EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE EDUCADORES: SUPERANDO O INSTRUCIONISMO Izabel Cristina Marconcin1; Janae Gonçalves Martins2, M.Eng.; Regina F. F. De A. Bolzan3, M.Eng.; Alejandro M. Rodriguez4, Dr.; Ricardo Miranda Barcia, Ph.D5 Programa de PósGraduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina 1 [email protected] Programa de PósGraduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina 2 [email protected] Programa de PósGraduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina 3 [email protected] Programa de PósGraduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina 4 [email protected] Programa de PósGraduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina 5 [email protected] Resumo. A globalização, aliada às novas tecnologias de informação e comunicação, apregoa a democratização do acesso à informação. Nesse contexto, a Internet é considerada como um foro democrático, embora possibilite igualdade apenas em relação ao consumo e não ao controle e produção de informações. Tendo claro que acesso a informação não se constitui em conhecimento e que a transferência tecnológica da informação, em programas de educação a distância, na formação continuada de educadores, não garantem a esses a construção e reconstrução de conhecimentos que possibilitem a redefinição de estratégias educativas que atendam aos novos paradigmas sociais e educacionais, considera-se imprescindível que a educação a distância supere o instrucionismo, de forma a centrar-se na aprendizagem, nas necessidades, interesses, estilo e ritmos individuais. Palavras-chave: educação a distância, formação continuada, educadores, tecnologias. EDV - 26 1. INTRODUÇÃO Estamos na era da informação e da imagem. A sociedade contemporânea convive com o avanço acelerado das tecnologias que possibilitam novos modos de entender e de perceber o mundo. Segundo MORAES (2000) [10], os paradigmas da modernidade são questionados, o homem manifesta-se com perplexidade diante de conceitos e valores que antes pareciam ser amplamente explorados e definidos. As mudanças no contexto atual estão diretamente relacionadas às novas tecnologias. Pierre LÉVY (1993) [11] afirma que essas tecnologias possibilitam um novo modo de pensar, superando a lógica linear por meio de uma lógica pautada na rede hipertextual, no estabelecimento de múltiplas conexões. Vivemos hoje a redistribuição do saber. As novas tecnologias da informação e comunicação, com destaque para a Internet, apontam para o rompimento da relação tempo-espaço, local e não-local, real e virtual. Nesse contexto, essas tecnologias podem desempenhar o papel de facilitadoras do crescimento e aprendizagem humana. Na educação, as novas tecnologias devem ser consideradas como "mediadoras de um processo educacional mais amplo, numa superação da visão tecnicista, instrumental, difundida na década de 70" (MORAES, 2000), na Ref. [10] com o prevalecimento da questão pedagógica sobre a questão tecnológica no planejamento das ações. É preciso considerar que as tecnologias da comunicação e informação se constituem em um recurso auxiliar no processo educacional, não como um fim em si mesmo, mas como um meio. As novas tecnologias, e entre elas a Internet, devem submeter-se à educação, não determiná-la. O uso que se faz dessas tecnologias deve auxiliar no desenvolvimento das múltiplas inteligências do educando, por meio da oferta de situações significativas de aprendizagem, que propiciem a construção de conhecimentos, o desenvolvimento de habilidades e competências. Entre as aplicações significativas da tecnologia na educação, podemos citar a educação a distância na formação continuada de educadores. Essa modalidade permite que a distância deixe de ser fator limitante na formação continuada desses profissionais, pois viabiliza o processo sem necessidade de contigüidade espaço-temporal. A opção pela Internet justifica-se pela quebra de barreiras geográficas, pela possibilidade de aplicar-se a educação a distância em escalas inimagináveis e por oferecer benefícios antes considerados impossíveis nessa modalidade de ensino: interatividade e até mesmo sincronicidade. 