UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA –
PROPPEC
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS –
CEJURPS
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP
ANÁLISE COMPARATIVA DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS
NOS GOVERNOS FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
LEDA MARA DE SOUZA
Orientador: Dr. Carlos Eduardo Sell
Itajaí - 2005
1
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA –
PROPPEC
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS –
CEJURPS
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP
ANÁLISE COMPARATIVA DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS
NOS GOVERNOS FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
LEDA MARA DE SOUZA
Dissertação
apresentada
à
Banca
Examinadora
no
Mestrado
Profissionalizante em Gestão de Políticas
Publicas da Universidade do Vale do Itajaí
– UNIVALI, sob a orientação do Professor
Dr. Carlos Eduardo Sell, como exigência
para obtenção do titulo de Mestre em
Gestão
de
Políticas
Públicas
/
Profissionalizante.
Itajaí - 2005
2
LEDA MARA DE SOUZA
ANÁLISE COMPARATIVA DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS
NOS GOVERNOS FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Esta Dissertação foi julgada APTA para a obtenção do título de Mestre em Gestão
de Políticas Públicas/Profissionalizante e aprovada, em sua forma final, pela
Coordenação do Programa de Mestrado Profissionalizante em Gestão de Políticas
Públicas – PMGPP da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
Professor Dr. Carlos Eduardo Sell
Orientador e Presidente da Banca
Professora Dra. Adriana Rossetto
Membro Titular da Banca
Professora Dra. Rosa Maria
Membro Titular da Banca
Itajaí (SC), 28 de Novembro de 2005.
3
DEDICATÓRIA
Dedico este estudo aos meus amados filhos
Adel e Alan, e a meu querido companheiro
Sérgio, a quem privei por muitos momentos
de minha companhia, e que sempre me
apoiaram e compreenderam.
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, por me dar força, fé e coragem.
Ao meu orientador, professor Dr. Carlos Eduardo Sell, pela paciência e humildade
em saber me conduzir.
Aos professores do Programa de Mestrado.
Aos meus pais Hélio e Erica que começaram tudo isso.
Aos meus filhos que de uma forma ou outra irão prosseguir nesse caminho do
estudo, da dedicação aos ideais e da busca constante por aperfeiçoamento.
Ao meu amado Sérgio, companheiro de todas as horas, que soube perdoar o tempo
que lhe retirei para a conclusão deste estudo.
Ao meu chefe Nei Antonio Cristofolini, que me apoiou e permitiu minhas necessárias
ausências para que eu pudesse freqüentar e concluir o
Programa de Mestrado.
Aos amigos Soiara e Vilmar que dividiram comigo as conquistas do aprendizado e a
alegria das viagens, motivando os meus esforços e fazendo com que tudo valha a
pena.
Ao Denilson, que com sua humildade e conhecimento, me lembrou que quando tudo
parece pronto ainda há muito ser feito.
E, por fim, a todos aqueles que, mesmo não citados, de alguma forma me
incentivaram e colaboraram para a conclusão deste estudo.
5
A humildade é a chave da libertação.
(autor desconhecido)
6
DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito e sob as penas da lei, que assumo total
responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a
Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, o Programa de Mestrado Profissionalizante
em Gestão de Políticas Públicas – PMGPP, a Banca Examinadora, o Professor
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Por ser verdade, firmo a presente.
Itajaí (SC), 28 de Novembro de 2005.
LEDA MARA DE SOUZA
Mestranda
7
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................... 13
ABSTRACT ............................................................................................................... 14
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 15
CAPÍTULO I – ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA POLÍTICA HABITACIONAL NO
BRASIL ..................................................................................................................... 20
1.1O ESTADO E AS POLÍTICAS HABITACIONAIS ................................................. 20
1.2PRIMÓRDIOS ...................................................................................................... 25
1.3PERÍODO AUTORITÁRIO ................................................................................... 32
1.3.1 O Banco Nacional da Habitação (BNH)............................................................ 34
1.3.2 Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) ......................................... 42
1.3.3 Caixa Econômica Federal ................................................................................ 44
1.4 PERÍODO DA DEMOCRATIZAÇÃO ................................................................... 47
1.4.1Reforma Urbana no Brasil ................................................................................. 49
1.4.2 O Estatuto da Cidade ....................................................................................... 52
CAPÍTULO II – ANÁLISE DAS DIRETRIZES DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS
DOS GOVERNOS FHC E LULA ............................................................................... 56
2.1 IDEOLOGIAS POLÍTICAS E POLÍTICAS PÚBLICAS NOS GOVERNOS FHC E
LULA. ........................................................................................................................ 56
2.1.1 Ideologias políticas ........................................................................................... 57
2.1.1.1 Liberalismo e Neoliberalismo ........................................................................ 58
2.1.1.2 Social-Democracia ........................................................................................ 61
2.1.1.3 Socialismo ..................................................................................................... 62
2.2 GOVERNOS E IDEOLOGIAS NO BRASIL: DE FHC A LULA............................. 64
2.2.1 Pressupostos Ideológicos do Governo FHC..................................................... 64
2.2.2 Pressupostos Ideológicos do Governo LULA ................................................... 68
2.3 DIRETRIZES DA POLÍTICA HABITACIONAL NO GOVERNO FHC.................. 70
2.4 DIRETRIZES DA POLÍTICA HABITACIONAL NO GOVERNO LULA ................. 79
2.4.1 Ministério das Cidades ..................................................................................... 80
2.5 PROGRAMAS HABITACIONAIS FINANCIADOS COM RECURSOS FGTS:
CARACTERÍSTICAS................................................................................................. 86
2.5.1 Financiamentos Individuais .............................................................................. 88
2.5.2 Financiamentos Associativos .......................................................................... 94
CAPÍTULO III ANÁLISE DOS PADRÕES DE FINANCIAMENTO COM RECURSOS
FGTS DOS GOVERNOS FHC E LULA................................................................... 100
3.1 O DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL ........................................................ 100
3.1.1 Déficit Habitacional no Governo FHC............................................................. 106
3.1.2 O déficit habitacional no Brasil no governo LULA .......................................... 109
3.2 NÚMERO DE UNIDADES HABITACIONAIS PRODUZIDAS ............................ 116
3.2.1 Antecedentes ................................................................................................. 117
3.2.2 Número de unidades habitacionais produzidas no governo FHC................... 123
3.2.3 Números de unidades habitacionais produzidas no governo LULA ............... 130
8
3.3 DESTINAÇÃO DOS RECURSOS POR FAIXA DE RENDA.............................. 132
3.3.1 Destinação dos recursos por faixa de renda no governo FHC ....................... 140
3.3.2 Destinação dos recursos por faixa de renda no governo LULA ..................... 142
CONSIDERAÇÕES................................................................................................. 147
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 155
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Parâmetros das Modalidades .................................................................... 92
Tabela 2: Parâmetros das Modalidades Operações Especiais ................................. 93
Tabela 3: Taxas de Juros .......................................................................................... 93
Tabela 4: Prazos ....................................................................................................... 94
Tabela 5: Limites Operacionais ................................................................................. 96
Tabela 6: Limites Operações Especiais .................................................................... 97
Tabela 7: Condições de Aplicações .......................................................................... 98
Tabela 8: Prazos de Amortização ............................................................................. 98
Tabela 9: Componentes do Déficit Habitacional...................................................... 104
Tabela 10: Déficit habitacional no Brasil e grandes regiões - 1995......................... 107
Tabela 11: Faixas de Tamanho da População ........................................................ 108
Tabela 12: Déficit Habitacional............................................................................... 110
Tabela 13: Distribuição Percentual do Déficit Habitacional Urbano por Renda....... 115
Tabela 14: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas – Total............ 118
Tabela 15: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas........................ 121
Tabela 16: Contratação Programa Carta de Crédito 1996 ...................................... 125
Tabela 17: Contratação Programa Carta de Crédito 1997 ...................................... 125
Tabela 18: Contratação Programa Carta de Crédito 1998 ...................................... 126
Tabela 19: Contratação Programa Carta de Crédito 1999 ...................................... 127
Tabela 20: Contratação Programa Carta de Crédito 2000 ...................................... 127
Tabela 21: Contratação Programa Carta de Crédito 2001 ...................................... 127
Tabela 22: Contratação Programa Carta de Crédito 2002 ...................................... 128
Tabela 23: Contratação Programa Carta de Crédito FGTS Imóvel na Planta ......... 129
Tabela 24: Contratação Programa Carta de Crédito 2003 ...................................... 131
Tabela 25: Contratação Programa Carta de Crédito 2004 ...................................... 132
Tabela 26: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas – Total............ 133
Tabela 27: Total por Faixa de Renda – Imóvel na Planta ....................................... 134
Tabela 28: Total por Faixa de Renda – Material de Construção / Construção ........ 135
Tabela 29: Total por Faixa de Renda – Material de Construção / Melhoria ............ 135
Tabela 30: Total por Faixa de Renda – Lote ........................................................... 136
Tabela 31: Total por Faixa de Renda – Construção................................................ 136
Tabela 32: Total por Faixa de Renda –Construção / Reforma ................................ 137
Tabela 33: Total por Faixa de Renda – Imóvel Novo .............................................. 137
Tabela 34: Total por Faixa de Renda – Imóvel Usado ............................................ 138
Tabela 35: Distribuição Regional de Contratações – 1995-2003/ RES 289/98 /
Déficit Quantitativo / Carência de Infra-Estrutura. ................................................... 139
Tabela 36- Distribuição dos recursos por faixa de renda – Governo FHC 2001 .... 140
Tabela 37- Distribuição dos recursos por faixa de renda - Governo FHC 2002 .... 141
Tabela 38-Total por Faixa de Renda –Total Geral– Governo FHC ......................... 141
Tabela 39-Distribuição dos recursos por faixa de renda –
Governo Lula – Total 2003 ...................................................................................... 142
Tabela 40-Distribuição dos recursos por faixa de renda – Governo Lula – 2004 ... 143
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Necessidades Habitacionais ................................................................... 107
Gráfico 1: Déficit Habitacional ................................................................................. 111
Gráfico 2: Rendimento por Faixa de Renda ............................................................ 114
Gráfico 3: Unidades Habitacionais Produzidas de 1974 a 1994.............................. 119
Gráfico 4: Unidades Produzidas Governo FHC....................................................... 124
Gráfico 5: Unidades Habitacionais Produzidas no Governo Lula ............................ 131
Gráfico 6: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas ......................... 133
11
ABREVIATURAS UTILIZADAS
ABECIP - Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança
AF - Agente Financeiro
BACEN - Banco Central do Brasil
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BNH – Banco Nacional de Habitação
CAIXA - Caixa Econômica Federal
CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano
CMN – Conselho Monetário Nacional
DER - Depósitos Especiais Remunerados
FCVS - Fundo de Compensação de Variações Salariais
FDS - Fundo de Desenvolvimento Social
FGTS - Fundo de Garantia por Tempo De Serviço
FHC - Presidente Fernando Henrique Cardoso
FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
FJP – Fundação João Pinheiro
FUNDHAB - Fundo de Assistência Habitacional
LULA – Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
PAR – Programa de Arrendamento Residencial da CAIXA
12
PSH – Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social
SBPE - Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo
SEDU/PR – Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da
Presidência da República
SFH - Sistema Financeiro da Habitação
SFI - Sistema de Financiamento Imobiliário
SISBACEN - Sistema de Informações do Banco Central
UPF - Unidade Padrão de Financiamento
13
RESUMO
Este trabalho objetiva estudar o desenvolvimento das políticas habitacionais
desenvolvidas durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula
da Silva. A motivação para a pesquisa surgiu da consideração da habitação digna ser
uma necessidade humana básica. Buscou-se, nesse aspecto, analisar o histórico da
habitação no Brasil, que, inegavelmente, enfrenta distorções das mais diversas,
principalmente devido ao desenvolvimento da política habitacional nacional, que ao
longo de sua história mostrou-se fragmentada e pouco focada na resolução dos
principais problemas voltados ao tema. Como introdução ao tema foi apresentada a
questão do Estado e as políticas habitacionais, focando suas origens históricas e
contextualizando seus objetivos no decorrer dos anos. Abordou-se o déficit habitacional
no país, utilizando-se da metodologia criada pela Fundação João Pinheiro de Belo
Horizonte e questões ligadas ao tema, como a criação e o trabalho desenvolvido pelo
BNH, que se tratou da primeira grande ação do governo em prol da política
habitacional, o papel da Caixa Econômica Federal no desenvolvimento das políticas
públicas da habitação e aplicação dos recursos oriundos do FGTS na habitação
popular. Culminando com uma análise sobre a política desenvolvida para o setor
habitacional durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da
Silva. É uma tentativa de se conhecer a situação habitacional do Brasil através da
análise dos resultados produzidos pelo principal programa do governo federal, o “Carta
de crédito” com recursos do FGTS, no período de 1996 a 2004 em comparação com as
necessidades habitacionais espelhadas pelo Déficit habitacional.
14
ABSTRACT
This essay aims to study the development of habitation policies carried out during the
Government of Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.The
motivation for the research came up based on the consideration of dignifying housing
being a basic human need. The attempt on this matter was to analyse the history of
habitation in Brazil, which has undoubtedly been facing various distortions, mainly
due to the development of the habitation policy, which has throughout the years
shown itself fragmented and little focused on the resolution of the main problems
regarding the theme. As an introduction to the theme, the matters of the State and
the habitation policies were presented focusing in their historical origins and
contextualizing their goals throughout the years. The deficit in habitation in the
country has also been approached in the essay, makinguse of the methodology
created by Fundação João Pinheiro de Belo Horizonte and the issues linked with the
theme, such as the creation and the work developed by BNH, which was the first
great action of the government in favour of the habitation policy. Also, the role of
Caixa Econômica Federal in the development of public policies of habitation and the
application of resources arising from FGTS on popular housing. Culminating with an
analysis of the policy which was developed for the habitation sector during the
government period of Fernando Henrique Cardoso and Luiz Inácio Lula da Silva. It is
an attempt to get to know the habitation situation in Brazil through the analysis of
results produced by the main Federal program , called “Carta de Crédito”, with the
resources of FGTS in the period between 1996 and 2004 in comparison with the
habitation needs reflected by the habitation deficit.
15
INTRODUÇÃO
O propósito deste estudo acadêmico é analisar a evolução das linhas
gerais das políticas públicas na área de habitação no Brasil, com recorte específico
para o período de 1996 a 2004. A escolha do período em questão, naturalmente, não
se deu por acaso. O ano de 1996 marcou o lançamento oficial da política nacional de
habitação do governo Fernando Henrique Cardoso que prosseguiu até 2002. E a
análise até 2004 permite o estudo das políticas habitacionais implantadas nos dois
primeiros anos do Governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Tomando como base as supostas diferenças de orientação políticoideológicas destes governos (o neoliberalismo, no caso de Fernando Henrique Cardoso
e o socialismo e/ou social-democracia no caso do governo do PT), nossa intenção será
verificar em que medida a política de habitação de ambos refletem estas concepções.
Neste sentido, buscamos analisar dois conjuntos de fatores. Em primeiro lugar, na
ordem do discurso, as diretrizes da política habitacional, tentando captar no discurso
destes governos suas diferentes orientações quanto a habitação e sua relação com o
perfil político do governo. Em segundo lugar, na ordem da prática, a destinação de
recursos do FGTS efetuados por estes governos na destinação de casa própria.
Tomando como indicadores principais o número (em termos absolutos) de unidades
habitacionais financiadas com recursos do FGTS e sua respectiva destinação de
acordo com a faixa de renda dos usuários, procuramos verificar em que medida a
política pública de habitação está relacionada com a orientação e o padrão de política
pública de cada um destes governos. Em outros termos, a política habitacional do
governo FHC confirma a idéia de se trata de um governo "neoliberal", como afirma boa
16
parte da literatura? E, no caso do governo LULA, a política habitacional é claramente
de "esquerda" (seja socialista ou social-democrata) como esperam os analistas
políticos. É dentro desta problemática sociológica - com ênfase nas políticas públicas que se move este trabalho.
As condições habitacionais são elementos fundamentais para a análise
da qualidade de vida da população. A escassez de habitação, tanto em termos de
qualidade, quanto quantidade, é um dos mais graves problemas sociais do Brasil, não
só nos aglomerados urbanos como nas áreas rurais. A ausência de moradias com
condições mínimas de habitabilidade é um dos principais agravantes da pobreza, e
forte indutor da precariedade das condições de saúde e higiene, o que se reflete nos
baixos níveis de escolaridade e induz à criminalidade.
O direito à moradia é um direito constitucional que deve ser
reconhecido, protegido e efetivado por meio de políticas públicas específicas. Para a
conquista da moradia digna, e conseqüente redução do déficit habitacional, o
desenvolvimento de políticas públicas que apóiem a produção habitacional mostra-se
como medida necessária e obrigatória no sentido de se caminhar rumo a soluções que
impactem positivamente na vida dos cidadãos carentes.
Esta dissertação está organizada em três capítulos que abordam a
questão habitacional no Brasil, especialmente as políticas habitacionais desenvolvidas
no período selecionado para estudo (1996/2004), período que compreende parte do
primeiro e todo o segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC),
bem como os dois primeiros anos do Governo de Luiz Inácio Lula da Silva (LULA), e a
análise dos dados referente ao resultado obtido com a utilização dos recursos do FGTS
para produção habitacional. Para tanto, será estudado o principal programa
desenvolvido com recursos FGTS, pelo Governo Federal, a Carta de Crédito, nas
17
modalidades individual e associativo, programa esse que se apresenta como principal
ferramenta das políticas públicas do Governo Federal para redução do déficit
habitacional.
O estudo foi desenvolvido com base em pesquisas quantitativas de
documentação indireta, concentrando-se na pesquisa documental e pesquisa
bibliográfica. Dessa forma esses assuntos estão organizados como se descreve a
seguir:
No capítulo I desenvolveu-se a revisão da literatura que versou sobre
os antecedentes históricos da política habitacional no Brasil e a questão da política
habitacional desenvolvida até o período recente, relatando-se a importância da
participação do Banco Nacional da Habitação (BNH) no desenvolvimento das ações
governamentais no âmbito da habitação ao longo na história, a participação do Fundo
de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e da Caixa Econômica Federal, como gestor
do FGTS e atualmente principal agente do governo federal na implementação das
políticas públicas habitacionais. Ainda na contextualização da questão habitacional
foram abordadas as questões da reforma urbana e o Estatuto das Cidades.
No capítulo II
discorreu-se sobre as diretrizes
das políticas
habitacionais dos governos em estudo neste trabalho. Primeiro, sobre as ideologias
políticas, especificamente liberalismo, social-democrata e socialismo. O estudo das
ideologias políticas permite compreender o modo como os governos de FHC e Lula se
organizaram para atingir seus objetivos. . Em seguida, aborda-se a política habitacional
desenvolvida durante o governo Fernando Henrique Cardoso com seus dois programas
de governo que orientaram, respectivamente, o primeiro e segundo mandato bem como
a política habitacional no governo Luiz Inácio Lula da Silva, que representa a chegada
ao poder dos movimentos de esquerda, que mantiveram durante anos, críticas à política
18
habitacional desenvolvida pelos governos anteriores. A criação do Ministério das
Cidades e a nova Política Nacional de habitação são objetos de estudo, bem como a
síntese do Programa habitacional Carta de Crédito, operacionalizado com recursos
FGTS, que se apresentou para melhor compreensão do panorama geral da política
habitacional.
O capítulo III é destinado a apresentação dos dados empíricos de nossa
pesquisa. Dois conjuntos de variáveis de pesquisa são especialmente analisados: 1) o
número de unidades habitacionais disponibilizadas pelos governos FHC e LULA e, 2) a
correlação entre recursos do FGTS e a faixa de renda dos usuários dos programas de
habitação popular. O capítulo discute primeiramente a questão do Déficit Habitacional
no Brasil sendo adotada a metodologia utilizada pela Fundação João Pinheiro (FJP)
de acordo com a proposta de quantificação das necessidades habitacionais. Para fins
dessa quantificação, adotou-se a publicação Déficit Habitacional no Brasil Municípios
Selecionados e Microrregiões Geográficas (2005) da Fundação João Pinheiro. Trata-se
do trabalho mais recente publicado sobre o assunto, e que foi desenvolvido para o
Ministério das Cidades, em convênio com o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O
objetivo geral era calcular o déficit e a inadequação habitacional para municípios
brasileiros selecionados, microrregiões geográficas e a totalidade das regiões
metropolitanas existentes em 2000, data de referência do cálculo.
São apresentados os números referentes ao déficit habitacional no
período estudado, bem como o déficit por faixa de renda e por região brasileira.
O estudo da aplicação de recursos nos programas habitacionais
operacionalizados com recursos FGTS no período de 1996 a 2002 foi feito com base
19
em relatórios colhidos junto ao Banco Central do Brasil e Caixa Econômica Federal,
com números que traduzem a realidade de todo o Brasil.
Analisaram-se os valores aplicados anualmente nas duas modalidades
do programa Carta de Crédito, individual e coletivo, comparando graficamente o
resultado obtido. Além da análise dos valores aplicados no período, analisou-se a
aplicação por faixa de renda efetuando-se a comparação com as faixas de renda do
déficit.
Ao final do estudo, após analise dos números resultantes das
intervenções pelas políticas públicas, identificou-se os resultados obtidos pela política
habitacional dos governos FHC e LULA.
O desejo de realizar esta investigação está intimamente associado à
trajetória profissional desta pesquisadora, representada pela participação em diversas
atividades que buscam levar a conquista da casa própria se tornar realidade para
tantos brasileiros que acalentam esse sonho, tendo em vista que não assegurar o
acesso às condições dignas de morar pode também significar uma violação dos direitos
sociais e humanos fundamentais.
20
Capítulo I – ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA POLÍTICA HABITACIONAL NO
BRASIL
O objetivo deste capítulo é apresentar as correlações do Estado com as
políticas habitacionais. Inicialmente aborda-se o papel do Estado no desenvolvimento
das políticas públicas de habitação, seguindo pela dissertação dos antecedentes
históricos da política habitacional brasileira. Neste capítulo, a intenção será situar a
problemática da política habitacional no contexto histórico brasileiro, ressaltando
especialmente a relação desta política com o papel do Estado na conjuntura atual.
Desta forma, o capítulo busca um marco analítico que busque situar a pesquisa em seu
contexto amplo, a saber, a história social brasileira e a ação do Estado, executor maior
das políticas públicas.
1.1 O ESTADO E AS POLÍTICAS HABITACIONAIS
Ao longo da história, o Estado assume as mais variadas feições, num
processo de transformação constante, para que possa se conformar à dinâmica social.
Nesse contexto de permanente mudança, o Estado Moderno, ao longo de sua
evolução, foi levado a rever, por mais de uma vez, sua forma de intervenção na
sociedade.
Um dos grandes temas do pensamento social atual é o debate em torno
da necessidade de um novo desenho para o Estado moderno. Intensamente discutido,
21
o debate inicia-se a partir da crise econômica internacional na década de 70, quando
começa a ser colocada a crítica ao Estado de Bem-Estar Social, o qual entra em crise
após um período de prosperidade econômica pós Segunda Guerra, permitindo a
expansão de políticas sociais. (DRAIBE & HENRIQUE, 1988).
Mesmo diante da diversidade de interpretações teóricas a respeito da
Reforma do Estado pode-se apontar que o seu ponto central está no fato de que além
dos ajustes necessários no papel do Estado, a superação da crise passa pela
construção de um novo perfil da agenda das políticas públicas. Perfil esse que vem se
constituindo dentro de um processo, que tem como ponto central o debate sobre a
necessidade de serem estabelecidos novos arranjos de adequação, ou de construção,
de novas fronteiras nas relações entre Estado - Sociedade.
O Estado revela-se necessário, porém insuficiente para a promoção ou a
indução do desenvolvimento. Para que a sociedade possa se desenvolver como um
todo, são necessários três mecanismos de coordenação: o Estado, o mercado, e a
própria sociedade - o Estado através das leis e das políticas públicas; o mercado,
através da troca e da competição regulada pelo Estado; e a sociedade ou a
comunidade,
através
dos
valores
morais
e
das
crenças
tradicionais
ou
consuetudinárias que regem essa sociedade independentemente do Estado. (OFFE,
1999).
Nas sociedades democráticas, o regime político democrático e as
políticas públicas são, em última análise, fruto de um contrato social, onde existem
coisas que precisam ser feitas pelo Estado e existem coisas que não podem ser feitas
pelo Estado, em alguns casos, devem ser feitas pelo mercado e, em outros, pela
sociedade civil ou, ainda, por parcerias intersetoriais entre Estado e mercado, Estado e
22
sociedade civil, mercado, sociedade civil e Estado, mercado e sociedade civil. Ou seja,
existem coisas que devem ser feitas pelo Estado, pelo mercado e pela comunidade ou
por combinações desses três fundamentos da ordem social, e em uma mistura que
consiga evitar que cada um deles se sobreponha aos outros e os elimine. (OFFE
,1994).
De maneira geral, políticas sociais são medidas de melhoria do bem estar
de determinados grupos sociais, que podem ser concebidas de modos diferentes; de
um ponto de vista de quem admite a existência de três esferas da realidade social
relativamente
autônomas
distinguíveis
entre
si
por
apresentarem
lógicas
e
racionalidades próprias: o Estado, o mercado e a sociedade civil (ou a comunidade). A
ênfase excessiva no papel de um desses tipos de agenciamento em detrimento dos
demais gera ideologias que Offe (1999), qualificou como “doutrinas puras da ordem
social”. Assim, como exemplos dessas “doutrinas puras”, tem-se o ‘estatismo socialdemocrata’, o ‘liberalismo de mercado’ e o ‘comunitarianismo conservador’ que
constituíam os três tipos de filosofia pública que estavam presentes e em competição
no final do século 20.
A combinação adequada dessas doutrinas é o desafio que se deve
buscar, pois a mistura inadequada das três esferas cria seis abordagens patológicas
para a construção de instituições sociais e políticas, ou ao que se denomina seis
falácias. Três delas resultam da permanência de uma abordagem “bitolada” em um dos
blocos, e as outras três advêm da premissa de que algum dos três ingredientes pode
ser inteiramente deixado de fora na arquitetura da ordem social. Essas falácias,
conforme Offe, (1999) são: 1) a do estatismo excessivo; 2) a da capacidade de governo
“pequena demais”; 3) a da excessiva confiança nos mecanismos de mercado; 4) a de
23
uma limitação excessiva das forças de mercado; 5) a do comunitarianismo excessivo; e
6) a de negligenciar comunidades e identidade.
Enveredar
por
qualquer
uma
dessas
“abordagens
patológicas”
significaria, para Offe (1999), inviabilizar a possibilidade de encontrar a “mistura
correta” dos três setores. O governo sozinho não é capaz de dar conta da tarefa de
promover o desenvolvimento social com eqüidade. Ele precisa da cooperação de
parceiros como: partidos, empresas, igrejas e organizações da sociedade civil, capazes
de assumir a responsabilidade por ações sociais adequadas às necessidades
específicas de cada grupo. Só a parceria entre os diversos setores da sociedade é
capaz de aumentar a eficiência das iniciativas que ao atender os mais pobres e
vulneráveis contribui para o desenvolvimento social.
O Estado implantando um projeto de governo, através de programas, de
ações voltadas para setores específicos da sociedade, está desenvolvendo as políticas
públicas. As políticas públicas são, em primeira instância, de responsabilidade do
Estado, quanto à implementação e manutenção a partir de um processo de tomada de
decisões que envolvem órgãos públicos e diferentes organismos e agentes da
sociedade relacionados à política implementada. Nesse sentido, políticas públicas não
podem ser reduzidas a políticas estatais. (OFFE, 1991).
Diante da constatação de que os problemas não vão ser resolvidos
apenas pela ação do Estado ou do mercado, é preciso um novo pacto, que resolva o
dever do Estado de dar condições básicas de cidadania, garanta a liberdade do
mercado e da competição econômica, evite o conflito entre esses dois interesses e
permita a influência de entidades comunitárias. (OFFE, 1991).
24
A política social surge da dinâmica do próprio Estado e tem suas origens
relacionadas a um processo de mediação de interesses conflitantes:
(...) defendemos aqui a tese de que para a explicação da trajetória
evolutiva da política social, precisam ser levadas em conta como
fatores causais concomitantes tanto exigências quanto necessidades,
tanto problemas da integração social quanto problemas da integração
sistêmica tanto a elaboração política de conflitos de classe quanto a
elaboração de crises do processo de acumulação. (OFFE, 1984, pg.
36).
As ações desenvolvidas pelo Estado não se definem nem se
implementam automaticamente, mas depende em grande parte da relação dinâmica
que se estabelece entre as demandas sociais e o campo das políticas. Como assinala
Mello (1991, p. 65) em seu estudo sobre o processo de formação de políticas sociais
no campo da habitação: “Para analisar a formação de políticas, é necessário que se
identifiquem as opções estratégicas dos atores individuais e coletivos e a configuração
estrutural da arena política em que operam.”
Se a implementação das políticas públicas não for acompanhada e
devidamente estruturada pode gerar resultados diferentes dos esperados. As variáveis
envolvidas são múltiplas e como se direcionam a grupos diferentes, o impacto pode ser
negativo e o efeito diferente do pretendido, pois são resultados de diferenciadas
relações sociais.
Nesses termos, a habitação é uma política social, pois são desenvolvidas
ações voltadas para a redistribuição dos benefícios sociais visando a diminuição das
desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico.
