para demonstrar esta disparidade se pode citar dois estudos elaborados sobre esse tema; Prado e Pelin (1993) e Fundação João Pinheiro (1995), os quais chegaram, respectivamente, a 12,7 milhões e 5,6 milhões de déficit habitacional no Brasil. Deve-se ressaltar que a diferença básica entre as estimativas dos dois estudos refere-se à questão do déficit habitacional de moradias inadequadas, considerada no primeiro e não no segundo trabalho, como componente do déficit habitacional no Brasil. É inegável que a complexidade do levantamento dos dados pode explicar, em parte, as diferentes estimativas. Mas, as principais razões da aparente inconsistência dos números são apresentadas no estudo "Déficit Habitacional no Brasil", realizado pela Fundação João Pinheiro - MG (1995). De acordo com esse trabalho, as quantificações distintas são resultado da adoção de diferentes definições de déficit habitacional. Apesar das controvérsias existentes em torno da metodologia adotada pela Fundação João Pinheiro em seus trabalhos, a mesma vem sendo adotada, atualmente, pelo governo federal, estados, municípios e demais entidades. Com o objetivo de calcular as necessidades habitacionais brasileiras a Fundação João Pinheiro desenvolveu uma metodologia que distinguia o déficit habitacional do que se denominou inadequação dos domicílios. A metodologia para o cálculo das necessidades habitacionais foi desenvolvida tendo como base de informações a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, e parte 103 do pressuposto que a análise deve partir da conceituação de necessidades habitacionais e déficit habitacional, as quais muitas vezes são utilizadas como se fossem expressões sinônimas, ao passo que a diferença conceitual entre ambas existe. Nesse sentido o esquema abaixo demonstra a formação das Necessidades Habitacionais: Figura 1: Necessidades habitacionais Fonte: FJP 2004 O conceito de déficit habitacional, segundo a metodologia da Fundação João Pinheiro, leva em consideração três conceitos importantes. São eles: • Necessidades habitacionais; • Déficit habitacional; e • Inadequação das moradias. De acordo com a Fundação João Pinheiro (2004) como déficit habitacional entende-se a noção mais imediata e intuitiva de necessidade de construção de novas moradias para a solução de problemas sociais e específicos de habitação, detectados em um certo momento. O conceito utilizado está ligado diretamente às deficiências do estoque de moradias. Engloba tanto aquelas moradias 104 sem condições de serem habitadas devido à precariedade das construções ou em virtude de terem sofrido desgaste da estrutura física e que devem ser repostas, quanto à necessidade de incremento do estoque, decorrente da coabitação familiar ou da moradia em locais destinados a fins não residenciais. Inclui também as famílias urbanas com renda até 3 salários mínimos, que despendam mais de 30% dessa renda com aluguel, o que se denomina ônus excessivo com aluguel. As necessidades habitacionais englobariam, além do déficit habitacional as habitações inadequadas, que são as que não proporcionam a seus moradores condições desejáveis de habitabilidade, o que não implica, contudo, necessidade de construção de novas unidades. Pelo conceito adotado de moradias inadequadas são passíveis de serem identificadas somente aquelas localizadas em áreas urbanas. Não são contempladas as áreas rurais que apresentam formas diferenciadas de adequação não captadas pelos dados utilizados. Tomou-se o cuidado de excluir do estoque a ser analisado os domicílios inseridos em alguma das categorias do déficit habitacional. Ao contrário desse, os critérios adotados para a inadequação habitacional não são mutuamente exclusivos, e, portanto, não podem ser somados, sob risco de múltipla contagem (uma mesma moradia pode ser simultaneamente inadequada segundo vários critérios. São classificados como inadequados os domicílios com carência de infra-estrutura, com adensamento excessivo de moradores, com problemas de natureza fundiária, e aqueles sem unidade sanitária domiciliar exclusiva). (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2004). Tabela 9: Componentes do Déficit Habitacional 105 Necessidades Habitacionais = Déficit Habitacional + Habitações Inadequadas Déficit Habitacional • Por Incremento do Estoque o Coabitação Familiar o Domicílios Improvisados o Ônus Excessivo com Aluguel Habitações Inadequadas • Por Reposição de Estoque o Por Depreciação • Carência de Serviços de infra Estrutura • Inadequação Fundiária Urbana • Adensamento Excessivo • Inexistência de Unidade Sanitária Domiciliar Interna • Domicílios Depreciados Fonte: Informativo Centro de Estatística e Informações (CEI) Demografia, Déficit Habitacional do Brasil, Fundação João Pinheiro (FJP), Junho de 2002. O tema da Habitação refere-se a conceitos amplos onde se integram diferentes questões sócio-ambientais. No entanto, ao se tentar agregar necessidades habitacionais com esse sentido mais amplo e não apenas a necessidade de moradia entendida como unidade habitacional, não há condições prévias, asseguradas por levantamentos anteriores, para o dimensionamento confiável das necessidades. Nesse sentido, por moradia digna entende-se aquela localizada em terra urbanizada, com acesso a todos os serviços públicos essenciais por parte da população que deve estar abrangida em programas geradores de trabalho e renda. Respeitada a diversidade regional, cultural e física do país, a moradia digna, tanto urbana como rural, deve, necessariamente: 106 • Estar ligada às redes de infra-estrutura (transporte coletivo, água, esgoto, luz, coleta de lixo, telefone, pavimentação); • Localizar-se em áreas servidas ou acessíveis por meio de transporte público, por equipamentos sociais básicos de educação, saúde, segurança, cultura e lazer; • Dispor de instalações sanitárias adequadas, e ter garantidas as condições mínimas de conforto ambiental e habitabilidade, de acordo com padrões técnicos; • Ser ocupada por uma única família (ou de outra forma se a opção for voluntária); • Contar com pelo menos um dormitório permanente para cada dois moradores adultos.(PROJETO MORADIA, 2000). Para desenvolvimento deste estudo acadêmico não se abordam os pressupostos metodológicos, uma vez que ao se selecionar o trabalho da Fundação João Pinheiro, consideram-se aceitáveis as premissas utilizadas para o desenvolvimento das análises. No entanto, a análise da complexidade social, extremamente desigual como a brasileira, não permitirá a utilização de parâmetros que espelhem e traduzam a real situação da questão habitacional. 3.1.1 Déficit Habitacional no Governo FHC Na década de 90 a FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (1995) realizou um estudo e estimou o déficit habitacional total do Brasil para 1995 em 5,6 milhões de moradias, conforme tabela 10, sendo 4,0 milhões de domicílios urbanos e 1,6 milhão de famílias rurais. De seu segmento urbano, 25,6% do déficit total localizam- 107 se em áreas metropolitanas e 45,4%, em áreas urbanas restantes. As estimativas rurais correspondem a 29,4% do valor global estimado. Tabela 10: Déficit habitacional no Brasil e grandes regiões - 1995 Áreas Demais Áreas Metropolitanas Metropolitanas 77.030 196.688 Nordeste 371.092 906.537 1.164.667 2.442.296 Sudeste 851.985 820.131 217.283 1.889.399 Sul 131.452 291.795 156.168 579.415 326.064 107.672 433.736 2.541.215 1.645.790 5.618.564 Região Norte1 Centro - Oeste2 Brasil – 1.432.559 Rural3 – Total Geral 273.718 Fontes: Dados básicos: IBGE: elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP). (1995) Notas: (1) Exclusive Tocantins, (2) Inclusive Tocantins, (3) Exclusive Estimativas e os domicílios recenseados em áreas rurais na região Norte. Cabe destacar que a região Sudeste possui significativo peso no conjunto metropolitano, ao passo que, no déficit correspondente às demais áreas urbanas, ela é ultrapassada ligeiramente pelo Nordeste, que lidera absoluto no segmento rural. Examinando-se a tabela 10, observa-se que o Nordeste possui grande concentração do déficit rural, alcançando em 1995 cerca de 71,0% do valor estimado em nível nacional. Por outro lado, o Nordeste possui 26% do déficit em áreas metropolitanas, contra 60% na região Sudeste, alcançando 36% nas demais áreas urbanas, contra 32% na segunda região. (IPEA, 1996). Na mesma pesquisa a Fundação João Pinheiro indicou que 94% desse déficit estão concentrados entre famílias com renda de até cinco salários mínimos. 108 O Censo Demográfico de 2000, realizado no país pelo IBGE (2000), apontou uma população de 169.799.170 habitantes, dos quais 81,25 %, algo como 138 milhões de pessoas, residindo em áreas urbanizadas. A tabela 11 demonstra que de acordo com o estudo da Fundação João Pinheiro (2004), neste mesmo ano, existiam no Brasil 5.507 municípios, sendo 73% com população inferior a 20 mil habitantes. Ao se considerar apenas a população urbana, as proporções se alteram para 68,2% da população residindo em áreas com menos de 10 mil habitantes, enquanto 83,2% moravam em cidades que não atingiam 20 mil habitantes. Números de Municípios, Segundo Faixas de Tamanho da População Total e Urbana Brasil – 2000 Tabela 11: Faixas de Tamanho da População Faixa de Tamanho (Por Habitante) População Total Absoluto População Urbana % das faixas Absoluto % das faixas Mais de 1 milhão 13 0,2 13 0,2 De 500 mil e 1 milhão 18 0,3 17 0,3 De 100 mil a 500 mil 193 3,5 173 3,1 De 50 a 100 mil 301 5,5 208 3,8 De 20 a 50 mil 964 17,5 517 9,4 De 10 a 20 mil 1.381 25,1 826 15,0 De 5 mil a 10 mil 1.310 23,8 1.112 20,2 Menos que 5 mil 1.327 24,1 2.641 48,0 Total 5.507 100 5.507 100 Fonte: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Censo Demográfico, 2000. 