A IGREJA DA MISERICÓRDIA E O ESTILO CHÃO PORTUGUÊS:
UM ESTUDO SOBRE ARQUITETURA RELIGIOSA NA PARAÍBA SEISCENTISTA
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca Central - Campus I - Universidade Federal da Paraíba
C837i
Costa, Séfora Maria Nunes da.
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba
seiscentista / Séfora Maria Nunes da Costa. - João Pessoa,
2009.
79 f.: il.
Orientadora: Carla Mary da Silva Oliveira
Monografia (graduação) - Universidade Federal da Paraíba
(UFPB /CCHLA / DH) - Licenciatura Plena em História,
2009.
1. História da Paraíba (aspectos culturais). 2. Paraíba Período Colonial. 3. Paraíba - Irmandades. I. Autor. II.
Título.
UFPB/BC
CDU 94(813.3) (043.2)
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA
A IGREJA DA MISERICÓRDIA
E O ESTILO CHÃO PORTUGUÊS:
UM ESTUDO SOBRE ARQUITETURA RELIGIOSA
NA PARAÍBA SEISCENTISTA
Séfora Maria
Nunes da Costa
João Pessoa - PB
Agosto de 2009
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA
A IGREJA DA MISERICÓRDIA
E O ESTILO CHÃO PORTUGUÊS:
UM ESTUDO SOBRE ARQUITETURA RELIGIOSA
NA PARAÍBA SEISCENTISTA
Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura Plena
em História, do Centro de Ciência Humanas, Letras e
Artes da Universidade Federal da Paraíba - UFPB, em
cumprimento às exigências da disciplina Metodologia
da História II, como requisito parcial para a obtenção do
grau de Licenciado.
Autora: Séfora Maria Nunes da Costa
Orientadora: Profª Dra. Carla Mary da Silva Oliveira
João Pessoa - PB
Agosto de 2009
SÉFORA MARIA NUNES DA COSTA
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
Monografia aprovada em _____ / ______ / ________
Média Obtida: __________
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
Profª Dra. Carla Mary S. Oliveira
Departamento de História - Universidade Federal da Paraíba
(Orientadora - Membro da Banca Examinadora)
_______________________________________________
Prof. Dr. Ângelo Emílio da Silva Pessoa
Departamento de História - Universidade Federal da Paraíba
(Membro da Banca Examinadora)
_______________________________________________
Profª Dra. Cláudia Engler Cury
Departamento de História - Universidade Federal da Paraíba
(Membro da Banca Examinadora)
À minha mãe pela dedicação de sempre.
III
AGRADECIMENTOS
Ler, pesquisar, escrever e fotografar, ações que se tornaram muito mais fáceis na
medida em que tive o apoio de muitos que fazem parte da minha vida.
Agradeço a Ramsés e Nina pela inspiração em escolher a História como uma de
minhas profissões. Pelas discussões e orientações desde o início.
As minhas amigas Dennise, Joana e Mery Angela que sempre estavam dispostas a
me escutar nos momentos de dúvida e dificuldades no decorrer deste trabalho. Agradeço
também, aos meus amigos da UFPB, pela amizade de sempre e as opiniões acerca da
metodologia a ser utilizada na pesquisa.
A Inácio Nunes pelas fotografias da Igreja da Misericórdia que ilustram de forma
tão nítida os elementos deste monumento da história paraibana meus sinceros
agradecimentos.
A Professora Carla Mary, pelo conhecimento sobre Arte que tanto me inspirou a
prosseguir com esta pesquisa.
Por fim, agradeço a Ismael Soares, que mesmo fazendo parte das ciências exatas,
sempre esteve disponível a ouvir minhas idéias tão históricas.
YZ
IV
Bem-aventurados os misericordiosos
porque eles alcançarão a misericórdia
de Deus (Evangelho de Mateus 5,7).
V
LISTA DE FIGURAS
Figura 01
Figura 02
Figura 03
Figura 04
Figura 05
Figura 06
Figura 07
Figura 08
Figura 09
Figura 10
Figura 11
Figura 12
Figura 13
Figura 14
Figura 15
Figura 16
Figura 17
Figura 18
Figura 19
Figura 20
Figura 21
Figura 22
Igreja de São Vicente de Abrantes.............................................................
Igreja de São Vicente de Fora....................................................................
Igreja do Espírito Santo de Évora..............................................................
Igreja de São Roque de Lisboa...................................................................
Antiga igreja jesuíta da cidade de Salvador...............................................
Fachada da Igreja de Nossa Senhora da Graça, em Olinda (PE) ..............
Fachada da Igreja de São Cosme e São Damião, em Igarassu (PE) .........
Detalhe de “Frederyce Stadt”....................................................................
Localização de alguns pontos referenciais e das ruas da Filipéia,
identificados sobre cartografia holandesa de c. 1640.................................
Fachada da Igreja da Santa Casa de Misericórdia da Paraíba....................
Planta-Baixa da Igreja da Misericórdia......................................................
Varanda da Igreja da Misericórdia. Elemento repetido nas janelas da
nave central................................................................................................
Fachada da Igreja da Misericórdia.............................................................
Brasão da Coroa portuguesa no alto do Arco-cruzeiro..............................
Base da coluna do Arco-cruzeiro do Altar-Mor........................................
Altar da Capela do Salvador do Mundo.....................................................
Altar da Capela do Salvador do Mundo.....................................................
Altar lateral do Sagrado Coração de Jesus.................................................
Altar-Mor da Igreja da Misericórdia..........................................................
Pintura do foro da nave da Igreja de N. S. da Misericórdia.......................
Nossa Senhora da Misericórdia. Óleo sobre madeira, século XVI............
Elemento do forro da Nave principal.........................................................
YZ
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VI
RESUMO
A IGREJA DA MISERICÓRDIA E O ESTILO CHÃO PORTUGUÊS:
UM ESTUDO SOBRE ARQUITETURA RELIGIOSA NA PARAÍBA SEISCENTISTA
Na colonização da Paraíba a presença eclesiástica foi de fundamental importância. No
seu traçado, nas construções e monumentos que fazem parte do cotidiano da cidade
podem ser percebidas diversas características que nos remetem a isso. Em consonância
estão as igrejas de diversas irmandades. Contudo, o estudo das representações que
formalizam o espaço urbano é primordial para uma melhor compreensão da história
local. O presente trabalho analisa, portanto, os elementos simbólicos e artísticos da
Igreja da Santa Casa de Misericórdia da Paraíba. Edifício este que faz parte de uma
Instituição e que também se fez presente desde o início da colonização com obras
assistenciais, velando pelo bem-estar espiritual e corporal dos mais necessitados, mas
também daqueles que dela lhes concediam bens. Desse modo, realizou-se um estudo da
história da Igreja e dos aspectos sociais, econômicos e políticos da capitania entre o
século XVI e XVIII, como também, um levantamento dos elementos que lhe constitui.
Utilizando-se como base aspectos teóricos que permeiam o Estilo Chão Português e o
Maneirismo. Isso se deve ao fato de que há um intenso debate sobre as similitudes e
divergências que caracterizariam o partido arquitetônico da Igreja em estudo. Ao
delinear esse campo estrutural que está encontrada nessa construção podemos lançar as
bases para o entendimento de qual estilo ela pertence, bem como, entender as
representações sociais que possui em seus detalhes. Em traços simples e formas
delineadas a Igreja da Misericórdia se apresenta como um meio para entender as bases
sociais da Paraíba, as particularidades e semelhanças que tem em relação a outras
representantes no Nordeste.
Palavras-Chave: Igreja da Misericórdia; Estilo Chão; Urbanismo; Irmandades
Coloniais; Paraíba; Séculos XVII e XVIII.
YZ
VII
ABSTRACT
THE MERCY CHURCH AND PORTUGUESE ‘CHÃO’ STYLE:
AN ANALYSIS ABOUT RELIGIOUS ARCHITECTURE
TH
IN 17 CENTURY PARAÍBA
In Paraíba’s colonization the ecclesiastical presence was vital. In its route in buildings
and monuments are part of everyday city may be hiding various characteristics that we
refer to this. In line are churches of various brotherhoods. However, the study of the
representations that formalize the urban area is vital to a better understanding of local
history. This work examines therefore symbolic and artistic elements of the Church of
the Mercy Holy House of Paraíba. Building this forming part of an institution and has
done this since the beginning of colonization with assistive works, ensuring spiritual
well-being and corporal punishment of the most needy, but also those who gave
donations to the institution. Thus, a study of church history and social, economic and
political of captaincy between the 16th century and 18th centuries, but also, a survey of
it is. Using based on theoretical aspects that permeate floor Portuguese style and
Mannerism. There’s an intense debate on the equalities and differences about
architectural characteristics of the Church being studied. To outline this structural field
is found in this construction can lay the foundations for understanding what style it
belongs, as well as understand social representations that has in its details. In simple
strokes and forms outlined the Mercy Church presents itself as a means to understand
the social bases of Paraíba, the particularities and similarities that has in relation to other
representatives in the Brazilian Colonial Northeast.
Keywords: Mercy Church; “Chão” Style; Colonial Urbanism; Colonial
Brotherhoods; Paraíba; 17th and 18th centuries.
YZ
VIII
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS ................................................................................................... V
RESUMO ..................................................................................................................... VI
ABSTRACT ............................................................................................................... VII
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................1
2. O ESTILO CHÃO PORTUGUÊS E SUAS REPRESENTAÇÕES ........................6
2.1 - Estilo Chão e o Maneirismo: similitudes e divergências .................................6
2.2 - Representações do Estilo Chão Português no Brasil .....................................14
3. A SANTA CASA DE MISERICÓRDIA: UMA INSTITUIÇÃO DO MUNDO
COLONIAL LUSITANO .........................................................................................21
3.1 - As origens da Irmandade de Nossa Senhora da Misericórdia. .....................21
3.2 - A Santa Casa de Misericórdia no Brasil e nas Colônias Ultramar ..............27
3.3 – A Santa Casa de Misericórdia da Paraíba: uma instituição leiga em uma
sociedade religiosa. .............................................................................................33
3.3.1 - Aspectos sociais e econômicos da Paraíba. ..........................................34
3.3.2 - Duarte da Silveira: contribuições na fundação da capitania.............39
3.3.3 - Santa Casa da Paraíba: a instituição. ..................................................43
4. A IGREJA DA MISERICÓRDIA: UMA ANÁLISE DA ARQUITETURA CHÃ
NA PARAÍBA. ...........................................................................................................48
4.1 - A Igreja da Misericórdia: registros sobre sua construção. ...........................48
4.2 – Necessidades e simplicidade: os elementos do complexo eclesiástico da
Santa Casa de Misericórdia da Paraíba...........................................................52
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................63
6. REFERÊNCIAS .........................................................................................................66
Sítios eletrônicos consultados ...................................................................................67
YZ
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
1
1. INTRODUÇÃO
A colonização no Brasil ocorreu simultaneamente à catequização do gentio e da
montagem de uma estrutura eclesiástica que possibilitasse o pleno domínio da Igreja
Católica. No século XVI o surgimento das heresias protestantes abalou o dogmatismo
da Igreja. Como formas de reação foram instituídas diversas medidas que fortalecessem
o Catolicismo Romano. Ou seja, conseguir mais fiéis e não perder os adeptos foram
metas a serem cumpridas. Para incentivar o desenvolvimento da capitania da Paraíba o
governador, Frutuoso Barbosa, concedeu às diversas irmandades aldeamentos recémfundados e incentivou a construção de igrejas (MEDEIROS e SÁ, 1999, p. 29).
Para realizar este objetivo as irmandades religiosas edificaram suas sedes para
que possuíssem mensagens bíblicas, como também, que retratassem a presença católica
e os desígnios que deveriam ser seguidos. De modo implícito as figuras, ornamentos,
arquitetura e organização estavam baseadas nesses preceitos. Estas imagens atendiam a
uma população não letrada que deveria ser catequizada e, principalmente, educada a
servir aos seus superiores, ou seja, à Igreja e à Monarquia.
A capitania da Paraíba, na sua colonização, recebeu diversas influências
religiosas. As construções eclesiais estão presentes de forma significativa na
organização urbanística da cidade. A Igreja da Santa Casa de Misericórdia da Paraíba se
apresenta nesse contexto como uma das mais antigas da capitania. Desde sua origem
passou por diversas reformas que foram constatadas nas recentes obras de restauração
através de pesquisa arqueológica, descobrindo-se resquícios que podem traçar novos
paradigmas acerca de sua história.
Através de análises dos materiais que formam as fundações da igreja atual, os
pesquisadores que participaram de seu restauro constataram que no local houve
sucessivas construções, ou seja, a igreja edificada pelo governador Duarte da Silveira
foi apenas o início. Esta capela original e simples teria sido utilizada apenas no começo
da colonização. No século XVII, após sua demolição, iniciou-se a construção de uma
igreja maior, que ainda tinha traços remanescentes da primitiva. Esta afirmativa pode
comprovar a afirmação de Elias Herckmans de que a igreja ainda estava em construção
em 1639, já que se conhece documentos que já citavam o prédio 50 anos antes
(CANTO, 2007, p. 03).
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
2
Possuindo características do estilo chão português, a capela representa as ideias
da sociedade que se modificava na Europa e que procurava meios de catequizar através
das imagens. Na igreja podem ser percebidas diversas pinturas e adereços que se
configuram harmonicamente a fim de transmitir ao fiel a imagem do sagrado. Este
monumento histórico, contudo, não foi estudado em sua plenitude. Os trabalhos
realizados sobre a Santa Casa de Misericórdia da Paraíba abordam principalmente suas
as origens, estrutura e peculiaridades, incluindo os serviços que disponibilizava à
população, as representações junto ao poder local e sua importância na Capitania. Isto
demonstra o valor que esta instituição teve na formação da Paraíba.
Analisando as representações que esta igreja tem em seu interior podemos
entender como se constituía a sociedade de que ela faz parte. A atual igreja, mesmo
tendo sofrido diversas modificações, ainda possui traços originais que auxiliam neste
estudo. Os elementos arquitetônicos e artísticos que a compõem podem demonstrar,
dessa forma, o simbolismo de uma época. Isto a torna parte constituinte da história da
cidade.
Utilizando a perspectiva histórica de que a memória de uma localidade é
fundamental para a formação da identidade de uma população. Ou seja, as pessoas se
identificam com os monumentos com que convivem através de uma afetividade que
muitas vezes é questionada quando se coloca em pauta a urbanização e, até mesmo,
posterior destruição dessas edificações (ORIÁ apud CURY, 2002, p. 90). A proposta
deste trabalho se pautou em entender os elementos que fazem parte da Igreja da
Misericórdia, como também, a própria formação da Santa Casa da Paraíba.
Para um melhor entendimento das questões arquitetônicas que envolvem o
edifício em estudo foi necessário delimitar o contexto em que este surgiu, ou seja, a
própria colonização da Paraíba, os aspectos econômicos e sociais que possibilitaram o
surgimento de uma Santa Casa em uma capitania que ainda sofria com as guerras de
conquista.
As discussões sobre a Igreja permeiam a fina linha divisória entre os estilos
arquitetônicos. O Estilo Chão Português e o Maneirismo se tornam presentes nesse
debate. Muitos pesquisadores abordam qual seria o real partido aplicado nesta
edificação. Contudo se esquecem de que sua construção ocorreu de forma paulatina,
atravessando períodos cujos limites não se percebem. As relações que envolvem o
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
3
financiamento da construção por parte das elites e do Estado também devem ser
inseridas nesse contexto. Ou seja, a Igreja da Misericórdia tem em seus elementos
características de diversos estilos que se constituíram na medida em que as necessidades
e a disponibilidade eram colocadas em questão.
Essa confluência de elementos coloca em pauta a função desta igreja na sociedade
colonial. Aliado a isso está à presença da Santa Casa, instituição existente em todo o
reino português cuja importância para a Coroa era demonstrada nos privilégios que esta
lhe concedia. Serviços de caridade e direcionamento espiritual eram a base da
Irmandade da Misericórdia. Delimitar a origem desta se tornou primordial para entender
a organização na capitania de uma instituição desse porte e, consequentemente, de uma
igreja que recebe fiéis até hoje.
Através de um levantamento fotográfico e de um aporte teórico sobre o Estilo
Chão e seus representantes no Brasil, foi possível traçar algumas similitudes que tornam
esse monumento um objeto de estudo importante para a história local. Distante da
percepção das linhas rudes e básicas, que tantos concordam, foi possível perceber que
nesta Igreja existem elementos de uma arquitetura colonial voltada para a catequização,
ou seja, simples, mas repleta de significados.
YZ
No primeiro capítulo, “O Estilo Chão Português e suas representações”, foram
abordados os conceitos do Estilo Chão Português e o Maneirismo. Ambos os partidos
arquitetônicos permeiam o mesmo período. As obras que destes fazem parte podem
possuir diversidade em seus elementos, sendo de difícil separação. O surgimento de um
estilo particular em Portugal foi estimulado pela necessidade em simplificar as formas e
volumes utilizados a fim de aplicá-los na construção de diversas igrejas.
No Brasil, existem diversas obras desses dois estilos. A presença de um arquiteto
português na construção dos templos católicos, principalmente jesuítas, colocou-os em
sintonia com os padrões da metrópole. Ao mesmo tempo em que o Estilo Chão se
constituía como partido arquitetônico do Reino as construções eclesiásticas se
intensificavam no Brasil. Desse modo, cria-se um estilo próprio que era regido pelas
normas portuguesas, mas principalmente, pelas condições econômicas e sociais de cada
localidade.
YZ
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
4
No segundo capítulo, “A Santa Casa de Misericórdia: uma instituição do mundo
colonial lusitano” procurou-se entender o surgimento dessa Irmandade que foi de
primordial importância perante a Coroa. Seu papel caritativo tem em suas
reminiscências as práticas medievais de assistência aos pobres e de oração pelas almas.
Mesmo possuindo um caráter religioso as questões que envolvem sua origem e
organização atingem as elites, o Estado português e a Igreja Católica. Delimitar suas
ações e sua organização foi primordial para o melhor entendimento desta instituição no
âmbito local.
Posteriormente, abordamos a presença da Santa Casa no Brasil. Esta ocorreu em
sincronia com a instalação das cidades e de todo o aparato necessário para o pleno
desenvolvimento da colônia. Ou seja, ao passo que a catequização do gentio ocorria e a
urbanização aumentava a população, as tensões sociais emanavam de modo a trazer a
tona medidas de contenção das necessidades mais urgentes. Desse modo, diversas
Misericórdias foram sendo construídas em consonância com as diretrizes da Matriz
Lisboeta.
Como o objeto principal deste trabalho é a Igreja da Misericórdia da Paraíba,
sendo a mesma parte componente da Santa Casa deste local, foi discutido, com mais
ênfase suas origens. No entanto, primeiramente optou-se por descrever a instalação da
Coroa na capitania de Filipéia de Nossa Senhora das Neves, a sociedade e a economia
desta nos primeiros anos de colonização.
Neste processo a presença de membros da elite pernambucana foi a base da
constituição social da capitania. Os investimentos destes se pautaram na construção de
engenhos e do próprio núcleo urbano. Nisto se insere a figura de Duarte Gomes da
Silveira, que participou deste processo e fundou a Santa Casa da Paraíba, bem como, a
sua Igreja. Desse modo, foram analisadas suas ações a fim de explicitar a importância
desta instituição no meio colonial.
Devido ao fato de haverem poucos trabalhos sobre a Santa Casa foi utilizado,
principalmente, a pesquisa de Seixas (1987). Sendo assim explicitou-se as práticas desta
Irmandade, que estavam em consonância com as determinações de Portugal. Ou seja, as
formas com que eram atendidos os necessitados, a construção do hospital, a “roda dos
expostos” e o atendimento religioso.