No tópico seguinte abordamos os marcos históricos fundamentais da
ação do Estado Brasileiro no que tange a política habitacional. Embora não tenhamos a
25
pretensão de sermos exaustivos, procuramos abordar os principais momentos desta
trajetória, dividindo-a em três momentos:
a)
primórdios:
que
contempla
a
etapa
populista
do
Estado
Desenvolvimentista, particularmente dos anos 30 até meados da década de 60,
b) período autoritário: que contempla a re-orientação tecnicista e
autoritária do modelo desenvolvimentista, com seus respectivos reflexos no campo da
política habitacional e,
c) o período da democratização: que compreende tanto os anos 80 (de
retomada da democracia), bem como os anos 90 e início do século XXI, em que está
em curso a "consolidação" do regime democrático no Brasil.
1.2 PRIMÓRDIOS
O surgimento do problema habitacional urbano no Brasil observa-se já
no período do II Império, quando em 1876, proíbe-se a construção de novos cortiços na
área central do Rio de Janeiro, por se associar aquele tipo de moradia às epidemias
surgidas na época. (BONDUKI, 1998).
O Estado tratava os problemas de habitação como de saúde pública,
pois suas ações se ligavam mais à medidas de cunho sanitarista, objetivadas a diminuir
as más condições de higiene das moradias dos trabalhadores urbanos, buscando
evitar a propagação de epidemias, que constituíam uma ameaça à saúde da
população. Assim, surgiram várias modalidades de moradia para alojar setores sociais
de baixa e média renda, todas construídas pela iniciativa privada. Todas essas
26
habitações eram moradias de aluguel, uma forma dominante de morar da população,
inclusive da classe média, com porcentagem superior a 80%. (BONDUKI, 1998).
As políticas sociais voltadas à habitação começam a surgir no Brasil
somente por volta da década de 30, quando se verifica uma pequena interferência
estatal no setor habitacional. A solução para a carência habitacional no Brasil foi
primeiramente resolvida no mercado, com o predomínio da produção rentista da
habitação, em que indivíduos com melhor poder aquisitivo construíram casas para
serem alugadas àqueles de renda mais baixa.
Como as construções dessas unidades habitacionais seguiam a ordem
do barateamento de custos, produziam-se moradias de baixa qualidade e em
condições de insalubridade, como a construção de vilas e da conversão de antigos
casarões em cortiços, o que facilitava a propagação de doenças epidêmicas e infectocontagiosas.
No início da República, com a intensificação da imigração européia no
país e o deslocamento de escravos libertos para as áreas urbanas, o crescimento das
cidades começa a exigir medidas concretas no setor habitacional. Vilas operárias são
construídas em diversas cidades, como uma resposta à necessidade de moradias.
A produção habitacional da época era baseada em diversas formas de
moradia, normalmente sob a forma de pequenas moradias unifamiliares construídas
em séries. No entanto, somente uma parcela dos operários teve acesso a essas
moradias, que em geral foram utilizadas por segmento da classe média. Para as
pessoas pobres, especialmente da classe operária, o aluguel da casa absorvia uma
grande parte dos ganhos do chefe da família. Não podendo pagar o aluguel de uma
casa, o operário de baixa renda, o trabalhador informal e o desempregado,
27
encontravam no cortiço e na casa de cômodos, o alojamento compatível com seus
míseros rendimentos.(KOWARICK, 1979).
Até a década de 30, era raro que operários e trabalhadores de baixa
renda fossem donos de suas moradias. Para o trabalhador urbano, a casa própria
simbolizava o progresso material. (BONDUKI, 1998).
Com o Estado Novo, o Brasil passa de uma sociedade de base agrária
para uma sociedade urbano-industrial. Essa nova organização social marcou a década
de 40, quando a pressão por moradias passou a se dirigir para o Estado, ou seja,
deixou-se de se discutir somente o aluguel e passou-se a exigir do Estado a
responsabilidade pela solução do problema da moradia.
Em 1937, o então Presidente Getúlio Vargas cria as Carteiras Prediais,
vinculadas ao sistema de previdência. Na reforma das CAPs (Caixas de
Aposentadorias e Pensões),
aquisição ou
admitiu-se o uso do dinheiro previdenciário para a
construção de casas para os associados das mesmas. O Estado
assumia, pela primeira vez, a responsabilidade pela oferta de habitações a segmentos
da população urbana.
A intervenção direta do Estado no setor habitacional, com a criação as
Carteiras Prediais, deve ser compreendida no contexto do desenvolvimento econômico
e político da época, quando se dava o agravamento das condições habitacionais do
meio urbano pelo impacto das crescentes taxas de urbanização em decorrência do
redimensionamento econômico do setor agrário para industrial.
(SILVA E SILVA,
1989).
Com a criação do decreto 1.749, em 28 de junho de 1937, foi possível
um efetivo desenvolvimento de um programa habitacional por parte dos IAPs (Institutos
de Aposentadoria e Pensões). Os IAPs, modelos de pensões vinculadas a gênero ou
28
categoria profissional, foram organizados a partir de 1933, de forma a abranger as
mesmas categorias em todo o território nacional. Muitas Caixas de Aposentadorias e
Pensões (CAPs) foram transformadas em IAPs. Segundo Farah (1983), três fatores
devem ser destacados: primeiro, o aumento da proporção da destinação das reservas
monetárias dos IAPs à construções habitacionais; segundo, o crescente uso desse
crédito pelos associados através da redução da taxa de juros, da dilatação do prazo de
pagamentos, elevação do prazo máximo de financiamento e a permissão da
construção de casas para associados que já fossem proprietários, desde que não
tivessem obtido financiamento do Estado; terceiro, a autorização para a criação das
Carteiras Prediais nos Institutos, que significou a definição de como cada Instituição
deveria atuar no setor habitacional.
O Regulamento, através das medidas adotadas, pode, portanto, ser
considerado o marco inicial da atuação dos institutos neste campo, e, por
conseqüência, a participação do Estado na solução da questão da moradia.
O processo de urbanização brasileiro apresentou um crescimento
desordenado das populações urbanas, desencadeado pelo acelerado processo de
industrialização o que incentivava uma intensa migração rural-urbana, acentuada pela
relativa estagnação da economia agrária em termos de absorção de mão de obra e de
salários condizentes, cujo resultado foi a concentração em favelas, de grande parte dos
imigrantes rurais.
Outros fatores conjugaram-se para agravar o problema habitacional,
tais como as crescentes taxas de inflação e a política governamental de congelamento
de aluguéis, desestimulando os investimentos em moradia, destinados à locação e
gerando uma alta nos novos contratos.
29
A criação de instrumentos legais voltados para o funcionamento de um
governo democrático, marcou o período 1946 a 1964, quando o autoritarismo perde
espaço, porém o populismo continua sendo o traço fundamental da relação EstadoSociedade. Para Barcellos (1983), as mudanças na economia e na política nesse
período exigiram do Estado a ampliação e a rearticulação de suas funções para suprir
as necessidades advindas do aprofundamento da concentração urbana e da
modernização do país:
Em relação à Previdência Social, os problemas da unificação
administrativa, da universalização e da uniformização de benefícios e
serviços constituíram-se na tônica do período; na área da saúde,
estiveram em evidência as questões ligadas ao combate às doenças
de massa e à ampliação da assistência médica; no setor trabalho, as
lutas sindicais e a política salarial mobilizaram as atenções dos
poderes públicos; no que diz respeito à educação, foram a
democratização do ensino e a qualificação profissional os aspectos que
assumiram maior relevância; finalmente, a constatação da existência
de um expressivo déficit habitacional fez com que a habitação
passasse a ser encarada também como uma questão social
(BARCELLOS, 1983, p. 89).
O governo Dutra (1946-1950) encontrou na habitação popular uma
aliada para ajudar a garantir a ordem urbana, e foi explicitamente utilizada, pela
primeira vez, como meio de angariar legitimidade e alcançar penetração junto aos
trabalhadores urbanos. Nesse sentido a criação da Fundação Casa Popular – FCP,
através do Decreto Lei 9.218 de 1° de Maio de 1946, representou o primeiro órgão em
âmbito nacional voltado a prover habitações às populações de baixa renda. (SILVA E
SILVA, 1989).
A Fundação da Casa Popular foi pensada, inicialmente, para enfrentar
os problemas habitacionais da população de baixa renda. Em 6 de setembro de 1946,
com o Decreto Lei 9.777, passa a ter a possibilidade de atuar também em áreas
30
complementares que fariam dela um verdadeiro órgão de política urbana. Passava ser
função da FCP, de acordo com o Decreto:
IV – financiar obras urbanísticas, de abastecimento de água, esgotos,
suprimento de energia elétrica, assistência social, e outras que visem a
melhoria das condições de vida e bem-estar das classes trabalhadoras,
de preferência nos municípios de orçamentos reduzidos, sob a garantia
de taxas ou contribuições especiais, que para isso forem criadas;
VI – proceder a estudos e pesquisas de métodos e processos, que
visem o barateamento da construção, quer isolada, quer em série, de
habitações de tipo popular, a fim de adotá-los e recomendá-los;
VIII – financiar as indústrias de materiais de construção, quando, por
deficiência do produto no mercado se tornar indispensável o estimulo
do crédito, para o seu desenvolvimento ou aperfeiçoamento, em
atenção aos planos ou programas;
XI – realizar todas as operações que digam respeito à melhor execução
das suas finalidades dentro das atribuições e competência que forem
conferidas pela lei.(BRASIL, DECRETO 9777, 1946, disponível em
www.soleis.adv.br).
A percepção de que não era possível enfrentar o problema de
moradias sem atacar os entraves, como a falta de infra-estrutura e saneamento básico
motivou essas mudanças. Nos anos que se seguiram, a experiência se encarregou de
mostrar
que
eram
irrealistas
e
pretensiosas
as
medidas,
como
atacar,
simultaneamente, o problema de moradia e o de infra-estrutura. (BONDUKI, 1998).
As dificuldades enfrentadas pela Fundação da Casa Popular não eram
apenas constrangimentos de ordem técnica, financeira e administrativa que tornavam
inviável a abertura de tantas frentes de trabalho (AZEVEDO E ANDRADE, 1982). No
plano político também faltava respaldo, traduzido em recursos financeiros, apoio dos
Estados ou legislação que lhe conferisse monopólio de algum recurso crítico, que lhe
conferisse posição de vantagem para negociar com os municípios:
Com os exíguos recursos financeiros de que dispõe, a Fundação da
Casa Popular não está, assim, em condições de, ao menos, atenuar de
modo sensível a crise nacional de moradia. Daí as inúmeras sugestões
que têm surgido para dar maior elasticidade e amplitude a seus
movimentos, de modo a permitir a acumulação de recursos
ponderáveis e necessários a uma política social de resultados
31
positivos. Através do Banco Hipotecário as classes menos favorecidas
terão asseguradas pelo crédito a longo prazo e juros médios, as
oportunidades de adquirir, reparar ou ampliar a moradia
própria.(AZEVEDO E ANDRADE, 1982, p.41).
Em 1953 houve uma tentativa de transformar a Fundação em banco
hipotecário, tornando a política habitacional auto-sustentável. Mas a proposta só foi
adiante no período Jânio Quadros, com a proposta de criação do Instituto Brasileiro de
Habitação (IBH). Esse apoio adveio do fato da casa própria se constituir, no imaginário
passado para o trabalhador urbano, um atrativo que possibilitaria sua ascensão social
combinada com a patente intenção do Estado, nesse contexto de turbulência política,
de associar a moradia à propriedade. A interface propriedade-moradia foi caracterizada
como ferramenta fundamental para alcançar a estabilidade e o controle social, e
sempre esteve associada a objetivos econômicos e políticos, visando adquirir, via
ideologia da casa própria, o apoio e exercer o controle sobre as massas populares, o
que tem condicionado o formato das políticas públicas e limitado seu impacto social
(MEDEIROS, 2002).
A situação do setor habitacional brasileiro era das mais graves. Em
1956 o Governo reconheceu publicamente através de mensagem enviada ao
Congresso que o crescimento demográfico em ritmo superior ao da construção de
moradias elevaria a um déficit de mais de 100 mil habitações anualmente o déficit já
existente de 2,5 milhões de casas. Esses dados eram estatísticos já que o governo não
dispunha de informações baseadas em levantamento de dados à época. O diagnóstico
era de que as condições peculiares às diferentes regiões do Brasil, o desnível
econômico, e a ação descoordenadora dos vários órgãos com atribuições pertinentes
ao problema habitacional, vinham impedido a obtenção da casa. (ARRUDA, 1988).
O crescimento explosivo da demanda por habitações urbanas, derivado
da intensificação do processo de urbanização do país, em um contexto fortemente
32
inibidor do investimento na área, marcado por forte aceleração inflacionária, taxas de
juros nominais fixas e leis populistas no mercado de aluguéis, acabou por gerar um
salto no déficit. Nessa época inexistia qualquer sistema de indexação e controle
inflacionário, resultando uma rápida descapitalização e conseqüente quebra das
instituições responsáveis pelos financiamentos imobiliários, levando a FCP a paralisar
seus investimentos a partir de 1960. (IBMEC, 1974).
A ação do Estado, posta em prática no Governo Jânio Quadros para
minorar a crise no setor habitacional, alocou recursos e assistência técnica e construiu
uma diretriz que poderia ser seguida, não ocorresse a renúncia do Chefe da Nação em
1961.
Antes de ser deposto pelo Golpe de 1964, o Presidente João Goulart
fez um dos mais completos exames dos problemas habitacionais que o país vinha
enfrentando. Baseados em dados estatísticos apurou-se que o Brasil possuía 78
milhões de habitantes, 85% dessa população estava no campo, porém tudo conspirava
para que a situação habitacional se tornar cada vez mais crítica, tendo em vista o
déficit já existente. (ARRUDA, 1988).
1.3 PERÍODO AUTORITÁRIO
Os governos militares iniciados em 1964 inauguram uma fase de
profundas alterações na estrutura institucional e financeira das políticas sociais, que ia
de meados da década de 1960 a meados da década seguinte. Nesse período,
conforme Barcellos (1983), são implementadas políticas de massa de cobertura
33
relativamente ampla, mediante a organização de sistemas nacionais públicos ou
estatalmente regulados de provisão de serviços sociais básicos. Baseados em um
regime fortemente repressivo, os governos militares restauram muitas das tradições
corporativistas do Estado Novo. Conforme Martine, (1989, p. 100):
Os recursos que circulavam pela área social passaram a ser
estreitamente articulados com a política econômica, sendo
subordinados, em várias áreas, ao critério da racionalidade econômica.
A iniciativa privada foi, assim, estimulada a assumir importantes fatias
dos setores de habitação, educação, saúde, previdência e alimentação.
Com essas inovações, a política social passou, inclusive, a ser um
dinamizador importante da iniciativa privada.
O Presidente Castello Branco (1964-1967) assumiu o governo cônscio
da situação caótica que o País experimentava no âmbito habitacional. Enquanto se
observava um intenso aumento demográfico, e se verificava em torno das cidades uma
expansão em ritmo duas vezes maior que o próprio aumento da população, o governo
estava totalmente descapitalizado e, além dos minguados recursos orçamentários do
governo, o setor privado também estava estagnado.
Além de leis antigas e obsoletas a falta de mecanismos institucionais
impediam que o governo dispusesse de uma autêntica Política Habitacional. Diante da
necessidade de construir anualmente 290 mil unidades habitacionais, da inexistência
de uma política habitacional e da necessidade de estancar o agravamento da crise, o
governo cria o Banco Nacional da Habitação - BNH como órgão primordialmente de
fomento, financiador da habitação e do saneamento básico, para desenvolver a
economia, o emprego e atender às aspirações de melhoria social. (ARRUDA, 1988).
34
1.3.1 O Banco Nacional da Habitação (BNH)
O Banco Nacional da Habitação - BNH foi criado com a finalidade de
financiar a execução do Plano Nacional de Habitação, destinado a reduzir a escassez
de moradia no país. Ele veio corrigir a situação de falta de financiamento,
democratizando a obtenção de recursos. Sua função era realizar operações por
intermédio de bancos privados e/ou públicos e de agentes promotores, como as
companhias habitacionais e as companhias de água e esgoto. (ARRETCHE, 1996;
MARICATO, 1996).
A criação da LEI Nº 4.380 – de 21 de agosto de 1964, através da qual
se Instituiu o BNH - Banco Nacional da Habitação, criou também o Sistema Financeiro
da Habitação - SFH, as Sociedades de Crédito Imobiliário e a correção monetária nos
contratos imobiliários de interesse social. Essa lei veio estabelecer um marco jurídico e
institucional no sistema habitacional do Brasil, pois estabelecia um sistema que
concentrava em um único órgão a coordenação dos investimentos públicos e privados
e centralizava, no governo federal, a formulação das normas de obediência da política
de habitação. (MARICATO, 1987).
O objetivo do Banco Nacional da Habitação - BNH era favorecer as
classes de baixa renda. Segundo as regras, a casa obtida pelo mutuário era de uso
próprio, não podendo ser revendida, alugada, ou usada com fim comercial e por outra
pessoa que não o financiado. A lei previa a rescisão do contrato de financiamento em
caso de locação ou inadimplência do mutuário.( SACHS, 1999).
35
Relativamente às iniciativas habitacionais até então tentadas pelo
poder público, o SFH apresentava características distintas, entre as quais podem ser
destacadas:
•
Fontes de recursos próprias (o FGTS e as cadernetas de poupança),
•
Instituição da correção monetária no retorno dos financiamentos,
•
Diversificação dos objetivos dos financiamentos, que abrangiam diferentes itens de
desenvolvimento urbano.
Com a farta captação de recursos por parte do SFH, o sistema
inicialmente, viveu uma fase de abundância em condições extremamente favoráveis
para os grupos de renda média e alta, garantindo, ao mesmo tempo, lucros elevados
para as construtoras, incorporadoras e agentes financeiros.
Em 1969, o BNH chegou a ocupar o segundo lugar no “ranking”
bancário brasileiro, só ultrapassado pelo Banco do Brasil. Vê-se assim, que recursos
existiam, faltava, contudo, um bom direcionamento dos investimentos captados do
FGTS provenientes dos trabalhadores brasileiros, e que foram carreados para
beneficiar setores privilegiados como as construtoras e empreiteiras.
O BNH financiou a aquisição de 4,4 milhões de unidades residenciais,
sendo que apenas cerca de 1,1 milhão de unidades destinou-se à população com
renda familiar mensal de até 5 salários mínimos, o que equivaleu a 25%. Inicialmente,
observou-se crescimento quase contínuo no número de unidades residenciais
financiadas, atingindo o auge em 1980, com 627 mil unidades.
Após os anos
promissores para o setor da construção civil, impulsionado pela oferta de recursos para
a produção e obtenção de imóveis de financiamentos do SFH, que apresentou
tendência crescente desde o ano de sua criação até 1982, observou-se o colapso do
setor a partir de 1983(CARNEIRO, 2003).
36
A estagnação da renda agregada doméstica, inibidora direta dos
investimentos da economia, e a falência dos mecanismos de investimento,
inviabilizaram o desenvolvimento sustentado do setor imobiliário:
Limitado pelos objetivos políticos de sucessivos governos, o Estado
brasileiro mostrou-se incapaz de distribuir competências e utilizar
recursos de maneira impessoal e eqüitativa. Disso resultaram várias
deficiências do sistema, como ineficiência e ineficácia dos programas
sociais; superposições de competências, objetivos e clientela;
regressividade dos gastos sociais; altos custos de implementação e
administração; distanciamento entre formuladores e executores e os
beneficiários das políticas; quase total ausência de avaliação dos
programas; instabilidade e descontinuidade das políticas; e peso
desproporcional dos interesses burocráticos, corporativos e privados
nas definições e na dinâmica de funcionamento da máquina social do
Estado. (DRAIBE; HENRIQUE, 1988, p.15).
Contudo o BNH, que devia ser um Banco social, terminou assim por
aplicar uma política habitacional de efeito perverso, pois com seus recursos
construíram-se avenidas, abriram-se canais, asfaltaram-se ruas que em vez de atender
as populações de baixa renda atenderam aos especuladores imobiliários, o que
terminou por expulsar e jogar as populações urbanas pobres para as periferias da
cidade, pois em vez de atenuar as desigualdades sociais, colaborou para o
agravamento da concentração de renda no país.
O modelo de política habitacional implementado a partir de 1964, pelo
Banco Nacional de Habitação (BNH), baseava-se em um conjunto de características
que deixaram marcas importantes na estrutura institucional e na concepção dominante
de política habitacional nos anos que se seguiram.
A principal delas, diz respeito as fontes de recursos do SFH:
•
A arrecadação do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE), isto é, o
conjunto da captação das letras imobiliárias e cadernetas de poupança; e
37
•
A partir de 1967, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), gerado a
partir de contribuições compulsórias dos trabalhadores empregados no setor formal
da economia.
Essas são, ainda hoje, as fontes tradicionais de recursos para
financiamento da política habitacional. A poupança voluntária proveniente dos
depósitos de poupança do denominado Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo
(SBPE), constituído pelas instituições que captam essa modalidade de aplicação
financeira, com diretrizes de direcionamento de recursos estabelecidas pelo Conselho
Monetário Nacional (CMN) e acompanhados pelo Banco Central do Brasil - BACEN,
bem como a poupança compulsória proveniente dos recursos do Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço (FGTS), regidos segundo normas e diretrizes estabelecidas por um
Conselho Curador, com gestão da aplicação efetuada pelo Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão (MPOG), cabendo à CAIXA o papel de agente operador.(BACEN,
2005).
Atualmente, as normas do CMN disciplinam as regras para o
direcionamento dos recursos captados em depósitos de poupança pelas instituições
integrantes do SBPE, estabelecendo que 65%, no mínimo, devem ser aplicados em
operações de financiamentos imobiliários, sendo que 80% do montante anterior em
operações de financiamento habitacional no âmbito do SFH e o restante em operações
à taxas de mercado, desde que a metade, no mínimo, em operações de financiamento
habitacional. (BACEN, 2005).
As operações chamadas de faixa de mercado ou livre estão vinculadas
às operações do SFI - Sistema de Financiamento Imobiliário instituído em 1997, com a
finalidade de promover o financiamento imobiliário em geral. No SFI, as operações de
financiamento imobiliário em geral são livremente pactuadas pelas partes, sendo que a
38
mudança de maior impacto foi a possibilidade da adoção da
alienação fiduciária1
como garantia do financiamento do imóvel. Outras medidas como o Patrimônio de
afetação2 foram criadas com o objetivo de proteger o comprador do imóvel em
construção, e o agente financeiro que concede o crédito ao construtor.(BACEN, 2005).
Dentre outras, as principais características do SFI são:
•
As prestações dos mutuários vão subir conforme o mercado e não podem mais
estar atreladas nem aos reajustes do salário nem a um teto de comprometimento da
renda familiar (até então de 30%).
•
No SFI não há limite dos juros, (no SFH é de 12% ao ano).
•
Os agentes financeiros passaram a ter sua proteção ampliada (com a alienação
fiduciária, vai retomar mais rápido o imóvel de quem ficar inadimplente: no sistema
antigo, da hipoteca, isso levava cinco anos em média; no SFI, tudo pode ser
resolvido em um ano).
•
Cria instrumentos de captação de novos recursos para o sistema, adicionalmente
aos atuais da Caderneta de Poupança e do FGTS.
•
Deverá ampliar o volume de financiamentos, tanto pela ampliação dos recursos,
quanto pela redução dos riscos dos financiadores.
•
O SFI deverá ser o financiador de imóveis da classe média, ficando o SFH, com os
recursos da poupança e do FGTS, restrito ao financiamento para mutuários de
renda até R$ 2.000,00 (CAIXA, 2005).
O SFH continua como um segmento especializado do Sistema
Financeiro Nacional. Já, na montagem do SFH, observou-se que havia necessidade de
1
A alienação fiduciária é o negócio jurídico pelo qual o comprador / devedor ou fiduciante, contrata a
transferência ao financiador / credor ou fiduciário, da propriedade, dando o imóvel como garantia. É
necessário o registro do contrato no competente Registro de Imóveis
2
Por este instrumento todos os bens e recursos recebidos para a construção de um determinado
empreendimento ficam separados dos demais. Em caso de falência da empresa, o patrimônio de
39
subsídios às famílias de renda mais baixa, o que foi realizado de maneira a não
recorrer a recursos do Tesouro Nacional. Foi estabelecido, então, um subsídio cruzado,
interno ao sistema, que consistia em cobrar taxas de juros diferenciadas e crescentes,
de acordo com o valor do financiamento, formando uma combinação que, mesmo
utilizando taxas inferiores ao custo de captação de recursos nos financiamento
menores, produzia uma taxa média capaz de remunerar os recursos e os agentes que
atuavam no sistema. A partir de 1971, adotou-se um mecanismo de subsídio via
imposto de renda. De 1971 até 1981, havia um critério seletivo para concessão de
subsídios. Os mutuários de maior renda pagavam integralmente as suas prestações.
Conforme fosse decrescendo o salário, o Governo Federal assumia uma parte da
prestação, via redução de Imposto de Renda. A partir de 1983, o princípio da
identidade de índices foi quebrado. Em 1984, o subsídio foi repetido. Em 1985, houve
novamente um subdimensionamento do índice de reajuste das prestações dos
contratos. E, atualmente, os subsídios são concedidos somente nos financiamento
vinculados ao FGTS. (BACEN, 2005).
Em 1986, com a extinção do BNH, o SFH passou por uma profunda
reestruturação e as atribuições referentes a habitação são distribuídas entre o então
Ministério de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MDU), o Conselho Monetário
Nacional (CMN), o Banco Central do Brasil (BACEN) e a Caixa Econômica Federal . Ao
MDU coube a competência para a formulação de propostas de política habitacional e
de desenvolvimento urbano; ao CMN coube exercer as funções de Órgão central do
Sistema, orientando, disciplinando e controlando o SFH; ao BACEN foram transferidas
as atividades de fiscalização das instituições financeiras que integravam o SFH e a
elaboração de normas pertinentes aos depósitos de poupança e a CAIXA à
afetação não integra a massa falida. Esta medida tem como objetivo reduzir o risco das operações de
compra de imóvel na planta
40
administração do passivo, ativo, do pessoal e dos bens móveis e imóveis do BNH, bem
como, a gestão do FGTS. (BACEN, 2005).
As atribuições inicialmente transferidas para o então MDU foram
posteriormente repassadas ao Ministério do Bem Estar Social, seguindo depois para o
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e, finalmente, a partir de 1999 até
hoje, alçadas à Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da
República - SEDU/PR. (BACEN, 2005).
Por outro lado, a extinção do BNH foi motivo de surpresa, conforme
Azevedo (1995), uma vez que ocorreu de maneira abrupta e sem margem para
contrapropostas. Esse procedimento chocava-se com as declarações de intenções e
encaminhamentos anteriores feitos pelo próprio governo. A maneira como o governo
incorporou o antigo BNH à Caixa Econômica Federal tornava explícita a falta de
proposta clara para o setor, ficando evidenciada a desarticulação institucional do
banco, agravando assim os problemas existentes.
De acordo com levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e Regional (IPPUR-UFRJ, disponível em www.ippur.gov.br), a
explosão das favelas se confunde com o colapso do sistema de crédito habitacional. As
duas décadas que marcaram a explosão da moradia subnormal – (NRODAPE)
classificação do IBGE para residências em áreas irregulares, com imóveis distribuídos
desordenadamente e sem acesso a serviços básicos - coincidem com a extinção do
Banco Nacional de Habitação (BNH). A combinação de mazelas tem efeitos dramáticos
para a população de baixa renda que, sem outra opção de moradia, acabava inflando
as favelas.
Desde então, o país ficou mergulhado num processo de desarticulação
institucional para reger a política habitacional. Mais do que isso, o que houve durante
41
os anos subseqüentes ao regime militar foi uma política habitacional regida por uma
aliança de interesses políticos clientelistas dos setores do capital de promoção
imobiliária como o da construção. (AZEVEDO, 1996; MARICATO, 1999).
Assiste-se, portanto, nos períodos subseqüentes, a uma política
habitacional sucateada, uma conjunção de interesses entre Executivos municipais, a
burocracia central e grupos privados que atuam na “prestação de serviços” de
intermediação. (MELLO, 1990).
A pulverização, por vários órgãos federais, das atribuições na área
habitacional do governo, antes praticamente concentradas no BNH, e o arranjo
institucional configurado passou a atribuir ao Conselho Monetário Nacional (CMN) a
função de orientar, disciplinar e controlar o Sistema Financeiro da Habitação (SFH), o
que vem provocando a aplicação inadequada dos recursos do Sistema Brasileiro de
Poupança e Empréstimo (SBPE), isto é, os recursos das Cadernetas de Poupança e
dos Fundos Habitacionais de Apoio, bem como dos agentes financeiros e do SFH, pois
são aplicados de forma divorciada do órgão detentor da competência de definir e
implementar a Política Nacional de Habitação.(MARICATO, 1996).
Ao Banco Central do Brasil (BACEN), foi atribuída a competência de
fiscalizar o funcionamento e os agentes integrantes do SFH, o que abrange as
entidades financeiras e não financeiras. Entretanto, a fiscalização não vem ocorrendo
de forma satisfatória, pois tem sido restrita às entidades financeiras, captadoras de
recursos.