109 Na última década, o percentual da população vivendo em áreas urbanas passou de 78% em 1992 para 83,9% em 2001. Quanto à distribuição da renda, o desequilíbrio manteve-se praticamente inalterado nesse período. (IBGE, 2001). De maneira geral, os problemas habitacionais são proporcionalmente mais graves nas aglomerações populacionais maiores. É onde se exige que, agentes do governo e formuladores de política busquem mecanismos ágeis, capazes de proporcionar melhores condições para a solução dos problemas de moradia. 3.1.2 O déficit habitacional no Brasil no governo LULA O cálculo do déficit habitacional atém-se ao somatório dos domicílios rústicos, dos improvisados e da coabitação familiar, e recebe a denominação de déficit habitacional básico. Para obter-se a estimativa das carências totais do setor habitacional seria necessário agregar os números do ônus excessivo com aluguel e do déficit por depreciação. Uma estimativa do déficit total de domicílios foi apresentada no documento Déficit Habitacional no Brasil 2000, publicado em 2001 pela Fundação João Pinheiro. Esse estudo teve como base de dados a PNAD 1999, do IBGE, enquanto os cálculos do último estudo utilizam os microdados do Censo Demográfico 2000, que por ser um levantamento com maior significância estatística resulta em números mais precisos. Portanto, para o estudo do déficit habitacional no governo Lula, será utilizado o déficit recalculado pela Fundação João Pinheiro, baseado nas informações do Censo 2000, com a revisão dos componentes utilizados nas estimativas do Déficit Habitacional 2000. (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2004). 110 Dessa forma, chega-se ao déficit habitacional total, agregando-se ao déficit habitacional básico as estimativas anteriormente calculadas para o ônus excessivo com aluguel e o déficit por depreciação. As estimativas revistas do déficit habitacional publicada da Fundação João Pinheiro são apresentadas na tabela 12. De acordo com a tabela, o déficit habitacional de 2000, recalculado em 2004 é de 7.223 mil domicílios, sendo que nas áreas urbanas o déficit habitacional é de 5.470 mil e nas áreas rurais 1.752 mil. As regiões Nordeste e Sudeste lideram as necessidades habitacionais, representando 71,9% do total do país. A distinção entre elas é que, enquanto no Nordeste grande parte do problema se localiza em áreas rurais, no Sudeste é eminentemente urbano. Tabela 12: Déficit Habitacional Especificação Norte (5) Urbana Rural (5) Nordeste Urbana Rural Sudeste Urbana Rural Sul Urbana Rural Centro-Oeste Urbana Rural Brasil Urbana Rural (5) Déficit Habitacional Básico(1) 812.605 473.335 339.270 2.515.163 1.475.523 1.039.640 1.660.600 1.481.089 179.512 516.603 402.925 113.678 385.168 307.216 77.952 5.890.139 4.140.088 1.750.051 Déficit Habitacional Total 848.696 506.671 342.025 2.851.197 1.811.553 1.039.644 2.341.698 2.162.187 179.512 678.879 565.217 113.662 502.175 424.223 77.952 7.222.645 5.469.851 1.752.794 Fonte: Dados Básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE), Censo Demográfico, 2000 – Fundação João Pinheiro(FJP), Centro de Estatísticas e Informações(CEI), Déficit Habitacional no Brasil 2000, 2001. (1) Não inclui o ônus excessivo com o aluguel e a depreciação, componentes característicos de áreas urbanas. 111 Entre as unidades da Federação destacam-se São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, na Região Sudeste, com as demandas habitacionais concentradas nas áreas urbanas. Na Região Nordeste, o déficit se localiza principalmente no Maranhão, Bahia e Ceará, com participação relevante das áreas rurais. (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2004). 112 Déficit Habitacional 32% 40% 12% Norte Nordeste 9% 7% Sudeste Sul Centro-Oeste Gráfico 1 : Déficit Habitacional recalculado 2004 Fonte: Dados Básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2004 As principais características do déficit habitacional básico, apontadas pela Fundação João Pinheiro (2004), podem ser assim sintetizadas: • A concentração se dá nas áreas urbanas, (mais de 70%). Nessas áreas as regiões metropolitanas são as maiores responsáveis pela carência de novas moradias, 42,3%, seguidas pelo grupo dos municípios selecionados (35,4%); • Nas áreas rurais a grande concentração do déficit habitacional básico está em municípios com cidades de menor população urbana - o grupo dos demais municípios - (71,5%); • Em números absolutos, o déficit habitacional se concentra nos estados das regiões Nordeste (2.851.197) e Sudeste (2.341.698). Enquanto nesta o déficit habitacional urbano tem maior peso nas regiões metropolitanas, na primeira os problemas nas áreas rurais são mais evidentes; • Do total do déficit habitacional em regiões metropolitanas, (47,4%) se concentram naquelas localizadas na Região Sudeste; 113 • Percentualmente, o déficit habitacional básico é mais relevante na Região Norte, representando 29% do estoque de domicílios, e na Região Nordeste, 22,1%. Vêm a seguir a Centro-Oeste, 12,2%, a Sudeste, 8,2% e a Sul, 7,2%; • As famílias conviventes se sobressaem em todas as regiões, de maneira bastante acentuada nas áreas urbanas, tanto em termos absolutos quanto relativos, principalmente nas regiões Sudeste e Nordeste. Os domicílios rústicos têm presença significativa em áreas rurais, porém, destacam-se também em áreas urbanas nas regiões Norte e Nordeste; • Para os aglomerados subnormais só puderam ser calculados os componentes referentes aos domicílios improvisados e à coabitação familiar, não havendo a possibilidade de estimativa local dos domicílios rústicos, que, espera-se, tenham presença significativa nessas áreas. Metade da população ocupada do Brasil tem rendimento médio mensal de meio a dois salários mínimos. No Nordeste eles são 60,0%, sendo que 16,2% da população ocupada ganham até meio salário mínimo. Quanto ao rendimento médio mensal familiar per capta, 34,1% dos que recebem até meio salário mínimo são por conta-própria e 31,2% são empregados sem carteira de trabalho assinada.(IBGE, 2003). A análise do déficit habitacional por faixas de renda efetuada pela Fundação João Pinheiro (2004), revelou que do déficit habitacional de 3,4 milhões de moradias referentes aos domicílios improvisados e à coabitação familiar, parcela de 2,6 milhões estão na faixa até três salários-mínimos de renda familiar mensal, o que representa 76,1% do total. 114 Gráfico 2: Rendimento por Faixa de Renda Fonte: Pesquisa nacional por amostra de domicílios 1999/2001: microdados. Rio de Janeiro IBGE, 19972002. 8 CD ROM. Nota: Não houve pesquisa em 1994 e 2000. Essa situação é exemplificada pelo gráfico 2 que demonstra a média do rendimento em salários mínimos de 40 % da população referente aos mais pobres, que se situou em 2001 em 83% do salário mínimo. Em todas as regiões brasileiras o déficit habitacional se concentra preponderantemente na faixa até 3 salários mínimos, conforme demonstra a tabela 13. 115 Tabela 13: Distribuição Percentual do Déficit Habitacional Urbano por Renda ESPECIFICAÇÃO Norte Rondônia Acre Amazonas Roraima Para Amapá Tocantins Nordeste Maranhão Piauí Ceará Rio Grande do Norte Paraíba Pernambuco Alagoas Sergipe Bahia Sudeste Minas Gerais Espírito Santo Rio de Janeiro São Paulo Sul Paraná Santa Catarina Rio Grande do Sul Centro-Oeste Mato Grosso do Sul Mato Grosso Goiás Distrito Federal Brasil Faixa de renda média familiar mensal (em salário mínimo) Até 3 De 3 a 5 De 5 a 10 Mais de 10 Total 82,9 9,5 5,6 1,9 100,0 81,0 10,2 6,3 2,5 100,0 84,0 8,1 5,9 2,1 100,0 82,6 10,3 5,1 1,9 100,0 73,2 12,7 10,1 4,1 100,0 84,2 8,8 5,3 1,6 100,0 76,9 10,9 8,6 3,6 100,0 86,8 8,8 3,3 1,1 100,0 91,3 5,5 2,3 0,9 100,0 92,4 6,1 1,1 0,5 100,0 91,3 5,6 2,5 0,7 100,0 91,5 5,1 2,4 1,1 100,0 91,8 4,2 2,8 1,2 100,0 93,7 3,5 1,9 0,8 100,0 90,8 5,1 2,9 1,1 100,0 92,1 4,7 2,5 0,7 100,0 93,8 3,5 1,9 0,8 100,0 89,7 6,9 2,4 1,1 100,0 77,1 11,5 8,2 3,2 100,0 85,7 7,9 4,9 1,5 100,0 83,7 9,5 5,0 1,7 100,0 75,1 12,3 9,2 3,5 100,0 72,6 13,4 9,9 4,2 100,0 78,3 11,5 7,4 2,8 100,0 82,3 9,7 5,6 2,4 100,0 72,0 15,0 9,1 3,9 100,0 76,9 12,0 8,2 2,9 100,0 81,9 9,3 6,1 2,7 100,0 85,6 8,3 4,5 1,7 100,0 77,5 11,0 8,5 3,0 100,0 86,0 7,9 4,4 1,7 100,0 75,7 11,3 8,2 4,7 100,0 82,5 9,4 5,8 2,3 100,0 Fonte Dados Básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE), Censo Demográfico, 2000 – Fundação João Pinheiro(FJP), Centro de Estatísticas e Informações(CEI), Déficit Habitacional no Brasil 2000, 2001. (1) Exclusive déficit por depreciação. Em regiões como a Nordeste que detém o maior déficit em quantidade, também apresenta a maior concentração (91,3%) na faixa de renda de até 3 SM. Posicionando o total Brasil com 82,5 na faixa até 3 SM e 91,9% na faixa até 5 SM. 116 Com relação às faixas de renda da população, observa-se que 82,5% do déficit corresponde à famílias com rendimentos inferiores a 3 salários mínimos, sem capacidade, portanto, de conseguir uma solução para o seu problema de moradia, dentro da regularidade. Na faixa de renda de 3 a 5 salários mínimos o percentual do déficit é de 9,4%, e de 5,8% na de 5 a 10 salários mínimos. Tem-se, assim, uma concentração de 96,7% do déficit na faixa de até 10 salários mínimos. O desafio que se apresenta quando se trabalha com índices sociais numa realidade como a brasileira é grande. Mesmo para as chamadas habitações de interesse social, cujo leque abrange atualmente famílias com renda média mensal até cinco ou oito salários mínimos, pois para transformar essa realidade são necessárias ações conjuntas e coordenadas. 