YZ
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
5
No capítulo “A Igreja da Misericórdia: uma análise da arquitetura Chã na
Paraíba”, primeiramente procurou-se expor os registros sobre a construção deste
templo religioso. Sendo alvo de diversas reformas sua estrutura primitiva, no entanto,
foi descoberta pela última restauração a que foi submetida. Sua importância na colônia
se pautou nos momentos em que era colocada como Matriz da capitania. Os
investimentos que se seguiram fizeram desta um monumento que presenciou diversos
momentos importantes da História da cidade.
Portanto, buscou-se entender seu papel perante o traçado urbano da cidade, que
em comunhão com outras igrejas trouxe questionamentos acerca do papel da Igreja
durante a instalação do Estado na capitania. Em seguida foram identificados os
elementos que constituem a Igreja da Misericórdia. Através disto analisou-se a
influência dos diversos estilos arquitetônicos, bem como, das soluções que as
necessidades da catequese exigiam na estruturação do ambiente.
YZ
Nas “Considerações finais” foi abordado de forma sucinta os resultados que se
obteve com a análise dos diversos componentes que formam a Igreja da Misericórdia.
Como também, traçou-se um paralelo de como está organizada a Santa Casa hoje, sua
assistência filantrópica e espiritual. Aliado a isto se encontra as questões de preservação
do patrimônio, que estão se inserindo no cotidiano da população, e a abertura de novos
horizontes de estudo sobre esta instituição e suas partes constituintes.
YZ
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
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2. O ESTILO CHÃO PORTUGUÊS E SUAS REPRESENTAÇÕES
2.1 - Estilo Chão e o Maneirismo: similitudes e divergências
No período compreendido entre o final do século XV e início do século XVI, a
Europa presenciou o surgimento de pensamentos questionadores sobre a Igreja Católica.
A chamada Reforma Protestante se estabeleceu em diversos países, de modo a
“converter”, não somente populares, mas também membros da aristocracia e reis. Desse
modo, os clérigos de Roma procuraram revisar seus preceitos, como também, articular
medidas que impedissem o avanço dessas novas religiões. As idéias se conflitavam em
meio a conceitos e questionamentos, ou seja, no Renascimento “o mundo é o objeto do
pensamento humano” (ARGAN, 2005, p. 48), pois quando se conhece a natureza chegase a Deus mais facilmente, já que este é o seu Criador.
A idéia de que a razão humana estaria vinculada à lógica divina se torna aos
poucos defasada a partir do século XVI. Desse modo, “cada fenômeno agora se
apresenta como um fato em si, limitado, mas dotado de vida, de uma força de apelo que
nunca teve antes” (ARGAN, 2005, p. 48). Nesse contexto, as diversas opiniões que
surgem sobre o mundo criam divergências e divisões, ou seja, “os reformistas limitam a
autonomia individual revogando o princípio do livre-arbítrio, os católicos indicam que a
fé e o culto de massa com as melhores defesas contra a tentação da heresia” (ARGAN,
2005, p. 49).
A partir da percepção católica de que a Reforma chegava a proporções alarmantes,
tomou-se a decisão de convocar um Concílio em Trento (1545-1563). Nele ficaram
estipulados os ajustes e normas a que a Igreja Romana se submeteria para contrapor-se
ao avanço do protestantismo. No que diz respeito às artes recomendou-se a austeridade,
de modo a refutar a idéia protestante de superficialidade sensorial que a arte possuía.
Em justificativa a isso Toledo aplica a idéia de René Huyghe:
A arte pode seduzir a alma, pertubá-la e encantá-la, emociona-lá nas
profundezas não percebidas pela razão, que isso se faça em beneficio
da fé! O protestantismo em sua secura exigente desdenhava as
necessidades da vida sensível, então, preenchê-las para comover,
acordar, drenar para a fé os impulsos mais obscuros possíveis das
almas. (HUYGHE apud TOLEDO, 1983, vol. 1, p. 94)
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
7
Na arquitetura foram criadas diversas formas de utilização do espaço como forma
de persuasão desenvolvendo ligações entre o exterior e o interior do edifício. No caso da
fachada ela representará o que espera o espectador dentro da igreja, por exemplo. A
técnica será, portanto o diferencial desse período, pois “fenomeniza o pensamento e,
portanto, a presença de Deus no pensamento; e, como o fenômeno que manifesta Deus é
o milagre, a técnica é um motivo propício à produção do milagre” (ARGAN, 2005, p.
132).
A organização da cidade como elemento de luta pela Contra Reforma foi
também um dos meio utilizados. Os edifícios, igrejas, ruas e praças passaram a ser
edificadas segundo normas da Igreja Romana. No caso português, o fortalecimento da
capital era imprescindível para a nova administração filipina. Devido a isso “a cidade
vai sofrer, a partir de 1581, o estímulo do crescimento pautado pela sua reorganização
urbanística e pela erecção de vestuosos palácios e edifícios religiosos, que em absoluto
lhe irão alterar as facies” (SERRÃO, 2002, p. 222).
Baseado em princípios artísticos surgidos na Península Itálica, a reação às
representações do Alto Renascimento se pautaram em um estilo chamado de Maneirista.
Este é alvo de diversas discussões, principalmente pelo fato de que está localizado entre
dois períodos divergentes, são estes o Renascimento e o Barroco. Contudo, como afirma
Zanini, utilizando as teorias de Victor Tapié, não se deve procurar os antagonismos
entre os períodos, mas “as zonas de indeterminadas de transição ou de contaminação”1
(TAPIÉ apud TOLEDO, 1983, vol. 1, p. 92). Nessas zonas podemos encontrar o
Maneirismo, que se fez presente nas obras portuguesas durante o período reformista2.
No Renascimento as proporções do corpo eram a base dos edifícios, sua
concepção de espaço era formada por figuras geométricas elementares e sua
composição era completa e racional, ou seja, não permitia sobreposição de peças
estruturais. No Barroco as dimensões se modificam em detrimento da emotividade, suas
proporções não estão presentes na natureza, a flexibilidade da linha curva e a dinâmica
de seus volumes transmitem ao espectador ilusão do ilimitado. Em meio a isso o
Maneirismo se propõe a romper com os ideais renascentistas, retirando os elementos
1
2
O texto original: “les zones indetérminées de frange ou de contamination”.
O maneirismo foi um movimento de crise da forma e o barroco procurou retomar os valores perdidos
“não como restauração do valor absoluto e universal da forma, mas sim como grandiosa afirmação do
valor autônomo e intrínseco da imagem” (ARGAN, 2005, p.51).
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um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
8
pagãos humanistas. Suas características são o “desequilíbrio preconcebido, mas sem o
valor humano do Barroco, a complexa ambigüidade funcional, a austeridade sombria,
enfim, o tratamento ‘amaneirado’” (SILVA, 1983, p. 125).
Em Portugal, entre os artistas desse estilo podem ser citados Miguel Arruda,
com sua arquitetura militar nas obras na foz do Rio Tejo, Antônio Rodrigues, pela sua
desconstrução do clássico na Capela das Onze Mil Virgens no Convento de Santo
Antônio de Alcacér do Sal3, e Mateus Fernandes, que se propôs a estruturar as
proporções concentrando o espaço na Igreja de São Vicente de Abrantes. Em meados de
1550, são construídas diversas hallenkirchen (igreja-salão), cuja feição baseava-se na
funcionalidade do espaço, na qual havia um perfilamento de colunas. Esse conceito
trazido por Arruda foi precursor do “estilo chão”, que foi largamente utilizado no
território nacional português (SERRÃO, 2002, p. 189).
Fig. 1 – Igreja de São Vicente de Abrantes. Formulação de proporções que visavam organizar as formas
arquitetônicas de modo a proporcionar unidade estrutural4.
3
Nesta Capela pode ser percebido um modelo quadrado, no qual há um pleno domínio da estereotomia
aliando a um rigorismo clássico a um despojamento das formas militar. Ou seja, há uma mescla de
conceitos que se torna um “classicismo desencarnado” (SERRÃO, 2002, p. 191).
4
Imagem disponível em: <http://www.pbase.com/ >. Acesso em: 29 jun. 2009.
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
9
Algumas obras do século XVI se apresentam, com um “decorativismo
flamenguista5” que se propôs a utilizar a diversidade de mármores e ornamentos
procurando quebrar com as características militares de algumas igrejas maneiristas
(SERRÃO, 2002, p. 191-195). No Norte português surgiu tardiamente, devido a
resistências naturais do mercado, um maneirismo baseado em liberdades construtivas
que coexistiram com o Barroco. O decorativismo ostensivo de seu programa aplicou o
granito no fuste e desarticulou a sintaxe renascentista. Como representante dessa
tipologia, pode ser citado Mateus Lopes, na Igreja do Amarante, na qual se aplicou o
conceito de fachada-retábulo, desarticulando-se o clássico e utilizando-se torres
recuadas e cilíndricas, e Manuel Luis, na Igreja da Misericórdia do Porto, através de seu
esquema planimétrico baseado em tramos retilíneos. Essas obras estão à margem do
estilo chão português (SERRÃO, 2002, p. 198).
O Maneirismo expressou a vontade artística inicial da Contra-Reforma,
momento este de evolução social, política e religiosa. De acordo com Silva podemos
dividir esse movimento artístico em duas fases:
Passada uma fase neutra do Maneirismo, em que, liberto ainda dos
academismos, se mostra animado de uma ânsia de universalização por
sobre as divergências dos homens, inicia-se um segundo período onde
artistas-agentes passam a reflectir as circunstâncias históricas e em
que a formalização da corrente se acentua por força da conjuntura
religiosa européia. A resposta da Igreja Católica à definitiva
fragmentação da republica christiana implicava disciplina férrea em
todos os sectores da sua manifestação. E por isso o arquitecto
maneirista passa a trabalhar em intima associação com Roma, a cuja
orientação ética e artística há que obedecer em todos os pormenores
(SILVA, 1983, p. 148).
Simultaneamente às obras maneiristas, em Portugal, foram construídos diversos
edifícios cujo traçado se diferenciava destas. Com intuito de elaborar uma construção
útil e econômica, o Estilo Chão se afirma na tentativa de “fixar a renovada imagem
construtiva e urbanística do reino. É interessante observar, porém que essa pretendida
nova imagem da arquitectura portuguesa, visando coroar ideologicamente o poder
5
Um exemplo de arquitetura flamenga é a capela panteão de Santa Maria de Belém, de Jerônimo de
Ruão. Se constituiu, portanto, um “espaço, coberto por abóbada de berço com retícula de caixões, joga
no efeito cromático dos mármores e na sobreposição das ordens jônicas e coríntia, em esforço
deliberado de internacionalização de módulo e algo provocatoriamente, em singular efeito contrastante
com vasto corpo da igreja-salão manuelina” (SERRÃO, 2002, p. 195)
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
10
político dos Hasburgos, não deixou de aglutinar com um módulo nacionalizado de
construção segundo formas vernaculares” (SERRÃO, 2002, p. 202). No período
conhecido como União Ibérica, um diverso acervo foi construído pautado nessa nova
concepção estilística o que dificultou a entrada do Barroco em Portugal (CORREIA
apud GARCIA, 2001, p. 14).
Em análise da arquitetura portuguesa, Garcia utiliza dos conceitos de Correia:
Um tempo novo surge então para a arquitetura nacional, marcada não
só pelo maneirismo italiano (ou flamengo), como sobretudo e
concomitantemente por um estilo vernacular e original,
profundamente acentuado pela cultura arquitectónica de base
tratadística e pela praticada arquitectura militar e onde se evidenciam
valores de simplicidade, austeridade, limpidez, clareza e
funcionalidade. (CORREIA apud GARCIA, 2001, p. 14)
O conceito de George Kubler, de plain style ou estilo chão, se fundamenta nas
diversas construções e em suas características comuns que trazem clareza, ordem,
proporção e simplicidade dependentes das diretrizes financeiras (KUBLER apud
GARCIA, 2001, p. 12). Segundo Serrão, a igreja de São Vicente de Fora é um
representante desse estilo. Nela há um conflito entre os modelos mais rebuscados e os
tipos de igrejas simplistas, ou seja, continuou com a planta retangular de nave única e
dependências anexas, mas o espaço entre as duas torres ainda não havia sido definido
(SERRÃO, 2002, p. 202).
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
11
Fig. 2 – Igreja de São Vicente de Fora6.
Conforme Horta Correia, a superação das igrejas-salão e das igrejas com três
naves só ocorreu, em Portugal, através da criação de um espaço unificado, de origem
nacional, cuja influência da Companhia de Jesus foi primordial (SERRÃO, 2002, p.
207). Como modelo de partida para o Estilo Chão pode ser exemplificado, também,
através da Igreja do Espírito Santo de Évora. A respeito disso Serrão aplica a teoria de J.
H. Pais da Silva:
A Igreja do Espírito Santo, notabilíssima pela novidade programática
que suas soluções anunciam (...) retoma as bases tradicionais
(medievais), recria uma estrutura de templo de nave única, sem
transepto, com capelas laterais comunicantes entre si e sobrepostas por
tribunas, com predominância dos volumes quadrangulares e da
sobriedade dos elementos, com relevo para o papel duplo do púlpito,
uma limpidez geométrica do espaço intestino assim definido, e uma
atenção, enfim, à plena visibilidade do altar-mor e à boa acústica do
recinto. (SERRÃO, 2002, p. 208)
Nessas igrejas “chãs” suas fachadas podem ser concebidas em andares com
torres landeantes ou ricas aletas. Isso nos infere que havia diversidade nas proposições,
que se moldavam de acordo com a localidade e o artista responsável pela construção: “o
6
Imagem disponível em: <http://www.acores.net/>. Acesso em: 29 jun. 2009.
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
12
que comprova que não existiu, nem podia existir, uma unicidade de matriz construtiva.
O que existiu, sim, foi uma unicidade de princípios, assentes no rigorismo tridentino e
numa simplicidade despojada do seu figurino” (SERRÃO, 2002, p. 209).
A sede da Companhia na capital era a Igreja de São Roque, que foi iniciada em
1566, com traço de Afonso Álvares e sua obra foi concluída por Baltazar Álvares, em
1577. Possui uma articulação espacial com grande sobriedade, janelas sobrepostas às
capelas laterais intercomunicantes, mármores de cor em sua decoração, mas não perde a
funcionalidade de seu espaço interior.
Fig. 3 – Igreja do Espírito Santo de Évora7.
Fig. 4 – Igreja de São Roque de Lisboa.
Representante peculiar do Estilo Chão Português
no século XVI8.
As ordens religiosas passaram, desde fins do século XVI, a aplicar as normas do
Concílio de Trento em suas edificações. O prédio religioso deveria, portanto, ser
pensado não apenas para o culto, mas também para as outras atividades de caráter
catequizador seriam desempenhadas a fim de reconquistar o que havia sido perdido com
a Contra Reforma (TOLEDO, 1983, vol. 1, p. 122; CORREIA apud GARCIA, 2001, p.
15). O Estilo Chão torna-se, em Portugal, o princípio hegemônico das construções. Sua
peculiaridade se caracteriza através de um formato nacional, não sendo, portanto um
7
8
Imagem disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/>. Acesso em: 29 jun. 2009.
Imagem disponível em: <http://www.cm-lisboa.pt/>. Acesso em: 29 jun. 2009.
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
13
Maneirismo possível que viria apenas a atender as aspirações do artista ou do
encomendador da obra.
O Estilo Chão não representa apenas as igrejas jesuíticas, mas as melhores
tradições da engenharia militar lusitana. Sendo uma síntese das produções pósrenascentistas e uma interpretação portuguesa das diretrizes da “Contra-Manieira”
(SERRÃO, 2002, p. 213). Em suas representações podem ser percebidas também
edificações que fogem ao estilo vigente. Uma destas é a Capela de Nossa Senhora da
Luz, que possuiu uma planta em formato de cruz. Sendo considerado um modelo de
experimentalismo arquitetônico e uma provocação as normas vigentes do Estilo Chão.
“O desenho, que explora a limpidez e a simplicidade, atinge por estas vias o maior
sentido da monumentalidade” (SERRÃO, 2002, p. 214).
As representações do Estilo Chão se fizeram presentes não apenas em território
português, mas também, nas localidades em que o colonizador esteve presente.
Exemplificado isto Serrão cita:
Programas inacianos de prospecto desonarmentado, nas ilhas
atlânticas e no Brasil, como são os edifícios dos Colégios de Ponta
Delgada, de Olinda (risco de Francisco Dias, 1584), de Angra (1608),
do Funchal (1629), da Horta, de Salvador da Bahia, de São Luís do
Maranhão (arquitecto João Bettendorf, 1690), de Belém do Pará, e
muitos outros, inscrevem-se morfologicamente neste mesmo figurino
chão que é mais ou menos fielmente derivado das casas congéneres de
Lisboa (São Roque) e de Évora, com suas pontuais variações locais,
sempre atentos à comoditas de que falam os textos de Anchieta e à
utilitas, conceito-base da arquitetura jesuítica. (...) e ainda o Convento
de Santa Teresa em Salvador da Bahia (fundado em 1629). Uma
tipologia da construção carmelita no espaço português, que envolveu
dezanove igrejas conventuais desde a metrópole (Braga, Porto, Viana,
Aveiro, Santarém, Santa Cruz do Buçaco, Setúbal, Tavira) ao Brasil
(Salvador, 1665; Olinda, 1686) e a Angola (Luanda, 1659), foi traçada
com objectividade por Fernando Ponce de Léon (1995), e confirma a
constância de elementos morfológicos (adros, frontais, claustros)
sempre de singela concepção. (SERRÃO, 2002, p. 212)9
Desse modo, as construções no Brasil, se apresentam no decorrer do seu
território em um momento de catequização do gentio e fixação do poder da Coroa
portuguesa. As edificações de Estilo Chão atendem à principal diretriz deste
movimento, ou seja, baseavam-se de acordo com as necessidades e com os meios
9
As soluções do estilo chão estimularam algumas ordens religiosas a revisar seus preceitos construtivos
como, por exemplo, os carmelitas descalços (marianos) (SERRÃO, 2002, p. 212).
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
14
disponíveis em cada localidade. Talvez devido a isso haja uma grande diversidade de
soluções que são percebidas nas construções citadas anteriormente, por exemplo.
2.2 - Representações do Estilo Chão Português no Brasil
As construções religiosas no Brasil se pautaram pelas diretrizes portuguesas. A
presença de diversas ordens religiosas influenciou essas edificações, que mesmo
seguindo os partidos arquitetônicos das igrejas maiores se adaptavam às condições de
cada região (FRADE, 2007, p. 54). Cada edifício erguido representava a colonização
nas esferas temporal e religiosa garantindo, portanto, o pleno cuidado com a
organização e estabelecimento da sociedade. Aplicando os conceitos de Lemos, Frade
explica acerca da escolha do partido ser seguido nas construções:
Partido seria uma consequência formal derivada de uma série de
condicionantes ou de determinantes; seria o resultado físico da
intervenção sugerida. Os principais determinantes ou condicionadores
do partido seriam: a) a técnica construtiva, segundo os recursos locais,
tanto humano, como materiais, que inclui aquela intervenção plástica,
às vezes, subordinado aos estilos arquitetônicos; b) o clima; c) as
condições físicas e topográficas do sítio onde se intervém; d) o
programa das necessidades, segundo os seus usos, costumes do
empreendedor; e) condições financeiras do empreendedor dentro do
quadro econômico da sociedade; f) a legislação regulamentadora e/ ou
as regras da funcionalidade. (LEMOS apud FRADE, 2007, p. 53)
O estabelecimento das cidades ocorreu no litoral não apenas pelo fato de ter sido
este o local de chegada dos navegadores, mas também, pela opção portuguesa de
estimular o domínio dessa área. A dificuldade de adentrar no interior e o temor pelo
despovoamento da faixa litorânea contribuíram para esse fato. O direito de instalação,
colônia adentro, era concedido apenas com licença do governador ou do provedor-mor
da fazenda real através de carta de doação. Aos donatários cabia edificar junto ao mar e
rios navegáveis quantas vilas quisessem. Mesmo não sendo criados planos diretores
para a urbanização, essas práticas formais eram aplicadas, mas havendo diversas
modificações no decorrer da instalação. A isto se associa a localização das igrejas e
centros urbanos mais antigos no Brasil (HOLANDA, 1995, p. 100, p. 109).