Com a extinção do BNH, os recursos do FGTS passaram a ser
administrados pela Caixa Econômica Federal, com planejamento do Ministério do
Planejamento e sob supervisão do Conselho Curador do FGTS.(ARRETCHE, 1996).
42
1.3.2 Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi instituído pela
Lei nº 5.107, em setembro de 1966. A sua criação decorreu da crescente demanda
social por mecanismos mais eficientes de proteção aos trabalhadores do setor privado
nos casos de demissão involuntária, bem como da melhor adequação desses
mecanismos às necessidades das empresas.
A lei que criou o FGTS determinava o recolhimento mensal pelas
empresas do equivalente a 8% das remunerações pagas aos empregados. Esses
depósitos deveriam integrar um fundo unificado de reservas, com contas individuais
cujos titulares seriam os próprios trabalhadores. Mas o grande objetivo da introdução do
FGTS era, de fato, a flexibilização da legislação trabalhista.(CAIXA, 2005).
O FGTS é um fundo público de poupança compulsória, e tem dupla
função: de um lado, é um fundo de indenização para o trabalhador demitido sem
motivos. De outro, é o principal instrumento financeiro da política federal de
desenvolvimento urbano, que compreende as políticas setoriais de saneamento básico
e habitação popular. Nessa função, o FGTS é a principal fonte financeira do Sistema
Nacional de Saneamento e parte importante dos recursos do Sistema Financeiro da
Habitação. (ARRETCHE, 1996).
A gestão do FGTS foi delegada ao Banco Nacional da Habitação (BNH)
que passou a ter direito ao uso dos recursos bem como a atribuição de garantir as
aplicações dos mesmos. A delegação da administração do FGTS ao BNH explicitava
sua vinculação com a política nacional da habitação.
43
A Lei Complementar n°110, de 29 de junho de 2001, instituiu a
contribuição social devida pelos empregadores à alíquota de 5% sobre a remuneração
devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas as parcelas de que trata o art. 15
da Lei 8.036/90, não sendo, no entanto objeto do presente estudo.
Também compõe o saldo das contas vinculadas à correção monetária
e os juros – 3%, 4%, 5% e 6% a.a., que são pagos pelo próprio Fundo a título de
remuneração, por força de lei. A correção monetária e remuneração dos valores das
contas vinculadas visam assegurar a cobertura das obrigações desse Fundo. (CAIXA,
2005).
A partir de 1989 a Caixa Econômica Federal passou a ser o agente
operador e atende às determinações oriundas do Conselho Curador do FGTS –
CCFGTS.
Para a regulamentação e o controle da operacionalização desses
recursos, foi criado o Conselho Curador do FGTS, cujos integrantes representam
alguns dos segmentos da sociedade como: empregadores, governo e trabalhadores. De
acordo com a legislação do FGTS, as aplicações dos recursos devem seguir as
diretrizes e programas em consonância com a política nacional de desenvolvimento
urbano e as políticas setoriais de habitação popular, saneamento básico e infraestrutura urbana, estabelecidas pelo Governo Federal, bem como o orçamento
aprovado pelo Conselho Curador do FGTS.
O Ministério das Cidades – MC exerce a função de Gestor da Aplicação
do FGTS, cabendo-lhe, nessa qualidade, a responsabilidade legal pela seleção e
hierarquização dos projetos a serem contratados.
Com a extinção do BNH – Banco Nacional de Habitação em 1986, a
Caixa Econômica Federal passou a administrar o FGTS, transformando-se na maior
44
agência de desenvolvimento social da América Latina e tornando-se o órgão-chave na
execução de políticas de desenvolvimento urbano, habitação e saneamento. O papel da
Caixa, como agente executor de políticas públicas é examinado a seguir.
1.3.3 Caixa Econômica Federal
A Caixa Econômica Federal é uma instituição financeira sob a forma
de empresa pública de direito privado, vinculada ao Ministério da Fazenda, Instituição
integrante do Sistema Financeiro Nacional e auxiliar da execução da política de crédito
do Governo Federal. Em 145 anos, a CAIXA desenvolveu-se, diversificando sua
missão, agregando valores e reorientando o foco dos negócios. A história da CAIXA é
marcada por este traço: agregar funções, quase sempre em decorrência de decisões
tomadas em instâncias situadas fora de seu alcance.(CAIXA, 2005).
A Caixa Econômica foi fundada em 1861, na cidade do Rio de Janeiro,
pelo então Imperador do Brasil, Dom Pedro II. Monte de Socorro foi o nome de batismo
dado à CAIXA, tendo a missão de realizar empréstimos e fomentar a poupança popular.
Já naquela época, tinha como premissa proteger a sociedade, inibindo atividades
bancárias praticadas por outras empresas que não ofereciam garantias aos seus
depositantes e cobravam juros exorbitantes. A nova empresa atraiu príncipes, barões e
escravos, esses últimos, ávidos por comprarem suas alforrias, nela depositavam seus
recursos, com o que teve início sua trajetória como banco popular ou de poupança, no
qual as pessoas humildes depositavam não só os seus recursos, mas também suas
esperanças de um futuro melhor (BUENO, 2002).
45
Em função de a Caixa ser a única entidade financeira sob controle total
e completo do poder público federal, a incorporação de novos papéis processou-se,
algumas vezes, para contornar dificuldades surgidas em áreas de atuação diversas
daquelas destinadas à CAIXA. O seu envolvimento na implementação da política
habitacional do governo se deu com maior ênfase com a incorporação do Banco
Nacional de Habitação – BNH à CAIXA, em 1986. Até então, a CAIXA, nesse campo,
restringia-se a operar a carteira hipotecária, surgida logo após a Revolução de 30,
quando foi assinada a primeira hipoteca, em 01 de junho de 1931, destinada à
aquisição de bem imóvel.(CAIXA, 2005).
Ao longo da história, a CAIXA sedimentou estreitas relações com a
população, fundada no atendimento de necessidades imediatas: hábito de poupança,
penhor, crédito consignado, operação do FGTS, Programa de Integração Social (PIS),
seguro-desemprego, crédito educativo, casa própria, renda mínima, inclusão bancária.
Alimentou, também, o sonho da riqueza, por meio das Loterias Federais. Porém, ao
herdar parte do espólio e das atribuições do BNH, a CAIXA assumiu de vez a condição
determinantemente de maior agente nacional de financiamento da casa própria e de
importante financiadora do desenvolvimento urbano, especialmente do saneamento
básico. Essa herança continua a produzir efeitos na vida funcional, financeira e
operacional da Instituição.
Com a transformação do Estado, a CAIXA foi chamada à
desempenhar alguns novos papéis. A implementação da política reducionista, nos anos
recentes, gerou um vácuo no setor público, o que levou o governo a procurar apoio em
estruturas capazes de responder às demandas carentes de executores. O histórico de
relacionamento que a CAIXA mantém com o governo, seu controlador, e com a
sociedade reforça a condição de parceira do governo na implementação das políticas
46
públicas. Essa ligação com a sociedade baliza um padrão de relacionamento com o
Estado em que a CAIXA figura como braço do governo que se estende aos confins do
País e se infiltra nas periferias dos grandes centros urbanos, promovendo
aproximações geográficas e sociais. (CAIXA, 2005).
A história da CAIXA espelha profundo entrelaçamento entre Estado,
sociedade e governo. Essa vocação diferenciada numa Instituição Financeira já se faz
evidente na descrição de sua missão, onde a intermediação de recursos financeiros
aparece em segundo plano, estando o destaque principal em seu mais conhecido mote
“Promover a melhoria contínua da qualidade de vida da sociedade”. A posição de
agente operador de políticas públicas é confirmada novamente em sua missão quando
se define que sua atuação se dará “prioritariamente, no fomento ao desenvolvimento
urbano e nos segmentos de habitação, saneamento e infra-estrutura, e na
administração de fundos, programas e serviços de caráter social”. (CAIXA, 2005,
disponível em www.caixa.gov.br).
Nesse sentido, o financiamento à construção de habitações populares
constitui o coração das políticas públicas executadas pela Caixa. É uma típica política
de crescimento da renda e do emprego com distribuição de maior poder aquisitivo para
a população carente de moradias próprias, tendo em vista que o poder de compra que
se disponibiliza no orçamento doméstico, quando uma família realiza “o sonho da casa
própria” e deixa de pagar aluguel.
A aquisição da casa própria abre a possibilidade de uma ascensão
social, inclusive porque passa a possuir uma garantia patrimonial para tomar novos
empréstimos e até mesmo começar novo empreendimento.
É incumbência da Caixa, de acordo com a Lei 8.036/90, manter e
controlar as contas vinculadas, participar da rede arrecadadora dos recursos do FGTS,
47
normatizar procedimentos administrativo-operacionais dos bancos arrecadadores, dos
agentes financeiros, dos empregadores e dos trabalhadores, integrantes do sistema do
FGTS, definir procedimentos operacionais necessários à execução dos programas de
habitação popular, saneamento básico e infra-estrutura urbana estabelecidos pelo
Conselho Curador do FGTS a partir de normas e diretrizes de aplicação elaboradas
pelo Gestor desse Fundo, elaborar as análises jurídicas e econômico-financeiras dos
projetos de habitação popular, saneamento básico e infra-estrutura urbana, emitir
Certificado de Regularidade do FGTS e elaborar as contas do FGTS e encaminhá-las
ao Gestor.
1.4 PERÍODO DA DEMOCRATIZAÇÃO
O período que começa nos anos 80 é marcado especialmente por dois
grandes fenômenos. Do ponto de vista econômico, entra-se na fase conhecida como
"década perdida", tendo em vista a crise que se instaura no modelo de desenvolvimento
brasileiro. Mas, trata-se não tanto da crise da economia em si, mas do Estado
Desenvolvimentista.
A crise do Estado que se manifestou no Brasil nos anos 80, deriva dos
processos de acumulação e reestruturação; dos problemas fiscais e redistributivos; das
heranças do autoritarismo; das resistências classistas; e dos problemas de exclusão
que enfraquecem o potencial regulador do Estado, gerando o colapso das políticas
sociais. .(MARICATTO, 1997).
48
O resultado é a fragmentação social, marcada não só pelas
desigualdades sociais geradas pelo processo de urbanização espoliativo, mas também
pela exclusão social.
A questão habitacional no Brasil constitui-se em um dos mais graves
problemas sociais da atualidade. A dimensão desse problema é visível, seja nos
grandes centros urbanos, com seus contingentes elevados de população favelada, seja
nas regiões mais pobres do interior do país, onde a precariedade da estrutura de
moradias aparece como um fator agravante para a questão da pobreza em suas
inúmeras manifestações. (IPEA, 1998).
Por outro lado, os anos 80 são marcados também pela retomada da
democracia no plano político. As diretas já (em 1984), a eleição de Tancredo Neves (em
1985), a promulgação da Constituição em 1988 e as eleições diretas de 1989 são
alguns marcos importantes deste processo. Este momento de volta da democracia vai
marcar profundamente as políticas habitacionais que começam a sofrer o reflexo da
pressão da sociedade civil, especialmente dos movimentos sociais, que agora podem
manifestar-se no novo regime de liberdades trazida pela democracia. Isto fica
particularmente claro se analisamos as duas maiores expressões da política
habitacional deste período - o movimento pela reforma urbana (anos 80) e o Estatuto
das Cidades (anos 90), que vamos analisar a seguir.
49
1.4.1Reforma Urbana no Brasil
O direito à moradia foi incluído como um dos direitos fundamentais do
cidadão brasileiro, juntamente com saúde e educação, somente em 14 de fevereiro de
2000,
através
de
Emenda
Constitucional
nº 26
(BRASIL,
disponível
em
www.soleis.adv.br). Porém, apenas o reconhecimento formal de direito não resulta em
práticas eficazes para solucionar a carência de habitação no país. De qualquer forma, a
presença da questão habitacional e mais amplamente, da questão urbana na lei, tem
um histórico de mobilização popular.
A reforma urbana não é um projeto desta contemporaneidade. Para
Souza (2002), o marco histórico desse debate foi o Seminário Nacional de Habitação e
Reforma Urbana, realizado em 1963, no Hotel Quitandinha em Petrópolis. Das
discussões travadas principalmente por arquitetos, urbanistas, técnicos e alguns
cientistas sociais, surgiram os elementos que culminaram com a criação do Banco
Nacional de Habitação – BNH e do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo –
SERFHAU, os quais, juntos, tinham a finalidade de organizar o chamado espaço
habitacional, em face do elevado déficit de moradias existente no país naquela ocasião.
Porém, o movimento só ganhou força quando, no final dos anos 70, a
CPT - Comissão Pastoral da Terra, setor da igreja católica que se dedicava à
assessoria da luta dos trabalhadores no campo, passou, a partir de uma primeira
reunião realizada no Rio de Janeiro, a promover encontros destinados a auxiliar a
construção de uma entidade que assessorasse os movimentos urbanos.
Foi somente a partir de 1986 que os movimentos pela luta da reforma
urbana conseguiram se articular e apresentar propostas de iniciativa popular ao texto da
50
Constituição Federal. Apesar da heterogeneidade marcante entre as entidades, foi
produzido um texto consensual elaborado na forma de artigos constitucionais
denominado "Emenda Popular pela Reforma Urbana", conquistando cerca de 200 mil
assinaturas. Desde então vêm implementando esforços no sentido de articular as
questões da problemática urbana das cidades no Brasil. (LAVERDI, 1999). Trata-se de
um engajamento político pela afirmação de uma concepção do direito à cidade que visa
a melhoria das condições de vida urbana, considerando a plataforma que norteia o
planejamento territorial, habitação, saneamento ambiental e transporte e mobilidade:
No decorrer da década de 80, a questão urbana constituiu-se como um
problema nacional, mesmo porque foi visualizada por uma verdadeira
teia de movimentos populares que se articularam numa infinidade de
entidades por todo o país. Nesse contexto, situavam-se: movimentos
populares de creches, mutuários do BNH, inquilinos, loteamentos
clandestinos e irregulares, moradores de cortiços, favelados,
mutirantes, movimentos e outros.(LAVERDI, 1999, p.171).
Nesse aspecto, a reforma urbana coloca-se como um conjunto de
ações que articula o plano da produção e distribuição de bens e serviços; a
universalização dos direitos sociais e a inversão de prioridades na política de
investimentos públicos; o fortalecimento das políticas públicas com ênfase na
habitação, saneamento e meio ambiente; ações reguladoras da economia urbana,
principalmente na geração de trabalho e renda; e ações de restauração e criação de
laços de sociabilidade como uma alternativa às estratégias individualistas, violentas e
ilegais de sobrevivência. Os princípios da reforma urbana estão fundamentados no
ideário de cidades justas, democráticas e auto-sustentadas, construídas a partir de uma
política urbana universalista e redistributiva. (SANTOS JUNIOR, 2004).
Apesar das poucas pesquisas sobre os impactos da atual dinâmica
urbana nas grandes cidades, algumas análises sugerem uma fragmentação
socioespacial das metrópoles. O Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal
51
da UFRJ (2005), tem pesquisado a dinâmica urbana e a gestão municipal, e apresenta
algumas conclusões:
•
Existência de fortes contrastes socioeconômicos (renda, trabalho, educação,
habitação e família) e de acesso aos serviços de saneamento (água, esgoto e lixo),
e tendências à segmentação e polarização da estrutura social entre as áreas
centrais e periféricas;
•
Transformação e diferenciação do contexto sociopolítico local, em razão da crise e
reconfiguração dos movimentos sociais urbanos, expressas pela tendência à
fragmentação do tecido associativo em dois padrões: um corporativo e outro
popular. E seus impactos sobre a cena política local e o desempenho institucional do
setor público estadual e municipal;
•
Multiplicação de formatos organizativos das prefeituras na direção daquilo que a
literatura internacional tem chamado de governança e, ao mesmo tempo, crescente
incapacidade técnico-institucional dos governos locais em adotarem sistemas
planejados de gestão urbana;
•
Crise fiscal e financeira dos governos locais, efeito da fragmentação institucional do
sistema público de financiamento urbano, da inexistência de cooperação
intergovernamental e de estabilidade econômica.
Nas novas abordagens sobre a questão urbana, há o reconhecimento
de que o papel da cidade vem passando por grandes transformações. A inserção da
economia no movimento da globalização absorve o novo padrão produtivo baseado na
flexibilidade do trabalho e traz a necessidade de repensar o processo de urbanização.
Esse
é
marcado,
no
caso
brasileiro,
pelo
colapso
da
desenvolvimentista e a decorrente crise fiscal e orgânica do Estado.
coalizão
política
52
Diante desse cenário no contexto da reforma e desenvolvimento
urbano, o marco na luta por reforma urbana é a aprovação do Estatuto da Cidade em
2001.
1.4.2 O Estatuto da Cidade
Os primeiros passos para o surgimento do Estatuto das Cidades foram
dados durante o processo de consolidação da Constituição de 1988, quando foi incluído
um capítulo específico para a política urbana, que previa uma série de instrumentos
para a garantia, no âmbito de cada município, do direito à cidade, da defesa da função
social da cidade e da propriedade e da democratização da gestão urbana. (artigos 182
e 183 da CF, BRASIL, 1988).
No entanto, o texto constitucional requeria uma legislação específica de
abrangência nacional para que os princípios e instrumentos enunciados na Constituição
pudessem ser implementados. Após o período de mais de uma década foi aprovado
em julho de 2001 o Projeto de Lei n° 5.788/90, que ficou conhecido como o Estatuto da
Cidade.
O documento definiu as diretrizes para a política urbana do país, nos
níveis federal, estadual e municipal. O Estatuto abarca um conjunto de princípios, no
qual está expressa uma concepção de cidade e de planejamento e gestão urbanas, e
uma série de instrumentos que, como a própria denominação define, são meios para
atingir as finalidades desejadas. (BRASIL, MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2005).
53
O Estatuto da Cidade preconiza que a: “A política urbana tem por
objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da
propriedade urbana”.
Foram apontadas no Estatuto dezesseis diretrizes gerais e,
dessas, as que interessam particularmente ao desenvolvimento do presente trabalho,
são:
I - a garantia do direito às cidades sustentáveis, direito esse entendido
como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à
infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao
trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
II – a gestão democrática por meio da participação da população e de
associações representativas dos vários segmentos da comunidade na
formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e
projetos de desenvolvimento urbano;
III – o planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição
espacial da população e das atividades econômicas do município e do
território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as
distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio
ambiente. (BRASIL. Estatuto da Cidade, 2001, p.32-33)
Com o Estatuto das cidades surgiu a necessidade de se pensar as
políticas públicas voltadas à habitação de forma que o planejamento deve se
desenvolver de forma integrada e consciente para instrumentalizar a sociedade, de
forma que ela possa avaliar os planos de desenvolvimento que são apresentados para
as regiões e contribuir com o planejamento e gestões futuras.
Hodiernamente praticamente todos os municípios brasileiros têm seu
território ocupado em desacordo com a legislação urbanística. Não existe uma
consciência coletiva ambientalista que se preocupe com as ocupações desordenadas
que geram a deterioração do meio ambiente. Assim, loteamentos clandestinos ou em
área de proteção aos mananciais, favelas, condomínios em áreas rurais e invasões de
terras são uma constante no cenário surreal da ordem legal urbana. Notadamente, é
muito grande a defasagem entre o modelo adotado pela legislação urbanística e a vida
54
da cidade real. A tônica do uso do solo e das construções nas cidades, é a
irregularidade (Maricato, 2001).
O Estatuto procurou garantir a participação popular através de
instrumentos como os conselhos de política urbana; os debates, audiências e consultas
públicas e as conferências de desenvolvimento urbano, entre outros. Esses
mecanismos visam também, aumentar a pouca interlocução existente entre poder
público e sociedade civil em geral e, pelo forte impacto que os planos e normas
urbanísticas acarretam na cidade como um todo, ampliando para além das fronteiras
dos setores que têm atividades ligadas diretamente a construção da cidade.
O Estatuto da Cidade definiu firmemente a necessidade de se pensar a
cidade e, conseqüentemente, a situação habitacional, pois desenvolve os conceitos do
planejamento integrado, do envolvimento e da instrumentalização da sociedade através
de sua efetiva participação. Por essa razão, torna-se necessária e evidente que as
políticas desenvolvidas pelos Governos, quer Municipal, Federal e Estadual estejam em
sintonia com o objetivo de potencializar as ações e obter um melhor resultado relativo
aos aspectos do direito às cidades sustentáveis, seu planejamento e a gestão
democrática.
O Estatuto da Cidade é um instrumento efetivo para a incorporação de
mecanismos de gestão dos problemas socioeconômicos e ambientais vivenciados pela
maioria dos municípios do país. No entanto, a eficácia do novo diploma legal aponta
para a necessidade de redefinição de responsabilidades, e esse proceder conclama os
três níveis de governo, muito especialmente quando o objeto de regulação é a
formulação e implementação de políticas públicas para habitação de interesse social.
A aprovação Estatuto da Cidade não é garantia de melhoria da
qualidade da vida urbana no Brasil, embora sejam ferramentas importantes, não é
55
apenas por falta de instrumentos legais que não se implementa uma política urbana
socialmente justa. Ao lado das variáveis políticas, deve-se considerar os aspectos
orçamentários do financiamento das cidades. E, nesse campo, não bastam as soluções
estritamente urbanísticas, físicas. É preciso encontrar mecanismos de sustentabilidade
econômica e social das cidades brasileiras.
56
Capítulo II – ANÁLISE DAS DIRETRIZES DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS DOS
GOVERNOS FHC E LULA
Neste capítulo abordam-se as diretrizes das políticas habitacionais dos
governos FHC e LULA, bem como as diferentes estruturas institucionais e políticas de
cada um destes governos em relação à política habitacional. Ou seja, neste capítulo
buscamos identificar as concepções "teóricas" ou "ideológicas" que presidiam cada um
destes governos, especialmente no tange a ação do Estado em relação ao déficit
habitacional. Por isso, o capítulo começa com uma discussão sobre nosso
entendimento do conceito de ideologia, bem como do perfil ideológico dos governos
LULA e FHC. Em seguida, procuramos verificar como estas concepções estão
materializadas nas diretrizes da política habitacional bem como nas estruturas políticas
no interior do Estado no qual estes diferentes governos alocaram sua política
habitacional. Ao final, visando preparar o leitor para o entendimento dos dados
empíricos,
explicam-se
as
características
e modalidades
dos
programas
de
financiamento oriundos do FGTS.
2.1 IDEOLOGIAS POLÍTICAS E POLÍTICAS PÚBLICAS NOS GOVERNOS FHC E
LULA.
O perfil adequado do Estado sempre foi objeto de intenso debate. A
busca por um Estado eficiente sempre esteve no topo da lista de prioridades de
57
políticos e reformadores. O estudo das ideologias políticas permite compreender o
modo como os governos se organizam para atingir seus objetivos.
2.1.1 Ideologias políticas
A ideologia política nada mais é que as relações que acontecem no
modo de produção, a forma que a sociedade se estrutura para produzir seus bens de
consumo, a visão que se tem de mundo, o reflexo da base econômica na qual se apóia
uma dada sociedade.(MARX; ENGELS, 1997).
A divisão existente entre a esquerda e a direita relativamente à
questões econômicas foi aspecto-chave no debate em torno da reforma do Estado e da
modernização do setor público conforme PEIXOTO, (2003).
Para se fazer uma análise da esquerda-direita se faz necessário
verificar o significado político dos termos esquerda e direita. Os termos ganharam
significado político na Revolução Francesa. Durante a Assembléia Constituinte, aqueles
que apoiavam e que estavam a favor do antigo regime ficavam originalmente, do lado
direito, por outro lado, aqueles que defendiam a nova ordem social e política se
sentavam do lado esquerdo. Isso significa que os conservadores, que pretendiam
manter o regime anterior, se agrupavam à direita no parlamento, os defensores da
mudança se agrupavam à esquerda:
Analisando as noções ‘esquerda’ e ‘direita’ poderíamos identificar
a direita com aquele conjunto de forças políticas interessadas em
manter o sistema atual vigente, que é o capitalista. A esquerda
seria identificada com aqueles que se propõem a lutar por
mudanças no sistema capitalista, seja no sentido de reformulá-lo
ou seja no sentido de superá-lo e instituir um outro sistema.
58
Dessa forma, as pessoas ou partidos que lutam para implementar
mudanças e até pela superação do sistema capitalista, constituem
a esquerda. Quanto a essa diferenciação, podemos colocar que
hoje a direita se compõe dos conservadores daqueles que se
interessam pela reprodução e manutenção do sistema vigente, o
capitalismo, e a esquerda se caracteriza por integrar aqueles que
desejam a evolução e a superação de tal sistema (SADER, 1995,
p.21).
Para efeitos do presente estudo, o interesse é pelos tipos de ideologia
a seguir:
2.1.1.1 Liberalismo e Neoliberalismo
A doutrina liberal tem suas origens no século XVIII, iniciando-se na
Inglaterra e estendendo-se em seguida pela França e por grande parte da Europa.
Pensadores como Adam Smith, David Ricardo, Thomas Robert Malthus e John Stuart
Mill, entre outros, buscavam com seus discursos, isentar os ricos de qualquer
responsabilidade pelo estado de desigualdade social existente, acusando os próprios
pobres como responsáveis pela sua situação, alegando que eram preguiçosos e tinham
uma enorme propensão à procriação. (MELLO, 2002).
A Grande Depressão de 1930 causou forte impacto na economia
norte-americana, com o aumento considerável do desemprego, da queda da produção,
diminuição da margem de lucros, falências das empresas e o conseqüente
agravamento dos problemas sociais forçou o Estado a ampliar sua participação na
atividade econômica, de modo a garantir o emprego e a demanda agregada, aplicando
o dinheiro público em infraestrutura destinada a fomentar a iniciativa empresarial. John
Maynard Keynes, defendia que para criar demanda, as pessoas precisavam obter
59
meios para gastar. Nesse sentido, o Estado deveria almejar o pleno emprego. Os
governos deveriam estimular uma política de investimentos, com baixas taxas de juros,
bem como um amplo programa de obras públicas que proporcionaria empregos e
geraria uma demanda maior de produtos industriais.(KEYNES,1988).
Em resumo, Keynes defendia que a miséria é ruim para os ricos, e não
apenas para os pobres. Porém o sistema proposto previa a cobrança de impostos das
empresas para financiar a redistribuição e a dinamização econômica. Com a
globalização, qualquer reforço de impostos leva as empresas a emigrar para regiões
onde se produz mais barato. A economia se globalizou, enquanto os instrumentos de
política econômica, essenciais para uma política keynesiana, continuam sendo
nacionais e, portanto, de efetividade cada vez mais limitada. Como não há governo
mundial que possa retomar o mecanismo já no nível planetário, regrediram as políticas
de redistribuição e volta-se a um capitalismo próximo do antigo liberalismo: o
neoliberalismo.
Os neoliberais negam o modelo Keynesiano, acreditam que o Estado
cresceu muito e que deve diminuir sua participação na economia.
O denominado
Estado Mínimo seria alcançado pelas privatizações e pela desregulamentação. A
desregulamentação seria deixar a economia entregue às oscilações do mercado
financeiro. Com as privatizações viria também a diminuição dos impostos para que os
empresários tenham mais recursos para investir.
Além disso, o neoliberalismo prevê a diminuição de impostos para que
os empresários tenham mais recursos para investir, a liberação das importações e a
abertura ao capital estrangeiro. A limitação dos gastos governamentais, com a
prevalência da economia de mercado e a busca de um “Estado Mínimo”, redirecionando
sua atuação e tamanho, especialmente com as privatizações. (ANDERSON, 1996).
60
Os teóricos do neoliberalismo são da década de 40, especialmente
Friedrich August Von Hayek com a publicação do texto de origem, O Caminho da
Servidão, escrito em 1944. Trata-se de uma reação contra o Estado Intervencionista e
de bem-estar, um ataque contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por
parte do Estado, denunciadas como uma ameaça letal à liberdade, não somente
econômica, mas também, política. Heyek acusa ainda o planejamento e o Estado de
levarem à tirania:
Se o resultado é tão diverso dos nossos objetivos se ao invés de
liberdade e prosperidade, é miséria e servidão o que temos pela frentenão está claro que forças funestas devem ter frustrado as nossas
intenções, e que somos vítimas de algum poder maligno que deve ser
dominado antes de retomarmos o caminho para melhores
coisas.(HAYEK, 1946, p. 33).
Outro fundamento básico do neoliberalismo é o corte do déficit público.
Para a doutrina neoliberal, os gastos com pessoal e com as políticas sociais geram
inflação e descontrolam as contas públicas, logo, devem ser eliminados ou pelo menos
ser drasticamente reduzidos. O diagnóstico neoliberal considera que a inflação e o
descontrole dos gastos estatais viriam da folha salarial do Estado e de seus gastos em
educação, saúde, habitação, saneamento básico, considerados populistas. Uma parte
desses seria absorvida pelo mercado, na medida em que as pessoas dispusessem de
recursos para se associar a planos privados de saúde ou para colocar seus filhos em
escolas particulares. (Sader, 1995, p.189).
As conseqüências mais graves das políticas de ajuste neoliberal em
quase todos os países foram, sem dúvida, a ampliação das diferenças sociais, o
aumento das desigualdades nas condições de renda e o incremento substancial da
pobreza. No Brasil, a teoria neoliberal começou a ser implantada no governo do
Presidente Fernando Collor de Mello (1989-1992), de acordo com alguns analistas, e
teria sido retomada no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso.