3.2 NÚMERO DE UNIDADES HABITACIONAIS PRODUZIDAS As unidades produzidas através de financiamento habitacionais não são a única forma de produção habitacional. A construção com recursos próprios, com a regulação que o próprio mercado produz, é a principal forma de produção de unidades habitacionais. De outra forma os Governos Federal, Estaduais e Municipais desenvolvem programas que viabilizam a produção de unidades habitacionais, principalmente para famílias de baixa renda, sendo alguns programas totalmente subsidiados. Porém o número de unidades efetivamente entregues, produzidas através de subsídio do poder público ainda é muito pequeno. Os programas não estão 117 totalmente consolidados e a forma de aplicação dos recursos não obedece a nenhum critério técnico, bem como a obtenção de números que espelhem esse tipo de iniciativa ainda é bastante controversa motivo pelo qual, a análise será efetuada tomando-se por base os números de unidade produzidos através dos financiamentos, especificamente os financiamentos com recursos do FGTS. 3.2.1 Antecedentes Historicamente, o volume de unidades habitacionais financiadas no Brasil apresenta relevantes flutuações, alternando anos de desempenhos expressivos com períodos de quase estagnação. Como visto anteriormente, o SFH é a principal fonte de recursos para o financiamento das políticas habitacionais brasileiras, na tabela 14 observa-se o total de unidades produzidas com recursos do SBPE e do FGTS, desde a criação do SFH em 1964. A evolução da produção habitacional ao longo da história do SFH devese a inúmeros fatores, como já mencionado no capítulo I, sendo, primeiramente, resultado da política habitacional adotada pelos governantes. Porém, o volume de unidades produzidas está preponderantemente, ligado à capacidade de captação dos recursos a serem aplicados, que por sua vez estão diretamente ligadas à situação econômica do país. 118 Tabela 14: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas – Total ANOS 1.964 1.965 1.966 1.967 1.968 1.969 1.970 1.971 1.972 1.973 1.974 1.975 1.976 1.977 1.978 1.979 1.980 1.981 1.982 1.983 1.984 TOTAL 8.618 16.732 25.745 80.388 138.362 158.475 157.230 117.590 124.489 157.801 96.205 141.926 273.763 267.713 337.649 383.223 627.342 465.398 541.129 77.247 86.358 ANOS 1.985 1.986 1.987 1.988 1.989 1.990 1.991 1.992 1.993 1.994 1.995 1.996 1.997 1.998 1.999 2.000 2.001 2.002 2.003 2.004 TOTAL 59.657 106.662 231.232 280.083 99.409 240.610 400.769 108.670 57.964 61.384 63.144 68.306 207.701 243.400 214.989 316.505 279.324 222.145 225.157 229.698 Fonte: Caixa (2004) Nesse aspecto a vulnerabilidade apresentada pela principal fonte de recursos, o FGTS, é fator que determina as variações observadas, uma vez que as flutuações macroeconômicas interferem nos salários reais e, necessariamente, na arrecadação ao fundo, bem como diminuem a capacidade de pagamento dos mutuários, aumentando a inadimplência e comprometendo o equilíbrio atuarial do sistema. Essa situação ocorreu logo nos primeiros anos de funcionamento do SFH, sendo que o aumento na aplicação verificada a partir de 1975, quando foram produzidas 141.925 unidades, deveu-se ao fato dos resgates do FGTS não passarem, em média de 40% dos seus ingressos novos, o que garantia a recirculação e um fluxo positivo médio, dando segurança a todo o sistema. (LORENZETTI, 2001). Essa boa fase prosseguiu até 1980 quando foram produzidas mais de 600 mil unidades habitacionais e o Brasil apresentou então, a maior contratação 119 habitacional de sua história conforme se visualiza no gráfico 3. Paradoxalmente, em quase toda literatura habitacional nacional, este período (1974-1980) é descrito como o período negro do BNH. De 1974 a 1980, o banco autorizou os agentes financeiros a operar em faixas livres, com juros liberados, o que significou a sangria dos recursos do FGTS para o financiamento de construções para as classes média e alta. Outro aspecto foi o descasamento entre a correção das prestações e dos saldos devedores em relação à inflação, que sai de uma taxa anual de 45% em 1979, para 100% em 1980, e 200% em 1983, enquanto a correção monetária em 1979 e 1980 ficou muito abaixo da inflação e das percentagens de reajustes salariais.(LORENZETTI, 2001). Gráfico 3: Unidades Habitacionais Produzidas de 1974 a 1994 Fonte: Caixa/BCB (2005) 120 A significativa aceleração inflacionária culminando na crise econômica e o desemprego aumentou os saques do FGTS e da Caderneta de Poupança, as duas principais fontes de recursos do sistema, além do caráter elitista e concentrador de renda que pode ser medido em números, uma vez que até 1975, o total de investimentos do BNH relativo às faixas de renda situadas entre 1 e 5 salários mínimos não passou de 9%.Tal descontrole do fluxo de recursos levou o BNH a extinção em 1986. Este período de crise no setor habitacional está claramente expresso nos números do período, uma vez que em 1985 foram produzidas somente 59.657 unidades. Nos anos seguintes, se registra praticamente uma paralisação na produção imobiliária através de financiamentos. Em 1990 verifica-se uma recuperação, são produzidas neste ano 240.610 unidades, porém, correspondente a apenas 36 % do nível obtido em 1980. Em 1991 ocorre uma retomada na contratação com um crescimento de 75% em relação ao ano anterior, são produzidas em 1991 400.769 unidades habitacionais na Brasil. Porém a política habitacional do governo Fernando Collor (1990 -1992) foi caracterizada por processos em que os mecanismos de alocação de recursos passaram a obedecer a critérios clientelistas ou ao favorecimento de aliados do governo. Essa foi a característica do Plano de Ação Imediata para a Habitação, lançado em 1990, que se propunha a apoiar financeiramente programas para construção de unidades e de oferta de lotes urbanizados, para atendimento de famílias com renda até 5 salários mínimos, financiando projetos de iniciativa de COHABs e Prefeituras. Como se observou, diversos fatores podem ser apresentados para explicar essas oscilações que contribuíram de maneira expressiva nos números de unidades habitacionais financiadas: os prolongados períodos de instabilidade 121 econômica, conjugados com altas taxas de inflação; queda no nível de trabalho e renda; taxas de juros elevadas; Planos econômicos e principalmente a ausência de uma Política Habitacional de longo prazo e sustentável. Tabela 15: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas ANOS 1.964 1.965 1.966 1.967 1.968 1.969 1.970 1.971 1.972 1.973 1.974 1.975 1.976 1.977 1.978 1.979 1.980 1.981 1.982 1.983 1.984 1.985 1.986 1.987 1.988 1.989 1.990 1.991 1.992 1.993 1.994 1.995 1.996 1.997 1.998 1.999 2.000 2.001 2.002 2.003 2.004 TOTAL FONTE DE RECURSOS FGTS SBPE 8.618 16.732 20.279 5.466 52.832 27.556 83.236 55.126 108.517 49.958 73.144 84.086 59.059 58.531 47.804 76.685 61.178 96.623 35.937 60.268 77.417 64.512 164.353 109.410 209.709 58.004 276.516 58.133 274.238 108.985 366.808 260.534 198.514 266.884 282.384 258.745 32.685 44.562 43.551 42.807 25.005 34.652 44.350 62.312 99.227 132.005 98.249 181.834 31.617 68.086 165.617 74.993 359.719 41.050 43.801 64.869 4.256 53.708 61.384 16.550 46.594 30.020 38.286 172.214 35.487 204.032 39.368 179.858 35.131 280.040 36.465 243.757 35.567 193.355 28.790 186.221 38.936 176.534 53.434 5.047.933 2.949.826 Fonte: Caixa (2004) TOTAL 8.618 16.732 25.745 80.388 138.362 158.475 157.230 117.590 124.489 157.801 96.205 141.926 273.763 267.713 337.649 383.223 627.342 465.398 541.129 77.247 86.358 59.657 106.662 231.232 280.083 99.409 240.610 400.769 108.670 57.964 61.384 63.144 68.306 207.701 243.400 214.989 316.505 279.324 222.145 225.157 229.698 8.000.192 122 Porém, de todos os aspectos abordados o fato que do total de financiamentos concedidos, apenas cerca 25% das unidades destinou-se à população com renda familiar mensal de até 5 salários mínimos é a constatação que mais exige atenção pois é justamente nessa faixa salarial que se concentra o déficit habitacional. Outra análise que deve ser feita na produção habitacional federativa é em relação a fontes de recursos, ou seja, a proporção entre o que é produzido com recursos FGTS e SBPE. Na tabela 15 tem-se a produção habitacional no período correspondente ao início de operação do SFH até 2004, com a segmentação dos valores referentes ao FGTS e SBPE. Analisando-se os números observa-se que os recursos do FGTS sempre foram preponderantes em relação aos destinados pelo SBPE e verifica-se que a produção com recursos SBPE foi maior somente em anos em que o sistema é sacudido por crises econômicas, que também acabam por afetar a contratação no SBPE. Concentrando-se no período que é nosso objeto de estudo (1996 - 2004), constata-se que no ano de 1996 foram financiadas ao todo 68.306 unidades habitacionais no Brasil. Desse total, 30.020 produzidas com recursos oriundos do FGTS. Esse foi o ano com a menor aplicação de recursos FGTS no período analisado, sendo o volume de contratações do SBPE superior ao do FGTS, caracterizando uma inversão na proporção apresentada para os demais períodos. Tal situação deve-se ao histórico anterior da aplicação de recursos do FGTS, que após apresentar a maior contratação de sua história em 1991 entrou em um período de forte recessão nos anos seguintes. A contratação recorde no FGTS em 1991 foi resultado da reforma administrativa empreendida pelo Governo Collor, resultando em uma descoordenação institucional do setor habitacional. A responsabilidade pela habitação ficou pulverizada 123 em um grande número de órgãos, com atuações muitas vezes conflitantes. Os vários programas habitacionais empreendidos no período mostraram-se, mais uma vez, inadequados e incapazes de atender a parcela da população mais atingida pelo déficit. Especialmente a política adotada pela Ministra Margarida Procópio do Ministério da Ação Social que propiciou a oferta de moradias por intermédio do Plano de Ação Imediata para a Habitação (PAIH), o qual se notabilizou pela inadimplência apresentada posteriormente. A utilização inadequada dos recursos do FGTS, nos anos de 1990 e 1991, teve conseqüências graves sobre as possibilidades de expansão do financiamento habitacional, reduzindo a aplicação dos recursos em 1992 e praticamente levando à suspensão por dois anos (1993 e 1994) de qualquer financiamento com recursos do Fundo, tendo em vista a necessidade de ampliar a saúde financeira do FGTS, que, após o primeiro ciclo expansivo de 30 anos, começava a apresentar um desequilíbrio entre saques e contribuições. A partir de 1995 com a implantação dos novos programas desenvolvidos no governo de FHC houve uma retomada na contratação, como se observará a seguir. 