Entrevista com Wilson Ferreira Junior: “País
apostou num cenário que não se confirmou”
PEREIRA, Renée. “Entrevista com Wilson Ferreira Junior: ‘País apostou num cenário
que não se confirmou’”. O Estado de São Paulo. São Paulo, 15 de novembro de
2015.
Comandante de um dos maiores grupos privados do setor elétrico, Wilson Ferreira
Junior, diretor-presidente da CPFL Energia, acredita que só a implementação de
uma agenda de reformas conseguirá tirar o Brasil da crise em que se encontra. Para
ele, que está à frente da empresa desde 2000, o País está capturando as
consequências do que foi feito e do que não foi feito na economia. Com oito
distribuidoras de energia, 6 hidrelétricas e 34 parques eólicos, a CPFL detém na sua
composição acionária os principais fundos de pensão do País, Petros (dos
funcionários da Petrobrás) e Previ (do Banco do Brasil), além de Camargo Corrêa. A
seguir trechos da entrevista:
Como o sr. vê o atual momento da economia brasileira?
Toda crise tem uma origem. No início do governo da presidente Dilma, o diagnóstico
era convergente. Sabíamos que o câmbio era um impeditivo ao crescimento das
indústrias, que os juros altos atrapalhavam, que a desoneração de tributos era
necessária e que o preço da energia elétrica precisava cair. O que ocorreu é que
algumas coisas foram além do que podia ser feito. A política de dar crédito para as
pessoas consumirem também saturou. O cenário mudou. Tínhamos uma política que
funcionava com a economia a todo vapor. Ela não poderia parar. Agora a economia
está capturando os efeitos da aposta num cenário que não se confirmou.
Como se recuperar?
É difícil para qualquer um administrar um superávit fiscal só podendo trabalhar com
parte das despesas. Hoje o único instrumento de gestão do superávit representa
10% ou 15% do orçamento. O resto não pode mexer porque tem vínculo. É um
trabalho difícil. Não dá para enfrentar uma crise, com queda na arrecadação,
mexendo só em 15% do orçamento.
Mas então qual o caminho?
Precisamos arrumar a casa. Só vamos resolver o problema se fizermos uma agenda
de reforma que permita mexer nos 85% do orçamento. Temos de mexer no tema da
previdência, da tributação e das despesas vinculadas. É preciso ter mais
racionalidade nos gastos. No Brasil, se investe 12% em educação. Na China, esse
número é de 5% e eles têm mais registro de patentes e o nível de escolaridade é
maior.
Mas esse tipo de reforma só faz com força política. Esse governo tem liderança
para isso?
É um governo eleito. Então tem. O próprio partido do vice-presidente (Michel Temer)
propôs algumas medidas que caminham numa boa direção. A maior despesa que
temos aqui no Brasil é a despesa previdenciária. Temos um problema a enfrentar. As
pessoas estão vivendo mais. Será que é coincidência que um dos países que mais
se aposenta mais cedo seja a Grécia.
Os diagnósticos estavam certos, mas o governo não se perdeu em algumas
medidas, como foi o caso da energia?
Havia um consenso de que se deveria usar a renovação das concessões para
reduzir o preço da energia. Só acho que se tivesse mais conversa, talvez o resultado
poderia ter sido melhor, uma vez que era preciso ter a adesão de 100% dos agentes.
O problema é que 30% não aceitaram as condições estabelecidas e isso coincidiu
com a crise hídrica. Virou a crise que vemos hoje. Se o governo aceitasse elevar o
preço de R$ 30 o MWh para R$ 40 ou R$ 45, talvez a adesão fosse maior.
Podemos ter esperança de que a tarifa vai cair?
Uma parte do aumento da tarifa é a bandeira tarifária. Tendo uma melhora do
cenário hidrológico, o nível dos reservatórios sobe, as térmicas são desligadas, a
bandeira é revisada e a tarifa diminui. Há uma outra parte que refere-se à energia de
Itaipu, em dólar, e CDE (Contribuição do Desenvolvimento Econômico). Isso vai
continuar. Vamos levar uns três a quatro anos para reduzir estruturalmente a tarifa.
Com essa crise, as empresas têm enfrentado problemas de crédito e de
confiança. Como tem sido para aprovar investimentos?
Esse momento requer cuidado. Temos um rating muito bom, mas o mercado está
mais caro e mais curto. A gente olha anualmente cinco anos pra frente e debatemos
com o conselho sobre novos investimentos. Agora o mercado está menor, portanto,
tem menos investimento. Se o mercado não demanda isso, a gente investe menos.
Num momento como esse, a viabilidade dos projetos exige uma taxa maior de
retorno por causa do aumento de custo de capital do acionista, mas também
acompanha o aumento da taxa de juros, seja a TJLP (usada pelo BNDES) ou os
juros de uma debênture.
O fato de um dos sócios (a Camargo Corrêa) estar envolvido na Lava Jato
trouxe mudança para a empresa? Há informações de que ele quer vender a
participação na CPFL.
Não. Como presidente da empresa nunca recebi uma comunicação formal, seja de
uma intenção ou decisão de venda da participação na empresa Acompanho pelos
jornais as notícias e os desmentidos.
Há um pessimismo exagerado entre os empresários?
Estamos no meio de uma crise. Todo mundo está tendo faturamento menor e
estoque maior. Talvez a gente não tenha uma convergência de como sair da crise.
Na CPFL, temos tido prudência nos investimentos. Mas trabalhamos muito a questão
das despesas também. Hoje temos uma despesa recorrente quase 25% menor que
há quatro anos em termos reais. A empresa é mais produtiva hoje. No País, estamos
capturando um pouco das consequências do que fizemos e do que não fizemos na
economia. Há uma agenda a cumprir para sair da crise. Mas às vezes acho que
temos a esperança de uma solução de super homem para sair da crise. Isso só
acontece com inteligência, sacrifício, trabalho e com propostas.
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