61
2.1.1.2 Social-Democracia
A ideologia social-democrata prega uma gradual reforma legislativa do
sistema capitalista a fim de torná-lo mais igualitário, geralmente, tendo em meta uma
sociedade socialista. A Social Democracia surgiu em fins do século XIX e início do
século XX, por partidários do marxismo que acreditavam que a transição para uma
sociedade socialista poderia ocorrer por meio de uma evolução democrática.
A publicação do Manifesto Comunista em 1848 (MARX, ENGELS,
1997), contribuiu de forma profunda na discussão e formação do mundo das idéias
socialistas. Um dos trechos do Manifesto já antecipava sua linha mestra:
A história de todas as sociedades que existiram até hoje tem sido a
história de lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu,
barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra,
opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa
guerra ininterrupta, ora aberta, ora disfarçada: uma guerra que sempre
terminou ou por uma transformação revolucionária de toda a sociedade,
ou pela destruição das duas classes em luta.(MARX, ENGELS, 1997, p.
12).
O conflito entre classes nascia juntamente com o nascimento da nova
sociedade. O Manifesto surgia num momento em que os socialistas estavam divididos,
pois havia formas diferentes de socialismo, diferenciadas pelas correntes ideológicas,
incluindo o socialismo utópico, o socialismo marxista, o comunismo, o anarquismo, o
socialismo aristocrático e a social-democracia. (SANTOS, 1991).
A principal causa da divisão no movimento socialista era a forma de
chegar à sociedade socialista. O socialismo da social-democracia defende uma
concepção menos interventiva do Estado, aceita a propriedade privada, apostando
62
numa política centrada em reformas sociais caracterizadas por uma grande
preocupação com as pessoas mais carentes ou desprotegidas e uma distribuição mais
eqüitativa da riqueza gerada.
A social-democracia surgiu em finais do século XIX, quando alguns
partidos reclamavam do ideário marxista. Eduard Bernstein (1850-1932) foi um dos
lideres e teóricos políticos defensores das idéias de Marx e Engels, mas após rigorosa
análise à evolução das sociedades onde a economia capitalista estava mais
desenvolvida, convenceu-se que as teses marxistas estavam erradas. A partir de 1897,
Bernstein publica um conjunto de artigos e livros onde refuta as teses marxistas,
concluindo que o capitalismo em vez de aumentar a pobreza gerava uma melhoria do
bem estar da população. (PRZEWORSKI, 1989).
Essa proposição se diferencia dos demais regimes por propor uma
reforma social com princípios de universalismo e desmercadorização dos direitos
sociais que se estenderam também às novas classes médias. A social-democracia foi a
força dominante por trás da reforma social. Uma diferença do tipo de Welfare State
buscado pelos social-democratas, foi a promoção da igualdade com os melhores
padrões
de
qualidade,
(PRZEWORSKI, 1989).
2.1.1.3 Socialismo
e
não
uma
igualdade
das
necessidades
mínimas.
63
Em linhas gerais, o socialismo é a denominação genérica de um
conjunto de teorias socioeconômicas, ideologias e práticas políticas que postulam a
abolição das desigualdades econômicas entre as classes sociais, ou a completa
abolição do conceito de classes. Desde o início o objetivo do socialismo foi a superação
do capitalismo, portanto, todas as forças que lutam pela superação do capitalismo são
as forças de esquerda.
A origem histórica do Socialismo compreende o período que vai da
antiguidade, na opinião de alguns autores, passando pelo Renascimento, com More e
Campanella, pela era das revoluções burguesas na Inglaterra e na França, pelos
socialistas utópicos do século XIX, até a publicação da obra O Capital de Karl Marx,
quando o Socialismo deixa o seu caráter utópico, para se tornar uma doutrina
revolucionária.(MACKENZIE, 1967).
A introdução das idéias de Marx e Engels em 1848, com O Manifesto
Comunista, no universo das propostas de construção de uma nova sociedade consegue
dar maior homogeneidade ao movimento socialista internacional. Pela primeira vez,
trabalhadores de países diferentes, quando pensavam em socialismo, estavam
pensando numa mesma sociedade - aquela preconizada por Marx - e numa mesma
maneira de chegar ao poder. A doutrina surge principalmente como forma de protesto
contra as desigualdades provocadas pelo intenso processo de industrialização e contra
as péssimas condições de vida dos trabalhadores. Os socialistas observam que são o
mercado e a livre concorrência as principais fontes das desigualdades sociais. O
socialismo propõe, então, limitar o alcance do mercado através de mecanismos
reguladores, e defende, sobretudo, o planejamento da produção como a forma mais
eficaz de distribuir a riqueza produzida entre todos os membros da sociedade.
64
Essa é a principal preocupação da ideologia socialista: promover uma
distribuição equilibrada de bens e de serviços, tornando-os acessíveis a toda a
população. Havia ainda duas correntes de pensamento socialista: A primeira, da qual
Marx faz parte, argumentava que o socialismo só seria possível se todas as nações
praticassem-no de forma simultânea, caso contrário o fluxo financeiro e as trocas
comerciais entre elas impediriam um planejamento equilibrado de suas provisões e
necessidades. A outra corrente acreditava na possibilidade de implementar o socialismo
em poucos países, e então, depois de estabilizado, expandí-lo para outros. Para isso
seria preciso a intervenção do Estado na economia, pois essa seria a única força capaz
de controlar a atividade dos empresários capitalistas em benefício de toda a população.
2.2 GOVERNOS E IDEOLOGIAS NO BRASIL: DE FHC A LULA
Com base nos esclarecimentos conceituais acima, já estamos em
condições de discutir as orientações ideológicas que presidiram a ação do
governamental dos governos de FHC e LULA. Nosso pressuposto é que a adoção de
diferentes orientações ideológicas fazem diferença, pois direcionam a ação do Estado,
suas políticas e suas ações e, em última instância, a compreensão do próprio papel do
Estado na sociedade.
2.2.1 Pressupostos Ideológicos do Governo FHC
65
Embora alguns intelectuais e analistas, particularmente aqueles
ligados ao próprio governo FHC, tenham qualificado este governo como sendo de
"esquerda", na medida em que ele estaria orientado por uma lógica social-democrata ou
mesmo pela terceira via (que seria uma social-democracia moderna, pelo menos na
visão de Giddens (1999)), a maioria dos estudiosos brasileiros partem da tese de que o
governo FHC representou no Brasil a continuidade do modelo "neoliberal" de ação das
políticas governamentais. Sem entrar necessariamente no mérito desta questão, nossa
intenção será adotar esta tese como "hipótese" para ser devidamente testada no âmbito
da política habitacional. Ou seja, a política habitacional do governo FHC pode ser
qualificada de "neoliberal"? Antes de responder a esta pergunta, precisamos esclarecer
em que medida esta período pode ser qualificado como tal. É o que faremos,
recorrendo a algumas das principais teses neste sentido.
Nesta visão, portanto, ao assumir o governo em 1994, Fernando
Henrique Cardoso implantou um programa neoliberal no Brasil que foi muito mais do
que uma reforma do Estado brasileiro, em suas dimensões de gestão administrativa e
racionalização. Ao incidir sobre o vazio político de um país recém-constitucionalizado
em um contexto em que faltava implantar as diretrizes da Constituição de 1988 e
regulamentar parte importante de seu texto e tornar exponencial o uso das medidas
provisórias,
promovendo
seguidas
reformas
constitucionais,
o
governo
FHC
impulsionou uma verdadeira refundação neoliberal do Estado brasileiro. Isso significou
a revisão decisiva de vários de seus contratos básicos e fundamentais em uma direção
liberal, com intensidade inédita na história republicana do século XX. (Couto, 1998).
O governo de Cardoso implementou um pacote de reformas
econômicas. Essas reformas visavam estabelecer uma economia de mercado aberto
66
que garantisse estabilidade econômica e de preços, dado o temor de retorno da
hiperinflação. Um significativo fator na vitória eleitoral de FHC fora o sucesso de seu
programa de estabilização econômica (o Plano Real) em reduzir drasticamente a
inflação. Reformas adicionais do Estado eram necessárias para garantir que o
programa antiinflacionário continuasse a ter sucesso. O êxito do plano de estabilização
teve por base a grande responsabilidade fiscal do governo FHC, que impôs
significativos cortes aos gastos públicos.(BORGES, 2002).
As reformas econômicas avançaram de modo constante por todo o
ano de 1995. Apesar da plataforma anti-reformista da oposição, o governo conseguiu
levar adiante um bom número de emendas constitucionais e basicamente alcançou os
objetivos inicialmente propostos. Muito desse sucesso se deveu à efetiva coalizão
construída entre os aliados políticos de FHC. Nenhuma força política no Congresso
conseguiu opor-se eficientemente ao bloco de votação do governo, composto por mais
de 370 deputados e 60 senadores. Dessa forma o governo Fernando Henrique Cardoso
conseguiu alterar a ordem econômica, pela quebra dos monopólios estatais dos setores
de energia, telecomunicações, petróleo, navegação de cabotagem e do gás canalizado.
As reformas da previdência e da administração pública completaram o quadro de
mudanças constitucionais visando a modernização do Estado, via fortalecimento da
economia de mercado em detrimento do Estado empresário. (PEIXOTO, 2000).
Essa mudança alterou o padrão das relações entre o Estado brasileiro
e o mercado capitalista mundial, com a promoção de avanço substancial dos direitos do
grande capital financeiro em detrimento da soberania nacional. Com a repactuação da
dívida externa, profunda abertura comercial, desnacionalização de setores produtivos e
financeiros-chave, desregulamentação do controle de fluxos de capitais e atrelamento
dos gastos públicos a metas negociadas com o FMI, o país recém-democratizado
67
perdeu para os mercados financeiros parte substantiva das deliberações sobre seu
destino econômico. Alem disso, alterou-se o padrão dos direitos e deveres entre os
cidadãos brasileiros. Se a Constituição de 1988 indicou um caminho de universalização
de direitos sociais, o plano neoliberal incorporou um ataque à lógica dos direitos dos
trabalhadores. As políticas sociais passaram a ter como meta o padrão focal, isto é, o
objetivo de reduzir ao mínimo o projetado Estado do Bem-Estar Social no Brasil,
deslocando o restante para o mercado e para políticas assistenciais dirigidas
focalmente a grupos de extrema penúria. (Vianna, 1998).
O programa de refundação liberal do Estado brasileiro continuaria
também no segundo mandato de FHC, consolidando o domínio da coalizão formada em
1994 e ampliada em 1998. Essa política promoveu as duas transformações mais
negativas na economia brasileira: a financeirização e a precarização contínua das
relações de trabalho. A financeirização significa que o Estado brasileiro ficou
completamente refém do endividamento com o capital especulativo, as grandes
empresas investem boa parte do capital na especulação e as pequenas e médias não
conseguem sair do endividamento pelas elevadas taxas de juros que continuam
vigentes, apesar da recessão da economia.
A precarização significa que se antes havia uma grande proporção de
trabalhadores na informalidade, a expectativa era sair dela, indo do campo para a
cidade, sendo contratada com carteira assinada na indústria manufatureira, na
construção civil, no comércio ou no setor de serviços.(SADER, 1995).
O projeto neoliberal implantado exibe ideologia privatista, com a
desregulamentação dos controles financeiros, caráter fisiológico da base governista e o
insulamento burocrático das grandes agências econômicas do Estado, em contexto de
massivos deslocamentos patrimoniais. (SALLUM JR, 2000).
68
É nesse contexto que se delineia a construção de candidaturas para as
eleições de 2002. O governo Fernando Henrique deixou uma herança de reformas que
continua dominando a agenda política brasileira.
2.2.2 Pressupostos Ideológicos do Governo LULA
Tendo em vista que se trata de um governo ainda vigente, tentar uma
análise do perfil ideológico do governo LULA ainda é tarefa complexa, pois nos falta a
devida distância histórica. O tema ainda é alvo de polêmicas abertas e todas as teses
são afirmadas: o governo do PT seria neo-liberal, social-democrata, socialista
("estalinista") ou nada disso!
Por um lado, esperava-se do primeiro presidente eleito por um partido
de esquerda no Brasil em 40 anos, a implementação de um novo modelo econômico
que alterasse as políticas econômicas neoliberais implementadas na última década do
século XX, por sucessivas administrações politicamente distintas a partir de 1990. Por
outro, há quem afirme que os primeiros dois anos do novo governo, no entanto,
mostraram continuidade nos aspectos centrais da política econômica, configuradas na
manutenção dos princípios fundamentais da economia clássica, marca registrada do
governo FHC. (PEIXOTO, 2003). ). Nesta segunda visão, o governo LULA, originário
do mais importante partido da esquerda brasileira, referência internacional como um
partido de novo tipo, democrático e vinculado aos movimentos sociais, não saiu do
modelo neoliberal, ainda não conseguiu promover a prometida prioridade do social, nem
69
retomar um ciclo de desenvolvimento sustentável. E, para agravar o quadro, vem
sofrendo denúncias reiteradas de envolvimento com a corrupção e de incompetência.
É certo que a situação econômica herdada era ruim e o novo governo
não tinha maioria parlamentar. Dispunha, no entanto, de um capital apoio popular e de
um prestígio internacional, que teriam permitido outra linha de ação. O governo não
rompeu compromissos com o capital financeiro, mas foram rompidos compromissos
com os trabalhadores. Passou a frustrar-se as expectativas dos movimentos sociais em
relação a temas essenciais como a reforma agrária, as políticas do meio ambiente, as
políticas indigenistas, entre outras.
Mas, para voltar a uma fala mais otimista, na visão de seus
defensores, a agenda de reformas continua a desafiar o governo de Luiz Inácio Lula da
Silva com os mesmos dilemas políticos, impulsionadas pelos mesmos fatores internos e
externos. O pragmatismo necessário para implementar a agenda de mudanças, explica
em parte, porque regimes e governos tão diferentes, pareçam tão iguais.
De toda forma, o atual governo petista está sendo o responsável pela
implantação de uma nova posição no tocante ao desenvolvimento brasileiro: nem o
liberalismo, nem nacionalismo radical. Reconhecendo a democracia como regime
político e o capitalismo como sistema econômico, ambos insubstituíveis neste início de
novo milênio, buscando um Estado racional acompanhado de instituições reformuladas
como pilar de todo o processo. (PEIXOTO, 2003).
Nossa intenção não é esgotar o debate ou mesmo dar um parecer
definitivo sobre o tema. De qualquer forma, vamos assumir o pressuposto de que o
governo petista de Luís Inácio Lula da Silva pode ser tomado como um governo de
"esquerda", pelo menos nas intenções de seu partido - o PT (Partido dos
Trabalhadores) que possui o "socialismo" como horizonte utópico ideológico. E, ainda
70
que este governo não esteja promovendo a ruptura com o capitalismo, sua ênfase
discursiva nas políticas sociais o qualifica no mínimo como social-democrata. De
qualquer forma, vale testar esta hipótese quando falarmos das políticas de habitação.
Será mesmo um governo de "esquerda"? É o que tentaremos verificar.
2.3 DIRETRIZES DA POLÍTICA HABITACIONAL NO GOVERNO FHC
A complexidade de se governar um país com as dimensões do Brasil
tem se constituído num dos maiores desafios dos governos e não foi diferente com o
governo de Fernando Henrique Cardoso. Os principais desafios que os governantes
brasileiros vem enfrentando estão ligados ao crescimento demográfico e aos problemas
do inchamento das cidades devido à migração e ao êxodo rural, que contribuíram para
ampliar questões fundamentais como a pobreza e as desigualdades sociais.
Ao assumir o governo em 1994, FHC apresentou à nação um projeto
político-econômico orientado para o neoliberalismo e a globalização, como já
mencionado anteriormente. Essa opção adotada nos programas de cunho neoliberais
dirigiu-se para o crescimento econômico e para a política externa. Assim, a situação
social foi concebida como uma série de problemas sociais a ser enfrentada de forma
isolada e desarticulada entre si. (LORENZETTI, 2001).
Em seu programa de governo da campanha de 1994, intitulado Mãos à
obra Brasil (1994), o sociólogo Fernando Henrique Cardoso projeta a efetiva realização
do Brasil através do desenvolvimento econômico com a inserção do Brasil na nova
ordem mundial. Em sua retórica, o progresso está apresentado como condição de
71
evolução social. Na sua campanha de 1998, seu slogan, Avança Brasil, demonstra a
continuação dessa mesma idéia, e em relação à Política Nacional de Desenvolvimento
Urbano, propõe que sejam vinculados, mediante um arranjo institucional, os diversos
órgãos públicos formuladores e executores daquela política, bem como os responsáveis
pela gestão do desenvolvimento urbano. Propõe ainda a integração dos recursos
distribuídos em diversos ministérios e agências que administram e implementam
programas e projetos voltados para o desenvolvimento urbano, notadamente a
habitação.
Para Fernando Henrique Cardoso, as bases de um crescimento
sustentável e socialmente benéfico para a grande maioria dos brasileiros, só são
obtidas por três razões interligadas: i) apoiar-se na estabilidade econômica; ii) estar
associada a mudanças profundas, como a abertura econômica, que promovem ganhos
genuínos de competitividade; iii) vir acompanhada da progressiva recuperação da
capacidade
do
Estado
de
executar
políticas
sociais
eficientes,
em
bases
descentralizadas e não clientelistas. (BRASIL EM AÇÃO, 1998).
Ainda de acordo com o plano de Governo de FHC:
A melhoria das condições de vida da população brasileira é um objetivo
desejável do ponto de vista da coesão social e do fortalecimento do
regime democrático e um requisito necessário à sustentação do
crescimento econômico no longo prazo. As mudanças decorrentes dos
processos associados de globalização econômica e aceleração do
avanço tecnológico condenam ao fracasso as estratégias de
desenvolvimento apoiadas na oferta de mão-de-obra barata e
desqualificada. Hoje os investimentos tendem a migrar para espaços
econômicos em que existam condições sociais compatíveis com
padrões elevados de qualidade na produção, notadamente no que toca
aos níveis de instrução da mão-de-obra, mas também às suas
condições de vida de modo mais amplo. De tal modo que países
empenhados em ter participação relevante nos fluxos de investimento,
comércio e tecnologia estão obrigados a melhorar de modo sustentando
e permanente as condições de educação, saúde, saneamento e
habitação de sua população. (BRASIL EM AÇÃO, 1998, disponível em
www.psdb.org.br)
72
Em mensagem enviada ao Congresso Nacional em 1995 (BRASIL,
SECRETARIA
DE
COMUNICAÇÃO
DE
GOVERNO
DA
PRESIDÊNCIA
DA
REPÚBLICA, 2005) o governo FHC faz um diagnóstico da situação da habitação no
Brasil, e aponta a má distribuição da renda nacional e a inadequação dos programas
habitacionais como os principais responsáveis pelo déficit de moradias que aflige o
País. Os problemas que impedem de encaminhar adequadamente a solução das
questões habitacionais no país seriam a ausência de uma política habitacional
adequada às condições financeiras da população; o rombo causado pela renegociação
do valor das prestações em níveis inferiores à inflação; a queda nos instrumentos de
captação de recursos para financiamento, notadamente o FGTS e as cadernetas de
poupança; e a incerteza da concessão de financiamento de longo prazo num ambiente
de superinflação.
O relatório apontava que a política habitacional padronizada para todo o
País, sem levar em conta as diferenças dos estratos de renda e as particularidades de
cada região, terminou por inviabilizar a produção de moradias, sobretudo para as
camadas mais pobres da população. A existência de extensas áreas ocupada por
habitações subnormais impede a provisão adequada de serviços urbanos, como
abastecimento de água, esgotamento sanitário e transportes urbanos, o que contribui
para a queda na qualidade de vida da população e causa sérios problemas para a
gestão das cidades.
Diante desses desafios, num primeiro passo para reorientar a estrutura
de formulação e operação da política habitacional, o Governo Fernando Henrique
Cardoso extingue o Ministério do Bem-Estar Social e cria a Secretaria de Política
Urbana (SEPURB), no âmbito do Ministério de Planejamento e Orçamento, para
cumprir duas funções básicas:
73
•
Resgatar a competência da esfera federal nas ações de desenvolvimento urbano;
•
Coordenar as ações dos diversos órgãos federais que atuam nesses setores,
evitando a pulverização e a reduzida eficácia das ações e dos investimentos
públicos. (BRASIL, SECRETARIA
DE COMUNICAÇÃO DE GOVERNO DA
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2005).
A linha básica de atuação da SEPURB consistia na descentralização
da execução de programas específicos nas áreas de habitação, saneamento e
infraestrutura para estados e municípios, ficando a União com funções normativas e
reguladoras, que seriam exercidas via processo legislativo convencional, por meio da
edição de medidas provisórias. Assim, a SEPURB propôs-se a formular uma política
habitacional para o País, levando em conta as características da sociedade, suas
demandas e as diferenças regionais.(LORENZETTI, 2001).
Tal proposta concretizou-se num documento divulgado em 1996, com
vistas à Conferência de Istambul 3- Habitat II -, que foi denominado “Política Nacional
de Habitação” (PNH), por meio do qual pretendeu-se expor os conceitos, princípios,
diretrizes e programas básicos da atuação federal na área. Segundo esse
documento, a Política Nacional de Habitação deve ter como objetivo central a
universalização do acesso à moradia como forma de garantir o direito à moradia a
todas as pessoas. Refletindo a influência das discussões que cercaram a realização
da 2ª Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos (Habitat II), o
texto assume, como compromisso do governo, os princípios de moradia adequada
para todos e desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos, defendidos
na Conferência do Habitat. (LORENZETTI, 2001).
3
A Conferência Habitat II que ficou conhecida como Conferência de Istambul realizada em 1996, teve
como objetivo principal atualizar os temas e paradigmas que fundamentam a política urbana e
habitacional, com vistas a reorientar a linha de ação dos órgãos e agências de cooperação
74
As diretrizes da política habitacional previam a reformulação dos
programas de habitação e saneamento, com atuação concentrada na redefinição do
arcabouço jurídico-institucional da área de desenvolvimento urbano. A proposição era
definir os princípios, as diretrizes gerais e as fontes de financiamento da política; as
competências e as relações das três esferas de governo, as formas de participação dos
cidadãos na formulação, acompanhamento e avaliação da política; criar o Conselho
Nacional de Política Urbana, prevendo ampla participação das demais esferas de
governo e de entidades representativas da sociedade civil. (AZEVEDO, 1990).
A ineficiência do sistema habitacional brasileiro, segundo Santos
(1999), estava ancorada sob quatro premissas:
•
A focalização de políticas públicas voltadas para a área
habitacional no atendimento a camadas populacionais de baixa renda;
•
A necessidade de descentralizar e aumentar o controle social
sobre a gestão dos programas federais de habitação;
•
O reconhecimento, por parte do governo, de sua incapacidade de
resolver sozinho o problema habitacional do país e da necessidade de
tentar melhorar o funcionamento do mercado de moradias no Brasil;
•
O reconhecimento de que as políticas públicas não devem
negligenciar a grande parcela da população de baixa renda do país que
trabalha no setor informal da economia e/ou habitam moradias
informais. (SANTOS, 1999, p.22).
O primeiro governo Fernando Henrique Cardoso empreendeu, então,
uma reforma mais efetiva do setor habitacional, promovendo uma ampla reorganização.
Essa reorganização do aparato institucional teve amplas conseqüências sobre o papel
desempenhado pela Caixa Econômica Federal, que passou a ter sua atuação limitada
ao papel de agente operador dos recursos do FGTS e agente financeiro do SFH,
enquanto à SEPURB coube o papel de formulação e coordenação das ações que
passam a integrar habitação, saneamento e infra-estrutura, e estão baseadas em uma
articulação intra e intergovernamental. (OLIVEIRA, 2000).
internacional para estes temas, incluindo a do próprio Centro das Nações Unidas para os
Assentamentos Humanos.
75
Após a reorganização do setor, foram criadas novas linhas de
financiamento, tomando como base projetos de iniciativa dos governos estaduais e
municipais, com sua concessão estabelecida a partir de um conjunto de critérios
técnicos, considerando que uma política habitacional ideal deve identificar e segmentar
a demanda, permitindo um tratamento diferenciado para cada segmento.
A partir de 1995 o Governo FHC iniciou o lançamento de vários novos
programas e aperfeiçoamento de programas existentes. Esses programas procuram,
em princípio, refletir a diversidade do problema habitacional brasileiro, de forma a
intervir nas várias faces do déficit. Conforme Lorenzetti (2001), os principais programas
habitacionais do Governo FHC podem ser agrupados em três grandes conjuntos:
•
Programas de financiamento aos governos municipais ou estaduais, em geral a
fundo perdido ou subsidiados, destinados especialmente às populações com
rendimentos familiares inferiores a três salários mínimos;
•
Programas de financiamento direto às famílias, destinados à compra, construção
e/ou melhoria das condições de habitação de famílias com renda mensal inferior a
doze salários mínimos; e
•
Programas e ações visando à melhoria do funcionamento do mercado habitacional.
Os dois principais programas federais, o Pró-Moradia e o Habitar-Brasil,
que foram destinados ao financiamento dos governos municipais e estaduais,
continuam em vigor até o presente. Possuem desenho e objetivos muito semelhantes: o
Pró-Moradia, financiado com recursos do FGTS e contrapartidas estaduais e
municipais, previa a concessão de financiamentos a estados e municípios, na qualidade
de mutuários, para projetos destinados a famílias com renda de até 3 salários mínimos,
que vivam em moradias inadequadas, por condições de falta de segurança ou de
insalubridade. Exigia, como condição para participação no programa, a comprovação da
76
capacidade de pagamento/endividamento do mutuário (estado ou município), o
adimplemento de compromissos anteriormente assumidos para com o FGTS e a
disponibilidade de recursos para a contrapartida exigida, que varia de 10 a 20% do
investimento. Essa exigência acabou sendo a causa da paralisação das contratações.
Se cumprida a risca, acabaria seguindo os passos de programas anteriores, em que os
mais necessitados eram justamente os que não conseguiam contrair financiamento.
(CAIXA, 2005).
O Pró-Moradia, que entre 1995 e 1998 investiu cerca de R$ 790
milhões (eram mais de R$ 2,17 bilhões orçados), encontra-se quase paralisado em
função da incapacidade de Estados e Municípios contraírem novos empréstimos junto
ao FGTS. Conforme análise de LORENZETTI (2001), o que evidencia a dificuldade de
se equacionar as necessidades habitacionais da população e a situação financeira de
Estados e Municípios como mutuários. Se poucos têm condições sequer de se habilitar
ao Programa, não podem também arcar com a parcela de subsídio requerida para
compensar o baixo poder aquisitivo da população-alvo.
Destinado igualmente aos poderes públicos estaduais e municipais e
atuando junto à mesma faixa de população do Pró-Moradia, o Habitar-Brasil utilizava
como fontes de recursos o OGU (orçamento Geral da União) e contrapartidas de
estados e municípios, além da possibilidade de canalização de recursos externos. O
Banco Interamericano de Desenvolvimento tem alocado recursos para esse programa e
a modalidade assim financiada chamava-se Habitar-BID. A modalidade que usa
recursos orçamentários da União é conhecida como Habitar-OGU.
O Habitar Brasil objetivava a melhoria das condições de habitabilidade
e da qualidade de vida das famílias que viviam em áreas degradadas, de risco,
77
insalubres ou impróprias para moradia, o Pró-Moradia e o Habitar-Brasil, investiram, em
conjunto, cerca de dois bilhões de dólares no período 1995 -1998. (SEPURB, 1998).
Atualmente as ações do Habitar-OGU estão concentradas no programa
Morar Melhor, empreendido pela Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da
Presidência da República – SEDU/PR –, que tem por objetivo universalizar os serviços
de saneamento básico, reduzir o déficit habitacional e melhorar a infra-estrutura urbana
para a população em estado de exclusão social. O Morar Melhor busca a produção de
moradias em parceria, integrando as demais esferas do Poder Público – Estados,
Distrito Federal e Municípios – nos empreendimentos. (CAIXA, 2005).
Segundo informações da Caixa Econômica Federal, os programas
Habitar-Brasil e Morar Melhor financiaram em conjunto, desde 1995 até 2000, cerca de
310 mil unidades, num investimento de R$ 829 milhões.
A partir da análise dos números, é necessário considerar que os
programas Habitar Brasil e Pró-Moradia prevêem que estados e municípios apresentem
projetos às instâncias federais que decidem, ou não, a liberação de recursos. Os
técnicos levam em conta a disponibilidade de recursos, a qualidade técnica do projeto,
sua relação custo-benefício e sua adequação aos objetivos do programa. (SANTOS,
1991). A política de descentralização é um dos pilares da proposta e deixa claro que
deve partir de Estados e municípios a iniciativa da proposição. É um assunto por
demais debatido que a maioria dos municípios não tem corpo técnico especializado
para atender o nível de exigência dos programas.
Os recursos do Orçamento Geral da União para a habitação, além de
serem definitivamente insuficientes para suprir o déficit quantitativo e qualitativo de
habitações, ainda passam pelo crivo das negociações políticas dos parlamentares e,
78
finalmente, quando chegam ao nível do município, a morosidade da tramitação e
adequação é a regra. (SEPURB, 1998).