3.2.2 Número de unidades habitacionais produzidas no governo FHC Embora de forma bastante tímida, o ano de 1996 marca o início da retomada dos financiamentos após um período de quase total estagnação. O gráfico 4 demonstra a evolução da produção habitacional ocorrida no governo FHC. Do ponto de vista quantitativo, o governo FHC registra um número de 124 financiamentos habitacionais muito superior aos das gestões anteriores do período democrático. A prioridade na liberação de recursos diretamente ao consumidor final através do Programa Carta de Crédito apresentou uma guinada com relação à cultura do financiamento habitacional produzindo grandes benefícios a milhares de brasileiros. Gráfico 4: Unidades Produzidas Governo FHC Fonte: Caixa/Bacen (2004) Das 30.020 unidades produzidas em 1996 com recursos FGTS, conforme tabela 16, 2.780 foram produzidas de forma associativa e 27.240 foram financiadas de forma individual diretamente aos interessados. A produção ainda foi pequena para atender a demanda, mas como o sistema estava paralisado por vários anos, foi necessária a adoção de várias medidas para a implantação do novo programa Carta de Crédito em todo o território, o que demandou esforço de divulgação da medida e treinamento de funcionários habilitados, uma vez que a antiga estrutura habitacional 125 transferida do BNH para a CAIXA6 havia sido desmontada. Era o início de uma etapa de contrações, baseada em regras transparentes e de acesso a todos os cidadãos, tanto que o programa perdura até então. Tabela 16: Contratação Programa Carta de Crédito 1996 PROGRAMAS - 1996 FGTS – IMÓVEL NA PLANTA FGTS – INDIVIDUAL Totalizadores Fonte: Caixa (2005) Contratos 2.780 27.240 30.020 Valor de Financiamento 46.238.075,89 366.666.516,50 412.904.592,40 No ano de 1997 a contratação global com recursos FGTS e SBPE ficou em torno das 207.701, apresentando o significativo crescimento de mais 300% em relação ao ano de 1996. A política implementada pelo governo FHC começa a surtir efeito e os novos programas demonstram ganhar aderência, tanto por parte dos agentes implementadores, quanto da população que, diante das novas medidas divulgadas, começa a contrair os financiamentos disponíveis. Tabela 17: Contratação Programa Carta de Crédito 1997 PROGRAMAS - 1997 Contratos Valor de Financiamento FGTS – IMÓVEL NA PLANTA 26.703 407.553.721,31 FGTS - INDIVIDUAL 145.511 2.770.696.743,85 Totalizadores 172.214 3.176.288.718,16 Fonte: Caixa (2005) As 172.214 unidades financiadas representam a maior contratação após 1991 e sinalizam uma recuperação dos financiamentos com recursos FGTS. Desse total, 26.703 unidades foram contratadas na modalidade imóvel na planta e 145.511 referem-se a contratos na forma individual. 6 Agente financeiro habilitado a operar o programa Carta de Crédito FGTS. 126 No ano de 1998 manteve-se a tendência de crescimento chegando a 204.032 unidades contratadas. Analisando-se as contratações realizadas nesse ano, verifica-se que o valor total dos financiamentos liberados, ao contrário do número de unidades contratadas, caiu em relação ao ano de 1997. Tal constatação se deve ao valor por financiamento individual ter diminuído bastante no ano de 1998, possibilitando o atendimento de um maior número de famílias, principalmente através da implantação da modalidade material de construção, o que facilitou ainda mais o acesso aos financiamentos com recursos do FGTS. Tabela 18: Contratação Programa Carta de Crédito 1998 PROGRAMAS - 1998 FGTS – IMÓVEL NA PLANTA FGTS - INDIVIDUAL Totalizadores Fonte: Caixa (2005) Contratos 37.610 166.422 204.032 Valor de Financiamento 636.921.435,01 1.651.843.664,64 2.288765.099,65 A pequena queda de contratações no âmbito do FGTS ocorrida no ano de 1999, quando se contratou 179.858 unidades, em torno de 11% menos que em 1998, ocorreu também no âmbito das contratações dos recursos do SBPE, e são conseqüência da crise econômica e financeira ocorrida no País em 1998, bem como da modificação das regras de utilização do FGTS. A modificação foi necessária para preservar a saúde do fundo, uma vez que o fluxo de recursos do FGTS é fortemente pró-cíclico, já que é composto por um percentual da folha de salários, reduzindo-se com o aumento do desemprego e, ainda, com o aumento dos saques por parte dos trabalhadores demitidos. As contratações na modalidade imóvel na planta permaneceram praticamente inalteradas em relação a 1998, revelando que a construção civil ainda 127 mantinha reservas quanto ao formato do programa implantado em 1996. A modalidade imóvel na planta depende totalmente do interesse das empresas de construção civil para ser produzida e não somente dos adquirentes finais. Tabela 19: Contratação Programa Carta de Crédito 1999 PROGRAMAS - 1999 FGTS - IMÓVEL NA PLANTA FGTS - INDIVIDUAL Totalizadores Fonte: Caixa (2005) Contratos Valor de Financiamento 36.434 800.002.216,49 143.424 1.304.973.244,03 179.858 2.104.975.461,52 No ano de 2000 verifica-se a maior contratação de financiamento desde 1991, tanto em relação aos recursos FGTS quanto aos recursos SBPE, atingindo 316.505 unidades. São produzidas 280.040 unidades financiadas com recursos FGTS, 43.195 foram na modalidade imóvel da planta e 236.845 unidades na modalidade de financiamento individuais. Tabela 20: Contratação Programa Carta de Crédito 2000 PROGRAMAS - 2000 FGTS - IMÓVEL NA PLANTA FGTS - INDIVIDUAL Totalizadores Fonte: Caixa (2005) Contratos 43.195 236.845 280.040 Valor de Financiamento 1.046.261.149,97 2.421.050.153,72 3.467.311.304,68 A política de contratação manteve-se em 2001 quando a contratação com recursos FGTS foi de 243.757, já apresentando leve queda nas duas modalidades em relação ao ano de 2000. Tabela 21: Contratação Programa Carta de Crédito 2001 PROGRAMAS - 2001 FGTS - IMÓVEL NA PLANTA FGTS - INDIVIDUAL Totalizadores Fonte: Caixa (2005) Contratos Valor de Financiamento 29.268 814.636.226,88 214.489 2.108.212.760,78 243.757 2.922.848020,66 128 O ano de 2002 marca o fim do governo FHC; a instabilidade econômica agravada pela iminente transição de governo se fez sentir também nas contratações de financiamentos habitacionais. Em relação ao ano de 2001 ocorreu uma queda em torno de 20%, representando uma redução na produção equivalente a 50.000 unidades. A contratação individual caiu de 214.489 para 175.519 unidades. No imóvel na planta a queda foi ainda mais marcante demonstrando a incerteza dos empresários da construção civil quanto ao cenário econômico futuro. Tabela 22: Contratação Programa Carta de Crédito 2002 PROGRAMAS - 2002 FGTS - IMÓVEL NA PLANTA FGTS - INDIVIDUAL Totalizadores Fonte: Caixa (2005) Contratos Valor de Financiamento 17.836 567.293.023,38 175.519 2.400.982.416,18 193.355 2.968.275.439,56 De fato, a performance da modalidade imóvel na planta merece uma análise à parte: no que diz respeito à concessão de créditos, para a produção de empreendimentos habitacionais, modalidade essa que envolve diretamente as empresas da Construção Civil a produção fica muito aquém do esperado. Pela analise da tabela 23, verifica-se que o volume de operações firmadas com os empresários da Construção Civil apresenta relevante retração com significativo declínio das operações associadas a programas habitacionais destinados à produção de empreendimentos. Essa tendência se confirma, pois, produtos lançados, como o Imóvel na Planta CCFGTS, não obtiveram a aderência esperada e o seu desempenho tem ficado muito abaixo da expectativa. 129 Tabela 23: Contratação Programa Carta de Crédito FGTS Imóvel na Planta ANO 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Contratos 2780 26703 37610 36434 43195 29268 17836 Fonte: Caixa (2005) Valor de Financiamento 46.238.075,89 407.553.721,31 636.921.435,01 800.002.216,49 1.046.261.149,97 814.636.226,88 567.293.023,38 Para compreender melhor a situação é necessário se fazer uma retrospectiva, onde se verifica que o fator que melhor explica a situação foi a mudança ocorrida no mercado habitacional após o caso Encol7. Até então as instituições financeiras liberavam os recursos financeiros diretamente para as construtoras, que produziam o empreendimento e somente no desligamento8 transferiam para o adquirente final. Hodiernamente, como se verificou, o financiamento é concedido diretamente para o mutuário final sendo que a construtora deve comprovar que possui os recursos financeiros necessários para concluir o empreendimento. Analisando-se o resultado da produção habitacional dos governos FHC e retomando-se a orientação ideológica inicial que norteavam os pensamentos e discursos do candidato Fernando Henrique Cardoso, os oito anos do governo serviram para demonstrar que embora tenham sido implementadas políticas econômicas que se assemelhavam ao liberalismo econômico, as políticas públicas mantiveram sua orientação que originalmente se dizia social-democrata. 7 A Encol era a maior empresa de construção e incorporação do Brasil, faliu no final da década de 90 lesando 42 mil famílias que compraram seus imóveis os quais não foram entregues. O caso Encol é a maior falência de uma empresa não bancária na América do Sul. Para obter mais detalhes consultar o livro Falência do Incorporador Imobiliário – O Caso Encol do advogado Hamilton Quirino, Editora Lúmen Júris, 2004. 