Em contraposição à política portuguesa, os espanhóis estimularam as entradas
nos territórios conquistados. Contudo, tinham um caráter regular em seu traçado urbano,
cujo objetivo era ordenar e dominar o mundo conquistado: “O traço retilíneo, em que se
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
15
exprime a direção da vontade a um fim previsto e eleito, manifesta bem essa
deliberação” (HOLANDA, 1995, p. 96). Durante a União Ibérica, esse formato
influenciou as cidades portuguesas que passaram a fazer parte do reino espanhol.
Nesse meio urbano, as igrejas eram utilizadas, muitas vezes, como elemento
definidor do seu desenho. Essas construções, sendo das mais diversas, exprimem os
conceitos artísticos de um momento em que a Igreja Católica estava ameaçada pela
Contra Reforma. Em Portugal, no século XVI, o Estilo Chão estava se constituindo
como programa a ser seguido e, consequentemente, foi levado a suas colônias, nas quais
muitos edifícios foram erguidos com suntuosidade e particularidade.
No Brasil, existem diversos exemplos do Estilo Chão, que podem exprimir os
ideais da sociedade que se constituía sob os olhares portugueses. Como afirma Sousa,
“os principais projetos dos anos 1650 continuavam afiliados ao estilo chão” 10 (SOUSA,
2006, p. 2). Em algumas dessas construções a influência jesuítica pautou-se na
aplicação de suas atividades, ou seja, como se dedicavam não somente ao
direcionamento religioso, mas também à educação e criação de uma infra-estrutura
arquitetônica, foi necessário a criação de diversos anexos junto às igrejas. Os padres da
Companhia participavam ativamente nas suas obras, talvez por isso simplificassem suas
edificações. Entre aquelas em que o Estilo Chão se fez presente, pode ser citado o
Colégio Jesuíta de Salvador, atual Sé.
10
Sousa afirma o estilo chão como um “classicismo geométrico e simplificado que os portugueses
criaram na segunda metade do século XVI(por muito tempo chamado impropriamente de maneirismo)
que até então havia prevalecido em nossas edificações” (SOUSA, 2004, p. 02).
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
16
Fig. 5 - Antiga igreja jesuíta da cidade de Salvador11.
Esse Colégio começou a ser edificado quando os padres da Companhia
chegaram à Bahia, em 1549, com a comitiva do Governador-Geral Tomé de Souza.
Devido às condições precárias da construção, foi relocado e com a chegada do arquiteto
Francisco Dias, em 1577, as obras tomaram novo rumo e uma monumentalidade digna
das igrejas portuguesas.
Este construtor pode ser considerado como o primeiro arquiteto do Brasil.
Chegando à colônia através dos sucessivos pedidos dos jesuítas pela vinda de alguém
especializado para coordenar as suas obras. A experiência que este possuiu permeava a
Igreja de São Roque, ícone do Estilo Chão português (TOLEDO, 1983, vol. 1, p. 124).
“Essa experiência e sua sólida formação de construtor, carpinteiro, arquiteto e também
piloto, que colocou à disposição das obras e empreendimentos da Companhia nesta
província de ultramar, por mais de cinquenta anos” (CAMPELLO, 2001, p. 125;
TOLEDO, 1983, vol. 1, p. 118). Após sua chegada projetou os Colégios de Olinda, de
Santos e do Rio de Janeiro.
11
Imagem disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/>. Acesso em: 29 jun. 2009.
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
17
No Brasil, contribuiu também para a construção das aldeias de Reritiba (15971604), Reis Magos (1615) e São Pedro da Aldeia (1617), como afirma Campello ao
utilizar as pesquisas de Benedito Toledo. Francisco Dias exerceu influência em diversas
obras junto ao litoral. Dentre as mais importantes se destaca o Colégio de Olinda, cuja
parte principal de suas idéias representa-se na Igreja de Nossa Senhora da Graça
(CAMPELLO, 2001, p. 126-128).
Este arquiteto encontrou nessa igreja a harmonia entre os esquemas eruditos a
seu dispor e as condições locais. Sua semelhança com a Igreja de São Roque é notada
por diversos autores (CAMPELLO, 2001, p. 129; FRADE, 2007, p. 59). Em análise
sobre isto Campello cita:
A maior proximidade está na solução da cabeceira a saber: o arco da
capela-mor ladeado por dois arcos menores de capelas menos
profundas(...).As capelas laterais-dois lados do falso transepto e mais
uma do lado do evangelho(...) além disso, e sobretudo, em vez de
janelas para iluminar a nave, simples seteiras, que, (...) estabelecem
uma relação harmoniosa com o grande óculo da fachada, ao mesmo
tempo em que o valoriza como principal fonte de luz para o
interior(...)assim era mesmo a sua intenção original, de pura
simplicidade construtiva e rigor compositivo. Sem capelas laterais,
mas apenas nichos embutidos nas grossas paredes, para receberem
altares e confessionários. (...) não há desleixo no desenho de pilastras,
arcadas e cornijas, mas uma atenuação de seus perfis, que certamente
facilitou a execução, num meio de poucos recursos. (CAMPELLO,
2001, p. 130-131)
A simplificação de seu traçado demonstra o rigor técnico de um construtor que
conhecia as diretrizes e formatos que eram utilizados na Europa, mas que conseguiu
adaptar-se às condições materiais da região sem, contudo perder a beleza artística da
igreja. Na sua fachada, “prevalecem as colunas, dos cantos, como fortes cunhais, sobre
os quais se fecha o frontão (...). Desse modo ressaltam a porta principal e o óculo, como
se estivessem encastrados num pano único, limitado pelos cunhais e pelo frontão”
(CAMPELLO, 2001, p. 132). Esse pano de alvenaria branca livre de compartimentação
servia de elemento centralizador das estruturas mais importantes: os pórticos, óculos e
medalhões.
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
18
Fig. 7 – Fachada da Igreja de São Cosme e São
Damião, em Igarassu (PE)13.
Fig. 6 – Fachada da Igreja de Nossa Senhora da
Graça, em Olinda (PE)12.
No Colégio do Rio de Janeiro, obra de Francisco Dias, pode ser salientada,
também, sua semelhança com a Igreja de São Roque. Como afirma Campello:
Conquanto houvessem desaparecido completamente as subdivisões da
fachada entre os cunhais, as janelas do coro, em vez de repetirem-se
uniformemente, ajustavam-se no tamanho para abrir espaço ao
tímpano do pórtico, um pequeno óculo fora inserido no frontão
triangular: a nave limitava-se a um salão retangular que não dispunha
sequer de capela-mor ou de nichos para os altares laterais: era tudo
uma singeleza absoluta. Mas a volumosa torre do campanário
implantada entre a igreja e o corpo do colégio, no mesmo plano da
fachada (...) assumia um lugar predominante na composição e
disturbava, de algum modo, a aura de simplicidade da igreja.
(CAMPELLO, 2001, p. 124)
Nas soluções apresentadas com o Estilo Chão, no Brasil, a simplicidade foi a
base de seu partido construtivo. As influências trazidas por Francisco Dias de Portugal
fundamentam essa nova prática. Em sua permanência na colônia recebeu sucessivos
pedidos de regresso a Portugal, mas nunca os aceitou. A obra da Igreja de São Roque
12
13
Foto do acervo pessoal da autora, sem data.
Foto de Carla Mary S. Oliveira, nov. 2003.
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
19
ficou a cargo de Felipe Terzi e, portanto, Dias ficou no Brasil para determinar diretrizes
nas construções da Companhia. De acordo com Frade, dentre os tratados que eram
divulgados em prol do projeto da Contra Reforma, o de Pietro Cataneo cita que a
ornamentação interior deve ser mais nobre que a parte exterior. Isto pode ser aplicado às
diretrizes do Estilo Chão (FRADE, 2007, p. 60).
Como foi dito, as influências das delimitações locais para a construção das
edificações e das igrejas transformaram estilos arquitetônicos vigentes em Portugal. Um
exemplo disto são as igrejas de Santo Alexandre, em Belém, de Nossa Senhora da Guia,
em Cabedelo, Paraíba, e no Convento franciscano de Penedo, em Alagoas. Mesmo
sendo de estilos diferentes do Chão português possuem peculiaridades que caracterizam
as representações brasileiras. Esta sensibilidade nativa, usada como mão-de-obra, pode
ter sido um dos fatores que retardaram a adoção de formas menos esquemáticas na
arquitetura.
Na Paraíba, a Igreja da Misericórdia é um exemplo de construção no Estilo Chão
e de adaptação aos materiais disponíveis na colônia. Existem, no entanto, diversas
discussões locais acerca de qual vertente estilística utilizada, se o Chão ou a maneirista.
Analisando suas estruturas poder-se-á delimitar as respostas a esses questionamentos.
Devido a sua construção ter ocorrido num período entre o Renascimento e o início do
Barroco foram utilizados os elementos desses dois estilos. De acordo com Raglan
Rodrigues Gondim “a fachada retilínea, clássica, sem adornos festivos como pináculos
ou máscaras adotam o Renascimento, enquanto o interior da Igreja, quem vai dar o tom
do Barroco são os retábulos, os altares ornados” (GONDIM apud FRANÇA, 2008, p.
2)14.
Como se sabe, o Maneirismo esteve presente nas construções durante o período
entre o Renascimento e o Barroco. Devido a isso muitas de suas construções ainda
possuíam similitudes com algum dessas vertentes. O Estilo Chão, tendo existido
simultaneamente a este gera divergências quando se procura delimitar a que partido
14
Gondim afirma que alguns historiadores utilizam para essa construção a denominação de barroco
tropical. Contudo, em Portugal, no período de elaboração desse estilo há em Portugal o Estilo Chão. A
respeito da distinção entre esse estilo e o maneirismo, Araújo concorda que este introduz o ornamento
de alguma maneira, enquanto o Estilo Chão toma parte da simplicidade, que tem influência jesuítica
(FRANÇA, 2008, p. 2).
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
20
arquitetônico uma determinada edificação pertence15. Sendo necessário, portanto, além
de caracterizar os elementos definidores da estrutura, procurar defini-los segundo as
diretrizes de cada estilo para, desse modo, entendê-los em sua totalidade.
YZ
15
Sobre o período em comum de vigência do Maneirismo e do Estilo Chão, França afirma: “O primeiro
vai de 1520 a 1650, o segundo de 1580 a 1640. Daí, provavelmente, a polêmica acerca do estilo
determinante da Igreja da Misericórdia” (FRANÇA, 2008, p. 2).
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
21
3. A SANTA CASA DE MISERICÓRDIA: UMA INSTITUIÇÃO DO
MUNDO COLONIAL LUSITANO
3.1 - As origens da Irmandade de Nossa Senhora da Misericórdia.
A presença religiosa na sociedade medieval é algo indiscutível. As instituições
da Igreja Católica permeavam o cotidiano da população. Contudo em meio a essas
práticas podem ser percebidas diversas organizações de ajuda aos pobres, doentes e
excluídos, por meio de práticas assistencialistas de caráter leigo. Isto fez parte de um
processo ocorrido em meio às modificações durante os séculos XII e XV, na Europa. A
caridade, desse modo, é foco do estudo de diversos autores, que a colocam como
elemento definidor das ações religiosas. Tomando por base as citações bíblicas de ajuda
aos pobres, aos lenitivos, as viúvas, dentre outros excluídos, como também, a obras de
caridade como prerrogativa para a salvação, a caridade sempre fará parte das obras de
remissão dos pecados dos ricos.
Como afirma Sá, “as práticas de caridade, bem antes da reafirmação do princípio
tridentino de que a salvação se alcança pela fé e pelas obras, eram, juntamente com a
oração e com a oferta sacrificial sob a forma de missas, um dos elementos
imprescindível à salvação da alma” (SÁ, 1998, p. 43). Essa mesma autora fundamenta a
tese de que a partir do trecho do Evangelho de São Mateus acerca do Juízo Final, se
baseiam a doutrina das sete obras corporais que os homens da Idade Média criaram.
Juntamente com essa passagem bíblica e outras, menos explícitas, foram formuladas as
diretrizes das obras de caridade do período, que posteriormente, viriam a se concretizar
nas Santas Casas de Misericórdia. No entanto, é válido salientar que foram
acrescentadas algumas outras ações caritativas de acordo com a necessidade da época.
As quatorze obras de misericórdia que são citadas no Compromisso dessa irmandade,
em 1516, são divididas em sete espirituais e sete corporais:
Espirituais:
1 - Ensinar o simples
2 - Dar bom conselho a quem o pede
3 - Castigar com caridade os que erram
4 - Consolar os tristes desconsolados
5 - Perdoar a quem errou
6 - Sofrer injúrias com paciência
7 - Rogar a Deus pelos vivos e mortos
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
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Corporais:
1 - Remir os cativos e visitar os presos
2 - Curar os enfermos
3 - Cobrir os nus
4 - Dar de comer aos famintos dar de beber a quem tem sede
5 - Dar pousada aos peregrinos e pobres
6 - Enterrar os mortos. (GANDELMAN, 2005, p. 55; RUSSELWOOD, 1968, p. 14-15).
Contudo, a irmandade, cumpriu apenas algumas dessas obras. Dentre as obras
espirituais apenas a de rezar pelos vivos e mortos esteve presente efetivamente. Em
relação às demais obras corporais seriam adaptadas de acordo com a necessidade,
mesmo sendo realizadas integralmente (SÁ apud GANDELMAN, 2005, p. 56).
Para se entender melhor o surgimento das Santas Casas deve ser feitas algumas
considerações sobre a caridade em Portugal. Esta, durante a Idade Média, se dividia em
cinco instituições: albergarias, hospitais, gafarias, mercearias e confrarias. As primeiras
atendiam como abrigo aos diversos viajantes que transitavam pelas cidades, sejam eles
mendigos, mercadores ou peregrinos. As funções destas e dos hospitais se
sobrepunham, devido ao fato de receberem o mesmo público, mas estes também
recolhiam os doentes, de modo a lhes curarem, fornece-lhes comida e abrigo16. O
surgimento desses locais se intensificaria, principalmente, com a migração de pessoas
do campo para as cidades17.
As gafarias eram instituições especializadas no cuidado com os leprosos, como
era afirmado na época. Sendo intensificada sua construção, no decorrer dos séculos XII
e XVI. As mercearias baseavam-se em casas para os pobres “honrados”, ou seja,
aqueles que eram ricos e caíram na pobreza, viúvos ou outros motivos que os
16
Sobre o papel das peregrinações na Idade Média, Gandelman utiliza os estudos de Fernando as Silva
Correa: “as peregrinações foram uma febre durante a Idade Média. Indivíduos das mais variadas
qualidade se lançavam em peregrinações, ou pagavam outras pessoas para fazê-las, a fim de cumprirem
promessas ou expressarem sua fé. Santiago de Compostela dói um dos destinos principais desde o
século IX. Com o grande afluxo de peregrinos, os quais seguiam geralmente as antigas estradas
romanas, muitas rotas e estradas foram reavivadas e consertadas na Espanha, Itália e em Portugal, além
de construídos vários hospitais ao longo do caminho” (CORREA, apud GANDELMAN, 2005, p. 48).
17
“as mudanças econômicas e sociais nos séculos XII e XII desmantelaram a vida das classes mais
baixas. O declínio gradual do feudalismo a partir do final do século XII conferiu maiores ônus ao
individuo. Embora o sistema senhorial tivesse resultado em grande exploração, por outro lado
proporcionava ao servo certo grau de proteção. O declínio do feudalismo foi acelerado pela crescente
importância das cidades e pelo desenvolvimento do comercio internacional. (...)A migração para as
cidades resultou em mão-de-obra altamente competitiva e forçou os salários para baixo, ao mínimo.
Pela primeira vez, a Europa enfrentou o problema da pobreza urbana” (RUSSEL-WOOD, 1968, p. 1-2).
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um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
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impossibilitavam de pedir esmolas ou servir18. Por último estavam as confrarias, que se
formavam por indivíduos que tinham em comum o território onde moravam ou o oficio.
Seus objetivos eram: “organização de serviços religiosos; acompanhamento dos
moribundos e funerais; administração de hospitais e outras instituições de assistência;
distribuições dotes de casamento; visita aos presos; recolhimento de crianças
abandonadas; auxílio aos pobres envergonhados; resgate aos cativos; e distribuição de
esmolas” (SÁ apud GANDELMAN, 2005, p. 50).
A característica em comum entre essas instituições seria sua relativa
abrangência, ou seja, possuíam poucos recursos. Essas entrariam em crise durante os
séculos XIV e XV, cuja justificativa será a má administração, o não cumprimento de
seus compromissos ou até a apropriação indevida dos bens pelos seus gestores.
Associado a isso estaria os problemas econômicos enfrentados por Portugal, as guerras
e, consequentemente, as baixas demográficas (Braga apud Gandelman, 2005, p. 51;
RUSSEL-WOOD, 1968, p. 1). Esse contexto aumentou a pressão da pobreza sobre a
população o que viria a sobrecarregar as atividades assistencialistas da sociedade e das
instituições. “a trágica combinação da peste, da fome, da guerra e do despovoamento
agrário, características daquela fase do desenvolvimento europeu, suscitou o movimento
de criação de irmandades caritativas leigas que se expandiram a partir do século XIV na
Itália e em diversos outros pontos da Europa” (ALVES, 2005, p. 11).
O surgimento dessas irmandades não deve ser associado apenas a questões
econômicas, mas aos questionamentos que as reformas protestantes e a contra-reforma
católica colocaram a respeito da caridade. Pois, permearam a discriminação de quem
seriam dignos de ajuda, ou seja, distinguiram quem seriam “os ‘pobres merecedores’ e
‘não merecedores’” (JÜTTE apud GANDELMAN, 2005, 52). Devido ao caráter
desenvolvido dessas instituições, em Portugal, as inovações que surgiram foram uma
resposta ao panorama europeu. O Concílio de Trento viria apenas para legitimar uma
reforma que já havia acontecendo: “o que Trento fez foi dar legitimidade ao controle
18
A forma mais antiga de filantropia, em Portugal, seriam as albergarias, que eram situadas em locais de
peregrinação. “as hospedarias forneciam teto e cama por três dias e pequena ração de comida e água.
Nas maiores havia alojamentos especiais para a nobreza. (...) Aliados ao complexo hospedaria-hospital
estavam os leprosários. (...) Como era considerada incurável, as autoridades não procuravam
proporcionar cuidados médicos” (RUSSEL-WOOD, 1968, p. 6-7).
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
24
leigo sobre a caridade. Teve, portanto, um papel de consolidação mais do que de
inovação” (SÁ apud GANDELMAN, 2005, p. 52).
A caridade não estava somente entre os nobres, em alguns países foram
formadas associações leigas de assistência. Estas tinham em comum a profissão de seus
componentes e seus interesses, em relação às irmandades religiosas, eram diferentes.
Seus agrupamentos tinham um caráter corporativo, podendo haver mais de uma
profissão participante. Ao contrário da independência velada pelas outras. Sobre isso
Russel-Wood afirma:
A distinção entre as associações e irmandades é clara a partir de seus
estatutos. As associações de artesãos seguiam um ‘regimento’, ou
corpo de normas, aprovado pelo conselho municipal ou pela Coroa,
enquanto que as irmandades tinham a flexibilidade de um
‘compromisso’, ou estatuto, baseado na confiança mútua.