Certamente o programa de maior impacto no desafio da moradia foi o
programa Carta de Crédito voltado para a população com renda familiar de até 12
salários mínimos e que previa o crédito direto ao cidadão para aquisição de habitação
nova ou usada, ampliação e melhoria de habitação existente, construção de moradia ou
aquisição de lote urbanizado para construção, bem como compra de material de
construção com recursos do FGTS. Na sua modalidade associativa, o programa Carta
de Crédito voltava-se para a concessão de financiamento para pessoas físicas
agrupadas em condomínios ou organizadas por associações, sindicatos, cooperativas
ou empresas construtoras do setor habitacional, bem como para empreendimentos
promovidos por companhias de habitação ou outros órgãos assemelhados. (PAULA,
2002)
Esse programa, conforme LORENZETTI (2001), embora se mantenha
em funcionamento regular, estava estruturado numa condição operacional que deixa de
priorizar os critérios sociais na seleção dos beneficiários, como o número de pessoas
da família, para colocar em primeiro plano a análise da capacidade de pagamento,
segundo parâmetros de uma linha de crédito bancário convencional.
Em 1999, foi criado o Programa de Arrendamento Residencial (PAR),
que prioriza o atendimento às famílias com renda mensal de até 6 salários mínimos,
sob a forma de arrendamento com opção de compra no final do contrato. A Caixa
Econômica Federal tem a propriedade fiduciária das unidades, que são adquiridas por
um fundo financeiro constituído exclusivamente para o programa.
Embora existam outros programas e ações desenvolvidos, fica evidente
no Relatório Nacional Brasileiro para a Conferência Istambul no seu item 4.12, que a
79
ação do Poder Público federal não tem conseguido romper a tradição excludente que
sempre marcou o SFH, conforme se observa em sua transcrição abaixo:
No período 1995 a março de 2000 foram beneficiadas 1.443.169
famílias e gerados cerca de 597.525 novos empregos com programas
habitacionais. A principal fonte de financiamento dos programas foi o
FGTS, responsável por cerca de 90,51% dos recursos, enquanto o
OGU respondeu pelos 9,49% restantes. O principal programa da
SEPURB/SEDU em termos de participação no investimento total foi o
Carta de Crédito Individual (60,48%) seguido do Carta de Crédito
Associativo (19,06%). Os principais programas destinados a agentes do
poder público, com foco na população de mais baixa renda, como o
Habitar Brasil e o PRÓ-MORADIA foram responsáveis por apenas
9,49% e 9,23% dos recursos totais investidos, demonstrando que os
investimentos em habitação não têm privilegiado a população de baixa
renda. (BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES. 2005).
Segundo MARICATO (2001, p.138), algumas das características da
atuação do governo FHC em relação à questão urbana foram:
•
Mercado residencial restrito – no Brasil, o salário jamais foi
regulado pelo preço da moradia o que fez com que o mercado
imobiliário ficasse restrito a uma parcela da população. Durante o
governo Fernando Henrique Cardoso, o financiamento
habitacional oferecido pelo mercado privado legal não atingia
aqueles que ganham menos de 10 salários mínimos. O resultado
disto foi o crescimento da ocupação urbana ilegal como dinâmica
própria do modelo de urbanização do país. Entre 1995 e 2000
houve um crescimento de 4,4 milhões de domicílios no país,
enquanto apenas 700 mil foram criadas pelo mercado.
•
Gestões urbanas de investimento regressivo – prefeituras e
estados orientam a localização dos investimentos públicos com
base nos interesses de proprietários de terras e especuladores
imobiliários. Áreas específicas das cidades são privilegiadas na
definição do orçamento público.
•
Aplicação arbitrária da lei – as leis e os planos diretores se
aplicam à “cidade oficial”, mas nas periferias, a “cidade ilegal”, as
invasões e o desrespeito às leis são tolerados.
2.4 DIRETRIZES DA POLÍTICA HABITACIONAL NO GOVERNO LULA
80
Analisando-se os dois primeiros anos do governo Lula, verifica-se que o
governo tem sido capaz, até o momento, de abarcar parcialmente as demandas sociais
historicamente constituídas no país. A produção legislativa verificada no âmbito das
políticas sociais nesses dois primeiros anos de governo, e a proliferação de espaços
institucionais de participação – como o são conselhos, fóruns, grupos de trabalho etc. –
quanto a criação de secretarias especiais e órgãos públicos voltados ao tratamento de
questões sociais, demonstram esse esforço. Essa reorientação das políticas do Estado
brasileiro no âmbito da habitação foi atingida com a criação do Ministério das Cidades.
A
consciência
da
necessidade
de
reverter
esta
situação
de
desigualdade e exclusão, preencher o vazio institucional diante de tema tão importante
e urgente para a sociedade brasileira, além da necessidade de dar voz aos movimentos
e fóruns sociais em torno da questão urbana, foram os motivadores fundamentais da
criação do Ministério das Cidades pelo novo governo que assumia a direção da nação.
2.4.1 Ministério das Cidades
A criação do Ministério das Cidades no Governo LULA constituiu um fato inovador nas
políticas urbanas, pelo fato de ser o resultado do clamor do movimento formado por
profissionais, lideranças sindicais e sociais, ONGs, intelectuais, pesquisadores e
professores universitários. Como o próprio Ministério divulga em seu sitio, “a estrutura
do Ministério das Cidades constitui hoje um paradigma, não só em território brasileiro,
mas como em toda a América Latina”.(BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES. 2005).
81
O aspecto fundamental de sua criação está na estrutura que coordena
os setores da habitação, do saneamento e dos transportes (mobilidade) e trânsito para
integrá-los, levando em consideração o uso e a ocupação do solo. Além disso, o
objetivo é a busca da definição de uma política nacional de desenvolvimento urbano em
consonância com os demais entes federativos (município e estado), demais poderes do
Estado (legislativo e judiciário), além da participação da sociedade visando a
coordenação e a integração dos investimentos e ações nas cidades do Brasil dirigidos à
diminuição da desigualdade social e à sustentabilidade ambiental.
Com a criação do Ministério das Cidades o governo federal ocupa um
vazio institucional e cumpre um papel fundamental na política urbana e nas políticas
setoriais de habitação, saneamento e transporte sem contrariar, mas reforçando, a
orientação de descentralização e fortalecimento dos municípios definida na Constituição
Federal de 1988. (BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES. 2005).
O principal desafio do novo Ministério é o desenvolvimento de ações
solidárias entre governo federal, governos estaduais e governos municipais para o
financiamento da habitação e da infra-estrutura urbana. O Ministério das Cidades está
desenhando novas políticas e novos sistemas que viabilizem o investimento coerente e
integrado – público e privado - de modo a racionalizar os recursos de acordo com as
prioridades e necessidades previstas em planos, indicadores de desempenho e
posturas (nacionais/gerais e locais/específicas) definidos de forma democrática como
se verá mais adiante. Espera-se, assim, eliminar os constantes desperdícios de
recursos decorrentes da descontinuidade de projetos, desarticulação entre ações
simultâneas e sucessivas, falta de integração intermunicipal, falta de controle social e
público, e desconhecimento das questões ambientais. (GOVERNO LULA, 2004).
82
Para tratar da questão habitacional o Ministério das cidades criou a
Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades que é responsável pela
formulação e proposição dos instrumentos para a implementação da Política Nacional
de Habitação e busca desenvolver os trabalhos de concepção e estruturação da
estratégia para equacionamento do déficit habitacional brasileiro. A questão
habitacional precisa ser enfrentada de forma articulada com as políticas urbana,
fundiária e de saneamento. (BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2005).
Para tanto, a nova Política Nacional de Habitação, de acordo com as
diretrizes que orientam o atual governo (baseadas na inclusão social, participação e
gestão democrática), apresenta os diferentes aspectos, que compõem a Política
Nacional de Habitação, o Sistema e o Plano Nacional de Habitação, o Plano de
Capacitação
e
Desenvolvimento
Institucional
e
o
Sistema
de
Informação,
Monitoramento e Avaliação da área habitacional:
A estratégia proposta parte do pressuposto que deve ser criado um
Sistema Nacional de Habitação que possibilite uma ação articulada
entre União, estados e municípios, de modo a evitar a dispersão de
recursos e a fragmentação de programas e projetos, e que se promova
a integração entre a política habitacional e as políticas de planejamento
territorial e fundiária e saneamento, a ser coordenada pelo Ministério
das Cidades.(BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES. 2005).
Conforme o Ministério das Cidades, são cinco os eixos estratégicos
necessários para garantir a implantação da nova Política Nacional de Habitação - PNH:
•
Articulação entre as diferentes fontes de recursos
•
Fortalecimento institucional
•
Política fundiária para habitação
•
Modernização da produção habitacional
•
Estruturação de linhas de financiamento.
83
De acordo com a Política Nacional de Habitação divulgada pelo
Governo LULA, o Sistema Nacional de Habitação deve estabelecer as bases do
desenho institucional proposto e a articulação financeira da Política Nacional de
Habitação, incluindo a criação dos subsistemas de habitação de interesse social e de
mercado, e deve perseguir os seguintes objetivos básicos:
•
Universalizar o acesso à moradia digna em um prazo a ser definido no Plano
Nacional de Habitação levando-se em conta a disponibilidade de recursos e a
capacidade operacional;
•
Implementar uma política de planejamento de cidades destinando em seus planos
diretores imóveis desocupados e áreas infraestruturadas, adequadas para provisão
de programas habitacionais de interesse social; revertendo dessa forma a lógica de
segregação social e espacial;
•
Enfrentar o problema habitacional de forma articulada com as políticas fundiária, de
saneamento e de transporte e em consonância com as diretrizes de política urbana;
•
Fortalecer o papel do Estado na gestão da Política e na regulação dos agentes
privados;
•
Concentrar esforços e canalizar, de forma articulada, recursos não onerosos dos
três âmbitos de governo no enfrentamento dos problemas habitacionais;
•
Promover o atendimento à população de baixa renda, aproximando-o ao perfil do
déficit qualitativo e quantitativo;
•
Estimular o mercado para atender as faixas de renda média evitando que existam
faixas de renda desprovidas de financiamento;
84
•
Buscar a expansão do crédito habitacional, ampliando fontes de recursos existentes
e criando ambiente de mercado estável;
•
Facilitar e baratear o acesso à terra urbanizada e ao mercado secundário de imóveis
(preferencialmente os imóveis desocupados);
•
Promover o desenvolvimento tecnológico na área da construção civil para reduzir
custos;
•
Ampliar a produtividade e melhorar a qualidade do produto; e
•
Gerar empregos e renda dinamizando a economia, apoiando-se na capacidade que
a indústria da construção apresenta em mobilizar mão de obra, utilizar insumos
nacionais sem a necessidade de importação de materiais e equipamentos e
contribuir com parcela significativa do PIB. (BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES.
2005).
A Secretaria Nacional de Habitação tem procurado focar a aplicação
dos Recursos habitacionais na faixa de renda de até cinco salários mínimos, revertendo
a lógica de exclusão consagrada historicamente. Mas não é apenas no aumento dos
números dos investimentos que se observa a reorientação do estado brasileiro em
relação à questão urbana. Ela se verifica também na experiência, inédita em âmbito
federal, de planejamento participativo da gestão urbana. A participação democrática foi
implementada por meio da Conferência Nacional das Cidades realizada em outubro de
2003. Aderiram ao processo de conferência 3457 municípios e todos os estados
organizaram sua Conferência Estadual das Cidades. Foram definidos os princípios e as
diretrizes da política de desenvolvimento urbano do governo Lula, além do
estabelecimento e da eleição do tão esperado Conselho Nacional das Cidades, o
governo federal estabeleceu um canal de comunicação com os movimentos populares.
85
Dessa forma, o Ministério das cidades tem procurado mostrar que é possível planejar o
espaço urbano brasileiro de forma plural com o objetivo de superar as severas
desigualdades que marcam a sociedade brasileira.(GOVERNO LULA, 2004).
As Ações do Governo Federal dão ênfase aos programas destinados ao
atendimento de demandas habitacionais para famílias de baixa renda, sendo que o
principal programa continua sendo o Carta de Crédito – recursos do Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço (FGTS). O programa está sendo desenvolvido nos mesmos
moldes e é uma continuidade do programa implantado no governo FHC. Outros
programas como o Nosso Bairro, que concede financiamento a estados e municípios
para implantação de melhorias habitacionais, ampliação ou melhoramento da infraestrutura urbana e de conjuntos habitacionais, produção de conjuntos habitacionais e
urbanização de áreas degradadas e o Morar Melhor, para construção de unidades
habitacionais em parceria com instituições financeiras públicas, elevando as condições
de habitabilidade, não apresentam uma efetividade que possa ser destacada.
Em relatório divulgado no sitio do Ministério das Cidades (2005), a
Arquiteta Ermínia Maricato, afirma que o novo Sistema Nacional de Habitação está
sendo o marco regulatório e da nova estrutura que será complementada pelo FNHIS Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e o SNHIS- Sistema Nacional de
Habitação de Interesse Social previstos na Lei Federal 11.124/2005 aprovada no
Congresso Nacional após 13 anos de tramitação. A tese perseguida para a mudança de
paradigma na área de habitação é a seguinte:
•
Buscar segurança jurídica e ampliar recursos financeiros para o
mercado privado de moradias para a classe média. Dessa forma
espera-se que a classe média não dispute recursos federais com as
faixas de baixa renda como aconteceu em anos anteriores ao governo
LULA.
•
Ampliar os recursos e dar prioridade de investimentos que estão
sob gestão federal e nacional para as faixas de rendas mais baixas
(92% do déficit habitacional está situado abaixo de 5 SM). Dessa forma
86
espera-se conter o crescimento das favelas e das ocupações urbanas
ilegais. (BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES. 2005).
2.5 PROGRAMAS HABITACIONAIS FINANCIADOS COM RECURSOS FGTS:
CARACTERÍSTICAS
Elaborar uma Política Nacional de Habitação sustentável é um dos
maiores desafios do Governo Federal. Os investimentos no setor habitacional possuem
grande capacidade de alavancar o desenvolvimento econômico e social. A
implementação de ações que facilitem a produção de habitações impacta diretamente
em um dos segmentos da indústria com maior capacidade de absorver mão-de-obra
menos qualificada e altamente penalizada pelo desemprego, além de aquecer outros
segmentos da economia e, assim, contribuir para a geração de trabalho e renda.
O desenvolvimento sustentável das cidades passa pela disponibilização
de recursos para financiar a produção e a comercialização de imóveis. A existência de
leis e normas claras, objetivas e compatíveis com a realidade do mercado e da
capacidade das famílias são imprescindíveis para ampliar o universo das famílias em
condições de ter acesso à moradia.
Viabilizar o acesso à moradia se constitui em uma poderosa ferramenta
redistributiva, uma vez que a habitação é o ativo de maior importância para os
segmentos sociais mais pobres e se apresenta como um dos mais valiosos
instrumentos para melhorar o padrão de vida e promover a inclusão social. (ARANTES;
MARICATO; VAINER, 2000).
87
Quando o assunto é financiamento para a Habitação, o primeiro ponto a
ser analisado é o volume de recursos disponíveis ou disponibilizados, pois normalmente
atribui-se o insucesso no combate ao déficit habitacional a má aplicação dos recursos.
Na área de habitação a principal fonte de recursos públicos é o FGTS, sendo o
Ministério do Planejamento e Orçamento o gestor das aplicações desse Fundo e a
Caixa Econômica Federal seu agente operador.
A análise do perfil do déficit habitacional brasileiro demonstra que a
maior parcela da necessidade de moradia no Brasil é caracterizada por carência e não
por demanda, uma vez que 83,25% está concentrado em famílias com renda até 3
salários mínimos, as quais possuem baixa ou nenhuma capacidade de pagamento.
Esse fato, por si só, já evidencia que aumentar a oferta de crédito não garante a
redução do déficit.
O papel do poder público no processo de desenvolvimento urbano é
destacado por MARICATO (2001), quando a autora afirma que o padrão de crescimento
urbano foi recorrentemente sancionado pelo poder público, ao permitir a instalação de
conjuntos habitacionais distantes da área urbana consolidada; ao licenciar a
implantação de loteamentos em áreas rurais e ao promover alterações pontuais na
legislação de uso e ocupação do solo e na definição da legislação de perímetro urbano
e de zonas de expansão urbana. Para GROINSTEIN (2001), esse padrão de expansão
metropolitana regido pela ilegalidade dos loteamentos e das ocupações sobre áreas
protegidas e solos frágeis, está pautado na insustentabilidade e é responsável por um
alto grau de impactos sobre o ambiente. Para a autora, o grau de sustentabilidade
urbana está relacionado aos seguintes aspectos: a forma de ocupação, a
disponibilidade de insumos (água), a descarga de resíduos (esgoto e lixo), a
88
acessibilidade (transporte público); o atendimento à moradia, equipamentos sociais e
serviços; e a qualidade do espaço público.
Desta forma, a autora relaciona esse padrão de expansão urbana,
baseado na ilegalidade e na clandestinidade, aos problemas sócio-ambientais:
Nas parcelas da cidade produzida informalmente, onde predominam os
assentamentos populares e a ocupação desordenada, a combinação
dos processos de construção do espaço com as condições precárias de
vida urbana gera problemas sócio-ambientais e situações de risco, que
afetam tanto o espaço físico quanto a saúde pública: desastres
provocados por erosão, enchentes deslizamentos; destruição
indiscriminada de florestas e áreas protegidas; contaminação do lençol
freático ou das represas de abastecimento de água; epidemias
provocadas por umidade e falta de ventilação nas moradias
improvisadas, ou por esgoto e águas servidas que correm a céu aberto,
entre outros. (GROINSTEIN, 2001, p.30).
Ciente desse tipo de condições criada em suas metrópoles, são
desenvolvidos programas com produtos do FGTS, para fazer frente à carência
habitacional. Para desenvolvimento deste estudo acadêmico se analisarão os dois
programas com o maior volume de aplicação de recursos, os quais servirão de base
para desenvolver a comparação das unidades produzidas nos governos de FHC e
LULA:
•
Programa Carta de Crédito Individual
•
Programa Carta de Crédito Associativo
]
2.5.1 Financiamentos Individuais
89
O Programa Carta de Crédito Individual é uma linha de financiamento
com recursos do FGTS, destinada à aquisição de moradia que atenda às condições
mínimas de habitabilidade. Podem aderir ao programa famílias com renda bruta
enquadrada nos limites definidos para a operação, a qual varia de acordo com a
modalidade que se pretende contratar.
Atualmente são atendidas no programa famílias com renda familiar
mensal bruta que não exceda a R$ 4.900,00 na data da emissão da Carta de Crédito.
Para fins de análise a CAIXA4 considera a renda familiar mensal bruta como sendo a
renda mensal do proponente e respectivo cônjuge/companheiro, dos dependentes e
dos demais participantes da operação, deduzida dos créditos provisórios e eventuais.
De acordo com a Caixa Econômica Federal (2005), o Programa objetiva
conceder financiamentos a pessoas físicas para fins de aquisição, construção,
conclusão, ampliação, reforma ou melhoria de unidade habitacional, propiciando ainda
a aquisição de cesta de material de construção ou a aquisição de lote urbanizado.
Desta forma, os recursos disponibilizados pelo programa podem ser utilizados para
aquisição de unidade habitacional nova; construção de unidade habitacional; aquisição
de unidade habitacional usada; conclusão; ampliação; reforma ou melhoria de unidade
habitacional; aquisição de material de construção e aquisição de lote urbanizado.
A fonte de recursos dos financiamentos concedidos é o Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), sendo que a contrapartida dos tomadores, de
no mínimo 5% (para imóveis novos) e 7,5% (para imóveis usados), referente ao valor
4
Agente financeiro habilitado a operar o programa Carta de Crédito FGTS
90
de venda ou de produção do imóvel não financiável pelo FGTS, pode ser representada
pelo pagamento de juros e outros encargos financeiros durante a fase de obra.
Somente poderão ser concedidos financiamentos com recursos do
FGTS a pretendentes, pessoas físicas, que não detenham, em qualquer parte do país,
outro financiamento nas condições do SFH, e não sejam proprietários, promitentes
compradores ou titulares de direito de aquisição de imóvel residencial no atual local de
domicílio nem onde pretendam fixá-lo.
São participantes do processo: O Ministério das Cidades, que possui a
função de regulamentar o programa, à luz das normas baixadas pelo Conselho Curador
do FGTS, e realizar a gestão, acompanhamento e a avaliação do programa. A Caixa
Econômica Federal, como agente operador do FGTS, que tem a função de contratar,
em nome do FGTS, operações de empréstimo com os Agentes Financeiros por ela
habilitados a participar do programa. E os agentes financeiros que irão contratar
operações de empréstimo com o agente operador e operações de financiamento com
os beneficiários finais do programa. Salientando que a CAIXA, como se trata do
principal agente financeiro, possui duas funções distintas: a de agente operador e
agente financeiro.
Além disso, a administração pública estadual do Distrito Federal ou
municipal, direta ou indireta, ou seja, o poder público, não participa diretamente do
programa. Sua participação, contudo, é desejável particularmente nos casos de
operações coletivas com aquisição de material de construção e para fins de redução de
exigências construtivas, taxas e/ou emolumentos.
Para participar do programa não é necessário fazer inscrições, pois os
interessados devem procurar diretamente os Agentes Financeiros habilitados a operar
os programas do FGTS, como, por exemplo, a Caixa Econômica Federal. O valor do
91
financiamento é definido em função do resultado da análise de risco e apuração da
capacidade de pagamento do cliente, efetuada pelo Agente Financeiro, respeitados os
limites de renda e de avaliação do imóvel.
Uma das principais características do programa é o fato de que todo
cidadão com rendimento familiar mensal de até R$ 1.500,00 possui direito a subsídio
nos seus financiamentos concedidos com recursos do FGTS.
O subsídio5 representa o pagamento do custo financeiro da operação de
crédito, isto é, o custo bancário do financiamento concedido. O subsídio permite o
pagamento de parte do valor de venda ou de produção do imóvel e varia de acordo
com a combinação dos seguintes fatores:
•
Renda familiar do cidadão (e o correspondente financiamento obtido);
•
Localização do imóvel (considerando o porte do município, capitais estaduais e
regiões metropolitanas);
•
Modalidade operacional pretendida (construção, conclusão, ampliação, reforma,
melhoria, cesta de material de construção, aquisição de imóvel novo, aquisição
de imóvel usado ou lotes urbanizados).
O valor de financiamento é determinado de acordo com a capacidade
de pagamento. A capacidade de pagamento é analisada, caso a caso, pelo Agente
Financeiro, levando em consideração, entre outros fatores, sua renda familiar. Não
há valores de financiamento previamente estabelecidos. Além disso, o FGTS não
financia 100% do valor do imóvel, sendo necessária uma contrapartida.
5
O subsídio é concedido na forma de desconto financeiro na operação de crédito para possibilitar o
acesso ao crédito habitacional por mutuários com baixa capacidade financeira. O subsídio no FGTS
sempre existiu, a forma e as regras para concessão da ajuda é que são alteradas e ampliadas. O
subsídio permite que as famílias com renda de até R$ 1,5 mil paguem uma taxa de juros menor (de 3%
enquanto que nas demais faixas a taxa varia de 6% a 8%) e estão isentos da taxa de administração do
contrato pelo agente financeiro, que chega a R$ 25 por mês.
92
Tabela 1: Parâmetros das Modalidades
VALORES MÁXIMOS (em R$)
MODALIDADE
OPERACIONAL
Aquisição
de
Unidade
Habitacional Nova
Construção
de
Unidade
Habitacional
Aquisição
de
Unidade
Habitacional Usada
Conclusão,
Reforma
Renda Familiar
Venda / Avaliação
Investimento
72.000,00
-
3.900,00
-
72.000,00
3.900,00
72.000,00
-
3.000,00
-
62.000,00 (1)
2.400,00
-
62.000,00 (2)
1.500,00
20.000,00
-
1.500,00
Bruta
Ampliação,
ou
Melhoria
de
Unidade Habitacional
Aquisição
de
Material
de
Construção
Aquisição de Lote Urbanizado
Fonte: Caixa (2005)
(1) valor-limite da unidade habitacional no estado original, acrescido das benfeitorias a serem
realizadas;
(2) valor-limite, nos casos de construção; e da unidade habitacional no estado original acrescido das
benfeitorias a serem realizadas, nos casos de conclusão, ampliação, reforma e melhoria.
O cidadão que não possui Carteira de Trabalho assinada, contra-cheque
ou outra maneira de comprovar, formalmente, seu rendimento mensal, também poderá
pleitear financiamento com recursos do FGTS. Nesses casos, os agentes financeiros
buscarão caracterizar a renda familiar do cidadão por intermédio de questionário
especifico.
O Conselho Curador do FGTS determina os limites operacionais que
serão adotados para o programa; os valores máximos de avaliação devem ser
observados pelos agentes financeiros conforme tabela 01.Os limites definidos são
elastecidos para atendimento de operações especiais, comumentemente as de
financiamento coletivo, quando o imóvel é adquirido na planta e posteriormente
93
construído por uma construtora aprovada pela agente financeiro. Os limites atuais para
essa modalidade estão descritos na tabela 2.
Tabela 2: Parâmetros das Modalidades Operações Especiais
VALORES (em R$)
MODALIDADE
OPERACIONAL
Aquisição
de
Venda/Avaliação
Unidade
Habitacional Nova
Construção de Unidade
Habitacional
Fonte: Caixa (2005)
Investimento
De 72.000,01 a
-
80.000,00
-
De 72.000,01 a
80.000,00
Renda Familiar Bruta
De 3.900,01 a
4.900,00
De 3900,01 a 4.900,00
A composição do investimento é variável de acordo com a modalidade
pretendida, correspondente à soma de todos os custos diretos e indiretos necessários à
execução das obras e serviços propostos, podendo ser integrado total ou parcialmente
pelos seguintes itens (exceto nos casos de aquisição de unidades habitacionais ou
lotes): nos custos diretos são considerados os valores do terreno, projetos, construção
e materiais de construção. Nos custos indiretos são considerados os juros na carência,
seguros, despesas de legalização, remuneração pela operação financeira, taxas e
atualização do saldo devedor.
Tabela 3: Taxas de Juros
ÁREAS
Habitação Popular
TAXAS BÁSICAS
NOMINAIS DE JUROS
6% ao ano
Habitação / Operações Especiais 8% ao ano
Fonte: Caixa (2005)
As taxas acima são acrescidas de 2,16% ao ano (pessoas físicas).
Para famílias com renda até R$ 1.500,00, o diferencial de 2,16%
ao ano é suportado pelo FGTS (desconto).
94
As taxas de juros das operações estão descritas na tabela 3, e são
variáveis de acordo com a renda familiar. Outro aspecto a ser abordado são os prazos
de financiamento os quais podem chegar até 30 anos de acordo com a tabela 4.
Tabela 4: Prazos
TOMADORES
PRAZOS MÁXIMOS DE
AMORTIZAÇÃO (em anos)
Pessoas físicas (Imóveis Usados)
25
Pessoas físicas (Imóveis Novos)
30
Fonte: Caixa (2005)
Para contratação da operação o proponente procura o agente
financeiro. No caso de financiamentos nessa modalidade o único credenciado é a
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, que fornece as orientações sobre o produto, relação
de documentos e preenche Ficha Cadastro, a qual é submetida à aprovação pelo
sistema de risco. Após aprovação, o proponente recebe a Carta de Crédito com
validade por 30 dias, origem do nome do programa, pois se trata da garantia que o
proponente possui para procurar o imóvel que se adapte às suas exigências e
possibilidades, bem como prazo hábil para providenciar a documentação necessária
para contratação da operação.
2.5.2 Financiamentos Associativos
O processo de expansão das cidades brasileiras, realizado através do
parcelamento do solo, é marcado pela implantação de empreendimentos habitacionais
periféricos promovidos principalmente pelo setor privado através dos loteamentos. Esse
95
fenômeno, que na maioria das vezes ocorre de forma desordenada, ocupando áreas
desfavoráveis a esse tipo de uso, é uma das atividades de grande impacto sobre o
ambiente, além de gerar pesado ônus ao poder público e riscos à população. Para
BONDUKI (1996), esse processo contribui para uma expansão horizontal desmedida
sob a regência dos loteadores e da dinâmica do mercado fundiário especulativo,
originando uma intensa produção de loteamentos clandestinos e irregulares, geralmente
em áreas públicas ou de risco à população, e a favelização daqueles que não possuíam
recursos suficientes para obter a casa própria. Esse padrão de expansão urbana
cresceu indiscriminadamente gerando cidades excessivamente desconcentradas, que
se estendem desmensuradamente. Para os especuladores imobiliários essa forma é
extremamente lucrativa, uma vez que ocorre um aumento da demanda de lotes vazios e
uma intensa transformação de glebas rurais e urbanas. (BONDUKI, 1996). Como forma
de concentrar estas populações em regiões com infra-estrutura adequada, a produção
de conjuntos habitacionais, organizados pelo poder público apresenta-se como uma
alternativa. Para o desenvolvimento das políticas públicas nesse sentido, o principal
programa desenvolvido é o Programa Carta de Crédito Associativo – Imóvel na Planta.
O Programa Carta de Crédito Associativo tem por objetivo conceder
financiamentos a pessoas físicas, associadas em grupos formados por condomínios,
sindicatos, cooperativas, associações, Companhias de Habitação (COHAB) ou
empresas do setor da construção civil.
O financiamento, também conhecido por imóvel na planta – associativo,
é uma linha de Crédito destinada à produção de empreendimentos habitacionais,
podendo também ser utilizado para a reabilitação de empreendimentos urbanos e
produção de lotes urbanizados.