8 Desligamento é a última fase do desenvolvimento de um empreendimento imobiliário, quando a obra é liberada para Habite-se 130 A política habitacional implantada retomou a produção habitacional, fortaleceu a implantação de programas que permanecem em vigor até o presente e afastam o governo FHC de um modelo de neoliberalismo que se apresenta como um caminho de desenvolvimento econômico e de modernização capitalista que se efetiva necessariamente às expensas de injustiças sociais e do agravamento das grandes desigualdades. 3.2.3 Números de unidades habitacionais produzidas no governo LULA O ano de 2003 marcou o primeiro ano do governo Lula. Diante das expectativas de como se apresentariam as políticas públicas para habitação no novo governo as contratações praticamente continuaram no ritmo do ano anterior, os valores das contratações também não apresentaram alterações consideráveis no segundo ano de governo (2004), conforme se verifica no gráfico 5. 131 Gráfico 5: Unidades Habitacionais Produzidas no Governo Lula Fonte: Caixa/BCB (2005) As contratações no ano de 2003 apresentaram pequena queda, principalmente na modalidade imóvel na planta, para a qual a atuação das construtoras é decisiva: a menor atuação num ano pós-eleitoral explica-se, tendo-se em vista que o prazo de maturação de um projeto imóvel na planta é em torno de 6 meses. Tabela 24: Contratação Programa Carta de Crédito 2003 PROGRAMAS - 2003 FGTS - IMÓVEL NA PLANTA FGTS - INDIVIDUAL Totalizadores Fonte: Caixa (2005) Contratos Valor de Financiamento 11989 410.714.134,55 174232 2.441.691.862,60 186.221 2.852.405.997,15 Em 2004 as contratações apresentaram o mesmo perfil do ano anterior, inclusive com uma ligeira involução na faixa de 5% no total de unidades contratadas (vide tabela 25). Além da própria produção, outro desafio do Governo Federal foi verificar onde estavam os dificultadores que impediam a retomada dos financiamentos habitacionais, uma vez que LULA não invocou o compromisso popular da prioridade do social na política habitacional: 132 Tabela 25: Contratação Programa Carta de Crédito 2004 PROGRAMAS - 2004 FGTS - IMÓVEL NA PLANTA FGTS - INDIVIDUAL Totalizadores Fonte: Caixa (2005) Contratos Valor de Financiamento 11470 425.655.509,57 165064 2.290.663.800,49 176.534 2.716.319.310,06 Os resultados da produção habitacional permitem inferir que o socialismo defendido por LULA ao longo de sua militância política não foi adotado como prática de governo. Lula se confundia com o PT que era um partido eminentemente ético, que podia se definir como um partido de esquerda humanista e cristã, mas, ao chegar ao governo, mudou suas práticas, as quais estão identificadas com as ideologias social-democrata e neoliberal, mantendo a mesma mescla de seu antecessor. Essa forte herança de FHC que Lula assumiu ao manter a mesma política, debilitou a base social de apoio com que somente ele poderia contar para viabilizar a prioridade das políticas sociais. 3.3 DESTINAÇÃO DOS RECURSOS POR FAIXA DE RENDA A análise quanto ao atendimento das políticas habitacionais com relação ao perfil do déficit merece destaque no cenário da produção habitacional. A necessidade de reposição, de acréscimo e de melhoria do estoque de moradias mostrase, assim, como um grande desafio. Tomando-se o período ocorrido entre os dois últimos censos demográficos, 1991/2000, verifica-se que o déficit habitacional sofreu um incremento 133 médio anual de 172,7 mil unidades, enquanto, no mesmo período foram produzidas, em média, 174 mil unidades por ano, conforme tabela 26. Tabela 26: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas – Total ANOS 1.991 1.992 1.993 1.994 1.995 1.996 1.997 1.998 1.999 2.000 TOTAL Fonte: Caixa (2005) TOTAL 400.769 108.670 57.964 61.384 63.144 68.306 207.701 243.400 214.989 316.505 1.743.135 A produção deveria, portanto, ter evitado o aumento do déficit, mas isso não ocorreu, em parte, porque a produção destinou-se à faixas de renda que não têm grande peso na composição do déficit . Gráfico 6: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas Fonte: Caixa (2005) 134 Aprofundando a analise das operações contratadas no programa Carta de Crédito FGTS no período de 1996 a 2004, de acordo com a faixa de renda da família tomadora, verifica-se que somente nas modalidades material de construção e aquisição de lotes, a contratação na faixa de renda até 5 SM foi superior a faixa de 5 a 10 SM. A tabela 27 apresenta a contratação realizada de 1996 a 2005, no Programa Carta de Credito Imóvel na Planta por faixa de renda. Tabela 27: Total por Faixa de Renda – Imóvel na Planta Faixa A - Até 05 SM B - De 05,01 até 10 SM C - De 10,01 até 15 SM D - De 15,01 até 20 SM E - Acima de 20 SM Totalizadores Fonte: Caixa (2005) Contratos 57712 89855 53497 21265 495 222.824 Valor de Finan. Médio Financiamento 750.963.588,58 13.012,26 1.810.607.133,43 20.150,32 1.923.401.643,54 35.953,45 869.879.560,36 40.906,63 19.255.949,10 38.900,91 5.374.107.875,01 24.118,17 Fica evidenciado que somente 26% dos contratos foram destinados às famílias com renda até 5 SM, sendo que o déficit apontado pela FJP para esta faixa de renda equivale a 91,9%, e o maior volume de contratos (40%) foi destinado à famílias com renda de 5 a 10 SM, onde o déficit é de 5,8 %. A maior parte do volume de recursos no montante de R$ 2.813.083.574,10,( o que representa mais de 50% do volume total aplicado no período), foi destinada à famílias com renda superior a 10 SM, faixa onde o déficit praticamente inexiste, pois representa somente 2,3 % do déficit total. As operações de material de construção respondem pelo maior volume de contratos no período estudado; a tabela 28 traz o volume de recursos destinado à aquisição de material para construção ou conclusão de unidade habitacional. O expressivo volume de 265.336 contratos na faixa de até 5 SM é um indicativo de que 135 essa faixa populacional está tendo acesso a algum tipo de crédito. Certamente a facilidade de contratação, bem como a não exigência da regularização do imóvel para contrair o financiamento, seriam os principais responsáveis pelo sucesso do produto junto ao público de menor renda. Tabela 28: Total por Faixa de Renda – Material de Construção / Construção Faixa A - Até 05 SM B - De 05,01 até 10 SM C - De 10,01 até 15 SM D - De 15,01 até 20 SM E - Acima de 20 SM Totalizadores Fonte: Caixa (2005) Contratos Valor de Financiamento Finan. Médio 265336 1.330.956.876,59 5.016,12 90934 520.715.948,50 5.726,31 9051 52.947.690,01 5.849,93 431 2.391.675,42 5.549,13 539 3.076.302,25 5.707,43 366.291 1.910.088.492,77 5.214,67 A tabela 29 indica o volume de contratações do mesmo produto, material de construção, porém refere-se a financiamentos de material de construção destinados à melhoria de imóvel existente. O volume de contratações também é bem pulverizado concentrando-se na faixa de renda até 5 SM e apresenta um valor médio por contrato na faixa de renda até 5 SM de R$ 4.222,41. Tabela 29: Total por Faixa de Renda – Material de Construção / Melhoria Faixa Contratos A - Até 05 SM B - De 05,01 até 10 SM C - De 10,01 até 15 SM D - De 15,01 até 20 SM E - Acima de 20 SM Totalizadores Fonte: Caixa (2005) 243945 89288 11725 434 520 345.912 Valor de Finan. Médio Financiamento 1.030.035.629,47 4.222,41 431.916.005,36 4.837,34 58.826.969,66 5.017,23 2.071.203,18 4.772,36 2.573.722,48 4.949,47 1.525.423.530,15 4.409,86 A aquisição de lote, por sua vez foi o produto de maior procura proporcionalmente, na faixa de renda que apresenta o maior déficit (5SM). Foi uma 136 modalidade bastante procurada por famílias com renda até 5 SM pelo baixo valor do financiamento. A média é de 7 mil reais; pois é uma operação viável para famílias com renda baixa e que não conseguem maior capacidade de endividamento. Tabela 30: Total por Faixa de Renda – Lote Faixa A - Até 05 SM B - De 05,01 até 10 SM C - De 10,01 até 15 SM D - De 15,01 até 20 SM E - Acima de 20 SM Totalizadores Fonte: Caixa (2005) Contratos 30360 9208 699 7 4 40.278 Valor de Finan. Médio Financiamento 213.652.221,49 7.037,29 63.853.951,27 6.934,62 4.909.350,68 7.023,39 36.575,00 5.225,00 23.800,00 5.950,00 282.475.898,44 7.013,16 Porém, trata-se de uma operação que não garante o acesso à moradia, tanto que no ano de 2005, as operações foram suspensas para contratação na modalidade individual, uma vez que a família comprometia a renda para pagamento das prestações sem resolver seu problema de moradia própria. No financiamento para construção de novas unidades, a concentração das contratações está nas famílias com renda de 5 a 10 SM, que acabam tomando 52% dos recursos aplicados na modalidade no período de 1996/2005. Tabela 31: Total por Faixa de Renda – Construção Faixa A - Até 05 SM B - De 05,01 até 10 SM C - De 10,01 até 15 SM D - De 15,01 até 20 SM E - Acima de 20 SM Totalizadores Fonte: Caixa (2005) Contratos 27975 36172 9595 877 174 74.793 Valor de Finan. Médio Financiamento 360.995.127,55 12.904,20 699.726.168,84 19.344,41 251.938.295,44 26.257,25 30.584.898,13 34.874,46 4.916.755,53 28.257,22 1.348.161.245,49 18.025,23 Por tratar-se do produto que de fato, gera uma nova unidade habitacional, esta modalidade ainda é muito pouco procurada. Tanto que durante todo o 137 período analisado foram concedidos somente 74.793 financiamentos para novas construções. Apesar da maioria dos recursos ser destinados às faixas de renda acima de 5 SM, é considerável as 27.975 unidades que as famílias de até 5SM conseguiram financiar. Na modalidade reforma de imóvel foram concedidos somente 5.919 financiamento no período, a baixa procura de explica pela burocracia e custo, muito maior nesta operação, em relação ao material de construção. Tabela 32: Total por Faixa de Renda –Construção / Reforma Faixa A - Até 05 SM B - De 05,01 até 10 SM C - De 10,01 até 15 SM D - De 15,01 até 20 SM E - Acima de 20 SM Totalizadores Fonte: Caixa (2005) Contratos