As atividades caritativas das associações se limitavam a seus próprios
membros. (RUSSEL-WOOD, 1968, p. 9)
Desde o século XV, que essas mudanças na forma de caridade estavam sendo
direcionadas para a centralização em torno da Coroa. Como cita Russel-Wood,
“transpareciam duas atitudes em relação à filantropia social: primeiro a necessidade de
uma política oficial sobre a assistência social; segundo o desejo de parte da Coroa de
reduzir a jurisdição eclesiástica sobre as irmandades caritativas leigas” (RUSSELWOOD, 1968, p. 10).
A assistência aos pobres pela elite era uma forma de garantir a ordem e
manutenção do poder. “A caridade no Antigo Regime caracterizava-se por uma relação
tríplice envolvendo os doadores, os receptores e Deus” (ALVES, 2005, p. 12). Desse
modo, a Irmandade de Misericórdia surge a fim de proporcionar a centralidade tão
almejada pela Coroa19, em relação às instituições, como também, “proporcionar auxílio
espiritual e material aos necessitados” (RUSSEL-WOOD, 1965, p. 1).
19
“A primeira providência positiva foi tomada em 1479, quando o futuro D. João II, ainda príncipe,
conseguiu um bula papal que autorizava a fusão de todos os pequenos hospitais de Lisboa num único
edifício. Essa política de centralização foi estendida a todas as cidades de Portugal por uma bula do
Papa Inocêncio VIII, em 1485. O primeiro resultado dessa orientação foi a criação do Hospital de
Todos os Santos, fundado em Lisboa em 1492. O edifício reunia quarenta e três pequenos hospitais da
cidade e arredores”(RUSSEL-WOOD, 1965, p. 10).
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
25
Em 15 de Agosto de 1498, foi consagrada essa Irmandade, sob aprovação da
Regente D. Leonor e confirmada pelo Rei D. Manuel 20(RUSSEL-WOOD, 1965, p. 1;
ALVES, 2005, p. 16; GANDELMAN, 2005, p. 53). A partir dela surgiram diversas
outras, espalhadas pelo reino português21. A sua edificação foi reflexo da expansão do
capital e das navegações, que geraram profundas mudanças na sociedade e na demanda
por serviços. O diferencial desta permeia o fato da Coroa ser participante ativa de sua
origem e do interesse que havia em centralizar os serviços filantrópicos nas mãos do
Monarca. Sobre este assunto Gandelman utiliza os estudos de Sá para demonstrar que a
criação das Misericórdidas não significava “uma centralização do poder régio, tendo em
vista a autonomia local das irmandades, houve sim um direcionamento à uniformização
das instituições de assistência” (SÁ apud GANDELMAN, 2005, p. 54). As pequenas
confrarias tiveram seu papel na vida social de Portugal após a Reconquista, do mesmo
modo que as Misericórdias contribuíram para organizar a sociedade que estava se
constituindo como Reino Católico no Antigo Regime. A aceitação desse novo modelo,
por parte da população, abrange as questões sobre as mudanças de comportamento que
estavam ocorrendo. Sobre isto Alves afirma:
O ponto do qual partimos é um homem feudal disposto a aceitar as
determinações naturais da vida e da morte, de modo muito distinto
daquele homem crescentemente individualizado que veio a emergir no
mesmo processo em que se forjavam os fundamentos da sociedade
capitalista, e em que, gradualmente, o homem adquire consciência de
sua responsabilidade individual sobre a própria biografia, tornando-se
responsável pelo cômputo de suas boas e más ações. Nessas
20
Entre os historiadores há uma discussão que insere outro elemento, o frade Miguel de Contreiras. Este
realizava obras de caridade, em Lisboa. Ficou conhecido por coletar esmolas e distribuí-las aos pobres.
No final do dia se dirigia à Capela de N. Sra. Da Misericórdia para rezar. A ele é indicado a fundação
da Santa Casa de Misericórdia de Portugal. Contudo há duas teorias: a primeira que afirma que ele
sugeriu a D. Leonor que fundasse essa instituição, já que era confessor dela; e a segunda, que o coloca
como padre da irmandade e a Regente como financiadora real. Não há unanimidade acerca da definição
de quem teria sido a idéia da fundação da Santa Casa, nem do papel que Contreiras teve em relação a
isto (RUSSEL-WOOD, 1968, p. 11-12).
21
Suas filiais estavam, por exemplo: “nos Açores, as Misericórdias de Angra e Praia são estabelecidas em
1498; Ponta Delgada, em 1500; Velas, em 1543; Vila Franca do Campo, Vila de São Sebastião, Vila
Nova, Horta, Santa Cruz, Vila do Porto e Lajes do Pico, antes de 1570; Madeira e Funchal, em 1511;
Faial, em 1528; Santa Cruz (Funchal), em 1529; outros ‘lugares de além’ (Arzila, Tanger, Alcácer
Ceguer e Ceuta) em 1502; Mazamor e Safim, antes de 1520; Goa (1519); Cochim em 1527; Diu em
1535; Baçaim (1540); Malaca (já em atividade 1547); Ormuz, Chaul e Cananor e Damão, na década de
1550; Bengala, Colombo, Jafanapatão, Mahim, Manar, Mangalor, Manila, Mascate, Mombaça,
Moçambique, Negapatão, Onor, Suma, Taná, São Tomé e Trapor; Macau (1569) e; as misericórdias do
Japão, Funai (1561), Hirado (1562), Nagasaki (1583), Shimabara (1584) e, em 1600, Misericórdia de
Kyoto(ABREU apud ALVES, 2005, p. 21).
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um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
26
transformações na consciência do homem do século XV,
encontraremos o elo que associa a prática filantrópica ao incompleto
desenvolvimento das relações capitalistas de produção: a idéia de
purgatório. (...) A existência do purgatório pressupunha, portanto, a
idéia de livre arbítrio do homem e de responsabilidade individual
sobre os pecados cometidos em vida (ALVES, 2005, p. 13).
Portanto, esse novo indivíduo procurará realizar obras de assistência em prol de
sua salvação. Ou seja, ao mesmo tempo em que conquista bens materiais se desapega
destes quando os direciona para as instituições leigas, cuja parte que lhes cabiam era
rezar pelas almas de seus beneméritos e administrar os bens em prol dos pobres. No
testamento concedia seus bens às obras de caridade, podendo salvar sua alma sem
renunciar aos bens materiais, e nas celebrações litúrgicas, seu pedido a Deus era
“formalizado”. Desse modo, estavam resolvidas as questões de prosperidade econômica
e prática religiosa (ALVES, 2005, p. 14).
O primeiro Compromisso que regia as ações da Santa Casa de Lisboa (1516)
tinha um caráter religioso, ou seja, se preocupava com a espiritualidade de seus
assistidos. Os Compromissos subsequentes (1577 e 1618) tinham, no entanto, mais
especificidade em relação a regulamentação da irmandade, transformando-a em um
órgão mais burocrático. Inicialmente se previa a participação de qualquer irmão sem
distinção de classe. Posteriormente, foi dividida em duas classes iguais: uma primeira
composta por nobres de sangue, religiosos e profissionais; e uma segunda; de plebeus,
designada como de “menor condição”. Todos deveriam ter boa índole e serem tementes
à Deus(ALVES, 2005, p. 17; RUSSEL-WOOD, 1968, p. 15). O comparecimento à
Misericórdia ocorria na “eleição da Mesa22, (...) a procissão dos penitentes na Quintafeira santa; e a procissão do dia de Todos os Santos ao cadafalso de Santa Bárbara para
juntar os ossos dos enforcados e dar-lhes sepultura digna no cemitério particular da
Misericórdia” (RUSSEL-WOOD, 1968, p. 15). Essa reforma restringiu o acesso à
Irmandade demonstrando uma modificação que já estava ocorrendo nas instituições
européias a algum tempo.
22
A Mesa consistia de treze irmãos, seis de cada classe. O Provedor, ou Presidente, era sempre escolhido
da classe superior. A eleição era indireta, isto é, por uma comissão eleitoral de dez irmãos escolhidos
pela totalidade da irmandade. Além do Provedor, o corpo de guardiães era constituído pelo escrivão,
nove conselheiros e dois mordomos. Todos eram eleitos para um mandato de um ano, com execção dos
mordomos, cuja eleição era mensal devido a seus pesados afazeres”( RUSSEL-WOOD, 2005, p. 15).
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um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
27
As Misericórdias no Reino Português se difundiram rapidamente, sejam alémmar ou em na metrópole. Sua importância foi admitida pelo Rei quando passou a lhe
atribuir direitos, como por exemplo, o recolhimento de esmolas em Lisboa. Isso
demonstra que o Rei D. Manuel percebeu e estimulou o desenvolvimento dessa
instituição que pode ser considerada a mais importante irmandade caritativa de Portugal.
Em suas filiais, tanto os Compromissos quanto as regalias foram levadas. É válido
salientar que nessas havia certas adaptações de modo a garantir a plena participação da
sociedade e seu prospero desenvolvimento.
3.2 - A Santa Casa de Misericórdia no Brasil e nas Colônias Ultramar
A rápida profusão de filiais da Misericórdia no mundo lusitano foi o resultado
das mudanças nas aspirações do Reino em relação à população. A atenção dada a esta
permeou as bases da sociedade moderna que estava surgindo através do Estado
centralizado. Com o desenvolvimento do comércio para a Índia e para o Oriente as
oportunidades para a instalação dessa Irmandade foram inúmeras. Quando o comercio
com essas localidades se tornou desvantajoso a Coroa voltou seus olhares para o Brasil,
no qual a fundação das Misericórdias coincidiu com o surgimento das cidades. Disso
pode ser inferida a importância que essa instituição filantrópica e leiga possuiu na
formação da urbanidade nas colônias ultramarinas (RUSSEL-WOOD, 1968, p. 17;
ROCHA, 2005, p. 21).
Em Portugal, artesãos e soldados percorreram o território para fundar filiais da
Misericórdia. Seus estatutos baseavam-se no utilizado pelas matrizes do Reino, com
modificações mínimas ditadas pelas condições locais. Dentre as principais fundadas nas
colônias pode ser citada àquela situada em Goa (1519). Seus participantes rivalizam
entre os cargos da instituição e os da Câmara. Contudo, “ter um governador como
Provedor era uma faca de dois gumes para a irmandade. Eles defendiam os interessas da
Misericórdia, mas voltavam-se para os cofres da irmandade quando os do Tesouro se
esvaziavam”(RUSSEL-WOOD, 1968, p. 22). Possuía hospital, um leprosário e dois
recolhimentos, denominados de Nossa Senhora da Montanha e de Maria Madalena.
Segundo Russel-Wood, a Misericórdia de Goa foi a mais poderosa irmandade no
Oriente. Outra filial que pode ser citada é a que se localiza em Macau, no Extremo
Oriente. Além das ações realizadas pela filial de Goa havia um orfanato (1727), que por
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28
motivos financeiros foi fechado anos depois de sua fundação. As práticas da população,
em geral, espantaram os missionários e estrangeiros que se estabeleceram em Macau,
incentivando a fundação da instituição.
As motivações para a fundação das filiais nas colônias portuguesas podem ser
separadas de duas maneiras: aquelas que surgiram simultaneamente à Matriz, ou seja,
acompanharam o estabelecimento do Estado nos territórios precariamente dominados; e
as Misericórdias do Brasil e da costa africana, que só ocorreu quando esses territórios
foram valorizados a partir da instalação de todo um aparato institucional e
administrativo para a exploração econômica (ABREU apud ROCHA, 2005, p. 22).
O estímulo da Coroa para que comerciantes portugueses participassem da Mesa
das Misericórdias e das Câmaras é um fato que pode justificar a relação entre a
“centralização política lusitana, a expansão ultramarina e a propagação das Irmandades
pelo Império Colonial Português” (ROCHA, 2005, p. 22). Além desse interesse havia a
presença de membros inferiores nos altos cargos devido a falta de nobres nas colônias,
ou seja, homens designados como “nobreza da terra”. No caso do Brasil, essa prática foi
muito presente nas instituições leigas e governamentais. O prestígio que a Misericórdia
tinha refletia no caráter seletivo de seus componentes, portanto aqueles que dela
conseguissem participar seriam reconhecidos perante a sociedade local.
As qualificações para ingressar na Misericórdia exigiam grandes investimentos,
de modo que apenas cidadãos com alto poder aquisitivo conseguiriam chegar à Mesa
administrativa cargos da Instituição. O vínculo com a metrópole através da Santa Casa
foi o meio encontrado para elevar o status social. O texto abaixo explicita as diretrizes,
presentes no compromisso de Portugal (1618), a serem seguidas acerca da escolha dos
provedores:
O provedor deve ser sempre um fidalgo de autoridade, prudência,
virtude,reputação e idade, e tão sensato que todos os outros irmãos o
reconheçam como seu chefe, e lhe obedeçam sem a menor
dificuldade; e mesmo que tenha todas as qualidades acima
mencionadas, não poderá ser eleito se não tiver pelo menos quarenta
anos. Deve ser muito paciente, devido aos caracteres discordantes de
muitas pessoas com quem tem de lidar. Deve ser também um senhor
com muito tempo livre, para que possa cumprir cuidadosamente seus
freqüentes e variados deveres. E para garantir que tenha alguma
experiência desses deveres, nenhum irmão será eleito provedor
durante o primeiro ano em que tenha sido recebido na irmandade.
(BOXER apud ROCHA, 2005, p. 30)
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29
Mas, nas Misericórdias brasileiras, por exemplo, isso foi levado a outros
patamares, ou seja, até aqueles investidores coloniais, que mesmo sem ter a “pureza de
sangue” necessária, conseguiram participar da Instituição e serem reconhecidos perante
a sociedade nobre. No Nordeste era constituída pelos membros da aristocracia
açucareira. Nas áreas das bandeiras paulistas, correspondiam aos primeiros povoadores,
bandeirantes, sacerdotes e alguns comerciantes. Esse interesse pela participação na
Instituição se deve ao fato não somente dos privilégios que esta recebia, mas também,
pelos laços diretos com a Coroa portuguesa (ROCHA, 2005, 32-33).
As Misericórdias se tornaram atraentes para a elite local através das condições
propostas pela Coroa. Sobre estas Gandelman afirma:
As ações da Coroa que beneficiaram as Misericórdias podem ser
organizadas em três frentes:
1) Ao tomar as irmandades da Misericórdia sob sua proteção e
jurisdição o poder régio deixou-as livres da jurisdição e dos encargos
da Igreja que poderiam limitar a sua ação.
2) Ao difundir as Misericórdias os monarcas advogavam que essas
seguissem o modelo da de Lisboa numa clara intenção de que a
atuação de assistência institucional aos pobres no Reino seguisse um
padrão comum.
3) Assim como ocorria em outros ramos de atividades no Antigo
Regime, a atuação régia em relação às Misericórdias foi marcada pela
concessão de monopólios sobre certas atividades caritativas graças à
concessão de privilégios. Os privilégios concedidos pela coroa,
23
segundo propõe Isabel Sá , podem ser divididos em três vertentes: 1)
vantagens sociais e econômicas para os irmãos da Santa Casa (como
isenção de cargos concelhios obrigatórios e a proteção de seus bens
frente aos direitos de aposentadoria); 2) preferência ou exclusividade
sobre certas atividades caritativas (como assistência aos presos e
padecentes);
3) privilégios relativos à angariação de recursos (como percentagens
ou totalidade de impostos e dízimos, aluguel de tumbas e esquifes,
entre outros) (GANDELMAN, 2005, p. 129).
A autonomia que as Misericórdias tiveram em relação ao poder temporal foi
uma característica peculiar dessa irmandade nas colônias. Apesar das práticas de
centralização realizadas pela Coroa, esta não exercia fiscalização, pelo menos nas filiais
mais distantes. Isto possibilitava certa liberdade de ação (GANDELMAN, 2005, p.
129). O controle baseava-se na esfera social devido a presença de membros da elite no
corpo administrativo. Do ponto de vista religioso as Misericórdias coloniais se pautaram
23
SÁ apud ROCHA, 2005, p. 129.
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um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
30
no sincretismo que misturou elementos negros, indígenas, católicos e judaicos. Estes em
ligação direta com a exploração colonial conseguiram aliar os investimentos
econômicos e a salvação da alma. O papel da escravidão, nesse meio social, estaria
justificado por esse sincretismo e pela sua participação secundária na civilização da
cristandade romana. A evangelização ocorria pelas razões do Estado e não pelas
questões da alma. “Portanto, a Igreja e as ordens religiosas (ordens terceiras e demais
irmandades leigas que tiveram papel saliente nas atividades religiosas e assistenciais,
desde os primórdios da ocupação da América portuguesa) constituíram aqui como um
importante segmento da administração pública” (ROCHA, 2005, p. 27).
Nas Misericórdias coloniais suas práticas não se limitavam à administração das
instituições, mas desempenhavam diversas atividades dentre as quais podemos citar: o
cuidado com os presos e expostos, a distribuição de dotes, o aluguel de tumbas e os
enterramentos (GANDELMAN, 2005, p. 136). Esta última foi alvo de divergências
entre as irmandades, pois geravam lucros. Por isso a Misericórdia cuidou com muito
zelo desse serviço, que foi concedido pela Coroa, a fim de não perdê-lo. As irmandades,
caso desejassem realizar algum funeral deveria pedir permissão à Misericórdia
(ROCHA, 2005, p. 28). Como exemplo Ricupiero cita que na Misericórdia da Bahia as
atividades estavam voltadas para o bem-estar corporal. Devido a isso, não havia a
intenção de educar os necessitados. Sobre as obras espirituais coube apenas rezar pelos
vivos e mortos em missas, que muitas vezes eram exigidas em testamento. Estas tinham
um alto custo para os cofres da irmandade. As atribuições à Misericórdia tinham por fim
de suprir as deficiências do poder público. “Trata-se aqui de patrimonialismo às avessas,
o poder público empurrando à iniciativa particular atribuições claramente oficiais, sem o
correspondente fornecimento dos necessários subsídios” (RICUPIERO, 2005, p. 9).
A partir do século XVII, as doações testamentárias cresceram vertiginosamente,
tornando-se a principal fonte de renda da instituição. Contudo, os peditórios nunca
deixaram de ser usados. Os bens recebidos, quando recebidos, eram arrematados em
pregão público ou passavam à administração da instituição ou eram arrendados a
terceiros. Como afirma Gandelman utilizando os estudos de Sá: “uma boa parte das
propriedades que ficavam para as Misericórdias, entretanto, foi de fato vendida com o
intuito de alimentar uma prática que seria fundamental dentro do sistema de
financiamento da caridade praticado pela irmandade: o empréstimo a juros”
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
31
(GANDELMAN, 2005, p. 137). Segundo esse pensamento a justificativa para essa
prática seria que os bens dos mortos estavam sendo aplicado em resgate de suas almas.
Havia a crença de que o direcionamento dos bens para a caridade levaria a “limpeza”
dos recursos. Na conquista ultramarina, os conquistadores encontraram, nesses
empréstimos, a possibilidade de lucros inimagináveis.
A irmandade estabeleceu rigoroso controle sob estes empréstimos, que
procurava minimizar a depreciação do patrimônio. Essa forma de administração
financeira funcionou até o momento em que a crise financeira presenciada no Brasil
colocou os recursos nas mãos de comerciante, plantadores e membros da Mesa, que
abusaram dos empréstimos concedidos. Havia a garantia de pagamento dos legados aos
herdeiros dos comerciantes, viajantes e demais homens. Isto só era possível devido a
credibilidade que as Misericórdias tinham em todo o Império Colonial Português
(ROCHA, 2005, p. 36; GANDELMAN, 2005, p. 139).