96
O Financiamento é feito diretamente às pessoas físicas nos mesmos
moldes do Programa de Carta de Crédito, sendo que nessa modalidade as pessoas são
agrupadas em condomínios, sindicatos, cooperativas, associações, pessoas jurídicas
voltadas à produção habitacional, companhias de habitação ou órgãos assemelhados,
Estados, Municípios, Distrito Federal ou órgãos da sua administração direta ou indireta,
com a participação ou não, de Construtora.
As operações são destinadas a um público definido de acordo com a
renda, que é definida e atualizada sempre que necessário. O programa permite a
produção de lote urbanizado, a construção de unidade habitacional ou a aquisição de
unidade nova produzida no âmbito do próprio programa. Existe também uma
modalidade denominada “Reabilitação Urbana” por intermédio da qual o grupo
associativo poderá adquirir unidades usadas e executar obras voltadas à recuperação e
ocupação para fins habitacionais.
De acordo com a CAIXA (2005), as características do Programa Carta
de Crédito Associativo em relação ao tomador do financiamento são as mesmas da
Carta de Crédito FGTS Individual e os financiamentos possuem a mesma fonte de
recursos, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Tabela 5: Limites Operacionais
MODALIDADE OPERACIONAL
Aquisição de Unidades Habitacionais
VALORES MÁXIMOS (em R$) – por
Unidade Habitacional
Venda/Avaliação Renda Familiar
Bruta
72.000,00
3.900,00
Construção de Unidades Habitacionais
72.000,00
3.900,00
Reabilitação Urbana
72.000,00
3.900,00
Produção de Lotes Urbanizados
20.000,00
1.500,00
Fonte: Caixa (2005)
97
Os participantes do programa: Ministério das Cidades, Caixa Econômica
Federal, como Agente Operador do FGTS e Agente Financeiro, e o poder público
possuem as mesmas funções, porém essa modalidade exige a participação das
entidades organizadoras do grupo associativo que serão responsáveis pela formação e
apresentação, ao agente financeiro, do grupo associativo; pelo cumprimento, em nome
do grupo, das exigências necessárias à contratação das operações de financiamento: e
pela orientação dos beneficiários finais com relação aos seus direitos e obrigações
decorrentes dos financiamentos contratados que terão seus valores fixados de acordo
com a tabela 5 e 6 de limites operacionais e operações especiais:
Tabela 6: Limites Operações Especiais
MODALIDADE
OPERACIONAL
Aquisição de Unidade
Habitacional
Construção de
Unidade Habitacional
VALORES (em R$) – por unidade habitacional
Venda/Avaliação
Renda Familiar Bruta
De 72.000,01 a 80.000,00
De 3.900,01 a 4.900,00
De 72.000,01 a 80.000,00
De 3.900,01 a 4.900,00
Fonte: Caixa (2005)
Da mesma forma que no CCFGTS Individual, as famílias com
rendimento mensal de até R$ 1.500,00 possuem direito ao subsídio (descontos) nos
seus financiamentos concedidos com recursos do FGTS o que vai alterar as taxas de
juros da tabela 7, nas mesmas proporções já explicitada anteriormente:
98
Tabela 7: Condições de Aplicações
TAXAS BÁSICAS
ÁREAS
NOMINAIS DE JUROS
Habitação Popular
6% ao ano
Habitação / Operações Especiais
8% ao ano
Fonte: Caixa (2005)
As taxas acima são acrescidas de 2,16% ao ano (pessoas físicas).
Para famílias com renda até R$ 1.500,00, o diferencial de 2,16% ao ano é suportado pelo FGTS
(desconto).
Nos financiamento em forma coletiva os prazos máximos de amortização
são elastecidos para 30 anos, conforme tabela 8, com exceção da modalidade
reabilitação urbana que pode ser contratada por até 25 anos.
Tabela 8: Prazos de Amortização
MODALIDADES
PRAZOS MÁXIMOS DE
AMORTIZAÇÃO (em anos)
Todas as modalidades, exceto
Reabilitação Urbana
Reabilitação Urbana
30
25
Fonte: Caixa (2005)
A operação consiste na emissão de Carta de Garantia de
Financiamento à Entidade Organizadora/Construtora/Agente Promotor, que assegura a
contratação individual do financiamento com os beneficiários, pessoas físicas. Para a
assinatura dos contratos é necessário que esteja sob gestão da CAIXA o valor total dos
recursos para conclusão do empreendimento ou módulo.
Além dos programas apresentados são utilizados recursos do FGTS
para desenvolvimento de programas como: Programa de Apoio à Produção, o PróMoradia – Programa de Atendimento Habitacional através do Poder Público, o PSH -
99
Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social, o PAR – Programa de
Arrendamento Residencial, o Programa de Apoio à Produção de Habitações e o Crédito
Solidário.
100
Capítulo III ANÁLISE DOS PADRÕES DE FINANCIAMENTO COM RECURSOS
FGTS DOS GOVERNOS FHC E LULA
Neste capítulo discorre-se sobre o déficit habitacional no Brasil e os
principais indicadores da carência habitacional. Analisam-se os números de unidades
habitacionais produzidas nos períodos referentes aos governos FHC e LULA e
verificam-se alguns aspectos como a produção por faixa de renda e outros aspectos
que permitirão aprofundar o estudo acadêmico.
3.1 O DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL
As políticas voltadas para a habitação são desenvolvidas baseadas na
noção oficial de carência habitacional que surge da defasagem entre crescimento
populacional urbano e o lento ritmo de construção de casas populares.
Os indicadores habitacionais constituem importante ferramenta no
auxílio à formulação e implementação de políticas públicas orientadas à busca de
solução para o problema da moradia, uma vez que os recursos, em todas as esferas
governamentais, mostram-se escassos; o que demanda, portanto, orientação técnica
para seleção de prioridades de atendimento.
A questão da falta de moradia apresenta, além de um aspecto
econômico, um aspecto social e político, pois a população tem de enfrentar o alto preço
cobrado para a aquisição da casa própria, e ainda se depara com a diferenciação social
101
no espaço urbano, sendo que em cada período histórico, as formas de expressão
desses aspectos mudam de acordo com a posição ou a força dos grupos e classes
sociais envolvidas no processo.(GRAZIA; QUEIROZ, 2001).
Tal situação agravou-se quando o Brasil passou de um país rural a um
país urbano; a partir da década de 60, suas principais cidades têm convivido com
problemas gerados pelos efeitos dessa mudança, entre eles, o aumento da demanda
por moradia.
Para se estabelecer políticas públicas adequadas e voltadas a resolver
o problema habitacional, faz-se necessário estabelecer o déficit habitacional. Os
números sobre as deficiências de moradia são tão divergentes quanto polêmicos;
conhecer os níveis diferenciados de exigências e demandas habitacionais possibilita a
sinalização de prioridades de investimentos para o setor público e privado visando à
melhoria de qualidade do habitat para os diferentes estratos sociais.
Em uma sociedade com índices de desigualdade extremamente
elevados como a brasileira, questões aparentemente universais como educação,
serviços de saúde e habitação não são facilmente comparáveis, e muito menos
intercambiáveis, entre alguns dos diversos submundos sociais. Em outras palavras,
seria possível dizer que, em muitos aspectos, não há mercados reais que operem
igualmente para todos: o substrato dessa proposição é que o processo de penetração
capitalista da sociedade ainda apresenta lacunas e ou deficiências importantes. (REIS,
1988 apud FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2004).
Os números apresentados para ilustrar as estimativas do déficit
habitacional no Brasil são bastante diferentes e variam, conforme a metodologia
empregada, de 5 a 13 milhões de moradias. Na prática, isso representa algo entre 20 a
102
52 milhões de pessoas no país que não disporiam de habitações adequadas. Há
famílias morando em residências não servidas por saneamento básico (abastecimento
de água e esgotamento sanitário), mais de uma família em uma única habitação, em
favelas, em cortiços, quartos ou salas e até embaixo de pontes. (IPEA, 1996).
Para demonstrar esta disparidade se pode citar dois estudos
elaborados sobre esse tema; Prado e Pelin (1993) e Fundação João Pinheiro (1995), os
quais chegaram, respectivamente, a 12,7 milhões e 5,6 milhões de déficit habitacional
no Brasil. Deve-se ressaltar que a diferença básica entre as estimativas dos dois
estudos refere-se à questão do déficit habitacional de moradias inadequadas,
considerada no primeiro e não no segundo trabalho, como componente do déficit
habitacional no Brasil.
É inegável que a complexidade do levantamento dos dados pode
explicar, em parte, as diferentes estimativas. Mas, as principais razões da aparente
inconsistência dos números são apresentadas no estudo "Déficit Habitacional no
Brasil", realizado pela Fundação João Pinheiro - MG (1995). De acordo com esse
trabalho, as quantificações distintas são resultado da adoção de diferentes definições
de déficit habitacional. Apesar das controvérsias existentes em torno da metodologia
adotada pela Fundação João Pinheiro em seus trabalhos, a mesma vem sendo
adotada, atualmente, pelo governo federal, estados, municípios e demais entidades.
Com o objetivo de calcular as necessidades habitacionais brasileiras a
Fundação João Pinheiro desenvolveu uma metodologia que distinguia o déficit
habitacional do que se denominou inadequação dos domicílios. A metodologia para o
cálculo das necessidades habitacionais foi desenvolvida tendo como base de
informações a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, e parte
103
do pressuposto que a análise deve partir da conceituação de necessidades
habitacionais e déficit habitacional, as quais muitas vezes são utilizadas como se
fossem expressões sinônimas, ao passo que a diferença conceitual entre ambas existe.
Nesse sentido o esquema abaixo demonstra a formação das Necessidades
Habitacionais:
Figura 1: Necessidades habitacionais
Fonte: FJP 2004
O conceito de déficit habitacional, segundo a metodologia da
Fundação João Pinheiro, leva em consideração três conceitos importantes. São eles:
• Necessidades habitacionais;
• Déficit habitacional; e
• Inadequação das moradias.
De acordo com a Fundação João Pinheiro (2004) como déficit
habitacional entende-se a noção mais imediata e intuitiva de necessidade de
construção de novas moradias para a solução de problemas sociais e específicos de
habitação, detectados em um certo momento. O conceito utilizado está ligado
diretamente às deficiências do estoque de moradias. Engloba tanto aquelas moradias
104
sem condições de serem habitadas devido à precariedade das construções ou em
virtude de terem sofrido desgaste da estrutura física e que devem ser repostas, quanto
à necessidade de incremento do estoque, decorrente da coabitação familiar ou da
moradia em locais destinados a fins não residenciais. Inclui também as famílias urbanas
com renda até 3 salários mínimos, que despendam mais de 30% dessa renda com
aluguel, o que se denomina ônus excessivo com aluguel.
As
necessidades
habitacionais
englobariam,
além
do
déficit
habitacional as habitações inadequadas, que são as que não proporcionam a seus
moradores condições desejáveis de habitabilidade, o que não implica, contudo,
necessidade de construção de novas unidades. Pelo conceito adotado de moradias
inadequadas são passíveis de serem identificadas somente aquelas localizadas em
áreas urbanas. Não são contempladas as áreas rurais que apresentam formas
diferenciadas de adequação não captadas pelos dados utilizados. Tomou-se o cuidado
de excluir do estoque a ser analisado os domicílios inseridos em alguma das categorias
do déficit habitacional. Ao contrário desse, os critérios adotados para a inadequação
habitacional não são mutuamente exclusivos, e, portanto, não podem ser somados, sob
risco de múltipla contagem (uma mesma moradia pode ser simultaneamente
inadequada segundo vários critérios. São classificados como inadequados os domicílios
com carência de infra-estrutura, com adensamento excessivo de moradores, com
problemas de natureza fundiária, e aqueles sem unidade sanitária domiciliar exclusiva).
(FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2004).
Tabela 9: Componentes do Déficit Habitacional
105
Necessidades Habitacionais = Déficit Habitacional + Habitações Inadequadas
Déficit Habitacional
•
Por Incremento do Estoque
o Coabitação Familiar
o Domicílios Improvisados
o Ônus Excessivo com Aluguel
Habitações Inadequadas •
Por Reposição de Estoque
o Por Depreciação
•
Carência de Serviços de infra Estrutura
•
Inadequação Fundiária Urbana
•
Adensamento Excessivo
•
Inexistência
de
Unidade
Sanitária
Domiciliar
Interna
•
Domicílios Depreciados
Fonte: Informativo Centro de Estatística e Informações (CEI) Demografia, Déficit Habitacional do
Brasil, Fundação João Pinheiro (FJP), Junho de 2002.
O tema da Habitação refere-se a conceitos amplos onde se integram
diferentes questões sócio-ambientais. No entanto, ao se tentar agregar necessidades
habitacionais com esse sentido mais amplo e não apenas a necessidade de moradia
entendida como unidade habitacional, não há condições prévias, asseguradas por
levantamentos anteriores, para o dimensionamento confiável das necessidades. Nesse
sentido, por moradia digna entende-se aquela localizada em terra urbanizada, com
acesso a todos os serviços públicos essenciais por parte da população que deve estar
abrangida em programas geradores de trabalho e renda. Respeitada a diversidade
regional, cultural e física do país, a moradia digna, tanto urbana como rural, deve,
necessariamente:
106
•
Estar ligada às redes de infra-estrutura (transporte coletivo, água, esgoto, luz, coleta
de lixo, telefone, pavimentação);
•
Localizar-se em áreas servidas ou acessíveis por meio de transporte público, por
equipamentos sociais básicos de educação, saúde, segurança, cultura e lazer;
•
Dispor de instalações sanitárias adequadas, e ter garantidas as condições mínimas
de conforto ambiental e habitabilidade, de acordo com padrões técnicos;
•
Ser ocupada por uma única família (ou de outra forma se a opção for voluntária);
•
Contar com pelo menos um dormitório permanente para cada dois moradores
adultos.(PROJETO MORADIA, 2000).
Para desenvolvimento deste estudo acadêmico não se abordam os
pressupostos metodológicos, uma vez que ao se selecionar o trabalho da Fundação
João
Pinheiro,
consideram-se
aceitáveis
as
premissas
utilizadas
para
o
desenvolvimento das análises. No entanto, a análise da complexidade social,
extremamente desigual como a brasileira, não permitirá a utilização de parâmetros que
espelhem e traduzam a real situação da questão habitacional.
3.1.1 Déficit Habitacional no Governo FHC
Na década de 90 a FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (1995) realizou
um estudo e estimou o déficit habitacional total do Brasil para 1995 em 5,6 milhões
de moradias, conforme tabela 10, sendo 4,0 milhões de domicílios urbanos e 1,6
milhão de famílias rurais. De seu segmento urbano, 25,6% do déficit total localizam-
107
se em áreas metropolitanas e 45,4%, em áreas urbanas restantes. As estimativas
rurais correspondem a 29,4% do valor global estimado.
Tabela 10: Déficit habitacional no Brasil e grandes regiões - 1995
Áreas
Demais Áreas
Metropolitanas
Metropolitanas
77.030
196.688
Nordeste
371.092
906.537
1.164.667
2.442.296
Sudeste
851.985
820.131
217.283
1.889.399
Sul
131.452
291.795
156.168
579.415
326.064
107.672
433.736
2.541.215
1.645.790
5.618.564
Região
Norte1
Centro - Oeste2
Brasil
–
1.432.559
Rural3
–
Total Geral
273.718
Fontes: Dados básicos: IBGE: elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP). (1995)
Notas: (1) Exclusive Tocantins, (2) Inclusive Tocantins, (3) Exclusive Estimativas e os domicílios
recenseados em áreas rurais na região Norte.
Cabe destacar que a região Sudeste possui significativo peso no
conjunto metropolitano, ao passo que, no déficit correspondente às demais áreas
urbanas, ela é ultrapassada ligeiramente pelo Nordeste, que lidera absoluto no
segmento rural. Examinando-se a tabela 10, observa-se que o Nordeste possui grande
concentração do déficit rural, alcançando em 1995 cerca de 71,0% do valor estimado
em nível nacional. Por outro lado, o Nordeste possui 26% do déficit em áreas
metropolitanas, contra 60% na região Sudeste, alcançando 36% nas demais áreas
urbanas, contra 32% na segunda região. (IPEA, 1996). Na mesma pesquisa a
Fundação João Pinheiro indicou que 94% desse déficit estão concentrados entre
famílias com renda de até cinco salários mínimos.
108
O Censo Demográfico de 2000, realizado no país pelo IBGE (2000),
apontou uma população de 169.799.170 habitantes, dos quais 81,25 %, algo como 138
milhões de pessoas, residindo em áreas urbanizadas. A tabela 11 demonstra que de
acordo com o estudo da Fundação João Pinheiro (2004), neste mesmo ano, existiam no
Brasil 5.507 municípios, sendo 73% com população inferior a 20 mil habitantes. Ao se
considerar apenas a população urbana, as proporções se alteram para 68,2% da
população residindo em áreas com menos de 10 mil habitantes, enquanto 83,2%
moravam em cidades que não atingiam 20 mil habitantes.
Números de Municípios, Segundo Faixas de Tamanho da População Total e
Urbana Brasil – 2000
Tabela 11: Faixas de Tamanho da População
Faixa de Tamanho
(Por Habitante)
População Total
Absoluto
População Urbana
% das faixas
Absoluto % das faixas
Mais de 1 milhão
13
0,2
13
0,2
De 500 mil e 1 milhão
18
0,3
17
0,3
De 100 mil a 500 mil
193
3,5
173
3,1
De 50 a 100 mil
301
5,5
208
3,8
De 20 a 50 mil
964
17,5
517
9,4
De 10 a 20 mil
1.381
25,1
826
15,0
De 5 mil a 10 mil
1.310
23,8
1.112
20,2
Menos que 5 mil
1.327
24,1
2.641
48,0
Total
5.507
100
5.507
100
Fonte: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Censo Demográfico,
2000.
109
Na última década, o percentual da população vivendo em áreas
urbanas passou de 78% em 1992 para 83,9% em 2001. Quanto à distribuição da renda,
o desequilíbrio manteve-se praticamente inalterado nesse período. (IBGE, 2001).
De maneira geral, os problemas habitacionais são proporcionalmente
mais graves nas aglomerações populacionais maiores. É onde se exige que, agentes
do governo e formuladores de política busquem mecanismos ágeis, capazes de
proporcionar melhores condições para a solução dos problemas de moradia.
3.1.2 O déficit habitacional no Brasil no governo LULA
O cálculo do déficit habitacional atém-se ao somatório dos domicílios
rústicos, dos improvisados e da coabitação familiar, e recebe a denominação de déficit
habitacional básico. Para obter-se a estimativa das carências totais do setor
habitacional seria necessário agregar os números do ônus excessivo com aluguel e do
déficit por depreciação. Uma estimativa do déficit total de domicílios foi apresentada no
documento Déficit Habitacional no Brasil 2000, publicado em 2001 pela Fundação João
Pinheiro. Esse estudo teve como base de dados a PNAD 1999, do IBGE, enquanto os
cálculos do último estudo utilizam os microdados do Censo Demográfico 2000, que por
ser um levantamento com maior significância estatística resulta em números mais
precisos. Portanto, para o estudo do déficit habitacional no governo Lula, será utilizado
o déficit recalculado pela Fundação João Pinheiro, baseado nas informações do Censo
2000, com a revisão dos componentes utilizados nas estimativas do Déficit Habitacional
2000. (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2004).
110
Dessa forma, chega-se ao déficit habitacional total, agregando-se ao
déficit habitacional básico as estimativas anteriormente calculadas para o ônus
excessivo com aluguel e o déficit por depreciação. As estimativas revistas do déficit
habitacional publicada da Fundação João Pinheiro são apresentadas na tabela 12.
De acordo com a tabela, o déficit habitacional de 2000, recalculado
em 2004 é de 7.223 mil domicílios, sendo que nas áreas urbanas o déficit
habitacional é de 5.470 mil e nas áreas rurais 1.752 mil.
As regiões Nordeste e
Sudeste lideram as necessidades habitacionais, representando 71,9% do total do
país. A distinção entre elas é que, enquanto no Nordeste grande parte do problema
se localiza em áreas rurais, no Sudeste é eminentemente urbano.
Tabela 12: Déficit Habitacional
Especificação
Norte (5)
Urbana
Rural (5)
Nordeste
Urbana
Rural
Sudeste
Urbana
Rural
Sul
Urbana
Rural
Centro-Oeste
Urbana
Rural
Brasil
Urbana
Rural (5)
Déficit
Habitacional
Básico(1)
812.605
473.335
339.270
2.515.163
1.475.523
1.039.640
1.660.600
1.481.089
179.512
516.603
402.925
113.678
385.168
307.216
77.952
5.890.139
4.140.088
1.750.051
Déficit
Habitacional
Total
848.696
506.671
342.025
2.851.197
1.811.553
1.039.644
2.341.698
2.162.187
179.512
678.879
565.217
113.662
502.175
424.223
77.952
7.222.645
5.469.851
1.752.794
Fonte: Dados Básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE), Censo Demográfico, 2000 –
Fundação João Pinheiro(FJP), Centro de Estatísticas e Informações(CEI), Déficit Habitacional no Brasil
2000, 2001. (1) Não inclui o ônus excessivo com o aluguel e a depreciação, componentes característicos
de áreas urbanas.
111
Entre as unidades da Federação destacam-se São Paulo, Minas
Gerais e Rio de Janeiro, na Região Sudeste, com as demandas habitacionais
concentradas nas áreas urbanas. Na Região Nordeste, o déficit se localiza
principalmente no Maranhão, Bahia e Ceará, com participação relevante das áreas
rurais. (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2004).
112
Déficit Habitacional
32%
40%
12%
Norte
Nordeste
9%
7%
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
Gráfico 1 : Déficit Habitacional recalculado 2004
Fonte: Dados Básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2004
As principais características do déficit habitacional básico, apontadas
pela Fundação João Pinheiro (2004), podem ser assim sintetizadas:
•
A concentração se dá nas áreas urbanas, (mais de 70%). Nessas áreas as
regiões metropolitanas são as maiores responsáveis pela carência de novas
moradias, 42,3%, seguidas pelo grupo dos municípios selecionados (35,4%);
•
Nas áreas rurais a grande concentração do déficit habitacional básico está em
municípios com cidades de menor população urbana - o grupo dos demais
municípios - (71,5%);
•
Em números absolutos, o déficit habitacional se concentra nos estados das
regiões Nordeste (2.851.197) e Sudeste (2.341.698). Enquanto nesta o déficit
habitacional urbano tem maior peso nas regiões metropolitanas, na primeira os
problemas nas áreas rurais são mais evidentes;
•
Do total do déficit habitacional em regiões metropolitanas, (47,4%) se
concentram naquelas localizadas na Região Sudeste;
113
•
Percentualmente, o déficit habitacional básico é mais relevante na Região Norte,
representando 29% do estoque de domicílios, e na Região Nordeste, 22,1%.
Vêm a seguir a Centro-Oeste, 12,2%, a Sudeste, 8,2% e a Sul, 7,2%;
•
As famílias conviventes se sobressaem em todas as regiões, de maneira
bastante acentuada nas áreas urbanas, tanto em termos absolutos quanto
relativos, principalmente nas regiões Sudeste e Nordeste. Os domicílios rústicos
têm presença significativa em áreas rurais, porém, destacam-se também em
áreas urbanas nas regiões Norte e Nordeste;
•
Para os aglomerados subnormais só puderam ser calculados os componentes
referentes aos domicílios improvisados e à coabitação familiar, não havendo a
possibilidade de estimativa local dos domicílios rústicos, que, espera-se, tenham
presença significativa nessas áreas.
Metade da população ocupada do Brasil tem rendimento médio mensal
de meio a dois salários mínimos. No Nordeste eles são 60,0%, sendo que 16,2% da
população ocupada ganham até meio salário mínimo. Quanto ao rendimento médio
mensal familiar per capta, 34,1% dos que recebem até meio salário mínimo são por
conta-própria e 31,2% são empregados sem carteira de trabalho assinada.(IBGE,
2003).
A análise do déficit habitacional por faixas de renda efetuada pela
Fundação João Pinheiro (2004), revelou que do déficit habitacional de 3,4 milhões de
moradias referentes aos domicílios improvisados e à coabitação familiar, parcela de 2,6
milhões estão na faixa até três salários-mínimos de renda familiar mensal, o que
representa 76,1% do total.
114
Gráfico 2: Rendimento por Faixa de Renda
Fonte: Pesquisa nacional por amostra de domicílios 1999/2001: microdados. Rio de Janeiro IBGE, 19972002. 8 CD ROM. Nota: Não houve pesquisa em 1994 e 2000.
Essa situação é exemplificada pelo gráfico 2 que demonstra a média
do rendimento em salários mínimos de 40 % da população referente aos mais pobres,
que se situou em 2001 em 83% do salário mínimo.
Em todas as regiões brasileiras o déficit habitacional se concentra
preponderantemente na faixa até 3 salários mínimos, conforme demonstra a tabela 13.
115
Tabela 13: Distribuição Percentual do Déficit Habitacional Urbano por Renda
ESPECIFICAÇÃO
Norte
Rondônia
Acre
Amazonas
Roraima
Para
Amapá
Tocantins
Nordeste
Maranhão
Piauí
Ceará
Rio Grande do Norte
Paraíba
Pernambuco
Alagoas
Sergipe
Bahia
Sudeste
Minas Gerais
Espírito Santo
Rio de Janeiro
São Paulo
Sul
Paraná
Santa Catarina
Rio Grande do Sul
Centro-Oeste
Mato Grosso do Sul
Mato Grosso
Goiás
Distrito Federal
Brasil
Faixa de renda média familiar mensal
(em salário mínimo)
Até 3
De 3 a 5 De 5 a 10 Mais de 10
Total
82,9
9,5
5,6
1,9
100,0
81,0
10,2
6,3
2,5
100,0
84,0
8,1
5,9
2,1
100,0
82,6
10,3
5,1
1,9
100,0
73,2
12,7
10,1
4,1
100,0
84,2
8,8
5,3
1,6
100,0
76,9
10,9
8,6
3,6
100,0
86,8
8,8
3,3
1,1
100,0
91,3
5,5
2,3
0,9
100,0
92,4
6,1
1,1
0,5
100,0
91,3
5,6
2,5
0,7
100,0
91,5
5,1
2,4
1,1
100,0
91,8
4,2
2,8
1,2
100,0
93,7
3,5
1,9
0,8
100,0
90,8
5,1
2,9
1,1
100,0
92,1
4,7
2,5
0,7
100,0
93,8
3,5
1,9
0,8
100,0
89,7
6,9
2,4
1,1
100,0
77,1
11,5
8,2
3,2
100,0
85,7
7,9
4,9
1,5
100,0
83,7
9,5
5,0
1,7
100,0
75,1
12,3
9,2
3,5
100,0
72,6
13,4
9,9
4,2
100,0
78,3
11,5
7,4
2,8
100,0
82,3
9,7
5,6
2,4
100,0
72,0
15,0
9,1
3,9
100,0
76,9
12,0
8,2
2,9
100,0
81,9
9,3
6,1
2,7
100,0
85,6
8,3
4,5
1,7
100,0
77,5
11,0
8,5
3,0
100,0
86,0
7,9
4,4
1,7
100,0
75,7
11,3
8,2
4,7
100,0
82,5
9,4
5,8
2,3
100,0
Fonte Dados Básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE), Censo Demográfico, 2000
– Fundação João Pinheiro(FJP), Centro de Estatísticas e Informações(CEI), Déficit Habitacional no
Brasil 2000, 2001. (1) Exclusive déficit por depreciação.
Em regiões como a Nordeste que detém o maior déficit em quantidade,
também apresenta a maior concentração (91,3%) na faixa de renda de até 3 SM.
Posicionando o total Brasil com 82,5 na faixa até 3 SM e 91,9% na faixa até 5 SM.
116
Com relação às faixas de renda da população, observa-se que 82,5%
do déficit corresponde à famílias com rendimentos inferiores a 3 salários mínimos, sem
capacidade, portanto, de conseguir uma solução para o seu problema de moradia,
dentro da regularidade. Na faixa de renda de 3 a 5 salários mínimos o percentual do
déficit é de 9,4%, e de 5,8% na de 5 a 10 salários mínimos. Tem-se, assim, uma
concentração de 96,7% do déficit na faixa de até 10 salários mínimos.
O desafio que se apresenta quando se trabalha com índices sociais
numa realidade como a brasileira é grande. Mesmo para as chamadas habitações de
interesse social, cujo leque abrange atualmente famílias com renda média mensal até
cinco ou oito salários mínimos, pois para transformar essa realidade são necessárias
ações conjuntas e coordenadas.
3.2 NÚMERO DE UNIDADES HABITACIONAIS PRODUZIDAS
As unidades produzidas através de financiamento habitacionais não são
a única forma de produção habitacional. A construção com recursos próprios, com a
regulação que o próprio mercado produz, é a principal forma de produção de unidades
habitacionais.
De outra forma os Governos Federal, Estaduais e Municipais
desenvolvem programas que viabilizam a produção de unidades habitacionais,
principalmente para famílias de baixa renda, sendo alguns programas totalmente
subsidiados. Porém o número de unidades efetivamente entregues, produzidas através
de subsídio do poder público ainda é muito pequeno. Os programas não estão
117
totalmente consolidados e a forma de aplicação dos recursos não obedece a nenhum
critério técnico, bem como a obtenção de números que espelhem esse tipo de iniciativa
ainda é bastante controversa motivo pelo qual, a análise será efetuada tomando-se por
base os números de unidade produzidos através dos financiamentos, especificamente
os financiamentos com recursos do FGTS.