Valor de Financiamento Finan. Médio 1726 17.759.145,34 10.289,19 3241 41.839.030,19 12.909,30 858 11.088.291,13 12.923,42 73 956.506,49 13.102,83 21 294.613,13 14.029,20 5.919 71.937.586,28 12.153,67 A aquisição de imóvel novo também não conseguiu atender a parcela da população que reforça a pirâmide do déficit habitacional, pois apenas pouco mais de 10% do total de recursos investidos na operação foram destinados às famílias de até 5 SM, concentrando-se a contratação nas famílias de 5 a 10 SM. Tabela 33: Total por Faixa de Renda – Imóvel Novo Faixa A - Até 05 SM B - De 05,01 até 10 SM C - De 10,01 até 15 SM D - De 15,01 até 20 SM E - Acima de 20 SM Totalizadores Fonte: Caixa (2005) Contratos 21713 52998 26535 4957 611 106.814 Valor de Financiamento 326.893.352,34 1.316.169.179,10 976.059.491,75 228.486.783,13 25.571.447,98 2.873.180.254,30 Finan. Médio 15.055,19 24.834,32 36.783,85 46.093,76 41.851,80 26.898,91 A operação de aquisição de imóvel usado é a modalidade mais procurada e a que consome o maior volume de recursos do sistema. A análise da 138 tabela 22 é desestimuladora sob o enfoque do combate ao déficit. A contratação está voltada para famílias com renda superior a 5 SM; somente 137.435 dos 554.139 contratos assinados foram para famílias de até 5 SM e o volume de recursos destinado à essa faixa foi inferior a 16% do total, com valor médio de financiamento no mínimo 40% menor. Para piorar ainda mais a situação, a destinação destes recursos não representa a criação de uma nova unidade habitacional. Tabela 34: Total por Faixa de Renda – Imóvel Usado Faixa A - Até 05 SM B - De 05,01 até 10 SM C - De 10,01 até 15 SM D - De 15,01 até 20 SM E - Acima de 20 SM Totalizadores Fonte: Caixa (2005) Contratos 137435 311525 97841 5361 1977 554.139 Valor de Financiamento 1.775.505.136,30 6.845.268.098,09 2.606.465.377,11 139.362.359,31 51.531.273,63 11.418.132.244,44 Finan. Médio 12.918,87 21.973,41 26.639,81 25.995,59 26.065,39 20.605,18 Como se verifica, a parcela da população que tem menos necessidade obtém a maior parcela dos recursos do FGTS destinados para habitação, sendo que os recursos do FGTS estão fortemente concentrados na modalidade individual onde são mais utilizados para aquisição de imóvel usado e no financiamento de material de construção. Dessa forma, a aplicação dos recursos, em ambos os casos, acaba por não ser um fator positivo, pois a aquisição de unidades usadas e a compra de material de construção, não denotam num primeiro momento a produção de novas unidades habitacionais para redução do déficit habitacional. Outro fator que deve ser levado em conta é a distribuição regional das contratações. De acordo com o CCFGTS – Conselho Curados do FGTS, a distribuição dos recursos para contratação por área de aplicação deve atender a seguinte proporção: 139 - Habitação Popular 60%; - Saneamento Básico e Infra-Estrutura Urbana 30%; - Operações Especiais 10%. A Resolução do CCFGTS de nº 289, de 30.06.98, e suas alterações, estabeleceu diretrizes para a aplicação dos recursos. Sendo que 20% dos recursos destinados à habitação popular serão dirigidos para as famílias com renda de até R$ 1.000,00. De acordo com o levantamento efetuado pelo Ministério das Cidades (2005), conforme demonstrado na tabela 35, a região Nordeste apresenta 31,94% do déficit quantitativo e deveria receber 29,46% das contratações, porém contratou no período de 1995-2003 somente 14,90% do total Brasil. Já a região Sudeste contratou 61,33% do total Brasil, quando possui um déficit quantitativo de 41,69% e deveria ter contratado 47,49% de acordo com a Resolução 2889/98 do CCFGTS. Tabela 35: Distribuição Regional de Contratações – 1995-2003/ RES 289/98 / Déficit Quantitativo / Carência de Infra-Estrutura. Distribuição regional N das contratações 1,81 % 1995-2003 Resolução 289/98 5,25 % CCFGTS Déficit quantitativo 7,59 % Carência de infra11,35 % estrutura NE SE S CO Total 14,90 % 61,33 % 15,69 % 6,28 % 100 % 29,46 % 47,49 % 11,82 % 5,98 % 100 % 31,94 % 41,69 % 10,88 % 7,88 % 39,08 % 21,00 % 14,31 % 14,32 % 100 % 100 % Fonte: Ministério das Cidades (2004) As regiões Sul e Sudeste efetuam contratações superiores ao regulamentado enquanto Norte e Nordeste que possuem carências de infra-estrutura bem superiores as demais regiões ficaram com volume de contratações inferior. 140 A constatação é de que as contratações não atenderam aos requisitos emanados pela Resolução 289/98 do CCFGTS nem as reais necessidades apontadas pelo Déficit quantitativo e pela carência de infra-estrutura. 3.3.1 Destinação dos recursos por faixa de renda no governo FHC A tabela 36 apresenta a contratação no programa Carta de Crédito realizada no ano de 2001 distribuída por faixa de renda. Tabela 36: Distribuição dos recursos por faixa de renda – Governo FHC 2001 Faixa A - Até 05 SM B – De 05,01 até 10 SM C – De 10,01 até 15 SM D – Acima de 15 SM Totalizadores Fonte: CAIXA (2005) Contratos 120.609 87.300 30.327 5.521 243.757 Das 243.757 unidades produzidas, somente 120.609 foram destinadas às famílias com renda até 5SM, ou seja, somente 49% dos contratos foram destinados às famílias com renda até 5 SM, sendo que, o déficit apontado pela FJP para essa faixa de renda equivale a 91,9%. A situação se repete em 2002 como se verifica na tabela 37, quando novamente somente 48% dos contratos foram destinados para as famílias que representam a maior faixa do déficit. 141 Tabela 37: Distribuição dos recursos por faixa de renda - Governo FHC 2002 Faixa A - Até 05 SM B – De 05,01 até 10 SM C – De 10,01 até 15 SM D – Acima de 15 SM Totalizadores Fonte: Caixa (2005) Contratos 91.879 81.195 16.160 4.121 193.355 A análise dos números produzidos durante todo o governo FHC permite concluir que essa dinâmica se operou durante todo o período, independentemente do volume contratado, conforme se verifica na tabela 38. Tabela 38: Total por Faixa de Renda –Total Geral– Governo FHC Faixa A - Até 05 SM B - De 05,01 até 10 SM C - De 10,01 até 15 SM D – Acima de 15 SM Totalizadores Fonte: Caixa (2005) Contratos 614.466 528.366 145.304 15.140 1.303.276 Nos anos de 1996, 1997 e 1998 a preponderância das contrações foi para famílias com salários acima de 5 SM, o que no resultado geral do período revela números bastantes aproximados par as contratações com famílias de até 5 SM e de 5 a 10 SM. À medida que foram passando os anos o governo FHC foi conseguindo atender famílias com menor faixa salarial. A implantação de novas modalidades de financiamento, especificamente o material de construção, contribuiu para esse aumento no atendimento de famílias com menor renda. Na análise individual por ano, apresentam-se somente os números referentes aos anos de 2001, 2002 e o total geral, pelo fato de não se dispor dos dados dos anos anteriores segmentados, que estão disponíveis somente por período. Porém, se considera que a análise da distribuição das contratações por todo o período dos governos FHC, seja suficiente para comprovar a necessidades da criação de 142 mecanismos que permitam o acesso ao financiamento pelas famílias onde, realmente, está situado o déficit, ou seja, primordialmente famílias com até 3 SM. 3.3.2 Destinação dos recursos por faixa de renda no governo LULA A análise da distribuição dos recursos por faixa de renda no governo Lula permite verificar que no aspecto distribuição de recursos por faixa de renda, a política habitacional não foi uma exata continuidade da política adotada por FHC. Em que pese ser necessário considerar que durante o governo FHC já havia uma tendência a diminuir a faixa de renda das famílias atendidas pelo programa, o ano de 2003 revela uma considerável concentração da contratação na faixa até 5 SM, o que representou 56% do volume contratado contra 48% alcançado pelo governo FHC em 2002. Tabela 39: Distribuição dos recursos por faixa de renda – Governo Lula – Total 2003 Faixa Contratos A - Até 05 SM 104.648 B – De 05,01 até 10 SM 65.380 C – De 10,01 até 15 SM 11.997 D – Acima de 15 SM 4.196 Totalizadores 186.221 Fonte: CAIXA (2005) Em 2004 a contratação com famílias com renda de até 5 SM foi ainda mais acentuada do que em 2003. Conforme a tabela 40, dos 176.534 contratos assinados, 122.952 foram assinados com famílias com a menor faixa de renda, representando 70% do total contratado no ano. 143 Tabela 40: Distribuição dos recursos por faixa de renda – Governo Lula – 2004 Faixa A - Até 05 SM B – De 05,01 até 10 SM C – De 10,01 até 15 SM D – Acima de 15 SM Totalizadores Contratos 122.952 39.544 11.964 2.074 176.534 Fonte: CAIXA (2005) Esta seria a principal conquista do governo Lula em relação ao governo FHC no combate ao déficit habitacional. Quando se analisa o principal programa habitacional desenvolvido com recursos do FGTS, o Carta de Crédito, que tem como objetivo atender às faixas de renda mais baixas, onde se concentra o maior déficit, se verifica que os recursos aplicados por faixa de renda não foram correspondentes aos respectivos déficits. Essa herança traz elementos positivos, mas, também, preocupantes. A situação habitacional do país vem exigindo atuação mais efetiva do poder público, em especial na produção de moradias e em sua adequação às necessidades habitacionais. Os dados revelam que a produção habitacional não beneficiou as camadas mais carentes da população, sobretudo as que percebem até 3 salários mínimos. Mais grave ainda é que esse segmento, além de apresentar condições habitacionais bastante críticas, encontra-se, atualmente, sem acesso a qualquer mecanismo de construção e de melhorias habitacionais, exceto os de caráter meramente assistencial. Em uma sociedade profundamente hierarquizada e extremamente desigual como a brasileira não se deve padronizar as necessidades de moradias para os diferentes estratos de renda, inclusive para os chamados setores