Como não existiam bancos nas colônias ultramarinas até 1808, os recursos das
irmandades religiosas eram as principais fontes de crédito. Gandelman cita que a
Misericórdia era a principal instituição a desempenhar esse papel na Bahia. A
porcentagem de investimentos era tão volumosa que, com a crise açucareira do século
XVIII, afetou a irmandade diretamente. Santa Casa do Rio de Janeiro também aparece
como fonte credora. Suas práticas foram direcionadas para a compra de prédios urbanos
que contribuiriam para financiar as atividades. Isso caracterizou a Misericórdia como
capaz de produzir crédito, sendo primordial para as cidades portuárias que não
dispunham de bancos (GANDELMAN, 2005, p. 142).
Outro papel primordial desempenhado pela Santa Casa foi o casamento, que
sendo praticado pelas diversas classes sociais era considerado fonte de renda. Pelo
mundo colonial acrescenta-se a concessão de dotes a moças pobres e órfãs, preservando
assim a honra das mesmas e evitando a prostituição. Muitas dessas jovens vinham eram
transferidas para as cidades coloniais a fim de casar-se com colonos portugueses que as
desejassem. Isso pode ser associado à política metropolitana de casamento, que era
incentivada pelo fato de proporcionar status e segurança aos homens e mulheres na
América portuguesa. A respeito da concessão de dotes e das órfãs Gandelman afirma:
Na sociedade colonial, os dotes eram de fundamental importância na
constituição da economia doméstica. Mais que um adiantamento da
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
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herança, o dote era a base material em que se assentaria a nova
família.
(...) A Misericórdia dedica-se a oferecer, não sem grandes percalços e
resistências, a doutrina espiritual e temporal das órfãs, a vigilância
sobre suas honras e desordens, a concessão de dotes, o julgamento e a
atribuição de pretendentes. (ROCHA, 2005, p. 40)
As Santas Casas na América portuguesa assistiam aos presos, cuidando de suas
necessidades materiais e espirituais. Desempenhando um papel importante junto aos
condenados concediam a corda para seu enforcamento. Contudo, embebiam-na em água
forte de modo que esta rompia no momento da execução. Esta prática adveio da Matriz,
que não recebia ajuda financeira das instituições oficiais, contando apenas com as
doações. Por fim, a assistência aos enjeitados envolveu a Irmandade da Misericórdia em
um projeto que inseria as crianças e jovens sem família na colonização portuguesa, bem
como, retirava o ônus de sustentação e proteção material (ROCHA, 2005, p. 43-44).
No Brasil, essas atividades foram desempenhadas pelas diversas filiais da
Misericórdia. Suas fundações estavam diretamente ligadas a criação das cidades. Em
1532 D. João III concedeu capitanias hereditárias às pessoas que se dispusessem a
investir seu capital nas novas terras e as protegessem dos invasores. Contudo, esse
sistema fracassou. Desse modo, o rei nomeou Tomé de Sousa para Governador-Geral,
em 1549. Através de um regimento organizou-se sucessivas medidas para a verdadeira
ocupação das terras descobertas. Estas envolviam a defesa, a colonização, a propagação
do catolicismo e do comércio. A criação de um centro administrativo fortificado na
Bahia possibilitou uma melhor coordenação das atividades. O incentivo a construção de
engenhos de cana e de distribuição de terras contribuiu para o desenvolvimento real.
De acordo com as diretrizes do rei após ser conseguido a ordem pública nas
áreas litorâneas deveriam ser expedidas entradas para o interior. O sucesso dessa nova
forma de governo fez surgir diversas cidades ao longo do litoral. Junto com elas as
Santas Casas de Misericórdia. A honra da primeira instituição desta é disputada pelas
Capitanias de S. Vicente e Pernambuco. Este fato permeia questões documentais que se
sobrepõe. Mas, muitos historiadores concordam que a Misericórdia de Santos (1543),
fundada por Brás Cubas, tenha sido a pioneira (RUSSEL-WOOD, 1981, p. 30).
Utilizando-se de diversos documentos Gandelman explicita a construção de
diversas Santa Casas no Brasil durante o período colonial:
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
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Ao longo do século XVI foram fundadas as Misericórdias de Olinda
(ca 1539), Santos(1543), Salvador (ca 1549), Vitória( Ca 1545), São
Paulo (ca 1560), Ilhéus (1564), Rio de Janeiro (1582) e Paraíba (ca
1585). Já no século XVII teriam surgido as de São Luís165 (1622) e
Belém (1650). Na primeira metade do século XVIII teria sido criada a
Misericórdia de Outro Preto (1730). Russell-Wood lista ainda algumas
irmandades para as quais não foi possível encontrar informações sobre
as datas de sua fundação. O autor informa apenas que teriam surgido
até meados do século XVIII. Seriam elas: Itamaracá, Igaraçu, Recife,
Sergipe e Porto Seguro. Ao longo da segunda metade do século XVIII
e primeiras duas décadas do século XIX identificamos a criação de
mais nove irmandades da Misericórdia, a saber: Penedo (Alagoas)
(1767), Santo Amaro (1778), São João Del Rei (1783), Diamantina
(1790), Campos dos Goitacazes (1792), Sorocaba (1803), Sabará
(1812), Porto Alegre (1814), Parati (1822). (GANDELMAN, 2005, p.
126-127)24
Na Ásia, na África e no Brasil essas Misericórdias desempenharam um papel
fundamental de construção da sociedade. Se fazendo presente junto a administração, nos
financiamentos, na assistência aos carentes e no direcionamento espiritual da elite. O
surgimento dessa instituição em uma localidade demonstra que havia a tentativa de
desenvolver-la. Ou seja, a presença de uma Santa Casa pode ser considerada como
prerrogativa para definir o grau de colonização que era almejado pela administração. A
Coroa se fazia presente, portanto, através desse tipo de prática, pois a Misericórdia era
bem vista no reino e além-mar.
3.3 – A santa casa de Misericórdia da Paraíba: uma instituição leiga em uma
sociedade religiosa.
As margens do Rio Paraíba serviram de marco inicial para a fundação da cidade
de Filipéia de Nossa Senhora das Neves. Suas águas delinearam o percurso a ser
seguido rumo à colonização definitiva. Como força motriz, o curso fluvial contribuiu
para o desenvolvimento de diversos engenhos e, com seus afluentes, possibilitou a
defesa da região. Presentes em suas encostas se pode perceber, nos dias atuais, as ruas,
casarios, igrejas e monumentos que contam a história de uma povoação que logo
recebeu a denominação de cidade (OLIVEIRA, 1999, p. 45). Isso pode ser constatado
24
Algumas datações não possuem precisão, como é o caso da Misericórdia da Paraíba, a qual não possui
livro de Tombo original. Isso se deve ao fato de que durante a invasão holandesa diversos documentos
foram destruídos.
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
34
através do entendimento das instituições que se fizeram presentes desde fins do século
XVI, bem como da arquitetura e do traçado urbano que possui.
3.3.1 - Aspectos sociais e econômicos da Paraíba.
A história da cidade da Paraíba se confunde com a religiosidade de uma época,
as relações sociais vigentes e os interesses econômicos que contribuíram para a chegada
de diversos conquistadores europeus, como espanhóis, franceses, portugueses e
holandeses. Essa história está também diretamente associada à economia das capitanias
de Pernambuco e Itamaracá, pois a primeira possuía a pretensão de ampliar e defender
sua produção, enquanto a segunda ainda tinha um caráter incipiente e dependente nas
relações coloniais. O tráfico de pau-brasil existente ao norte dessas capitanias,
fomentado por aventureiros franceses, trouxe ameaças de invasão, ou seja, era
necessário proteger os engenhos e as cidades mais ao sul, estabelecendo uma base de
colonização ao norte do Rio Goiana.
A primeira expedição para a colonização da Paraíba, em 1574, surpreendeu os
Tupis – Potiguara, nativos da terra, e Tabajara, migrados da região do Rio São
Francisco, na Bahia – que guerreavam na região, em meio ao processo de ocupação dos
novos territórios pelos europeus. Os tapuias se colocaram defensivos diante à
dominação estrangeira, e o escambo permeou as relações entre os colonizados e
colonizadores. A presença dos franceses na exploração do pau-brasil era efetivada ao
longo do litoral, nos Rios Gramame, Mamanguape e Camaratuba. A assimilação destes
“civilizados” às aldeias potiguares chegava ao ponto de haver espaços reservados aos
reparos das embarcações destinadas ao transporte do pau-de-tinta aos portos do Velho
Mundo (GONÇALVES, 2007b).
Esse contexto acirrou as tentativas de conquista por parte da Coroa portuguesa.
No último quartel do século XVI, foram organizadas incursões a esta região ainda
selvagem, em meio a Unificação dos reinos de Portugal e Espanha e de uma crise
econômica. Os investimentos, portanto, couberam à iniciativa privada de homens que
pretendiam proteger seu capital, na mesma medida em que buscavam se instituir em
uma terra de riquezas naturais ainda inexploradas em sua totalidade. As ordens do rei D.
Sebastião eram de iniciar os combates. O donatário de Pernambuco, Duarte Coelho, se
coloca à frente das negociações com a Coroa e na luta de conquista propriamente dita.
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
35
Após sucessivas expedições sem sucesso, os conquistadores assinam um acordo
com a tribo Tabajara, contra os Potiguares, de modo a criar uma relação de troca
comercial e de favores com os europeus. Nesse momento, instituiu-se a criação da
cidade de Filipéia de Nossa Senhora das Neves e a instalação, paulatina, de todo um
aparato administrativo e religioso. É válido salientar que a conquista definitiva da região
ocorreu apenas no ano de 1599, a partir da rendição dos potiguares às diretrizes
portuguesas. O início da construção da cidade foi permeado, portanto, pela presença da
guerra contra os indígenas e com os franceses, que não queriam perder o acesso ao
escambo de pau-brasil.
O local de fundação da cidade seguiu as diretrizes das Leis das Índias
(HOLANDA apud OLIVEIRA, 1999, p. 44), que determinava que se priorizasse a
defesa. Dessa forma, como afirma Moura, o início da cidade ocorreu em um platô que
possibilitava tanto a visão ampla de seu entorno, atendendo ao critério defensivo,
quanto a disponibilidade de “fonte de água doce, pedra para cantaria e produção da cal
necessárias à fábrica das edificações que abrigaram a população daquele nascente
núcleo urbano” (MOURA, 2005, p. 142; OLIVEIRA, 1999, p. 48). Outro fator seria
também a fertilidade do solo da região para o cultivo da cana-de-açúcar e a produção
dos melhores paus-de-tinta da colônia (GONÇALVES, 2007, p. 27).
O traçado urbano da nova povoação coloca-se entrelaçado com o papel que a
cidade possuiria perante a colônia, ou seja, representava a administração e a justiça Real
na capitania, do mesmo modo em que deveria centralizar a surgimento de engenhos de
açúcar e disseminar o catolicismo, que seria levado até o gentio através das diversas
ordens religiosas que se fizeram presentes na conquista. Esse último fator apresenta-se
em diversos relatos contemporâneos às primeiras décadas da colonização. Dentre eles, o
governador holandês Elias Herckmans descreve a presença religiosa da então chamada
Friederikstadt, da seguinte forma:
A cidade Frederica está situada ao cumprido sobre a eminência do
monte que fica defronte da Baia do Varadouro. Contam-se nela seis
igrejas e conventos, que são os seguintes. O Convento de S. Francisco
é o maior e o mais belo (...)
Segue-se o Convento dos Carmelitas, cujos frades se têm conservado
nele até o presente. O convento não está ainda de todo acabado,
porque somente há poucos anos que este lugar é cidade, em grande
parte lhes faltaram os meios.
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
36
O mesmo se dá com o convento de S. Bento. Quando os Neerlandeses
o ocuparam, estavam levantadas as suas paredes, mas não tinha
coberta, e muito menos se achava interiormente construído. (...)
Alem destes três conventos, há nessa cidade três igrejas, a principal
das quais é a matriz. Uma obra que promete ser grandiosa, mas até o
presente não foi acabada, e assim continua, arruinando cada vez mais
de dia em dia. (...)
Segue-se a igreja da Misericórdia. Esta quase acabada; os
portugueses serviram dela de matriz. O seu fundador foi Duarte
Gomes da Silveira, senhor de engenho, que a construiu a sua custa
(...)
A sexta e última igreja, que assinala também o limite extremo da
cidade, é uma igrejinha, ou, para melhor dizer, uma simples capela
com a denominação de São Gonçalo.
Daí se estande a cidade para o oriente até o convento de S. Francisco
com o comprimento de quase um quarto de hora de viagem, mas
escassamente edificada e com muito terreno desocupado.
(HERCKMANS, 1639, p. 13-14)25
Analisando essa descrição e a diversidade de irmandades presentes, bem como a
existência de uma Casa de Misericórdia, coloca-se o questionamento da importância da
presença religiosa na capitania. Apenas diante da organização de uma sociedade voltada
para o desenvolvimento econômico é que se pode justificar esse fato, pois elas serviriam
para atender aos moradores brancos, aos índios a catequizar, ou até à nova sociedade
formada por esses elementos (MOURA, 2005, vol. 1, p. 172).
No conjunto de ruas formadas pelas principais igrejas – convento franciscano, ao
norte, Igreja da Misericórdia, ao sul, o convento carmelita a leste, e o beneditino a oeste
– pode ser percebido o desenho de uma cruz (OLIVEIRA, 1999, p. 50). A partir disso
pode ser inferida a importância que tais religiosos e congregações possuíam dentro da
cidade como, também, de suas edificações, quase todas surgidas com linhas simples, as
primeiras versões em taipa, e depois aprimoradas com alvenaria de pedra calcária.
O processo de construção dos edifícios relevantes à administração e à religião
estava condicionado aos poucos recursos da Coroa, que passava por uma crise. Dessa
forma, a capitania estava mais bem representada pelos homens que a constituíam.
Utilizando o pensamento de Carlo Aymonino, Moura discute o papel da arquitetura na
construção da cidade:
Talvez este processo de construção da cidade pode ser mais facilmente
entendido, fazendo-se uma apropriação do pensamento de Carlo
25
Grifos nossos.
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
37
Aymonino, segundo o qual, a arquitetura justifica-se a partir de uma
‘necessidade a ser atendida’. Mas a sua materialização só é requerida a
partir do momento em que as novas atividades ‘atingem uma fase da
sua organização mais complexa e articulada, com a consequente
tendência para se tornarem definitivas, ou seja, estáveis, em relação a
um determinado período de tempo’. Nesse momento, essas atividades
exigem sua ‘validação numa construção’, e a arquitetura passa a
representá-las perante a sociedade e a compor a imagem da cidade.
(MOURA, 2005, vol. 1, p. 173)
Assim a cidade foi erigida por seus moradores, seguindo normas espanholas,
mas também atendendo às necessidades de acesso ao porto, à alfândega, à água, às
jazidas de pedra calcária e, no alto da encosta, à igreja matriz e ao forte. Seus lotes de
terra possuíam certa regularidade, o que proporcionou a formação de quarteirões
regulares e, consequentemente, de ruas paralelas, que foram desenhando o traçado
urbano. A Rua Nova pode ser analisada como o eixo ordenador dessa urbanização,
agregando a população em seu entorno. Esse ordenamento foi supervisionado pela
Câmara, que controlava as dimensões dos lotes a serem doados tanto às ordens
religiosas quanto aos membros da elite. Devido à escassa documentação a respeito de
um plano pré-estabelecido para o desenho da cidade, pode ser afirmado apenas que
houve a pretensão a essa regularidade, resquícios, portanto, de uma política
renascentista ainda presente em Portugal (MOURA, 2005, vol. 1, p. 185; p. 197-198).
Fig. 8 - Detalhe de “Frederyce Stadt”, mapa manuscrito, aquarelado, do Atlas de J. Vingboons, existente
no Algemeen Rijksarchief, Haia, Países Baixos26. Em destaque, o prédio da Igreja da Misericórdia.
26
Ilustração completa com 63 X 42 cm. Disponível em: <http://www.atlasofmutualheritage.nl/>. Acesso
em: 16 dez. 2007.
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Com a paz definitiva firmada com o Potiguares, a Parahyba se desenvolveu de
forma mais acentuada. Tal situação se consolidou apenas em 1599, podendo ser
percebida através do relato de Herckmans que, apenas cinco décadas após a fundação da
cidade, afirmava que já existiam seis igrejas em seu núcleo urbano. Em relação à
economia percebe-se um grande crescimento, “em especial no período 1587-1618,
quando, em cerca de trinta anos a Capitania viu a instalação de vinte engenhos”
(GONÇALVES, 2007, p. 188). A povoação da várzea do Rio Paraíba inseriu na
paisagem as plantações de cana-de-açúcar, que tornaram a capitania uma produtora de
açúcar em larga escala27.
A agromanufatura açucareira estava ligada à capitania de Pernambuco, onde se
localizava o movimento comercial de peso na região. Assim, a economia paraibana
colonial pode ser considerada um prolongamento da que ocorria na capitania ao sul,
principalmente pela presença da elite local pernambucana na própria formação da
cidade de Filipéia de Nossa Senhora das Neves, desde a conquista até a construção do
núcleo urbano inicial. Essa chamada “nobreza da terra” era baseada em ricos
proprietários que adquiriram esse status através de casamento com moças da elite ou
foram contemplados pela doação de terras devido à participação na guerra de conquista,
passando tais homens, assim, a compor a sociedade “nobre” local. Grande parte
daqueles que chegaram para colonizar estavam fugindo da pobreza, ou pelo menos, da
impossibilidade
de
tornarem-se
grandes
senhores
nas terras
pernambucanas
(GONÇALVES, 2007, p. 94-93).
A respeito dessa população, Moura afirma:
Portanto, esses homens desempenhavam ao mesmo tempo diversos
papéis, dividindo-se entre as funções de proprietário rural, funcionário
da administração portuguesa, comerciante, comandante das
conquistas, e demais encargos que as circunstâncias exigissem, e para
os quais estivessem minimamente preparados para assumir, incluindo
entre estes, muitas vezes, o de construidores de fortificações e demais
estruturas edificadas que se fizessem necessárias. (MOURA, 2005,
vol.1, p. 150)
27
De acordo com Gonçalves foram concedidas, no período de 1586 a 1624, vinte e quatro datas de terra,
distribuídas na cidade e nas bacias dos Rios Gramame, Paraíba, Mamanguape, Camaratuba e
Curimataú. Dessa forma, segundo a autora, foi sendo realizada a “limpeza da terra” (GONÇALVES,
2007, p. 169).
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Desse modo, a construção dessa sociedade, em suas especificidades, relações
sociais e econômicas, conflitos internos e externos, foi sem dúvida permeada, também,
por acordos de paz e derramamento de sangue. Instituir uma cidade em meio a riquezas
naturais, mas também, repleta de nativos de insurgentes colocou a prova os interesses de
homens ricos e pobres. Em meio a isso associa-se a atividade mercantil que baseava a
economia do Reino Português e de suas províncias, no caso a de Pernambuco e
Itamaracá. As guerras travadas em prol da conquista definitiva serviriam para formar
uma sociedade no moldes europeus da mesma forma em que, ajudados pelos
missionários religiosos, conseguiriam agregar os diversos povos em um único mundo
cristão.
3.3.2 - Duarte da Silveira: contribuições na fundação da capitania.
Na ocupação da Paraíba, muitos foram os personagens que fizeram parte dessa
história. As contribuições desses homens permearam tanto a conquista contra os
potiguares quanto a edificação da cidade de Filipéia de Nossa Senhora das Neves. Os
diversos investimentos particulares para a instalação da infra-estrutura urbana que
deveria auxiliar no escoamento da produção açucareira não pode passar despercebido:
os engenhos localizados nos afluentes do Rio Paraíba tornaram a capitania um
referencial no fabrico do açúcar.