3.2.1 Antecedentes
Historicamente, o volume de unidades habitacionais financiadas no
Brasil apresenta relevantes flutuações, alternando anos de desempenhos expressivos
com períodos de quase estagnação. Como visto anteriormente, o SFH é a principal
fonte de recursos para o financiamento das políticas habitacionais brasileiras, na tabela
14 observa-se o total de unidades produzidas com recursos do SBPE e do FGTS,
desde a criação do SFH em 1964.
A evolução da produção habitacional ao longo da história do SFH devese a inúmeros fatores, como já mencionado no capítulo I, sendo, primeiramente,
resultado da política habitacional adotada pelos governantes. Porém, o volume de
unidades produzidas está preponderantemente, ligado à capacidade de captação dos
recursos a serem aplicados, que por sua vez estão diretamente ligadas à situação
econômica do país.
118
Tabela 14: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas – Total
ANOS
1.964
1.965
1.966
1.967
1.968
1.969
1.970
1.971
1.972
1.973
1.974
1.975
1.976
1.977
1.978
1.979
1.980
1.981
1.982
1.983
1.984
TOTAL
8.618
16.732
25.745
80.388
138.362
158.475
157.230
117.590
124.489
157.801
96.205
141.926
273.763
267.713
337.649
383.223
627.342
465.398
541.129
77.247
86.358
ANOS
1.985
1.986
1.987
1.988
1.989
1.990
1.991
1.992
1.993
1.994
1.995
1.996
1.997
1.998
1.999
2.000
2.001
2.002
2.003
2.004
TOTAL
59.657
106.662
231.232
280.083
99.409
240.610
400.769
108.670
57.964
61.384
63.144
68.306
207.701
243.400
214.989
316.505
279.324
222.145
225.157
229.698
Fonte: Caixa (2004)
Nesse aspecto a vulnerabilidade apresentada pela principal fonte de
recursos, o FGTS, é fator que determina as variações observadas, uma vez que as
flutuações macroeconômicas interferem nos salários reais e, necessariamente, na
arrecadação ao fundo, bem como diminuem a capacidade de pagamento dos
mutuários, aumentando a inadimplência e comprometendo o equilíbrio atuarial do
sistema. Essa situação ocorreu logo nos primeiros anos de funcionamento do SFH,
sendo que o aumento na aplicação verificada a partir de 1975, quando foram
produzidas 141.925 unidades, deveu-se ao fato dos resgates do FGTS não passarem,
em média de 40% dos seus ingressos novos, o que garantia a recirculação e um fluxo
positivo médio, dando segurança a todo o sistema. (LORENZETTI, 2001).
Essa boa fase prosseguiu até 1980 quando foram produzidas mais de
600 mil unidades habitacionais e o Brasil apresentou então, a maior contratação
119
habitacional de sua história conforme se visualiza no gráfico 3. Paradoxalmente, em
quase toda literatura habitacional nacional, este período (1974-1980) é descrito como
o período negro do BNH. De 1974 a 1980, o banco autorizou os agentes financeiros a
operar em faixas livres, com juros liberados, o que significou a sangria dos recursos do
FGTS para o financiamento de construções para as classes média e alta. Outro aspecto
foi o descasamento entre a correção das prestações e dos saldos devedores em
relação à inflação, que sai de uma taxa anual de 45% em 1979, para 100% em 1980, e
200% em 1983, enquanto a correção monetária em 1979 e 1980 ficou muito abaixo da
inflação e das percentagens de reajustes salariais.(LORENZETTI, 2001).
Gráfico 3: Unidades Habitacionais Produzidas de 1974 a 1994
Fonte: Caixa/BCB (2005)
120
A significativa aceleração inflacionária culminando na crise econômica e
o desemprego aumentou os saques do FGTS e da Caderneta de Poupança, as duas
principais fontes de recursos do sistema, além do caráter elitista e concentrador de
renda que pode ser medido em números, uma vez que até 1975, o total de
investimentos do BNH relativo às faixas de renda situadas entre 1 e 5 salários mínimos
não passou de 9%.Tal descontrole do fluxo de recursos levou o BNH a extinção em
1986. Este período de crise no setor habitacional está claramente expresso nos
números do período, uma vez que em 1985 foram produzidas somente 59.657
unidades.
Nos anos seguintes, se registra praticamente uma paralisação na
produção imobiliária através de financiamentos. Em 1990 verifica-se uma recuperação,
são produzidas neste ano 240.610 unidades, porém, correspondente a apenas 36 % do
nível obtido em 1980. Em 1991 ocorre uma retomada na contratação com um
crescimento de 75% em relação ao ano anterior, são produzidas em 1991 400.769
unidades habitacionais na Brasil.
Porém a política habitacional do governo Fernando Collor (1990 -1992)
foi caracterizada por processos em que os mecanismos de alocação de recursos
passaram a obedecer a critérios clientelistas ou ao favorecimento de aliados do
governo. Essa foi a característica do Plano de Ação Imediata para a Habitação, lançado
em 1990, que se propunha a apoiar financeiramente programas para construção de
unidades e de oferta de lotes urbanizados, para atendimento de famílias com renda até
5 salários mínimos, financiando projetos de iniciativa de COHABs e Prefeituras.
Como se observou, diversos fatores podem ser apresentados para
explicar essas oscilações que contribuíram de maneira expressiva nos números de
unidades habitacionais financiadas: os prolongados períodos de instabilidade
121
econômica, conjugados com altas taxas de inflação; queda no nível de trabalho e renda;
taxas de juros elevadas; Planos econômicos e principalmente a ausência de uma
Política Habitacional de longo prazo e sustentável.
Tabela 15: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas
ANOS
1.964
1.965
1.966
1.967
1.968
1.969
1.970
1.971
1.972
1.973
1.974
1.975
1.976
1.977
1.978
1.979
1.980
1.981
1.982
1.983
1.984
1.985
1.986
1.987
1.988
1.989
1.990
1.991
1.992
1.993
1.994
1.995
1.996
1.997
1.998
1.999
2.000
2.001
2.002
2.003
2.004
TOTAL
FONTE DE RECURSOS
FGTS
SBPE
8.618
16.732
20.279
5.466
52.832
27.556
83.236
55.126
108.517
49.958
73.144
84.086
59.059
58.531
47.804
76.685
61.178
96.623
35.937
60.268
77.417
64.512
164.353
109.410
209.709
58.004
276.516
58.133
274.238
108.985
366.808
260.534
198.514
266.884
282.384
258.745
32.685
44.562
43.551
42.807
25.005
34.652
44.350
62.312
99.227
132.005
98.249
181.834
31.617
68.086
165.617
74.993
359.719
41.050
43.801
64.869
4.256
53.708
61.384
16.550
46.594
30.020
38.286
172.214
35.487
204.032
39.368
179.858
35.131
280.040
36.465
243.757
35.567
193.355
28.790
186.221
38.936
176.534
53.434
5.047.933
2.949.826
Fonte: Caixa (2004)
TOTAL
8.618
16.732
25.745
80.388
138.362
158.475
157.230
117.590
124.489
157.801
96.205
141.926
273.763
267.713
337.649
383.223
627.342
465.398
541.129
77.247
86.358
59.657
106.662
231.232
280.083
99.409
240.610
400.769
108.670
57.964
61.384
63.144
68.306
207.701
243.400
214.989
316.505
279.324
222.145
225.157
229.698
8.000.192
122
Porém, de todos os aspectos abordados o fato que do total de
financiamentos concedidos, apenas cerca 25% das unidades destinou-se à população
com renda familiar mensal de até 5 salários mínimos é a constatação que mais exige
atenção pois é justamente nessa faixa salarial que se concentra o déficit habitacional.
Outra análise que deve ser feita na produção habitacional federativa é
em relação a fontes de recursos, ou seja, a proporção entre o que é produzido com
recursos FGTS e SBPE. Na tabela 15 tem-se a produção habitacional no período
correspondente ao início de operação do SFH até 2004, com a segmentação dos
valores referentes ao FGTS e SBPE.
Analisando-se os números observa-se que os recursos do FGTS
sempre foram preponderantes em relação aos destinados pelo SBPE e verifica-se que
a produção com recursos SBPE foi maior somente em anos em que o sistema é
sacudido por crises econômicas, que também acabam por afetar a contratação no
SBPE. Concentrando-se no período que é nosso objeto de estudo (1996 - 2004),
constata-se que no ano de 1996 foram financiadas ao todo 68.306 unidades
habitacionais no Brasil. Desse total, 30.020 produzidas com recursos oriundos do
FGTS. Esse foi o ano com a menor aplicação de recursos FGTS no período analisado,
sendo o volume de contratações do SBPE superior ao do FGTS, caracterizando uma
inversão na proporção apresentada para os demais períodos. Tal situação deve-se ao
histórico anterior da aplicação de recursos do FGTS, que após apresentar a maior
contratação de sua história em 1991 entrou em um período de forte recessão nos anos
seguintes.
A contratação recorde no FGTS em 1991 foi resultado da reforma
administrativa empreendida pelo Governo Collor, resultando em uma descoordenação
institucional do setor habitacional. A responsabilidade pela habitação ficou pulverizada
123
em um grande número de órgãos, com atuações muitas vezes conflitantes. Os vários
programas habitacionais empreendidos no período mostraram-se, mais uma vez,
inadequados e incapazes de atender a parcela da população mais atingida pelo déficit.
Especialmente a política adotada pela Ministra Margarida Procópio do Ministério da
Ação Social que propiciou a oferta de moradias por intermédio do Plano de Ação
Imediata para a Habitação (PAIH), o qual se notabilizou pela inadimplência apresentada
posteriormente.
A utilização inadequada dos recursos do FGTS, nos anos de 1990 e
1991, teve conseqüências graves sobre as possibilidades de expansão do
financiamento habitacional, reduzindo a aplicação dos recursos em 1992 e praticamente
levando à suspensão por dois anos (1993 e 1994) de qualquer financiamento com
recursos do Fundo, tendo em vista a necessidade de ampliar a saúde financeira do
FGTS, que, após o primeiro ciclo expansivo de 30 anos, começava a apresentar um
desequilíbrio entre saques e contribuições. A partir de 1995 com a implantação dos
novos programas desenvolvidos no governo de FHC houve uma retomada na
contratação, como se observará a seguir.
3.2.2 Número de unidades habitacionais produzidas no governo FHC
Embora de forma bastante tímida, o ano de 1996 marca o início da
retomada dos financiamentos após um período de quase total estagnação.
O gráfico 4 demonstra a evolução da produção habitacional ocorrida no
governo FHC. Do ponto de vista quantitativo, o governo FHC registra um número de
124
financiamentos habitacionais muito superior aos das gestões anteriores do período
democrático. A prioridade na liberação de recursos diretamente ao consumidor final
através do Programa Carta de Crédito apresentou uma guinada com relação à cultura
do financiamento habitacional produzindo grandes benefícios a milhares de brasileiros.
Gráfico 4: Unidades Produzidas Governo FHC
Fonte: Caixa/Bacen (2004)
Das 30.020 unidades produzidas em 1996 com recursos FGTS,
conforme tabela 16, 2.780 foram produzidas de forma associativa e 27.240 foram
financiadas de forma individual diretamente aos interessados. A produção ainda foi
pequena para atender a demanda, mas como o sistema estava paralisado por vários
anos, foi necessária a adoção de várias medidas para a implantação do novo programa
Carta de Crédito em todo o território, o que demandou esforço de divulgação da medida
e treinamento de funcionários habilitados, uma vez que a antiga estrutura habitacional
125
transferida do BNH para a CAIXA6 havia sido desmontada. Era o início de uma etapa de
contrações, baseada em regras transparentes e de acesso a todos os cidadãos, tanto
que o programa perdura até então.
Tabela 16: Contratação Programa Carta de Crédito 1996
PROGRAMAS - 1996
FGTS – IMÓVEL NA PLANTA
FGTS – INDIVIDUAL
Totalizadores
Fonte: Caixa (2005)
Contratos
2.780
27.240
30.020
Valor de
Financiamento
46.238.075,89
366.666.516,50
412.904.592,40
No ano de 1997 a contratação global com recursos FGTS e SBPE ficou
em torno das 207.701, apresentando o significativo crescimento de mais 300% em
relação ao ano de 1996. A política implementada pelo governo FHC começa a surtir
efeito e os novos programas demonstram ganhar aderência, tanto por parte dos
agentes implementadores, quanto da população que, diante das novas medidas
divulgadas, começa a contrair os financiamentos disponíveis.
Tabela 17: Contratação Programa Carta de Crédito 1997
PROGRAMAS - 1997
Contratos Valor de Financiamento
FGTS – IMÓVEL NA PLANTA
26.703
407.553.721,31
FGTS - INDIVIDUAL
145.511
2.770.696.743,85
Totalizadores
172.214
3.176.288.718,16
Fonte: Caixa (2005)
As 172.214 unidades financiadas representam a maior contratação
após 1991 e sinalizam uma recuperação dos financiamentos com recursos FGTS.
Desse total, 26.703 unidades foram contratadas na modalidade imóvel na planta e
145.511 referem-se a contratos na forma individual.
6
Agente financeiro habilitado a operar o programa Carta de Crédito FGTS.
126
No ano de 1998 manteve-se a tendência de crescimento chegando a
204.032 unidades contratadas. Analisando-se as contratações realizadas nesse ano,
verifica-se que o valor total dos financiamentos liberados, ao contrário do número de
unidades contratadas, caiu em relação ao ano de 1997. Tal constatação se deve ao
valor por financiamento individual ter diminuído bastante no ano de 1998, possibilitando
o atendimento de um maior número de famílias, principalmente através da implantação
da modalidade material de construção, o que facilitou ainda mais o acesso aos
financiamentos com recursos do FGTS.
Tabela 18: Contratação Programa Carta de Crédito 1998
PROGRAMAS - 1998
FGTS – IMÓVEL NA PLANTA
FGTS - INDIVIDUAL
Totalizadores
Fonte: Caixa (2005)
Contratos
37.610
166.422
204.032
Valor de
Financiamento
636.921.435,01
1.651.843.664,64
2.288765.099,65
A pequena queda de contratações no âmbito do FGTS ocorrida no ano
de 1999, quando se contratou 179.858 unidades, em torno de 11% menos que em
1998, ocorreu também no âmbito das contratações dos recursos do SBPE, e são
conseqüência da crise econômica e financeira ocorrida no País em 1998, bem como da
modificação das regras de utilização do FGTS. A modificação foi necessária para
preservar a saúde do fundo, uma vez que o fluxo de recursos do FGTS é fortemente
pró-cíclico, já que é composto por um percentual da folha de salários, reduzindo-se com
o aumento do desemprego e, ainda, com o aumento dos saques por parte dos
trabalhadores demitidos.
As contratações na modalidade imóvel na planta permaneceram
praticamente inalteradas em relação a 1998, revelando que a construção civil ainda
127
mantinha reservas quanto ao formato do programa implantado em 1996. A modalidade
imóvel na planta depende totalmente do interesse das empresas de construção civil
para ser produzida e não somente dos adquirentes finais.
Tabela 19: Contratação Programa Carta de Crédito 1999
PROGRAMAS - 1999
FGTS - IMÓVEL NA PLANTA
FGTS - INDIVIDUAL
Totalizadores
Fonte: Caixa (2005)
Contratos Valor de Financiamento
36.434
800.002.216,49
143.424
1.304.973.244,03
179.858
2.104.975.461,52
No ano de 2000 verifica-se a maior contratação de financiamento desde
1991, tanto em relação aos recursos FGTS quanto aos recursos SBPE, atingindo
316.505 unidades. São produzidas 280.040 unidades financiadas com recursos FGTS,
43.195 foram na modalidade imóvel da planta e 236.845 unidades na modalidade de
financiamento individuais.
Tabela 20: Contratação Programa Carta de Crédito 2000
PROGRAMAS - 2000
FGTS - IMÓVEL NA PLANTA
FGTS - INDIVIDUAL
Totalizadores
Fonte: Caixa (2005)
Contratos
43.195
236.845
280.040
Valor de
Financiamento
1.046.261.149,97
2.421.050.153,72
3.467.311.304,68
A política de contratação manteve-se em 2001 quando a contratação
com recursos FGTS foi de 243.757, já apresentando leve queda nas duas modalidades
em relação ao ano de 2000.
Tabela 21: Contratação Programa Carta de Crédito 2001
PROGRAMAS - 2001
FGTS - IMÓVEL NA PLANTA
FGTS - INDIVIDUAL
Totalizadores
Fonte: Caixa (2005)
Contratos Valor de Financiamento
29.268
814.636.226,88
214.489
2.108.212.760,78
243.757
2.922.848020,66
128
O ano de 2002 marca o fim do governo FHC; a instabilidade
econômica agravada pela iminente transição de governo se fez sentir também nas
contratações de financiamentos habitacionais. Em relação ao ano de 2001 ocorreu uma
queda em torno de 20%, representando uma redução na produção equivalente a 50.000
unidades. A contratação individual caiu de 214.489 para 175.519 unidades. No imóvel
na planta a queda foi ainda mais marcante demonstrando a incerteza dos empresários
da construção civil quanto ao cenário econômico futuro.
Tabela 22: Contratação Programa Carta de Crédito 2002
PROGRAMAS - 2002
FGTS - IMÓVEL NA PLANTA
FGTS - INDIVIDUAL
Totalizadores
Fonte: Caixa (2005)
Contratos Valor de Financiamento
17.836
567.293.023,38
175.519
2.400.982.416,18
193.355
2.968.275.439,56
De fato, a performance da modalidade imóvel na planta merece uma
análise à parte: no que diz respeito à concessão de créditos, para a produção de
empreendimentos habitacionais, modalidade essa que envolve diretamente as
empresas da Construção Civil a produção fica muito aquém do esperado. Pela analise
da tabela 23, verifica-se que o volume de operações firmadas com os empresários da
Construção Civil apresenta relevante retração com significativo declínio das operações
associadas a programas habitacionais destinados à produção de empreendimentos.
Essa tendência se confirma, pois, produtos lançados, como o Imóvel na Planta CCFGTS, não obtiveram a aderência esperada e o seu desempenho tem ficado muito
abaixo da expectativa.
129
Tabela 23: Contratação Programa Carta de Crédito FGTS Imóvel na Planta
ANO
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
Contratos
2780
26703
37610
36434
43195
29268
17836
Fonte: Caixa (2005)
Valor de Financiamento
46.238.075,89
407.553.721,31
636.921.435,01
800.002.216,49
1.046.261.149,97
814.636.226,88
567.293.023,38
Para compreender melhor a situação é necessário se fazer uma
retrospectiva, onde se verifica que o fator que melhor explica a situação foi a mudança
ocorrida no mercado habitacional após o caso Encol7. Até então as instituições
financeiras liberavam os recursos financeiros diretamente para as construtoras, que
produziam o empreendimento e somente no desligamento8 transferiam para o
adquirente final. Hodiernamente, como se verificou, o financiamento é concedido
diretamente para o mutuário final sendo que a construtora deve comprovar que possui
os recursos financeiros necessários para concluir o empreendimento.
Analisando-se o resultado da produção habitacional dos governos FHC
e retomando-se a orientação ideológica inicial que norteavam os pensamentos e
discursos do candidato Fernando Henrique Cardoso, os oito anos do governo serviram
para demonstrar que embora tenham sido implementadas políticas econômicas que se
assemelhavam ao liberalismo econômico, as políticas públicas mantiveram sua
orientação que originalmente se dizia social-democrata.
7
A Encol era a maior empresa de construção e incorporação do Brasil, faliu no final da década de 90
lesando 42 mil famílias que compraram seus imóveis os quais não foram entregues. O caso Encol é a
maior falência de uma empresa não bancária na América do Sul. Para obter mais detalhes consultar o
livro Falência do Incorporador Imobiliário – O Caso Encol do advogado Hamilton Quirino, Editora Lúmen
Júris, 2004.
8
Desligamento é a última fase do desenvolvimento de um empreendimento imobiliário, quando a obra
é liberada para Habite-se
130
A política habitacional implantada retomou a produção habitacional,
fortaleceu a implantação de programas que permanecem em vigor até o presente e
afastam o governo FHC de um modelo de neoliberalismo que se apresenta como um
caminho de desenvolvimento econômico e de modernização capitalista que se efetiva
necessariamente às expensas de injustiças sociais e do agravamento das grandes
desigualdades.
3.2.3 Números de unidades habitacionais produzidas no governo LULA
O ano de 2003 marcou o primeiro ano do governo Lula. Diante das
expectativas de como se apresentariam as políticas públicas para habitação no novo
governo as contratações praticamente continuaram no ritmo do ano anterior, os valores
das contratações também não apresentaram alterações consideráveis no segundo ano
de governo (2004), conforme se verifica no gráfico 5.
131
Gráfico 5: Unidades Habitacionais Produzidas no Governo Lula
Fonte: Caixa/BCB (2005)
As contratações no ano de 2003 apresentaram pequena queda,
principalmente na modalidade imóvel na planta, para a qual a atuação das construtoras
é decisiva: a menor atuação num ano pós-eleitoral explica-se, tendo-se em vista que o
prazo de maturação de um projeto imóvel na planta é em torno de 6 meses.
Tabela 24: Contratação Programa Carta de Crédito 2003
PROGRAMAS - 2003
FGTS - IMÓVEL NA PLANTA
FGTS - INDIVIDUAL
Totalizadores
Fonte: Caixa (2005)
Contratos Valor de Financiamento
11989
410.714.134,55
174232
2.441.691.862,60
186.221
2.852.405.997,15
Em 2004 as contratações apresentaram o mesmo perfil do ano anterior,
inclusive com uma ligeira involução na faixa de 5% no total de unidades contratadas
(vide tabela 25).
Além da própria produção, outro desafio do Governo Federal foi
verificar onde estavam os dificultadores que impediam a retomada dos financiamentos
habitacionais, uma vez que LULA não invocou o compromisso popular da prioridade do
social na política habitacional:
132
Tabela 25: Contratação Programa Carta de Crédito 2004
PROGRAMAS - 2004
FGTS - IMÓVEL NA PLANTA
FGTS - INDIVIDUAL
Totalizadores
Fonte: Caixa (2005)
Contratos Valor de Financiamento
11470
425.655.509,57
165064
2.290.663.800,49
176.534
2.716.319.310,06
Os resultados da produção habitacional permitem inferir que o
socialismo defendido por LULA ao longo de sua militância política não foi adotado como
prática de governo. Lula se confundia com o PT que era um partido eminentemente
ético, que podia se definir como um partido de esquerda humanista e cristã, mas, ao
chegar ao governo, mudou suas práticas, as quais estão identificadas com as
ideologias social-democrata e neoliberal, mantendo a mesma mescla de seu
antecessor. Essa forte herança de FHC que Lula assumiu ao manter a mesma política,
debilitou a base social de apoio com que somente ele poderia contar para viabilizar a
prioridade das políticas sociais.
3.3 DESTINAÇÃO DOS RECURSOS POR FAIXA DE RENDA
A análise quanto ao atendimento das políticas habitacionais com
relação ao perfil do déficit merece destaque no cenário da produção habitacional. A
necessidade de reposição, de acréscimo e de melhoria do estoque de moradias mostrase, assim, como um grande desafio.
Tomando-se o período ocorrido entre os dois últimos censos
demográficos, 1991/2000, verifica-se que o déficit habitacional sofreu um incremento
133
médio anual de 172,7 mil unidades, enquanto, no mesmo período foram produzidas, em
média, 174 mil unidades por ano, conforme tabela 26.
Tabela 26: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas – Total
ANOS
1.991
1.992
1.993
1.994
1.995
1.996
1.997
1.998
1.999
2.000
TOTAL
Fonte: Caixa (2005)
TOTAL
400.769
108.670
57.964
61.384
63.144
68.306
207.701
243.400
214.989
316.505
1.743.135
A produção deveria, portanto, ter evitado o aumento do déficit, mas isso
não ocorreu, em parte, porque a produção destinou-se à faixas de renda que não têm
grande peso na composição do déficit .
Gráfico 6: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas
Fonte: Caixa (2005)
134
Aprofundando a analise das operações contratadas no programa Carta
de Crédito FGTS no período de 1996 a 2004, de acordo com a faixa de renda da família
tomadora, verifica-se que somente nas modalidades material de construção e aquisição
de lotes, a contratação na faixa de renda até 5 SM foi superior a faixa de 5 a 10 SM.
A tabela 27 apresenta a contratação realizada de 1996 a 2005, no
Programa Carta de Credito Imóvel na Planta por faixa de renda.
Tabela 27: Total por Faixa de Renda – Imóvel na Planta
Faixa
A - Até 05 SM
B - De 05,01 até 10 SM
C - De 10,01 até 15 SM
D - De 15,01 até 20 SM
E - Acima de 20 SM
Totalizadores
Fonte: Caixa (2005)
Contratos
57712
89855
53497
21265
495
222.824
Valor de
Finan. Médio
Financiamento
750.963.588,58
13.012,26
1.810.607.133,43
20.150,32
1.923.401.643,54
35.953,45
869.879.560,36
40.906,63
19.255.949,10
38.900,91
5.374.107.875,01
24.118,17
Fica evidenciado que somente 26% dos contratos foram destinados às
famílias com renda até 5 SM, sendo que o déficit apontado pela FJP para esta faixa de
renda equivale a 91,9%, e o maior volume de contratos (40%) foi destinado à famílias
com renda de 5 a 10 SM, onde o déficit é de 5,8 %. A maior parte do volume de
recursos no montante de R$ 2.813.083.574,10,( o que representa mais de 50% do
volume total aplicado no período), foi destinada à famílias com renda superior a 10 SM,
faixa onde o déficit praticamente inexiste, pois representa somente 2,3 % do déficit total.
As operações de material de construção respondem pelo maior volume
de contratos no período estudado; a tabela 28 traz o volume de recursos destinado à
aquisição de material para construção ou conclusão de unidade habitacional. O
expressivo volume de 265.336 contratos na faixa de até 5 SM é um indicativo de que
135
essa faixa populacional está tendo acesso a algum tipo de crédito. Certamente a
facilidade de contratação, bem como a não exigência da regularização do imóvel para
contrair o financiamento, seriam os principais responsáveis pelo sucesso do produto
junto ao público de menor renda.
Tabela 28: Total por Faixa de Renda – Material de Construção / Construção
Faixa
A - Até 05 SM
B - De 05,01 até 10 SM
C - De 10,01 até 15 SM
D - De 15,01 até 20 SM
E - Acima de 20 SM
Totalizadores
Fonte: Caixa (2005)
Contratos Valor de Financiamento Finan. Médio
265336
1.330.956.876,59
5.016,12
90934
520.715.948,50
5.726,31
9051
52.947.690,01
5.849,93
431
2.391.675,42
5.549,13
539
3.076.302,25
5.707,43
366.291
1.910.088.492,77
5.214,67
A tabela 29 indica o volume de contratações do mesmo produto,
material de construção, porém refere-se a financiamentos de material de construção
destinados à melhoria de imóvel existente. O volume de contratações também é bem
pulverizado concentrando-se na faixa de renda até 5 SM e apresenta um valor médio
por contrato na faixa de renda até 5 SM de R$ 4.222,41.
Tabela 29: Total por Faixa de Renda – Material de Construção / Melhoria
Faixa
Contratos
A - Até 05 SM
B - De 05,01 até 10 SM
C - De 10,01 até 15 SM
D - De 15,01 até 20 SM
E - Acima de 20 SM
Totalizadores
Fonte: Caixa (2005)
243945
89288
11725
434
520
345.912
Valor de
Finan. Médio
Financiamento
1.030.035.629,47
4.222,41
431.916.005,36
4.837,34
58.826.969,66
5.017,23
2.071.203,18
4.772,36
2.573.722,48
4.949,47
1.525.423.530,15
4.409,86
A aquisição de lote, por sua vez foi o produto de maior procura
proporcionalmente, na faixa de renda que apresenta o maior déficit (5SM). Foi uma
136
modalidade bastante procurada por famílias com renda até 5 SM pelo baixo valor do
financiamento. A média é de 7 mil reais; pois é uma operação viável para famílias com
renda baixa e que não conseguem maior capacidade de endividamento.
Tabela 30: Total por Faixa de Renda – Lote
Faixa
A - Até 05 SM
B - De 05,01 até 10 SM
C - De 10,01 até 15 SM
D - De 15,01 até 20 SM
E - Acima de 20 SM
Totalizadores
Fonte: Caixa (2005)
Contratos
30360
9208
699
7
4
40.278
Valor de
Finan. Médio
Financiamento
213.652.221,49
7.037,29
63.853.951,27
6.934,62
4.909.350,68
7.023,39
36.575,00
5.225,00
23.800,00
5.950,00
282.475.898,44
7.013,16
Porém, trata-se de uma operação que não garante o acesso à moradia,
tanto que no ano de 2005, as operações foram suspensas para contratação na
modalidade individual, uma vez que a família comprometia a renda para pagamento das
prestações sem resolver seu problema de moradia própria.
No financiamento para construção de novas unidades, a concentração
das contratações está nas famílias com renda de 5 a 10 SM, que acabam tomando 52%
dos recursos aplicados na modalidade no período de 1996/2005.