populares. Nesse sentido, autores como (MARICATO, 2001; ROLNIK, 1997, SANTOS, 1999) apontam como entraves ao acesso à moradia, a necessidade de 144 contrair empréstimos para viabilizar a aquisição da casa própria e a dificuldade para aprovação do crédito devido a insuficiência de renda e a informalidade no mercado de trabalho. As estatísticas confirmam que as favelas têm taxas de desemprego muito superiores às dos moradores do asfalto, o emprego sem carteira assinada é maior e os salários, menores. Na Rocinha, por exemplo, a renda domiciliar per capta é de R$ 219,95 por mês. Significa que uma família de quatro pessoas não chega a ganhar R$ 900,00 quantia insuficiente para arcar com uma prestação da casa própria, que costuma comprometer de 25% a 30% da renda mensal. Por outro lado, o mercado não tem como financiar famílias que ganhem menos de cinco salários-mínimos. Esse segmento depende de subsídio governamental; a questão requer ações de governo, uma política pública voltada especificamente para a população de baixa renda. As famílias com renda a partir de oito salários-mínimos são atendidas pelo mercado. Porém essa parcela representa 10% do mercado. A solução neste caso é política pública. De maneira geral, os programas habitacionais podem ser inviabilizados caso outras políticas urbanas, como as de transporte, energia elétrica, esgotamento sanitário e abastecimento de água, não sejam integradas aos programas (AZEVEDO, 1990). Em muitas ocasiões, o principal entrave à melhoria das condições de moradia não se encontra vinculada à habitação, mas sim às deficiências de serviços públicos de consumo coletivo (saneamento, rede de água, esgoto, etc.). Nesse sentido, discute-se a própria nomenclatura de déficit habitacional, que no sentido tradicional induz equivocadamente às expectativas de enfrentar a questão da moradia de forma setorial, além de camuflar a complexa realidade de uma quantificação padronizada. Pelo fato da Constituição Federal, no seu Artigo 23, item IX, (BRASIL, 2002) determinar que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal 145 e dos Municípios “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”, e o artigo 6° considerar a moradia um direito social fundamental, se pode concluir que, mantidas as condições atuais, a atuação do setor púbico no setor habitacional está longe de atingir o controle da situação. (VILLAÇA, 1986). Para melhor entender essa realidade e o tamanho do desafio que se impõe, a Fundação João Pinheiro (2004) estabeleceu alguns pressupostos para vencer a questão do déficit habitacional; sendo que o principal deles é a necessidade de implantação de políticas populares diferenciadas, que variam da autoconstrução individual à oferta de conjuntos prontos, passando por programas de lotes urbanizados, financiamentos de materiais de construção, reformas de unidades já existentes, regularização fundiária e cooperativas de construção, entre outros. Existe uma necessidade de dar maior centralidade às políticas capazes de atender as famílias que se encontram economicamente desfavorecidas, que respondem hoje por parcela significativa do déficit habitacional e das inadequações habitacionais. Essas famílias não se beneficiam dos programas públicos habitacionais voltados para os setores populares por diferentes motivos, como os altos índices de inadimplência, baixo nível de mobilização política, baixo poder de pressão sobre o poder público, menor controle sobre recursos estratégicos etc. (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2004). As casas populares são ainda muito caras para a maioria das famílias de baixa renda, mesmo se considerando os subsídios diretos e indiretos. Os programas alternativos de habitação popular são uma das formas de tentar responder às necessidades habitacionais das populações de baixa renda. Isso significa priorizar programas mais baratos, com maior participação do poder público através de subsídios 146 diretos ou indiretos, bem como a adoção de procedimentos universalistas de seleção dos candidatos e de criatividade para incentivar diferentes formas possíveis de contrapartida da população beneficiada por esses programas. A Fundação João Pinheiro (2004), ressalta também a necessidade de interface da política habitacional para os setores de baixa renda com outras políticas urbanas. Essa abordagem surge em função da interdependência da questão da moradia com outras esferas recorrentes e complementares para melhorar as condições habitacionais da população mais pobre. Esses programas podem ser inviabilizados caso outras políticas urbanas, como de transporte, energia elétrica, esgotamento sanitário e abastecimento de água, não sejam integradas a eles. O processo decisório da política federal de habitação popular para ser eficaz e lograr a legitimidade necessária para a sua implementação adequada necessita levar em conta a viabilidade de consensos entre os diversos atores envolvidos, tanto os governos sub-nacionais como a população organizada. Nesse sentido, a busca de uma política nacional de habitação popular deve levar em conta também as relações entre os três níveis de governo, incluindo os poderes legislativos, além de articulações institucionais com outros atores relevantes como agências internacionais e com organizações públicas não governamentais, ONG’s, associações civis, etc. 147 CONSIDERAÇÕES Ao longo do desenvolvimento deste estudo, verificou-se que para a aferição das necessidades habitacionais o primeiro passo é o conhecimento da demanda, para definição de prioridades nas políticas voltadas para os setores de maior vulnerabilidade social. A expansão urbana é resultado de uma dinâmica de conflitos e negociações entre os atores envolvidos que, mesmo com diferentes interesses, vão se associar de acordo com o problema. A formação das políticas públicas, a divulgação dos resultados alcançados e a consolidação das informações provenientes das diversas fontes e sistemas envolvidos na produção habitacional acarretam uma incrível dança de números - que alguns preferem denominar de guerra de números. Essa falta de dados mais precisos dos programas executados pelos diversos níveis de governo e pela iniciativa privada, e de um sistema de informações que venha a possibilitar a troca de dados no nível institucional, dificultam um adequado diagnóstico habitacional. A concentração da população nas grandes cidades brasileiras mostrase agravada pelos efeitos perversos decorrentes do perfil de distribuição de renda e pela ausência de políticas públicas de habitação e desenvolvimento urbano. Por não se conseguir atender as necessidades básicas instaladas, amplia-se a falta de infraestrutura adequada e a precariedade das habitações resultam em condições de vida indigna para os moradores e na deterioração e degradação dos recursos naturais. Ao longo do estudo se constata que a trajetória do setor habitacional no Brasil tem sido marcada por drásticas reformas administrativas, o que tem impedido a implementação adequada de políticas públicas federais e provocado deficiências na sua 148 coordenação. Ao mesmo tempo, tem-se também como conseqüência a desarticulação institucional no âmbito do governo federal e nas demais esferas de governo, relegando o assunto habitação à soluções paliativas e emergenciais, sem no entanto implantar política coerente e duradoura. Apesar da constante criação de novos programas, tanto as políticas habitacionais desenvolvidas pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso, nas duas gestões, quanto as desenvolvidas no Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, não conseguem dar uma resposta satisfatória ao desafio de prover acesso à moradia para as populações de mais baixa renda. O fracasso deriva de diversos fatores, em uma dimensão do fato de se ter mantido a visão da casa como uma mercadoria a ser vendida para uma clientela, clientela que no caso do déficit existente, não tem como pagar pelo produto, uma vez que a grande maioria dos cidadãos de baixa renda apresenta grande dificuldade para conseguir crédito habitacional, em parte devido a sua restrita capacidade de pagamento, associada ao custo das operações de financiamento. Mesmo que vencido esse primeiro obstáculo ainda enfrenta-se a dificuldade para a implementação de programas habitacionais com custos acessíveis à população de até 3 SM, mesmo sem considerarmos o aspecto do custo da construção, o próprio terreno mostra-se hoje como principal elemento obstaculizador. O poder público, de maneira geral, não possui terrenos para a implementação dos empreendimentos. A aquisição de áreas, por sua vez, tem se apresentado de difícil viabilidade devido ao alto custo dos terrenos que estão inseridos em malha atendida por infra-estrutura básica – condição para implantação de conjuntos habitacionais. Dessa forma, a solução para atendimento da população que responde pelo déficit habitacional, passa pela complexidade e diversidade dos temas que 149 envolvem o desenvolvimento urbano como um todo, ou seja, a elaboração de planos diretores que de fato utilizem os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade e definam o uso adequado, racional e sustentável da terra. As políticas habitacionais desenvolvidas pelos governos federais estudados refletiram a falta de uma diretriz clara, que demonstre vontade política do governo federal em resolver o problema da habitação no país, o que se reflete nas políticas estaduais e municipais que não conseguem evoluir sozinhas, pois dependem dos recursos federais, de parceiros como a Caixa Economia Federal, ou de emendas de parlamentares para liberar recursos necessários aos seus programas. A equação da questão habitacional da população de baixa renda exige a flexibilização de regulamentação criadas, seja pelo Conselho Curador do FGTS, ou por outras