Como já foi dito, a “nobreza da terra”, responsável por tal processo, fortemente
ligada à elite pernambucana, passou a formar o núcleo principal da sociedade colonial
na capitania paraibana. A mobilidade com que circulavam entre as capitanias vizinhas e
a própria metrópole tornavam-nos aptos a exercer qualquer função governamental, ou
seja, a experiência militar e a nobreza adquirida nessas viagens possibilitavam tal
inserção. A respeito disso, Moura afirma:
No caso especifico da Paraíba, acredita-se que os fundamentos da
cidade Filipéia deveram-se muito mais a homens com este tipo de
formação pragmática, pois é desconhecida, até o momento, qualquer
referência à existência de uma traçado ou plano pré-estabelecido para
essa cidade. (...)
O Summario das Armadas, sendo uma crônica de época sobre a
fundação da Filipéia, não permite questionar o fato de ter o ouvidor
Martim Leitão confiado a “Manuel Fernandes, mestre das obras d’el
rei, Duarte Gomes, João Queixada e outros” a escolha dos possíveis
sítios para a implantação da cidade.(MOURA, 2005, vol. 01, p. 151)
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Nesse contexto, Duarte Gomes da Silveira se insere como um dos
conquistadores da Paraíba. Sua história pessoal se confunde com os diversos
acontecimentos iniciais da capitania, seja no âmbito econômico, seja no político.
Nascido em Olinda, por volta de 1555, era filho de membros da elite pernambucana.
Seus pais, Pedro Alves da Silveira e Maria Gomes da Silveira, portugueses e colonos,
foram os primeiros proprietários do Engenho de Massipe. Há indícios, no entanto, de
uma ascendência mulata, advinda de seu tio Domingos da Silveira por via materna.
Contudo esse fato, que poderia ser uma herança comprometedora para o restante da
família, foi sendo apagado gradativamente pelo patrimônio que Duarte da Silveira
adquiriu no decorrer de sua vida (GONÇALVES, 2007, p. 149; SEIXAS, 1987, p. 35).
Nos confrontos da conquista, esse nobre da terra participou nas campanhas
contra os potiguares e franceses nos anos de 1583, 1585 e 1586. Durante esse período se
casou com a filha de um burocrata pernambucano, João Tavares, que viria depois a ser
governador da Paraíba e firmar a paz com o chefe tabajara Piragibe. O vínculo com a
nobreza de sangue colocou-o em um patamar mais elevado, somando-se a isso sua
atuação militar. Em forma de mercê por seu desempenho no processo de conquista, foi
um dos primeiros a receber sesmarias, bem como diversas concessões de terra, na
medida em que as fronteiras da capitania se expandiam (GONÇALVES, 2007, p. 149).
Em comentário sobre a Igreja da Misericórdia, Elias Herckmans28 afirma que
Duarte Gomes contribuiu diretamente para a “edificação da cidade, auxiliando com
dinheiro a muitos moradores que desejavam construir casas” (HERCKMANS, 1639, p.
14). Essa afirmação pode estar ligada às relações que este homem de atitudes
pragmáticas possuiu com o governo holandês. No período de domínio da WIC na
região, Duarte assumiu uma posição favorável à invasão, de modo a garantir a
preservação de suas posses. Antes de tomar tal resolução, procurou o então governador,
Antônio de Albuquerque Maranhão, a fim de comunicá-lo de sua decisão. No entanto, o
governador mandou prendê-lo, alegando traição. Os holandeses, sabendo de tal
acontecimento, se dirigiram para a prisão, sob ordens maiores, para lhe restituir a
liberdade (SEIXAS, 1987, p. 89).
28
Elias Herckmans foi um dos governadores da capitania da Paraíba durante o período em que a WIC
(West Indische Compagnie – Companhia das Índias Ocidentais) assumiu o governo desta e das
capitanias de Pernambuco, Itamaracá e Rio Grande do Norte.
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
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Exemplificando melhor a atuação de Duarte da Silveira nesse período, se pode
citar o momento em que ele dirige uma representação aos Estados Gerais da Holanda,
reclamando das garantias que haviam sido prometidas aos populares no momento da
invasão. Pedia, também, que não se aumentassem os impostos e o financiamento de
clérigos por parte do governo, já que a presença destes não ocorreria sem tal
prerrogativa. Tal fato possibilita entender a importância que Duarte possuiu nos
primeiros anos da colonização da Paraíba.
O beneficiamento do açúcar como principal atividade do Brasil colonial é um
assunto muito abordado por diversos autores. Na Paraíba, sua presença foi definidora
das relações sociais, políticas, econômicas e no desenho urbano do núcleo inicial da
sede da capitania. Seus proprietários, basicamente, eram membros da elite
pernambucana. Duarte da Silveira se tornou senhor-de-engenho através de doações de
terras como pagamento da Coroa ibérica a seus préstimos na conquista: a construção do
Engenho Salvador do Mundo iniciou-se em 1585, com a produção de açúcar iniciandose somente onze anos depois, em 1596, tendo sido concedida, pela instalação da
moenda e casa de purgar, dez anos de isenção de impostos, ou seja, um benefício que se
estenderia até 1606 (GONÇALVES, 2007, p. 148-149).
Esse engenho chegou a produzir, por exemplo, mais de 1600 arrobas de açúcares
branco, mascavo e panela, dez anos depois de iniciar suas atividades, já em 1606. Com
uma moagem muito grande se tornou um dos maiores engenhos da Paraíba. Contudo,
passou a ser chamado de Engenho Nossa Senhora da Ajuda naquele ano, como artifício
de Duarte da Silveira para conseguir mais dez anos de isenção de impostos. A partir
disto, inicia-se todo um processo de acusação por parte do Capitão-Mor João Rebello de
Lima, que culminou no ano de 1616, a fim de restituir à Coroa os valores que foram
“sonegados”. Conforme a carta enviada pelo Capitão-mor a Lisboa, deveria ser paga
uma quantia de 40.000 cruzados e punição para aqueles fiscais que foram coniventes
com o senhor de engenho. Todo esse processo foi motivado pela construção do engenho
de São Cosme e Damião por Ambrósio Fernandes Brandão, represando as águas que
serviam para o Salvador moer (GONÇALVES, 2007, p. 150; SEIXAS, 1987, p. 80-81).
Acerca do desfecho desse inquérito Gonçalves afirma:
(...), não são conhecidos os resultados oficiais da denúncia do Capitãomor, mas, por volta de 1624, Duarte Gomes da Silveira, que era
vereador da Câmara de Felipéia de Nossa Senhora das Neves, ocupava
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
42
também o cargo de ‘sesmeiro’ da Capitania da Paraíba, cuja a
nomeação era feita pelo próprio rei. Essa era uma situação inusitada,
tendo em vista que usualmente, a prerrogativa da distribuição de terras
fazia parte das atribuições do Governador da Capitania
(GONÇALVES, 2007, p. 151).
Essa ligação direta entre o acusado e a Coroa, levou-o a adquirir terras e
vantagens quanto a cargos políticos. Em sua trajetória Duarte construiu, também, a
Capela do Salvador do Mundo, ao lado da Igreja da Misericórdia, para a instituição do
Morgado com mesmo nome, ao qual vinculou “todos os seus bens, cujas rendas seriam
revertidas em beneficio não apenas dos seus herdeiros, como dos pobres desamparados,
das viúvas, dos órfãos, e também para as missas em sufrágio de sua alma ‘enquanto o
mundo durasse’ ” (SEIXAS, 1987, p.95-96).
Diversos autores destacam também a criação da Santa Casa de Misericórdia da
Paraíba, evento ligado diretamente à figura de Duarte da Silveira. Seu papel
assistencialista contribuiu para o auxílio das camadas mais necessitadas da sociedade
paraibana de então. De seu complexo faziam parte a Igreja da Misericórdia e o Hospital.
Este atendia aos doentes e pobres, mas foi edificado posteriormente ao templo
(SEIXAS, 1987, p. 50; p. 65). Os primeiros indícios da construção eclesiástica
encontram-se na ata que foi registrada nos livros de Tombo da Igreja Matriz, quando
ocorreu a visitação do Santo Ofício, ainda em 1595. Desse modo, não há como precisar
o início da construção destas edificações, mas que ocorreu em meados da última década
do século XVI. O papel dessa igreja na esfera eclesiástica permeou o fato de que foi
muitas vezes utilizada como Matriz. Como afirma Seixas, utilizando os escritos desses
livros:
Tendo no dia 8 de janeiro daquele ano se instalado o AUTO DA
SANTA INQUISIÇÃO, quando então se realizou uma procissão
solemne, partindo da Igreja da Mizericórdia athe a Igreja Matriz,
procissão durante a qual foram lidos e publicados o édito da fé, o édito
da graça e o monitório em geral. (SEIXAS, 1987, p. 39)
As contribuições de Duarte Gomes da Silveira permeiam obras sociais e
edificações que ainda podem ser encontradas no dia-a-dia da capital paraibana, nos
diálogos junto aos holandeses e à Coroa, na formação de engenhos e da própria cidade.
Ou seja, trata-se de personagem de suma importância para o melhor entendimento da
História da Paraíba em suas primeiras décadas. Utilizando o pensamento de Gonçalves,
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
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é possível afirmar que ele “foi de guerreiro a proprietário de terras e benfeitor da cidade,
de rico e respeitado senhor de engenho a réu num processo em que aparece como
fraudador da Fazenda Real” (GONÇALVES, 2007, p. 152). Representou as
particularidades da elite local que se adaptava às ordenações vigentes, de forma a
garantir seus privilégios, fosse perante a Coroa ou aos invasores batavos.
3.3.3 - Santa Casa da Paraíba: a instituição.
A edificação da cidade de Nossa Senhora das Neves, bem como a instalação da
Capitania da Paraíba, foram empreitadas que se constituíram através de investimentos
particulares, como já foi exposto. Os engenhos, as ruas traçadas e os edifícios
construídos demonstram a importância que a região tinha para a Coroa portuguesa. A
elite pernambucana que se instalou procurou aumentar seus lucros e aqueles que eram
marginalizados pela origem perceberam a possibilidade de ascensão social. A igreja
Católica Romana, representada pelas diversas ordens religiosas, foi paulatinamente
tornando-se parte da paisagem e do cotidiano da população.
A montagem de todo um aparato social, eclesiástico e de infra-estrutura para o
desenvolvimento econômico se fez presente desde o início da colonização. A fundação
de uma Santa Casa de Misericórdia pode ser também um indicativo das pretensões de
expansão que a elite local possuía. Isso se deve ao fato de que uma instituição dessas
estava presente nas cidades mais importantes da Colônia. No mesmo século em que
surgiu a Santa Casa de Olinda, a da Bahia e a de Santos, a da Paraíba foi edificada
(SEIXAS, 1987, p. 27).
Os registros acerca da fundação da Santa Casa de Misericórdia da Paraíba,
presentes em seu Livro de Tombo, foram perdidos com a invasão holandesa. Alguns
autores locais tentaram reunir informações e documentos sobre tal instituição, contudo
as fontes que sobreviveram são esparsas. No entanto, cronistas que participaram do
início da construção da cidade citam a presença da Misericórdia na capitania. O relato
mais antigo é o presente no livro de Tombo da Igreja Matriz, quando ocorreu a visitação
do Santo Ofício, conforme citado anteriormente. É de consenso, entre a maioria dos
historiadores, no entanto, que a figura de Duarte Gomes da Silveira erigiu não somente
a Igreja da Misericórdia, mas também o complexo assistencialista de que esta fazia
parte.
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um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
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A característica filantrópica desta instituição se representou pela construção do
Hospital da Santa Casa, que ocorreu posteriormente à construção da Igreja, devido às
normas gerais que eram aplicadas às outras Casas semelhantes existentes no Reino e na
América. Anteriormente à edificação do prédio propriamente dito, os atendimentos
eram realizados em casas particulares, “onde os Irmãos da Misericórdia levavam o
lenitivo à dor, o pouso, o pão, a roupa e os remédios nas pequenas choupanas que
habitavam” (SEIXAS, 1987, p. 65). O prédio que foi construído para abrigar tais
atividades, posteriormente, localizava-se ao lado da Igreja da Misericórdia. Com a
invasão holandesa, este foi destruído, mas em 1754, segundo registros, se reiniciou sua
construção através de doações dos habitantes da Capitania, sob a tutela do provedor
Antônio José dos Foyos. Através de um documento expedido para a Coroa há o pedido
de ajuda para essa obra. Tal registro é transcrito por Seixas:
O Provedor, Irmãos da Mizericordia da Prahiba, fizerão prezente a V.
Magde. Por esse Conselho, em como eregida aquella Santa Caza o
será tãobem o Hospital della, que se conservou athé a tomada do
Olandez, tempo em que não só fora o dº destruído, mas tãobem ficara
sem maes renda, que limitado rendimento dos dízimos de ovos,
frangos e maes aves, que os amtecessores de V. Magde. Por piedade
lhe concederão, e que athé o prez.te se tem conservado aquella terra
nesta mizeria augmentando esta o numero do povo, que tinha
acrescido, de sorte que muyta parte desta morria à necessidade pella
falta de qeum os socorra, como se testificava pellas certidoes, que
offerecião, pois ainda, que aquella Mizericordia, lhe quizer a accudir,
as poucas posses, e rendimento, os impocibilitava para os socorrer.
Que esta consternação, e ruína de tanta pobreza os comoveu o anno
antecedente a acordaram se reedificasse o dº Hospital, e q. com
effeito se lhe dera principio, estando já parte das paredes levantadas
e pedra prompta para maes obra; mas como esta obra hera de custo,
e rend. º nenhum, e as esmolas menos e não podião suprir com tudo
as suas impocibilidades; recorrião a grandeza e piedade de V.
Magde. Para que uzando dos atributos della, e como proctetor
daquella Sacta Caza, e senhor, mande dar-lhe hua esmola para esta
meritorria obra, a qual lhe tão bem de grande utilidade para a
Infantaria, que lhe experimentava a mesma calamidade que não terão
duvida curar aplicando V. Magde. Para aquela algum rendimento e o
soldo no tempo da doença, aimitação de Pernambuco e Miaz. De
Olinda na conformidade da Ordem de que remetemos a copia; no que
V. Magde. Manda o que for sevido. Par.ª escripta em Meza de 5 de
Junho de 1754. O Provedor Antonio Jose dos Foyos, o escrivão José
Tavares da Silva, Braz de Mello Muniz, Zacarias de Oliveira Ribeiro,
Damião de Macedo do Amaral, Manoel Miz Grangeiro, Manoel Pinto
da Costa, Roque Roiz Correia, Francisco Pereira das Chagas,
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
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Domingos Baptista Requeira, João Ignacio Baptista, Jose da Costa
Lisboa. (SEIXAS, 1987, p. 67-38)29
Desse modo, em 16 de Dezembro de 1755 a Coroa envia a quantia de oitocentos
mil-réis para o Hospital. O atendimento a diversas doenças exigia a presença de
profissionais especializados, tendo sido contratado para isso “um médico (clínico), dois
cirurgiões, um sangrador, um enfermeiro e dez escravos” (SEIXAS, 1987, p. 68)30.
Na fachada do Hospital havia uma peça especial, a roda dos expostos, destinada
a receber as crianças bastardas ou órfãs que a sociedade rejeitava. Elas ficavam a cargo,
primeiramente, de uma enfermeira que lhes concedia os primeiros-socorros, depois
babás seriam designadas para lhes criar, através de uma mensalidade paga com os
recursos da Casa. A organização dessa atividade dentro da instituição era de
responsabilidade de um mordomo (SEIXAS, 1987, p. 56)
O funcionamento do hospital ocorria através das doações que lhe eram
concedidas. Seus administradores, comumente, eram membros da elite local que
buscavam, por meio de sua dedicação em favor dos pobres, o reconhecimento social.
Com o decorrer dos anos, o crescimento da cidade passou a exigir mais do Hospital,
sendo portanto necessária a construção de um edifício maior, que ocorreu em 1908, no
bairro conhecido por Cruz do Peixe (SEIXAS, 1987, p. 78).
Outra obra assistencialista desenvolvida por Duarte Gomes da Silveira foi a
instituição do Morgado31 do Salvador do Mundo. Há divergências quanto à data de sua
fundação, mas existe unanimidade quanto à década de 1630 entre os autores que
abordam o assunto. O senhor de engenho vinculou à nova instituição seus bens, em prol
do benefício da população da Capitania, ou seja, da Santa Casa de Misericórdia. A
representação do Morgado na Igreja da Misericórdia se fez presente na capela com a
mesma denominação. No momento dessa criação, o referido benfeitor havia herdado de
seu filho, João Gomes Bezerra da Silveira, bens que somavam cem mil cruzados. Isso
29
Grifos nossos.
Segundo Seixas, o médico que foi indicado em 1746 pelo governador da Capitania, Antônio Borges da
Fonseca, foi José Dias Tourinho, que provavelmente, chegou ao Hospital antes de sua reforma
(SEIXAS, 1987, p. 69).
31
Morgado é uma propriedade vinculada ou conjunto de bens vinculados que não poderiam ser vendidos
pelo herdeiro, comumente o primogênito. É uma instituição antiga em Portugal, tendo sido regulada em
lei datada de 15 de dezembro de 1557, por D. Sebastião. Aqueles que se utilizavam desse meio para
proteger seus bens eram considerados de uma classe privilegiada (SEIXAS, 1987, p. 96-97).
30
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
46
ocorreu devido à morte deste nas guerras contra os holandeses. Somado a estes bens,
Seixas afirma:
Possuía ele então os Engenhos Nossa Senhora da Ajuda e Santo
Antônio; 2 casas na rua Direita; 1 na rua Nova, em que
morou(...).Alem desses prédios, Duarte Gomes deixou latifúndios no
interior da Capitania: 1 lote de terras na ribeira do Paraíba; 1 légua de
terra de comprimento por ½ de largura nas testadas com o capitão-mor
Feliciano Coelho de Carvalho; 8 léguas de terra na ribeira de
Nacubezeira; 1 légua de terra no distrito de Tacoatuba; 2 léguas de
terras na Serra de Cupaóba, que se diz Guanabubaba (SEIXAS, 1987,
p. 96).
Devido à morte de seu herdeiro direto, a herança de Duarte Gomes da Silveira
foi transferida para o seu neto, Duarte Gomes da Silveira Neto, que não cumpriu a
determinações da escritura do Morgado. Ou seja, segundo esta os bens vinculados não
poderiam ser vendidos, ou seja, eram inalienáveis. Em negociações que se sucederam
após a morte do avô, Duarte Neto transferiu o engenho de Nossa Senhora da Ajuda para
João Fernandes, e o de Santo Antônio para André Vidal de Negreiros, por exemplo.
Quando o irmão de Neto, Antônio Barbalho de Bezerra, chegou à maioridade, procurou
reclamar à Justiça a devolução dos bens alienados ao Morgado. Contudo as negociações
eram com grandes personagens dentro da sociedade colonial, o que dificultava o
prosseguimento do processo. Utilizando seu cunhado, Baltazar da Rocha Bezerra,
Antônio se dirigiu à Coroa através de uma petição, transcrita por Seixas em sua íntegra:
Diz Antônio Barbalho Bezerra, por seu procurado, que instituindo
Duarte Gomes da Silveira, seu avô, o Morgado e Capela do Salvador
do Mundo, na Santa Casa da Misericórdia, da cidade da Paraíba do
Norte, sucedeu na dita administração o capitão Duarte Gomes da
Silveira, Irmão dele suplicante, o qual como filho mais velho a quem
tocava a sucessão, vendeu a alienou todos os bens vinculados a dita
Capela que valem mais de cem mil cruzados, alienando-os
prodigamente, obrando em tudo contra a instituição da dita Capela e
Morgado, com que pelas cláusulas dela ficou logo perdendo o direito
de sucessor e é ele suplicante chamado da dita sucessão(...) (SEIXAS,
1987, p. 98)
O desfecho deste processo ocorreu apenas em 1847, em favor da Capela,
contudo devido ao longo tempo de espera, os bens já haviam sido dissipados. A partir
desse momento, a administração do Morgado passou à direção da Santa Casa da
Misericórdia. O funcionamento dessa instituição, de acordo com Seixas, estava regido
pelas regras da Santa Casa de Portugal, assim como ocorreu com as demais instituições
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
47
de mesmo nome espalhadas pelo Brasil. Contudo, Gonzalez, percebe que a “bandeira da
Misericórdia local não é idêntica a de S. João Del Rey” (GONZALEZ, 1958, p. 122).