Tabela 31: Total por Faixa de Renda – Construção
Faixa
A - Até 05 SM
B - De 05,01 até 10 SM
C - De 10,01 até 15 SM
D - De 15,01 até 20 SM
E - Acima de 20 SM
Totalizadores
Fonte: Caixa (2005)
Contratos
27975
36172
9595
877
174
74.793
Valor de
Finan. Médio
Financiamento
360.995.127,55
12.904,20
699.726.168,84
19.344,41
251.938.295,44
26.257,25
30.584.898,13
34.874,46
4.916.755,53
28.257,22
1.348.161.245,49
18.025,23
Por tratar-se do produto que de fato, gera uma nova unidade
habitacional, esta modalidade ainda é muito pouco procurada. Tanto que durante todo o
137
período analisado foram concedidos somente 74.793 financiamentos para novas
construções. Apesar da maioria dos recursos ser destinados às faixas de renda acima
de 5 SM, é considerável as 27.975 unidades que as famílias de até 5SM conseguiram
financiar.
Na modalidade reforma de imóvel foram concedidos somente 5.919
financiamento no período, a baixa procura de explica pela burocracia e custo, muito
maior nesta operação, em relação ao material de construção.
Tabela 32: Total por Faixa de Renda –Construção / Reforma
Faixa
A - Até 05 SM
B - De 05,01 até 10 SM
C - De 10,01 até 15 SM
D - De 15,01 até 20 SM
E - Acima de 20 SM
Totalizadores
Fonte: Caixa (2005)
Contratos Valor de Financiamento Finan. Médio
1726
17.759.145,34
10.289,19
3241
41.839.030,19
12.909,30
858
11.088.291,13
12.923,42
73
956.506,49
13.102,83
21
294.613,13
14.029,20
5.919
71.937.586,28
12.153,67
A aquisição de imóvel novo também não conseguiu atender a parcela
da população que reforça a pirâmide do déficit habitacional, pois apenas pouco mais de
10% do total de recursos investidos na operação foram destinados às famílias de até 5
SM, concentrando-se a contratação nas famílias de 5 a 10 SM.
Tabela 33: Total por Faixa de Renda – Imóvel Novo
Faixa
A - Até 05 SM
B - De 05,01 até 10 SM
C - De 10,01 até 15 SM
D - De 15,01 até 20 SM
E - Acima de 20 SM
Totalizadores
Fonte: Caixa (2005)
Contratos
21713
52998
26535
4957
611
106.814
Valor de
Financiamento
326.893.352,34
1.316.169.179,10
976.059.491,75
228.486.783,13
25.571.447,98
2.873.180.254,30
Finan. Médio
15.055,19
24.834,32
36.783,85
46.093,76
41.851,80
26.898,91
A operação de aquisição de imóvel usado é a modalidade mais
procurada e a que consome o maior volume de recursos do sistema. A análise da
138
tabela 22 é desestimuladora sob o enfoque do combate ao déficit. A contratação está
voltada para famílias com renda superior a 5 SM;
somente 137.435 dos 554.139
contratos assinados foram para famílias de até 5 SM e o volume de recursos destinado
à essa faixa foi inferior a 16% do total, com valor médio de financiamento no mínimo
40% menor. Para piorar ainda mais a situação, a destinação destes recursos não
representa a criação de uma nova unidade habitacional.
Tabela 34: Total por Faixa de Renda – Imóvel Usado
Faixa
A - Até 05 SM
B - De 05,01 até 10 SM
C - De 10,01 até 15 SM
D - De 15,01 até 20 SM
E - Acima de 20 SM
Totalizadores
Fonte: Caixa (2005)
Contratos
137435
311525
97841
5361
1977
554.139
Valor de
Financiamento
1.775.505.136,30
6.845.268.098,09
2.606.465.377,11
139.362.359,31
51.531.273,63
11.418.132.244,44
Finan. Médio
12.918,87
21.973,41
26.639,81
25.995,59
26.065,39
20.605,18
Como se verifica, a parcela da população que tem menos necessidade
obtém a maior parcela dos recursos do FGTS destinados para habitação, sendo que os
recursos do FGTS estão fortemente concentrados na modalidade individual onde são
mais utilizados para aquisição de imóvel usado e no financiamento de material de
construção. Dessa forma, a aplicação dos recursos, em ambos os casos, acaba por não
ser um fator positivo, pois a aquisição de unidades usadas e a compra de material de
construção, não denotam num primeiro momento a produção de novas unidades
habitacionais para redução do déficit habitacional.
Outro fator que deve ser levado em conta é a distribuição regional das
contratações. De acordo com o CCFGTS – Conselho Curados do FGTS, a distribuição
dos recursos para contratação por área de aplicação deve atender a seguinte
proporção:
139
-
Habitação Popular 60%;
-
Saneamento Básico e Infra-Estrutura Urbana 30%;
-
Operações Especiais 10%.
A Resolução do CCFGTS de nº 289, de 30.06.98, e suas alterações,
estabeleceu diretrizes para a aplicação dos recursos. Sendo que 20% dos recursos
destinados à habitação popular serão dirigidos para as famílias com renda de até R$
1.000,00.
De acordo com o levantamento efetuado pelo Ministério das Cidades
(2005), conforme demonstrado na tabela 35, a região Nordeste apresenta 31,94% do
déficit quantitativo e deveria receber 29,46% das contratações, porém contratou no
período de 1995-2003 somente 14,90% do total Brasil. Já a região Sudeste contratou
61,33% do total Brasil, quando possui um déficit quantitativo de 41,69% e deveria ter
contratado 47,49% de acordo com a Resolução 2889/98 do CCFGTS.
Tabela 35: Distribuição Regional de Contratações – 1995-2003/ RES 289/98 / Déficit
Quantitativo / Carência de Infra-Estrutura.
Distribuição regional N
das contratações
1,81 %
1995-2003
Resolução 289/98
5,25 %
CCFGTS
Déficit quantitativo
7,59 %
Carência de infra11,35 %
estrutura
NE
SE
S
CO
Total
14,90 % 61,33 % 15,69 % 6,28 % 100 %
29,46 % 47,49 % 11,82 %
5,98 %
100 %
31,94 % 41,69 % 10,88 % 7,88 %
39,08 % 21,00 % 14,31 % 14,32 %
100 %
100 %
Fonte: Ministério das Cidades (2004)
As regiões Sul e Sudeste efetuam contratações superiores ao
regulamentado enquanto Norte e Nordeste que possuem carências de infra-estrutura
bem superiores as demais regiões ficaram com volume de contratações inferior.
140
A constatação é de que as contratações não atenderam aos requisitos
emanados pela Resolução 289/98 do CCFGTS nem as reais necessidades apontadas
pelo Déficit quantitativo e pela carência de infra-estrutura.
3.3.1 Destinação dos recursos por faixa de renda no governo FHC
A tabela 36 apresenta a contratação no programa Carta de Crédito
realizada no ano de 2001 distribuída por faixa de renda.
Tabela 36: Distribuição dos recursos por faixa de renda – Governo FHC 2001
Faixa
A - Até 05 SM
B – De 05,01 até 10 SM
C – De 10,01 até 15 SM
D – Acima de 15 SM
Totalizadores
Fonte: CAIXA (2005)
Contratos
120.609
87.300
30.327
5.521
243.757
Das 243.757 unidades produzidas, somente 120.609 foram destinadas
às famílias com renda até 5SM, ou seja, somente 49% dos contratos foram destinados
às famílias com renda até 5 SM, sendo que, o déficit apontado pela FJP para essa faixa
de renda equivale a 91,9%.
A situação se repete em 2002 como se verifica na tabela 37, quando
novamente somente 48% dos contratos foram destinados para as famílias que
representam a maior faixa do déficit.
141
Tabela 37: Distribuição dos recursos por faixa de renda - Governo FHC 2002
Faixa
A - Até 05 SM
B – De 05,01 até 10 SM
C – De 10,01 até 15 SM
D – Acima de 15 SM
Totalizadores
Fonte: Caixa (2005)
Contratos
91.879
81.195
16.160
4.121
193.355
A análise dos números produzidos durante todo o governo FHC permite
concluir que essa dinâmica se operou durante todo o período, independentemente do
volume contratado, conforme se verifica na tabela 38.
Tabela 38: Total por Faixa de Renda –Total Geral– Governo FHC
Faixa
A - Até 05 SM
B - De 05,01 até 10 SM
C - De 10,01 até 15 SM
D – Acima de 15 SM
Totalizadores
Fonte: Caixa (2005)
Contratos
614.466
528.366
145.304
15.140
1.303.276
Nos anos de 1996, 1997 e 1998 a preponderância das contrações foi
para famílias com salários acima de 5 SM, o que no resultado geral do período revela
números bastantes aproximados par as contratações com famílias de até 5 SM e de 5 a
10 SM. À medida que foram passando os anos o governo FHC foi conseguindo atender
famílias com menor faixa salarial. A implantação de novas modalidades de
financiamento, especificamente o material de construção, contribuiu para esse aumento
no atendimento de famílias com menor renda.
Na análise individual por ano, apresentam-se somente os números
referentes aos anos de 2001, 2002 e o total geral, pelo fato de não se dispor dos dados
dos anos anteriores segmentados, que estão disponíveis somente por período. Porém,
se considera que a análise da distribuição das contratações por todo o período dos
governos FHC, seja suficiente para comprovar a necessidades da criação de
142
mecanismos que permitam o acesso ao financiamento pelas famílias onde, realmente,
está situado o déficit, ou seja, primordialmente famílias com até 3 SM.
3.3.2 Destinação dos recursos por faixa de renda no governo LULA
A análise da distribuição dos recursos por faixa de renda no governo
Lula permite verificar que no aspecto distribuição de recursos por faixa de renda, a
política habitacional não foi uma exata continuidade da política adotada por FHC. Em
que pese ser necessário considerar que durante o governo FHC já havia uma tendência
a diminuir a faixa de renda das famílias atendidas pelo programa, o ano de 2003 revela
uma considerável concentração da contratação na faixa até 5 SM, o que representou
56% do volume contratado contra 48% alcançado pelo governo FHC em 2002.
Tabela 39: Distribuição dos recursos por faixa de renda – Governo Lula – Total
2003
Faixa
Contratos
A - Até 05 SM
104.648
B – De 05,01 até 10 SM
65.380
C – De 10,01 até 15 SM
11.997
D – Acima de 15 SM
4.196
Totalizadores
186.221
Fonte: CAIXA (2005)
Em 2004 a contratação com famílias com renda de até 5 SM foi ainda
mais acentuada do que em 2003. Conforme a tabela 40, dos 176.534 contratos
assinados, 122.952 foram assinados com famílias com a menor faixa de renda,
representando 70% do total contratado no ano.
143
Tabela 40: Distribuição dos recursos por faixa de renda – Governo Lula – 2004
Faixa
A - Até 05 SM
B – De 05,01 até 10 SM
C – De 10,01 até 15 SM
D – Acima de 15 SM
Totalizadores
Contratos
122.952
39.544
11.964
2.074
176.534
Fonte: CAIXA (2005)
Esta seria a principal conquista do governo Lula em relação ao governo
FHC no combate ao déficit habitacional. Quando se analisa o principal programa
habitacional desenvolvido com recursos do FGTS,
o Carta de Crédito, que tem como
objetivo atender às faixas de renda mais baixas, onde se concentra o maior déficit, se
verifica que os recursos aplicados por faixa de renda não foram correspondentes aos
respectivos déficits.
Essa herança traz elementos positivos, mas, também, preocupantes. A
situação habitacional do país vem exigindo atuação mais efetiva do poder público, em
especial na produção de moradias e em sua adequação às necessidades habitacionais.
Os dados revelam que a produção habitacional não beneficiou as camadas mais
carentes da população, sobretudo as que percebem até 3 salários mínimos.
Mais grave ainda é que esse segmento, além de apresentar condições
habitacionais bastante críticas, encontra-se, atualmente, sem acesso a qualquer
mecanismo de construção e de melhorias habitacionais, exceto os de caráter
meramente
assistencial.
Em
uma
sociedade
profundamente
hierarquizada
e
extremamente desigual como a brasileira não se deve padronizar as necessidades de
moradias para os diferentes estratos de renda, inclusive para os chamados setores
populares.
Nesse sentido, autores como (MARICATO, 2001; ROLNIK, 1997,
SANTOS, 1999) apontam como entraves ao acesso à moradia, a necessidade de
144
contrair empréstimos para viabilizar a aquisição da casa própria e a dificuldade para
aprovação do crédito devido a insuficiência de renda e a informalidade no mercado de
trabalho. As estatísticas confirmam que as favelas têm taxas de desemprego muito
superiores às dos moradores do asfalto, o emprego sem carteira assinada é maior e os
salários, menores. Na Rocinha, por exemplo, a renda domiciliar per capta é de R$
219,95 por mês. Significa que uma família de quatro pessoas não chega a ganhar R$
900,00 quantia insuficiente para arcar com uma prestação da casa própria, que
costuma comprometer de 25% a 30% da renda mensal.
Por outro lado, o mercado não tem como financiar famílias que ganhem
menos de cinco salários-mínimos. Esse segmento depende de subsídio governamental;
a questão requer ações de governo, uma política pública voltada especificamente para
a população de baixa renda. As famílias com renda a partir de oito salários-mínimos
são atendidas pelo mercado. Porém essa parcela representa
10% do mercado. A
solução neste caso é política pública.
De maneira geral, os programas habitacionais podem ser inviabilizados
caso outras políticas urbanas, como as de transporte, energia elétrica, esgotamento
sanitário e abastecimento de água, não sejam integradas aos programas (AZEVEDO,
1990). Em muitas ocasiões, o principal entrave à melhoria das condições de moradia
não se encontra vinculada à habitação, mas sim às deficiências de serviços públicos de
consumo coletivo (saneamento, rede de água, esgoto, etc.). Nesse sentido, discute-se a
própria nomenclatura de déficit habitacional, que no sentido tradicional induz
equivocadamente às expectativas de enfrentar a questão da moradia de forma setorial,
além de camuflar a complexa realidade de uma quantificação padronizada.
Pelo fato da Constituição Federal, no seu Artigo 23, item IX, (BRASIL,
2002) determinar que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal
145
e dos Municípios “promover programas de construção de moradias e a melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico”, e o artigo 6° considerar a moradia
um direito social fundamental, se pode concluir que, mantidas as condições atuais, a
atuação do setor púbico no setor habitacional está longe de atingir o controle da
situação. (VILLAÇA, 1986).
Para melhor entender essa realidade e o tamanho do desafio que se
impõe, a Fundação João Pinheiro (2004) estabeleceu alguns pressupostos para vencer
a questão do déficit habitacional; sendo que o principal deles é a necessidade de
implantação de políticas populares diferenciadas, que variam da autoconstrução
individual à oferta de conjuntos prontos, passando por programas de lotes urbanizados,
financiamentos de materiais de construção, reformas de unidades já existentes,
regularização fundiária e cooperativas de construção, entre outros.
Existe uma necessidade de dar maior centralidade às políticas
capazes de atender as famílias que se encontram economicamente desfavorecidas,
que respondem hoje por parcela significativa do déficit habitacional e das inadequações
habitacionais. Essas famílias não se beneficiam dos programas públicos habitacionais
voltados para os setores populares por diferentes motivos, como os altos índices de
inadimplência, baixo nível de mobilização política, baixo poder de pressão sobre o
poder público, menor controle sobre recursos estratégicos etc. (FUNDAÇÃO JOÃO
PINHEIRO, 2004).
As casas populares são ainda muito caras para a maioria das famílias
de baixa renda, mesmo se considerando os subsídios diretos e indiretos. Os programas
alternativos de habitação popular são uma das formas de tentar responder às
necessidades habitacionais das populações de baixa renda. Isso significa priorizar
programas mais baratos, com maior participação do poder público através de subsídios
146
diretos ou indiretos, bem como a adoção de procedimentos universalistas de seleção
dos candidatos e de criatividade para incentivar diferentes formas possíveis de
contrapartida da população beneficiada por esses programas.
A Fundação João Pinheiro (2004), ressalta também a necessidade de
interface da política habitacional para os setores de baixa renda com outras políticas
urbanas. Essa abordagem surge em função da interdependência da questão da
moradia com outras esferas recorrentes e complementares para melhorar as condições
habitacionais da população mais pobre. Esses programas podem ser inviabilizados
caso outras políticas urbanas, como de transporte, energia elétrica, esgotamento
sanitário e abastecimento de água, não sejam integradas a eles.
O processo decisório da política federal de habitação popular para ser
eficaz e lograr a legitimidade necessária para a sua implementação adequada necessita
levar em conta a viabilidade de consensos entre os diversos atores envolvidos, tanto os
governos sub-nacionais como a população organizada. Nesse sentido, a busca de uma
política nacional de habitação popular deve levar em conta também as relações entre
os três níveis de governo, incluindo os poderes legislativos, além de articulações
institucionais com outros atores relevantes como agências internacionais e com
organizações públicas não governamentais, ONG’s, associações civis, etc.
147
CONSIDERAÇÕES
Ao longo do desenvolvimento deste estudo, verificou-se que para a
aferição das necessidades habitacionais o primeiro passo é o conhecimento da
demanda, para definição de prioridades nas políticas voltadas para os setores de maior
vulnerabilidade social.
A expansão urbana é resultado de uma dinâmica de conflitos e
negociações entre os atores envolvidos que, mesmo com diferentes interesses, vão se
associar de acordo com o problema. A formação das políticas públicas, a divulgação
dos resultados alcançados e a consolidação das informações provenientes das diversas
fontes e sistemas envolvidos na produção habitacional acarretam uma incrível dança de
números - que alguns preferem denominar de guerra de números. Essa falta de dados
mais precisos dos programas executados pelos diversos níveis de governo e pela
iniciativa privada, e de um sistema de informações que venha a possibilitar a troca de
dados no nível institucional, dificultam um adequado diagnóstico habitacional.
A concentração da população nas grandes cidades brasileiras mostrase agravada pelos efeitos perversos decorrentes do perfil de distribuição de renda e
pela ausência de políticas públicas de habitação e desenvolvimento urbano. Por não se
conseguir atender as necessidades básicas instaladas, amplia-se a falta de infraestrutura adequada e a precariedade das habitações resultam em condições de vida
indigna para os moradores e na deterioração e degradação dos recursos naturais.
Ao longo do estudo se constata que a trajetória do setor habitacional no
Brasil tem sido marcada por drásticas reformas administrativas, o que tem impedido a
implementação adequada de políticas públicas federais e provocado deficiências na sua
148
coordenação. Ao mesmo tempo, tem-se também como conseqüência a desarticulação
institucional no âmbito do governo federal e nas demais esferas de governo, relegando
o assunto habitação à soluções paliativas e emergenciais, sem no entanto implantar
política coerente e duradoura.
Apesar da constante criação de novos programas, tanto as políticas
habitacionais desenvolvidas pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso, nas duas
gestões, quanto as desenvolvidas no Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, não
conseguem dar uma resposta satisfatória ao desafio de prover acesso à moradia para
as populações de mais baixa renda.
O fracasso deriva de diversos fatores, em uma dimensão do fato de se
ter mantido a visão da casa como uma mercadoria a ser vendida para uma clientela,
clientela que no caso do déficit existente, não tem como pagar pelo produto, uma vez
que a grande maioria dos cidadãos de baixa renda apresenta grande dificuldade para
conseguir crédito habitacional, em parte devido a sua restrita capacidade de
pagamento, associada ao custo das operações de financiamento.
Mesmo que vencido esse primeiro obstáculo ainda enfrenta-se a
dificuldade para a implementação de programas habitacionais com custos acessíveis à
população de até 3 SM, mesmo sem considerarmos o aspecto do custo da construção,
o próprio terreno mostra-se hoje como principal elemento obstaculizador. O poder
público, de maneira geral, não possui terrenos para a implementação dos
empreendimentos. A aquisição de áreas, por sua vez, tem se apresentado de difícil
viabilidade devido ao alto custo dos terrenos que estão inseridos em malha atendida por
infra-estrutura básica – condição para implantação de conjuntos habitacionais.
Dessa forma, a solução para atendimento da população que responde
pelo déficit habitacional, passa pela complexidade e diversidade dos temas que
149
envolvem o desenvolvimento urbano como um todo, ou seja, a elaboração de planos
diretores que de fato utilizem os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade e
definam o uso adequado, racional e sustentável da terra.
As políticas habitacionais desenvolvidas pelos governos federais
estudados refletiram a falta de uma diretriz clara, que demonstre vontade política do
governo federal em resolver o problema da habitação no país, o que se reflete nas
políticas estaduais e municipais que não conseguem evoluir sozinhas, pois dependem
dos recursos federais, de parceiros como a Caixa Economia Federal, ou de emendas
de parlamentares para liberar recursos necessários aos seus programas.
A equação da questão habitacional da população de baixa renda exige
a flexibilização de regulamentação criadas, seja pelo Conselho Curador do FGTS, ou
por outras instâncias, para que a produção de moradias populares seja atrativa para
empresas do setor privado, aumentando as parcerias.
A solução para atender à defasagem de oferta de moradias para a
população de baixa renda continua distante, pois os mecanismos adotados exigem o
comprometimento de entes que nem sempre possuem as condições exigidas. Tal
situação normalmente ocorre envolvendo municípios e estados das regiões mais pobres
que não conseguem oferecer a contrapartida necessária para fazer uso nem dos
recursos federais disponibilizados.
A população por si só, tem se mostrado mais capaz de enfrentar o
problema, ainda que, em parte, de forma ilegal ou irregular, mediante a adoção de
sistemas de autofinanciamento, autoconstrução, produção de pequenos e médios
construtores, e outros. Mas, esse tipo de solução, não só compromete a plena
realização das funções urbanas, como retardam o desenvolvimento local e nacional,
150
pois vai demandar, no futuro, uma ação do poder público para corrigir estes desvios,
que será muito mais onerosa do que seria sua prevenção.
Além disso, existe uma parcela da população que necessita da
intervenção direta do Estado, pela concessão parcial ou total de subsídio. Nesse caso,
o problema maior é quem irá conceder o subsídio, se somente a União ou se os
estados e os municípios irão assumir parte do ônus.
Mesmo no segmento populacional que abrange as famílias que
possuam alguma capacidade financeira para contrair financiamento, a atuação do
Estado, mesmo que minimamente intervencionista, deve ser no sentido de proporcionar
estabilidade e credibilidade para o mercado captar recursos e financiar o incremento
das moradias, garantindo condições econômico-financeiras para que as famílias
conheçam e tenham percepção favorável quanto ao comportamento futuro de suas
rendas e seus empregos.
Isso implica dizer que não bastam empresas capacitadas a produzir
imóveis, recursos disponíveis para financiamento e famílias que não tenham onde
morar ou que desejam adquirir outro imóvel. É importante concluir que o financiamento
compatível com o setor habitacional, com característica de longo prazo, pressupõe
condições macroeconômicas de estabilidade de preços com taxas de juros moderadas.
Atualmente, o governo vem cumprindo o primeiro papel; no entanto, a questão fiscal
ainda não resolvida impede que os juros baixem sem evitar um aquecimento de
demanda.
Na análise das políticas habitacionais de FHC e LULA, percebe-se
quase que uma continuidade na linha de atuação; a do governo LULA concentrou
esforços na regulamentação das políticas urbanas que direta ou indiretamente
beneficiam a habitação, porém ainda sem construir grandes resultados na prática. O
151
setor habitacional, notadamente o direcionado para as faixas de interesse social, tem
recebido significativo volume de dotações orçamentárias e prioridades via subsídios.
Porém, a forma de disponibilização desses recursos e a falta de sintonia institucional
entre os diversos órgãos gestores, financeiros e promotores da política habitacional e
de desenvolvimento urbano têm dificultado o atendimento ao grande contingente da
população brasileira que hoje necessita de moradia.
No plano do discurso, as diretrizes das políticas habitacionais dos
governos de FHC e LULA não são tão diferentes. Mas, existe um ponto substancial de
diferença. No caso de LULA, a política habitacional ocupou um lugar central em seu
governo, tendo em vista a criação de um ministério para tanto: o ministério das cidades.
Desta forma, pode-se concluir que em termos de organograma institucional, o governo
do PT deu muito mais prioridade ao tema da habitação do que a gestão do PSDB.
Mas, será que isto se verifica no plano dos números? Neste caso não.
Podemos perceber claramente que o montante de recursos destinados aos programas
de moradia dos dois governos é praticamente o mesmo. Aliás, devemos destacar o fato
de que foi o governo FHC que voltou a priorizar o investimento em habitação, já que
este estava praticamente estagnado nos anos 80. Somente em 1996, no segundo ano
do governo FHC, com a implantação do Programa Carta de Crédito FGTS que se
verifica a implantação de uma política clara de atuação governamental com o objetivo
de tratar da questão habitacional.
Certamente, a descentralização da aplicação dos recursos com
financiamento diretamente ao consumidor final, foi a medida de maior efetividade
adotada pelo governo FHC em relação a política habitacional. A mudança foi positiva
não somente nos financiamento individuais, mas também nas operações coletivas onde
152
o financiamento também era contratado com o mutuário final e não com as construtoras
como anteriormente.
A alteração dos critérios técnicos na liberação de recursos adotada no
governo FHC permite uma maior acessibilidade por parte dos cidadãos, garante que o
dinheiro será utilizado para a função a que se destina, além de se obter uma maior
produtividade, pois cada beneficiado é fiscal da aplicação do recurso que vai lhe
beneficiar.
Essa postura em relação à política habitacional permitiu ao governo
FHC produzir 1.615.514 unidades habitacionais nos oito anos de governo,
representando uma média de 201.939 unidades/ano, sendo que somente com recursos
FGTS foram 1.319.826 unidades no período com uma média de 164.978 unidades/ano.
O governo Lula produziu nos anos de 2003 e 2004 um total de 454.855
mil unidades habitacionais, com uma média anual de 227.427 unidades, apresentando
uma média anual ainda maior que no governo FHC. Se não houve um acentuado
incremento, houve a manutenção da produção anual que se apresenta em números
bastante razoáveis.
A produção habitacional apresentada tanto no governo FHC quanto no
governo LULA, teria sido suficiente para fazer frente ao aumento do déficit habitacional,
que de acordo com os censos demográficos, de 1991 e 2000, sofreu um incremento
médio anual de 172,7 mil unidades.
Porém, se no plano dos números absolutos a diferença entre os dois
governos não é tão grande, isto se modifica no que tange a relação entre recursos do
FGTS e faixa de renda. O que se pode perceber é que no governo de LULA a
prioridade passou a ser as camadas de baixa-renda, o que não acontecia de forma
substancial no governo FHC, comparando-se os dois últimos anos do governo FHC
153
com os dois primeiros do governo Lula, verifica-se que nos dois anos FHC apenas 42%
dos contratos foram feitos com famílias com renda até 5 SM, já nos dois anos do
governo Lula 70% dos contratos foram assinados com famílias até 5 SM, o que
representa a prioridade na aplicação dos recursos exatamente para a faixa de renda
onde se localiza o déficit habitacional.
Diante dos dados acima, não podemos afirmar que o governo de FHC
foi um governo neoliberal, no sentido estrito do termo. Na visão do liberalismo
econômico, o Estado deve abandonar suas funções sociais, que cabem aos indivíduos.
Não é o que fez o governo de FHC que voltou a investir fortemente na área da
habitação, depois de uma década e meia de estagnação de investimentos nesta área.
Neste sentido, o governo LULA apenas continua uma política que já havia sido
estabelecida antes. Portanto, as políticas habitacionais destes governos podem ser
qualificadas de "social-democratas" na medida em que partem da idéia de que o Estado
deve oferecer bem estar aos cidadãos e garantir seus direitos sociais básicos, entre
eles o da habitação. Esta é a essência da social-democracia. De qualquer forma,
governo LULA avançou em relação ao governo FHC em um ponto extremamente
importante: o direcionamento do financiamento em direção as camadas de baixa renda.
Neste sentido, este governo parece estar aprofundando o modelo (social-democrata)
inaugurado por Fernando Henrique Cardoso.
Garantir à cada família brasileira uma moradia digna não é tarefa de
fácil realização. A análise da ação do governo Lula serve, não para condenar
previamente o governo, mas para evidenciar que a prática é muito diferente do discurso
e que as dificuldades de estar no comando são infinitamente maiores que as bravatas
da oposição.
154
A atuação, tanto de governos, quanto da sociedade civil, se for
fragmentada e apenas local, não tem perspectiva de uma solução em curto prazo para
a solução do déficit habitacional discutido neste estudo acadêmico, pois são desafios
que exigem a atuação focalizada, integrada e articulada de órgãos formuladores e
executores da política nacional de habitação, no âmbito federal e nas demais esferas de
governo.
A falta de sintonia na ação governamental tem provocado desperdício
de recursos e gerando programas de viabilidade duvidosa, muitas vezes concorrentes
entre si, desorientando os agentes locais, quando em busca de recursos e soluções
habitacionais para as famílias pobres.
Dessa forma, as Instituições, sejam elas Prefeituras, CAIXA ou outros
entes que venham a desenvolver as políticas públicas, deverão ser institucionalmente
fortalecidas para poderem assumir suas obrigações constitucionais e legais e atender
aos anseios da sociedade. A exclusão social é combatida pelo fortalecimento da
capacidade das pessoas e comunidades de satisfazer suas necessidades, resolver
seus problemas e melhorar sua qualidade de vida.
155
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análise comparativa das políticas habitacionais nos governos