instâncias, para que a produção de moradias populares seja atrativa para empresas do setor privado, aumentando as parcerias. A solução para atender à defasagem de oferta de moradias para a população de baixa renda continua distante, pois os mecanismos adotados exigem o comprometimento de entes que nem sempre possuem as condições exigidas. Tal situação normalmente ocorre envolvendo municípios e estados das regiões mais pobres que não conseguem oferecer a contrapartida necessária para fazer uso nem dos recursos federais disponibilizados. A população por si só, tem se mostrado mais capaz de enfrentar o problema, ainda que, em parte, de forma ilegal ou irregular, mediante a adoção de sistemas de autofinanciamento, autoconstrução, produção de pequenos e médios construtores, e outros. Mas, esse tipo de solução, não só compromete a plena realização das funções urbanas, como retardam o desenvolvimento local e nacional, 150 pois vai demandar, no futuro, uma ação do poder público para corrigir estes desvios, que será muito mais onerosa do que seria sua prevenção. Além disso, existe uma parcela da população que necessita da intervenção direta do Estado, pela concessão parcial ou total de subsídio. Nesse caso, o problema maior é quem irá conceder o subsídio, se somente a União ou se os estados e os municípios irão assumir parte do ônus. Mesmo no segmento populacional que abrange as famílias que possuam alguma capacidade financeira para contrair financiamento, a atuação do Estado, mesmo que minimamente intervencionista, deve ser no sentido de proporcionar estabilidade e credibilidade para o mercado captar recursos e financiar o incremento das moradias, garantindo condições econômico-financeiras para que as famílias conheçam e tenham percepção favorável quanto ao comportamento futuro de suas rendas e seus empregos. Isso implica dizer que não bastam empresas capacitadas a produzir imóveis, recursos disponíveis para financiamento e famílias que não tenham onde morar ou que desejam adquirir outro imóvel. É importante concluir que o financiamento compatível com o setor habitacional, com característica de longo prazo, pressupõe condições macroeconômicas de estabilidade de preços com taxas de juros moderadas. Atualmente, o governo vem cumprindo o primeiro papel; no entanto, a questão fiscal ainda não resolvida impede que os juros baixem sem evitar um aquecimento de demanda. Na análise das políticas habitacionais de FHC e LULA, percebe-se quase que uma continuidade na linha de atuação; a do governo LULA concentrou esforços na regulamentação das políticas urbanas que direta ou indiretamente beneficiam a habitação, porém ainda sem construir grandes resultados na prática. O 151 setor habitacional, notadamente o direcionado para as faixas de interesse social, tem recebido significativo volume de dotações orçamentárias e prioridades via subsídios. Porém, a forma de disponibilização desses recursos e a falta de sintonia institucional entre os diversos órgãos gestores, financeiros e promotores da política habitacional e de desenvolvimento urbano têm dificultado o atendimento ao grande contingente da população brasileira que hoje necessita de moradia. No plano do discurso, as diretrizes das políticas habitacionais dos governos de FHC e LULA não são tão diferentes. Mas, existe um ponto substancial de diferença. No caso de LULA, a política habitacional ocupou um lugar central em seu governo, tendo em vista a criação de um ministério para tanto: o ministério das cidades. Desta forma, pode-se concluir que em termos de organograma institucional, o governo do PT deu muito mais prioridade ao tema da habitação do que a gestão do PSDB. Mas, será que isto se verifica no plano dos números? Neste caso não. Podemos perceber claramente que o montante de recursos destinados aos programas de moradia dos dois governos é praticamente o mesmo. Aliás, devemos destacar o fato de que foi o governo FHC que voltou a priorizar o investimento em habitação, já que este estava praticamente estagnado nos anos 80. Somente em 1996, no segundo ano do governo FHC, com a implantação do Programa Carta de Crédito FGTS que se verifica a implantação de uma política clara de atuação governamental com o objetivo de tratar da questão habitacional. Certamente, a descentralização da aplicação dos recursos com financiamento diretamente ao consumidor final, foi a medida de maior efetividade adotada pelo governo FHC em relação a política habitacional. A mudança foi positiva não somente nos financiamento individuais, mas também nas operações coletivas onde 152 o financiamento também era contratado com o mutuário final e não com as construtoras como anteriormente. A alteração dos critérios técnicos na liberação de recursos adotada no governo FHC permite uma maior acessibilidade por parte dos cidadãos, garante que o dinheiro será utilizado para a função a que se destina, além de se obter uma maior produtividade, pois cada beneficiado é fiscal da aplicação do recurso que vai lhe beneficiar. Essa postura em relação à política habitacional permitiu ao governo FHC produzir 1.615.514 unidades habitacionais nos oito anos de governo, representando uma média de 201.939 unidades/ano, sendo que somente com recursos FGTS foram 1.319.826 unidades no período com uma média de 164.978 unidades/ano. O governo Lula produziu nos anos de 2003 e 2004 um total de 454.855 mil unidades habitacionais, com uma média anual de 227.427 unidades, apresentando uma média anual ainda maior que no governo FHC. Se não houve um acentuado incremento, houve a manutenção da produção anual que se apresenta em números bastante razoáveis. A produção habitacional apresentada tanto no governo FHC quanto no governo LULA, teria sido suficiente para fazer frente ao aumento do déficit habitacional, que de acordo com os censos demográficos, de 1991 e 2000, sofreu um incremento médio anual de 172,7 mil unidades. Porém, se no plano dos números absolutos a diferença entre os dois governos não é tão grande, isto se modifica no que tange a relação entre recursos do FGTS e faixa de renda. O que se pode perceber é que no governo de LULA a prioridade passou a ser as camadas de baixa-renda, o que não acontecia de forma substancial no governo FHC, comparando-se os dois últimos anos do governo FHC 153 com os dois primeiros do governo Lula, verifica-se que nos dois anos FHC apenas 42% dos contratos foram feitos com famílias com renda até 5 SM, já nos dois anos do governo Lula 70% dos contratos foram assinados com famílias até 5 SM, o que representa a prioridade na aplicação dos recursos exatamente para a faixa de renda onde se localiza o déficit habitacional. Diante dos dados acima, não podemos afirmar que o governo de FHC foi um governo neoliberal, no sentido estrito do termo. Na visão do liberalismo econômico, o Estado deve abandonar suas funções sociais, que cabem aos indivíduos. Não é o que fez o governo de FHC que voltou a investir fortemente na área da habitação, depois de uma década e meia de estagnação de investimentos nesta área. Neste sentido, o governo LULA apenas continua uma política que já havia sido estabelecida antes. Portanto, as políticas habitacionais destes governos podem ser qualificadas de "social-democratas" na medida em que partem da idéia de que o Estado deve oferecer bem estar aos cidadãos e garantir seus direitos sociais básicos, entre eles o da habitação. Esta é a essência da social-democracia. De qualquer forma, governo LULA avançou em relação ao governo FHC em um ponto extremamente importante: o direcionamento do financiamento em direção as camadas de baixa renda. Neste sentido, este governo parece estar aprofundando o modelo (social-democrata) inaugurado por Fernando Henrique Cardoso. Garantir à cada família brasileira uma moradia digna não é tarefa de fácil realização. A análise da ação do governo Lula serve, não para condenar previamente o governo, mas para evidenciar que a prática é muito diferente do discurso e que as dificuldades de estar no comando são infinitamente maiores que as bravatas da oposição. 154 A atuação, tanto de governos, quanto da sociedade civil, se for fragmentada e apenas local, não tem perspectiva de uma solução em curto prazo para a solução do déficit habitacional discutido neste estudo acadêmico, pois são desafios que exigem a atuação focalizada, integrada e articulada de órgãos formuladores e executores da política nacional de habitação, no âmbito federal e nas demais esferas de governo. A falta de sintonia na ação governamental tem provocado desperdício de recursos e gerando programas de viabilidade duvidosa, muitas vezes concorrentes entre si, desorientando os agentes locais, quando em busca de recursos e soluções habitacionais para as famílias pobres. Dessa forma, as Instituições, sejam elas Prefeituras, CAIXA ou outros entes que venham a desenvolver as políticas públicas, deverão ser institucionalmente fortalecidas para poderem assumir suas obrigações constitucionais e legais e atender aos anseios da sociedade. A exclusão social é combatida pelo fortalecimento da capacidade das pessoas e comunidades de satisfazer suas necessidades, resolver seus problemas e melhorar sua qualidade de vida. 155 REFERÊNCIAS ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In : SADER, Emir; GENTILI, Pablo. Pós-Neoliberalismo: As Políticas Sociais e o Estado Democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. ARANTES, Otília B.; MARICATO, Ermínia; VAINER, Carlos. O Pensamento Único das Cidades: desmanchando consensos. Coleção Zero à Esquerda, Petrópolis: Ed. Vozes, 2000. ARRETCHE, Marta. Desarticulação do BNH e Autonomização da Política Habitacional. In: Rui de Britto Alvares Affonso; Pedro Luiz Barros Silva. (Org.). Descentralização e Políticas Sociais. 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