Como esse distintivo deveria ser igual ao presente no Compromisso da Casa, o autor
questiona a rigorosidade na utilização dos moldes da Casa de Portugal. Soma-se a isso a
falta de um corpo organizacional de pessoas capacitadas para cumprir as exigências da
Irmandade da Misericórdia, já que o nascente povoado ainda em formação não possuía
“nada de Ouvidor, nem Juis, nem Vereador, nem Câmara - diz um documento de 1595”
(GONZALEZ, 1958, p. 123). Devido ao desaparecimento do arquivo do templo, apenas
o Compromisso de 1727 pode hoje ser analisado.
Seixas descreve como funcionava a administração da Santa Casa da seguinte
forma:
Por esse Compromisso, a administração da Santa Casa da Paraíba
ficou dividida em duas partes, a legislativa e consultiva confiada a
uma Junta de vinte Definidores, e a propriamente executiva, delegada
à Mesa Administrativa, composto do provedor, escrivão, tesoureiro,
procurador geral, mordomos do Hospital e Expostos, de Prédios e
Terras, de Igreja e Cemitério, dos Presos e Visitador, todos nomeados
pelo presidente da Província. (SEIXAS, 1987, p. 122)
De acordo com esse Compromisso, os sócios deveriam cumprir diversos
requisitos que, basicamente, referiam-se a sua origem, ou seja, deveriam ser “limpos de
sangue, sem raça de mouro ou judeu” (SEIXAS, 1987, p. 123). As atividades que
deveriam ser executadas permeavam não apenas a assistência aos pobres, mas também,
o enterro, as orações para estes, a visitação aos presos, a realização de procissões em
nome da Misericórdia e a catequização dos cativos. A organização da Casa representa as
diretrizes que a sociedade colonial possuía, ou seja, o status adquirido com as
contribuições para esta era fundamental para a colocação que o membro teria em um
meio baseado em relações incipientes entre a elite local. A isso associa-se a presença
constante de doações feitas à Santa Casa nos testamentos da elite local (SEIXAS, 1987,
p. 125-126). A importância dessa Irmandade permeou as diversas esferas formadoras da
cidade de Nossa Senhora das Neves, seja na religiosidade, na política, na economia, ou
seja, no cotidiano e na história de uma capitania em que a religião se fez sempre
presente.
YZ
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
48
4. A IGREJA DA MISERICÓRDIA: UMA ANÁLISE DA
ARQUITETURA CHÃ NA PARAÍBA.
4.1 - A Igreja da Misericórdia: registros sobre sua construção.
No processo de urbanização da Capitania da Paraíba a presença religiosa como
definidora das ruas é de fundamental importância. A Igreja Matriz pode ser considerada
como elemento definidor da espacialidade inicial, ou seja, em função desta é que as
demais edificações irão ser construídas. Da mesma forma estão as doações feitas às
Ordens beneditinas e franciscanas para a construção de seus mosteiros. De acordo com
Murilo Marx a localização dos edifícios públicos estarem definidas a partir dos
religiosos, bem como, as casas nos terrenos fronteiriços a estes, era uma prática comum
no Brasil colonial (MARX apud MOURA, 2005, vol. 1, p. 189).
A Rua Nova se coloca como eixo ordenador da cidade, ligando o Varadouro à
cidade Alta e agregando a população ao seu redor. Posteriormente, com o pedido de
novas terras pelos beneditinos, em 1604, definiu-se mais uma via, sendo perpendicular a
Rua Nova, tendo a Santa Casa de Misericórdia como ponto referencial. Dessa forma,
foram sendo concedidos diversos lotes que passaram a formar ruas paralelas. A Igreja
da Misericórdia será muitas vezes citada nos diversos documentos como marco para a
disposição desses. A respeito disso Moura nos afirma:
Sobre a formação desses quarteirões da Rua Nova, também, se
observa que em sentido transversal, eles foram delimitados por ruas
secundárias que surgiram condicionadas à implantação de edifícios de
caráter religioso, os quais deram-lhes as respectivas denominações –
Rua da Misericórdia e Travessa do Carmo. Mas estas mantiveram a
regularidade à Rua Nova, situada em consonância com aqueles
edifícios referenciais (MOURA, 2005,vol. 01, p. 197).
A localização da Igreja da Misericórdia é salientada por Moura, devido à
particularidade que possuiu, pois sua fachada está alinhada à Rua Direita, voltada para o
poente. Tendo sido fundada por Duarte Gomes da Silveira, não se sabe ao certo o que
teria motivado este a construí-la dessa forma. Contudo pode ser indagada a tentativa de
instituir uma regularidade no traçado urbano da cidade. Mesmo não havendo
conhecimento de um plano diretor para a Filipéia sabe-se que era uma prática comum
nos núcleos urbanos nascentes entre fins do século XVI e começos do século XVII
(MOURA, 2005, vol. 1, p. 198).
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
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8
1
2
B
C
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A
E
5
Fig. 9 - Localização de alguns pontos referenciais e das ruas da Filipéia, identificados sobre cartografia
holandesa de c. 1640. LEGENDA: 1 – Varadouro; 2 – Forte do Varadouro; 3 - Igreja Matriz; 4–
Mosteiro de São Bento; 5 – Convento Franciscano; 6- Convento Carmelita; 7– Casa da Misericórdia; 8 Capela de São Gonçalo e casa dos jesuítas; A - Rua do Varadouro; B - Rua Nova; C - Rua da
Misericórdia; D - Travessa do Carmo; E - Rua Direita.
Fonte: REIS FILHO apud MOURA, 2005, vol. 1, p. 192.
O surgimento de uma Santa Casa de Misericórdia na Paraíba foi promulgado
através de um Alvará, como ocorria comumente, expedido pelo rei. Os Irmãos dessa
confraria gozavam de diversos privilégios, mas foi a necessidade de um local para o
tratamento dos doentes que levou à construção da Igreja da Misericórdia, sendo tal fato
considerado o primeiro passo para a posterior edificação do Hospital (GONZALEZ,
1958, p. 121). Os registros sobre esta se fazem presentes, também, nos escritos do
sargento-mor Diogo Campos Moreno, datados de 1609:
Nesta povoação, a que chamam de cidade, há três mosteiros, com seus
frades, a saber, um de São Francisco, que bastava, mui bem acabado e
capaz de muitos religiosos, um do Carmo, que se vai fazendo, e um de
São Bento que se fabrica e uma Casa de Misericórdia mui bem
elevada e a sé mais pobre que todas, porque não é particular. Tem
mais uma rua de mui boas casas de pedra e cal que se vão acabando e
outras de taipa, que de tudo promete haver de ser lugar formoso, bem
assentado, muito sadio e muito abundante e por todas essas coisas há
de ser mui povoado, se o ajudarem e tiver bom governo. Ao pé deste
lugar está uma fonte maravilhosa que SAR o mal de pedra, que os que
padecem tem por milagrosa(...). (MORENO apud SEIXAS, 1987, p.
41)
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
50
Acerca da fundação desta Igreja, Seixas, coloca em pauta algumas discussões
que são válidas de comentário. O referido autor cita que Maximiano Lopes Machado,
em seu História da Província da Paraíba, coloca a construção da igreja no ano de 1602.
Contudo é sabido que desde 1595, quando ocorreu a visitação do Santo Ofício, que a
referida igreja já estava edificada. Outro autor mencionado foi o desembargador José
Ferreira de Novaes, que afirma que Duarte Gomes da Silveira, ao criar o Morgado do
Salvador do Mundo, não vinculou bens em favor da Igreja. Isso se deveria ao fato de
que este não teria sido o fundador da obra, pois no início da colonização estaria voltado
para seus engenhos. Somado a isso estaria a afirmação de que no momento da criação
do Morgado, esse senhor-de-engenho designou a Capela do Salvador do Mundo como
sua, ao contrário de quando fala da Igreja não se referiu da mesma forma (SEIXAS,
1987, p. 50-51).
A forma utilizada por Duarte Gomes da Silveira pra designar tanto a Capela
quanto a Igreja pode ser justificada pelo fato de que esta, mesmo sendo uma obra sua,
tinha um caráter público. Ao contrário da outra que estava diretamente ligada ao
Morgado, instituído para si e para seus descendentes. Em relação à ligação entre a
construção da Igreja e os engenhos pode ser afirmado que não seria necessária a
presença de seu proprietário para a consecução das obras, mas apenas a determinação
das diretrizes a serem seguidas.
Os estudos sobre a origem dessa Igreja são dificultados pelas raras fontes
disponíveis. Contudo, no processo de restauro do monumento, ocorrido entre novembro
de 2002 e agosto de 2007, foi realizada uma pesquisa arqueológica que contribuiu
sobremaneira para o melhor entendimento não apenas da estrutura arquitetônica
eclesiástica, mas também de certos aspectos da sociedade colonial paraibana. As
escavações realizadas apontaram a ocorrência de diversas alterações no prédio,
executadas principalmente nos séculos XIX e XX. Durante os trabalhos realizados
encontraram-se estruturas de pedra calcária que podem pertencer a uma “Capela
Primitiva”. Aliado a isso estão diversos sepultamentos localizados tanto no contorno
quanto no centro dessa Capela32. Segundo os pesquisadores envolvidos na prospecção
32
Os sepultamentos presentes no centro da Igreja podem pertencer à aristocracia paraibana, já que tais
espaços eram comumente utilizados, de acordo com os cronistas coloniais. No caso dessa “Capela
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
51
arqueológica, esta seria a Igreja construída por Duarte da Silveira33 no início da
colonização (CANTO, 2007, p. 1).
Fig. 10 – Fachada da Igreja da Santa Casa de Misericórdia da Paraíba34.
As reformas que tanto modificaram a estrutura inicial podem ter começado ainda
durante o século XVII, pois se trabalha com a hipótese de certa destruição do prédio
durante a invasão holandesa. Posteriormente, com a criação do Morgado do Salvador do
Mundo por Duarte da Silveira e, consequentemente, a construção da Capela de mesmo
nome, entende-se que não haveria a possibilidade de que esta fosse edificada junto a
uma igreja de pequeno porte (CANTO, 2007, p. 3).
Sendo o primeiro monumento histórico35 tombado pelo IPHAN (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em 1938, seu restauro realizou-se apenas no
Primitiva”, também foram encontrados registros ósseos da área externa, em que eram enterrados os
cidadãos comuns, escravos, indigentes e também os doentes (CANTO, 2007, p. 2)
33
Na instituição do Morgado, Duarte Gomes da Silveira colocou em uma de suas cláusulas que ele e sua
família deveriam ser enterrados na Capela com do Salvador do Mundo. Contudo as pesquisas realizadas
no decorrer da restauração não encontraram algum tipo de resquício de que isso ocorreu. Foi, portanto,
desmistificada a versão divulgada por diversos meios de comunicação, de que haveria um túmulo do
fundador da Santa Casa na Igreja da Misericórdia. No entanto, foi achada uma lápide pertencente ao
Capitão-Mor João Coelho Viana, falecido no início do século XIX. Este personagem possuiu grande
relevância na vida política da Capitania, confirmando a ideia de localização dos túmulos da elite no
centro da igreja, ou seja, a hierarquia social predominando no espaço eclesiástico (CANTO, 2007, p. 4).
34
Disponível em: MOURA, 2005, vol. 02, p.147.
35
“O monumento tem por finalidade fazer reviver um passado mergulhado no tempo. O monumento
histórico relaciona-se de forma diferente com a memória viva e com a duração” (CHOAY, 2001, p. 26).
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
52
início do século XXI. Muitos afirmam que esse prédio é o único com características
maneiristas no Estado, talvez por isso tenha sido tombado (FRANÇA, 2008, p. 1-2).
Contudo, essa é uma discussão teórica que permeia conceitos e definições acerca dos
estilos renascentistas, maneiristas e Chão português. Mesmo contendo diversos
elementos artísticos a serem discutidos, com certeza é um patrimônio local de suma
importância para a história da Paraíba. Suas linhas, formas e volumes nos reportam a
uma época em que as edificações eclesiásticas contribuíram significativamente para
delinear a cidade de Filipéia de Nossa Senhora das Neves.
4.2 – Necessidades e simplicidade: os elementos do complexo eclesiástico da Santa
Casa de Misericórdia da Paraíba.
Os diversos formatos que as estruturas arquitetônicas se dispõem em um local
são representações de um estilo e, consequentemente, de uma mensagem a ser percebida
pelos seus usuários. Contudo, essas informações são absorvidas em função do meio em
que está inserido. Como afirma Oliveira: “é o universo social que vai delimitar,
juntamente com as relações de poder, a estrutura do capital simbólico a ser aceito em
seu próprio meio, definindo seu valor intrínseco” (OLIVEIRA, 1999, 62).
As formas como esse capital se apresenta pode ser das mais diversas. Ou seja, o
processo de dominação intrínseco nas representações, sejam elas escritas ou figurativas,
é absorvido de modo peculiar a cada situação. A presença de uma Santa Casa no início
da colonização pode ser justificada, portanto, pela idéia de subjulgação que a Coroa
procurou remeter as suas colônias. Essa instituição fortemente ligada ao Reino e as
elites locais aplicava suas práticas como modo de contenção das necessidades sociais,
mas também, das tensões que a não resolução destas poderia ocasionar.
Dentre os papéis desempenhados pelas Santas Casas estavam não somente os
cuidados corporais, mas também os espirituais, como já foram citados anteriormente.
Na edificação de uma igreja se fazia necessário para atender essas prerrogativas,
delimitadas pelos Compromissos, e as cláusulas que eram estipuladas pelos Legados de
seus benfeitores, como por exemplo, a celebração de missas.
Ou seja, a primeira forma refere-se àqueles que são constituídos com uma finalidade, mas podem entrar
no esquecimento de acordo com que os valores que transmitem são deixados de lado. Na outra forma
ocorre a constituição de um aporte histórico sem intenção, ou seja, ele representa o testemunho de algo
ocorrido e acaba se tornando parte da história e da identidade local.
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
53
Em suas formas mais gerais, a Igreja da Misericórdia, procurava atender as
necessidades mais emergentes da sociedade que estava se constituindo. O formato atual
é fruto de reformas, que foram sendo executadas no decorrer de sua história. Seu estilo
arquitetônico possui diversas características, talvez devido a sua construção ter ocorrido
de forma tão paulatina. Seixas afirma que esta igreja é um monumento muito simples
que remete as pretensões da Irmandade da Santa Casa, bem como, não possui os
elementos decorativos que enriquecem as Igrejas de Santo Antônio e Nossa Senhora do
Carmo (SEIXAS, 1987, p. 52).
Uma demonstração das reformas que foram executadas está no pedido à Coroa
de recursos para a compra de ornamentos para os altares da Igreja:
Senhor
Foi esta Caza da Santa Mizericordia da Parahiba do Norte dotada com
relevante patrimonio de bens de raiz, pello seu fundador Duarte
Gomes da Sylveira. Pode tanta ambição dos homens que pera lhe
usurparem as suas terras, e patrimonio, e não saber a dita Caza o que
lhe pertencia, sumirão lhe o seu livro do tombo, e com esta falta
padece huma mera ignorancia; pêra que por justiça possão pedir com
acerto o que lhe pertence. A quatro pera sinco annos que pera ella tem
olhado os provedores da ditta Caza fazendo a reedifiquar, e de
prezente se esta fabricando a capella mayor da igreja, e como esta
reedificação, he alem das forças do Provedor, que nos promette findar
este anno pera o paramento do altar mor, e dos dous collateraes.
Pedimos a Vossa Magestade pella sua real grandeza, e caridade queira
mandar dar hum ornamento pera os tres altares, pera mayor honra, e
gloria de Deos que aumente a Vossa Magestade a vida. Escrita em
meza, neste consistoreo da Parahiba do Norte aos 25 de Outubro de
1744, e eu João de Loureyro Viegas Presbitero do habito de S. Pedro
escrevi e asignei(...)36 (MOURA, 2005, vol. 03, 196)
A partir desse documento podemos inferir a importância que os investimentos
dos benfeitores tinham nas reformas da igreja. Bem como, que nesse período estava
sendo edificada a capela maior da igreja, com seus três altares, ainda existentes. A
chamada “capela primitiva”, por Canto(2007), poderia estar sendo ampliada ou
reconstruída, já que desta encontrou-se apenas resquícios de sua fundação. Durante o
processo de restauro. Contudo, prevalece o Estilo Chão através de suas formas concisas
36
Grifos nossos. Nesse documento é reforçada a fundação da Santa Casa à Duarte Gomes da Silveira,
bem como, os bens que ele vinculou.
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
54
e bem delineadas, típicas de algumas igrejas que foram erigidas no Brasil com o mesmo
partido. Um exemplo disto é a Igreja de Nossa Senhora da Graça em Olinda.
Na sua planta podemos perceber os aspectos simples da arquitetura Chão. Com
uma ampla nave central, sem pilares e ornamentos que viessem a diminuir o espaço para
as cerimônias. Apresenta-se, portanto, a idéia utilizada em algumas edificações em
Portugal, chamada de igrejas-salão. No esquema abaixo podemos melhor definir como
se dispõe os ambientes na Igreja da Misericórdia.
12345678910
11
Nave
Coro (parte superior)
Capela-Mor
Sacristia
Sala da administração
Sala de apoio
Capela da agonia
Ossuário
Roda dos expostos
- Jardim
-Capela do Salvador do
Mundo
12 -Secretaria
13 -Acesso lateral à rua
14 -Depósito
Fig. 11 - : Planta-Baixa da Igreja da Misericórdia37.
As funções supracitadas foram sendo criadas de acordo com o passar do tempo.
Através deste esquema podemos inferir que o partido escolhido aplicou de forma
simplificada os materiais existentes no local. Em suas paredes percebe-se a solidez de
paredões de pedras calcárias e argamassa, semelhante a muitas construções da época
(SEIXAS, 1987, p. 56).
37
Na parte superior da Igreja encontra-se três salas, que eram utilizadas para receber os clérigos, e, em
cima do Ossuário, a Torre, composta por dois sinos.
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
55
Ao adentrar na igreja percebem-se duas pilastras de estilo toscano, que
sustentam o coro, que é de madeira. Do lado esquerdo, encontra-se a Capela da Agonia,
que atualmente abriga as imagens de Nosso Senhor Morto e Nossa Senhora das Dores.
Estas são ali colocadas posteriormente a procissão que ocorre durante a sexta-feira
santa, nas celebrações da Páscoa. Nesta sala encontra-se uma estrutura que remete a
uma entrada, talvez utilizada para se ter acesso ao antigo hospital da Santa Casa. O
Ossuário, localizado ao lado dessa capela, abriga diversos resquícios de membros da
sociedade paraibana, como também, benfeitores da instituição. Em cima, está a Torre, a
qual abriga dois sinos, de origem colonial (SEIXAS, 1987, p. 54).
Fig. 12 – Falso balcão em janela lateral da Igreja da Misericórdia.
Elemento repetido nas janelas da nave central38
Na nave central percebe-se a ausência de estruturas maiores de sustentação. Em
suas paredes a simplicidade da cal e de três grandes janelas superiores com varandas39,
que simetricamente se repetem no lado posterior. No lado esquerdo estas saem para o
jardim, talvez apontando que havia a intenção de ampliar a sede da instituição. No
direito, elas concedem as salas de apoio visão completa da Igreja. Seus adornos
possuem certo padrão, ou seja, é repetido nas outras estruturas presentes. O detalhe em
forma de concha pode ser remetido a cultura simples local. Talvez por esses aspectos
que muitos afirmam que a igreja possui características de um Barroco Tropical
(FRANÇA, 2008, p. 2).
38
39
Foto de Inácio Nunes da Costa. Data: 27/07/2009.
Atualmente as varandas são de madeira. No entanto, Seixas, ao descrever a igrejas afirma que são de
ferro (SEIXAS, 1987, p. 56).
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A Capela do Salvador do Mundo, localizada no lado esquerdo, possui vínculo
com a instituição do Morgado com mesma denominação. Sua construção é delimitada
por Seixas como sendo em 1639. Mesmo havendo, no Compromisso deste a
determinação de que deveria servir de túmulo para seu criador, Duarte Gomes da
Silveira e sua esposa, não há indícios, durante a reforma, de que estes foram enterrados
no local, como foi citado anteriormente.
No Altar-Mor está presente o púlpito a qual é realizado as celebrações
eucarísticas. Em suas paredes encontram-se quatro grandes janelas superiores cujas
varandas são também de madeira. As duas esquerdas dão visibilidade à área externa e as
posteriores a uma sala superior. No entanto, não se percebe os adornos abaixo delas,
assim como ocorre naquelas localizadas na Nave-central. Neste ambiente, há também,
duas portas: uma de acesso à área externa e outra a atual sacristia. Nelas percebe-se uma
moldura de características simples.
As demais salas, tanto da área superior quanto do térreo, têm apenas as
estruturas básicas de uma construção simples. Mantém em suas portas uma moldura de
pedra calcária, assim como nas janelas presentes. O piso baseia-se em tijolos de barro
cuja prospecção colocou a tona as fundações da “Capela Primitiva”. Um estudo
detalhado das diversas reformas que esta igreja foi submetida pode definir melhor as
estruturas que foram sendo constituídas até o que encontramos hoje.
Fig. 13 - Fachada da Igreja da Misericórdia. Disponível em:
<http://www.artestudiorevista.com.br/pagina.php?id=216&rev=22>. Acesso em: 11 dez. 2008.
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
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Na fachada da igreja percebe-se o recurso de linhas fortes e poucos adornos.
Apenas uma porta dá acesso ao templo, esta possui uma moldura que se destaca da cal
utilizada para recobrir as paredes, assim como ocorre nos demais elementos. As duas
pilastras que arrematam a fachada são complementadas por um frontão de forma
triangular. Um artifício utilizado por Francisco Dias, arquiteto da Igreja de Nossa
Senhora da Graça em Olinda, e que se transpõe para a Misericórdia é o óculos central
que possibilita a entrada de luz no ambiente interno. Da mesma forma, ocorre com a
utilização de cornijas simples e de cunhais fortes para fechar o frontão.
A presença de duas janelas na fachada contribui para a iluminação da nave
principal, bem como, do coro. Nestas são notáveis a espessura escolhida para as
paredes, o que aumenta a idéia de uma arquitetura com base militar. Em cima do frontão
uma cruz marca a presença da Igreja no ambiente. Ao lado da Igreja encontra-se a torre,
que possui aspecto inacabado. Nela há quatro janelas, dentre as quais duas abrigam os
sinos que ainda comunicam aos fiéis quando haverá celebração. Na parte térrea,
encontra-se uma peça ornamental que se destaca da fachada. Esta chama-se roda dos
expostos, nela eram colocados os enjeitados para serem criados pelos funcionários da
Santa Casa. Segundo Moura seria o único elemento que faz recordar o caráter
assistencial da Irmandade (MOURA, 2005, vol. 03, p. 148).
A solução arquitetônica encontrada denota as dificuldades encontradas em
termos de material disponível na cidade colonial. Como também, a simplicidade
característica das sedes eclesiásticas das Santas Casas localizadas no Brasil
(OLIVEIRA, 1999, p. 101). A construção da Igreja estava diretamente ligada a criação
da Instituição. Sua localização se reporta as diretrizes mais gerais, que determinavam a
edificação das cidades em locais mais altos, assim como ocorreu em Olinda e Salvador
(SEIXAS, 1987, p. 40).
Como já foi abordado, a presença da Coroa junto à Irmandade da Misericórdia
justificava-se pela importância que esta tinha no meio social tanto para arrecadar fundos
quanto para amenizar as dificuldades da população. Desse modo, no interior da Igreja
encontra-se elementos que denotam o domínio tanto no plano temporal quanto no
religioso. No arco principal, que delimita a nave e o Altar-Mor, o brasão da Coroa
portuguesa e a cruz, logo acima, impõem-se aos fiéis que voltam seu olhar para o
interior da igreja.
Demonstrando, também, que “o movimento social e religioso se
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
58
processava sob o domínio da metrópole portuguesa” (SEIXAS, 1987, p. 58). Sendo
ladeado por colunas de gigantescos blocos calcários, cujos elementos possuem um
caráter tropical. Ou seja, permanece o decorativismo natural, com folhas e flores, na
base das colunas.
Fig. 14 - Brasão da Coroa portuguesa no alto do Arcocruzeiro40.
Fig. 15 - Base da coluna do Arco-cruzeiro
do Altar-Mor41.
A importância em determinar aqueles a quem pertencia à fundação da igreja
também se faz presente em símbolos dispostos no ambiente. É o caso da Capela do
Salvador do Mundo, que tendo sido criada e construída por Duarte Gomes da Silveira
possui a sua entrada um arco com o mesmo formato do existente no Altar-Mor. Contudo
o escudo existente no ápice deste arco é alvo de divergências entre alguns historiadores
acerca de seu significado. Sobre isto Seixas tece algumas considerações acerca da
origem real deste brasão:
Diz o desembargador Ferreira de Novaes, ‘que o dito brazão é
semelhante ao emblema das moedas espanholas do tempo de Felipe II.
Um capacete medieval sobrepõe-se ao escudo, que é de formato
inglês. Não há legenda, nem divisões, nem figuras pelas quais se possa
identificar a sua procedência’. Já o cônego Florentino Barbosa, em
seus MONUMENTOS HISTÓRICOS E ARTISTICOS, dá outra
versão, afirmando que o referido brasão é usado em Portugal para
exibir as características das armas dos barões e marqueses. (...)
40
Foto de Inácio Nunes da Costa. Data: 27/07/2009.
Foto de Inácio Nunes da Costa. Data: 27/07/2009.
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Antônio Machado de Faria, ilustre membro as Academia Portuguesa,
em seu memorável livro-ARMORIAL LUSITANO, estudando as
famílias nobres de Portugal as suas origens e armas, refere-se à família
Gomes da Silveira, a qual tem como distintivo o brasão que se observa
no escudo da Capela do Salvador do Mundo.
O emblema que se vê no cimo da arcada da referida Capela é
efetivamente o distintivo nobiliárquico da família Silveira ou Gomes
da Silveira. É um escudo de prata, com três faixas vermelhas,
encimado com elmo e lambrequins (SEIXAS, 1987, p. 62).
Mesmo sendo alvo de discussões o argumento utilizado por Seixas é válido, pois
quando Duarte Gomes dirigiu seus bens ao Morgado do Salvador do Mundo instituiu-se
ali sua propriedade. Neste mesmo local encontra-se um altar, cuja datação é da metade
do século XVIII (MOURA, 2005, vol. 02, p. 149). Sua estrutura é formada por “colunas
retorcidas e as folhagens de acanto em cantaria emolduram um nicho com a imagem de
Jesus Cristo” (OLIVEIRA, 1999, p. 101). Essa mesma autora questiona o caráter
simbólico que poderia haver em uma Capela localizada próxima ao Altar-Mor. Ou seja,
esta configuração não estaria ligada a necessidade “de se prostar frente à santidade para
ter direito à salvação eterna, especialmente naqueles dias tão duros do nascimento da
Capitania?” (OLIVEIRA, 1999, p. 101).
Nas diversas modificações que ocorreram
em sua estrutura esse altar pode ser citado como um
dos elementos que surgiram posteriormente. O
destaque é para as formas arredondadas e os
volumes que se diferenciam das demais linhas da
igreja no geral. Com suas colunas salomônicas
assemelha-se com as estruturas presentes na Igreja
de N. S. do Carmo e N. S. da Guia(OLIVEIRA,
1999, p. 102). Isto pode ser influência do próprio
momento em que ele foi construído. Posteriormente
a invasão holandesa as demais obras eclesiásticas
foram retomadas. O fato de que a Misericórdia
Fig. 16- Altar da Capela do Salvador do
Mundo42.
42
conseguiu manter-se mesmo após a presença destes
sem maiores danos coloca seus elementos em meio
Foto de Inácio Nunes da Costa. Data: 27/07/2009.
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a uma profusão de estilos arquitetônicos. De acordo com que ia sendo edificada,
recebeu diversas contribuições, mas sem deixar sua forma básica ser distorcida.
Nas laterais do Arco principal, que acessa o Altar-Mor, existem dois altares
menores. Estes já haviam sido citados no pedido de ornamentos, em 1744, à Coroa, no
documento anteriormente transcrito. Na igreja de N. S. da Graça, em Olinda, percebese, também, a presença de nichos menores alados, como esses existentes na
Misericórdia. Sendo uma dedicado ao Sagrado Coração de Jesus e outro a N. S. da
Conceição.Em ambos existe um medalhão que representa a Igreja Católica, ou seja, na
parede que delimita a localização dos clérigos e dos leigos os simbolos do poder
espiritual e temporal se fazem presentes para aqueles que o questionar.
No Altar-Mor, uma profusão de formas e volumes se destacam da simplicidade
dos demais cômodos. Baseado em colunas jônicas cujo os capitéis se retorcem em
volutas dando maior movimento a estrutura final. Com três nichos para as imagens,
como também, a utilização de arco e motivos naturais.
Fig. 17 - Altar lateral de N. s. Senhora da
Conceição43.
43
44
Foto de Inácio Nunes da Costa. Data: 27/07/2009.
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Fig. 18 - Altar lateral do Sagrado Coração de
Jesus44.
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Fig. 19 - Altar-Mor da Igreja da Misericórdia45.
Na nave central pode ser percebido ainda um púlpito, que já foi reformado. De
acordo com Seixas (1987) do original restam apenas a sua base, com duas volutas de
pedra e o baldaquim, que é de madeira. Seu acesso é feito através de uma escada
localizada em uma das salas laterais.
No processo de restauro da igreja, no foro da nave central foram descobertos
diversos ornamentos que fazem a moldura para a o painel de N. S. da Misericórdia.
Neste apresenta-se motivos florais, bem como, anjos que ladeiam a o entorno da
imagem. No centro, N. Senhora se encontra com seu manto erguido por anjos ao mesmo
tempo em que membros da igreja e do Reino estão com seus olhares voltados para ela.
Aos seus pés encontram-se as os símbolos da Coroa e da Igreja. Disto pode ser
observado que não existe a presença de pessoas comuns. Ou seja, a intenção do pintor
era demonstrar que apenas aqueles cujos bens tinham sido direcionados à Santa Casa ou
os religiosos e nobres seriam dignos da proteção divina?
A análise mais detalhada desses aspectos nos mostra que mesmo sendo a sede de
uma instituição caritativa, de apoio aos pobres, sua formação elitista ainda é colocada a
frente quando se é falado de poder divino.
45
Foto de Inácio Nunes da Costa. Data: 27/07/2009.
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
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A pintura presente no foro da Igreja da Santa Casa da Paraíba pode ser comparada
com a existente na Santa Casa de Lisboa. Isto pode ser justificar a presença da Coroa
portuguesa no âmbito colonial. Ou seja, retratar a figura de uma instituição no Reino
coloca este e a colônia em meio a uma teia de relações que se estabelecem entre as
Misericórdias. Mesmo por que a própria existência de uma Santa Casa na Paraíba só
ocorreu através de um alvará expedido pelo Rei (GONZALEZ, 1958, p. 121).
Fig. 20 - Pintura do foro da nave da Igreja de
N. S. da Misericórdia46
Fig. 21 - Nossa Senhora da Misericórdia. Óleo sobre
madeira, século XVI. Museu de S. Roque/Santa Casa de
Misericórdia de Lisboa. Fonte: SÁ, 1998, p. 4547.
A Igreja da Misericórdia, sendo parte inicial da Santa Casa da Paraíba tem em
suas linhas mais gerais a simplicidade dos investimentos particulares. Tendo
“sobrevivido” as invasões holandesas, servido de Matriz a cidade em seus primeiros
anos de colonização e sendo alvo de diversas reformas é um patrimônio a ser preservado
e um local repleto de significados de uma sociedade que se dispôs a ajudar aos
necessitados mesmo em meio as dificuldades econômicas.
YZ
46
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Foto de Inácio Nunes da Costa. Data: 27/07/2009.
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um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No processo de construção da cidade de Filipéia de Nossa Senhora das Neves,
muitas foram as influências que se fizeram presentes. As diversas ordens religiosas se
instalaram a fim de garantir a assistência espiritual e, muitas vezes, corporal. A Coroa,
com seu aparato administrativo se organizou de modo a proporcionar o pleno domínio
nestes territórios. As elites pernambucanas se constituíram como a base da sociedade
emergente. Nessa confluência de interesses a capitania foi surgindo. Contudo, não é
possível esquecer as camadas mais baixas que se fizeram presentes nas construções, na
lavoura e na própria conquista.
Esses verdadeiros desbravadores se lançaram nas matas em prol de uma guerra
dirigida pelos ricos que desejavam ter suas posses protegidas contra os gentios locais.
Ao mesmo tempo em que pretendiam ocupar outro status na nova terra. Em meio a essa
trama à capitania é concedida a provisão de uma Santa Casa de Misericórdia. A este fato
entende-se a importância que esta possuía na colônia. Do mesmo modo àquele que se
fez presente junto a Coroa para pedir esta concessão, ou seja, Duarte Gomes da Silveira.
O primeiro passo para a instalação da Santa Casa foi a construção da igreja da
Misericórdia, que desde 1589 possui registros de sua existência. Esta tinha um caráter
provisório e rústico, tendo que ser considerado que foi edificada junto as adversidades
da conquista e a escassez de materiais. Contudo, seu papel foi primordial nos primeiros
anos da cidade, resistindo à invasão holandesa e as intempéries diversas. Após
sucessivas reformas a igreja se configura, atualmente, com diversos elementos, que a
tornam um objeto fundamental para o entendimento dos primeiros momentos da
capitania.
Suas formas são representantes de estilos arquitetônicos dos mais diversos. Seja
o Barroco, o Maneirismo ou o Estilo Chão Português o que é primordial é entender
como eles se configuraram do modo como encontramos hoje. Esta discussão deve se
pautar em um estudo mais aprofundado das reformas que se seguiram desde a
edificação da igreja. As motivações que levaram a estas, bem como, o modo com que
foram executadas. Acredita-se que estas respostas estão em sua própria estrutura, mas
também, no acervo documental que se encontra intacto nas salas adjacentes a igreja.
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
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Sendo a proposta deste trabalho identificar os elementos constituintes da Igreja
da Misericórdia, pode ser inferido que, assim como nos demais templos da cidade, e
mesmo com sua simplicidade externa, a presença de signos da Coroa e de catequização
são partes fundamentais de sua estrutura. As bases lançadas pela Matriz Lisboeta
influenciaram deste a pintura do foro da igreja até o Compromisso da Irmandade. Os
estilos utilizados entram em consonância com aqueles produzidos nas outras cidades
brasileiras e de Portugal. Entender em profundidade essas similitudes não deve ser
deixado de lado pelos acadêmicos.
O trabalho realizado pela equipe “Oficina Escola” teve grande contribuição na
valorização, por parte da população, deste monumento. Pois, ao fim da restauração
percebe-se a presença desta no cotidiano da igreja, bem como, a mídia em geral, passou
a divulgar mais esta edificação. Ao passo que o processo de reparo foi sendo realizado,
diversos elementos antes escondidos pelas pinturas
e pelas reformas foram descobertos. Dentre eles podem ser
citado os elementos de arremate do forro da nave principal
e o altar da Capela do Salvador do Mundo (FRANÇA,
2008, p. 01). No decorrer deste, segundo Canto, houve a
análise detalhada das estruturas, ou seja, das paredes e
fundações. Desse modo, chegou-se a conclusão de que há a
Fig. 22 – Elemento do forro
da Nave principal48.
sobreposição de construções. Através de ensaios de datação por termoluminiscência, foi
possível determinar que os alicerces encontrados, na chamada “Capela Primitiva”
possuem 490+-50anos, ou seja, as pedras de calcário presentes certamente eram
“material importado que certamente chegavam ao Brasil como lastro dos navios
mercantes europeus durante o século XVI” (CANTO, 2007, p. 3).Essa restauração
trouxe a tona questionamentos, antes esquecidos sobre a construção desta Igreja. Os
estudos acerca desta edificação e da Santa Casa de Misericórdia da Paraíba são
escassos. Poucos estudiosos se detiveram em analisar tanto a igreja quanto a instituição.
A respeito do patrimônio da Santa Casa, as propriedades que dela faziam parte,
através do legado de Duarte da Silveira, após sua morte foi destruído. Restaram apenas
os trabalhos de seus Provedores, que conseguiram arrecadar recursos tanto da Coroa
48
Fig. 22 – Elemento do forro da Nave principal. Foto de Inácio Nunes da Costa. Data: 27/07/2009.
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quanto da elite local, no período colonial. No decorrer do Império do mesmo modo
sofreu diversas dificuldades. No início do século XX, a Misericórdia ainda resistia às
dificuldades financeiras. Nesse momento possuía dois hospitais, o de Santa Isabel e de
Sant’Ana. O primeiro era adjacente a igreja e o outro próximo ao sítio Cruz do Peixe.
Segundo Seixas, suas instalações eram precárias e, portanto, estavam condenados a
encerar suas atividades. Através de acordos entre governos municipais, do Estado e
auxílio de particulares, em 1914, foi possível construir uma edificação que se estende
por três quarteirões no atual bairro do Tambiá (SEIXAS, 1987, p. 143-144).
Em relação a Igreja, ainda ocorrem celebrações eucarísticas, o auxílio espiritual
tão almejado pelos seus fundadores está representado pelas procissões, que saem de
suas portas, como ocorria nos primeiros anos de sua existência. A Santa Casa, mesmo
esquecidas por muitos, continua praticando, de forma efêmera, sua caridade, através do
Hospital Santa Isabel.
A Igreja da Misericórdia, monumento tombado pelo IPHAEP em 1938, o
primeiro da Paraíba, não possuía uma política de preservação efetiva. A idéia inicial de
identificar os bens importantes para a cultura nacional e local não veio precedida de
medidas de caráter preservacionista. Ou seja, o papel do Estado se limitou em
demonstrar quais edifícios eram primordiais para a identidade nacional. Ainda hoje, o
processo de tombamento tem como prerrogativa garantir a perpetuação da memória, no
entanto, as políticas para isto são esparsas e demandam acordos financeiros, muitas
vezes demorados. “Conceitualmente, podemos dizer que o tombamento é o
reconhecimento oficial de um bem junto aos órgãos de registro patrimonial” (CANANI,
2005, p.171).
No entanto, deve ser salientado que mesmo sendo o Estado o responsável por
determinar quais os bens a serem preservados são os valores culturais do grupo social
que devem ser levados em conta. Por isso é necessário que se identifique os atributos
que justificam sua existência e qual a relação dos moradores locais com o bem a ser
tombado (CANINI, 2005, p. 171). Desse modo, a Igreja da Misericórdia se renova no
momento de sua restauração, pois mesmo presente no dia-a-dia da população suas
formas não eram percebidas e sua importância perante os estudiosos negligenciada.
YZ
A Igreja da Misericórdia e o estilo chão português:
um estudo sobre arquitetura religiosa na Paraíba seiscentista
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