2. DESENVOLVIMENTO A sociedade do conhecimento na qual estamos inseridos e a facilidade de obter-se informações por meio das tecnologias da comunicação e informação requerem uma revisão do papel da escola. Não cabe mais a essa instituição o repasse de informações, tidas como verdades definitivas. É preciso que se desenvolvam novas estratégias pedagógicas centradas em um espaço multirreferencial de aprendizagem, que permitam uma multiplicidade de olhares sobre os objetos do conhecimento, fortalecendo a heterogeneidade e a interatividade do grupo, respeitando as diferenças individuais. Devese considerar também, a provisoriedade do conhecimento e a importância de um pensar coletivo. A mudança no papel da escola está atrelada ao redimensionamento do papel do professor, que para adaptar-se aos novos paradigmas sociais e educacionais precisa investir em sua formação continuada. Para FREIRE (1996) [5], a prática docente, enquanto dimensão social da formação humana, requer sua inclusão num movimento permanente de procura que rediscuta a curiosidade ingênua e a crítica, tornando-se epistemológica. Assim, formar é muito mais do que treinar no desempenho de destrezas. Educar "não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção" (FREIRE, 1996, p.25), na Ref. [5]. A formação, inclusive a dos profissionais da educação, assume um caráter permanente. FREIRE (1996, p.27), na Ref. [5], assinala que quanto mais criticamente se exerce a capacidade de aprender tanto mais se desenvolve epistemologicamente na produção de conhecimento, na construção e reconstrução do saber. Considerando-se que os profissionais da educação necessitam de um suporte teórico e prático que possibilite um redimensionamento de seu papel, passando de transmissores de conteúdos para gestores de projetos pedagógicos aliados às novas tecnologias, a formação continuada desses profissionais, por meio da educação a distância, deve estar pautada na pesquisa, na organização dos conteúdos em uma lógica hipertextual, de modo que a articulação dos mesmos supere a relação hierarquizada e linear, partindo para uma organização transversal, numa 'perspectiva de janelas'. Nessa perspectiva, as possibilidades de troca de idéias, de informações, de saberes múltiplos não se esgotam. Assim, o professor como mediador, dos programas de educação a distância, aponta demandas, mas é o interesse do grupo que direciona o processo proporcionando modificações na forma de pensar/compreender o mundo (MORAES, 2000), Ref. [10]. EDV - 27 A utilização da educação a distância na formação continuada dos educadores, tendo a Internet como mídia principal, justifica-se por esta constituir-se em uma ferramenta que possibilita atender a um maior número de pessoas, sem reduzir a qualidade dos serviços, uma vez que é globalizante e integradora, ultrapassando as barreiras do tempo e espaço (REZENDE, et al., 1998) [15], favorecendo as relações entre docentes e estudantes, estudantes e estudantes, ou entre pesquisadores, docentes e estudantes (MATTA, 1995) [8]. A Internet, como ferramenta na educação a distância, não apenas supera as dimensões tempo e espaço, como possibilita a interdependência e a interoperatividade em ambientes virtuais. Para LÉVY (1996) [12], o advento da rede possibilita a construção do conhecimento de forma cooperativa e cotidiana, à medida que as pessoas interagem na busca, produção, transformação e transmissão de informações. Segundo esse teórico, os organismos de formação profissional ou de ensino a distância desenvolvem sistemas de aprendizagem cooperativa em rede (LÉVY, 1999, p.29) [13]. É na interação cognitiva no seio de uma situação que cada um, com reciprocidade, contribui para estabilizar, modificar ou reequilibrar a construção do conhecimento (LÉVY, 1996), Ref. [12]. Dessa forma, a educação a distância, na formação continuada de educadores, tendo como ferramenta de mídia a Internet, deve fazer emergir vivências do processo de conhecimento. O produto dessa educação deve caracterizar-se por experiências de aprendizagem e não pela aquisição de conhecimentos supostamente prontos e disponíveis para o ensino concebido como simples transmissão (ASSMANN, 1998, p.32) [1]. Pedro DEMO (1997, p.9) [3] afirma que é preciso considerar que não existe educação a distância sem o professor como orientador/assessor de um processo de reconstrução crítica, em que a informação deve ser trabalhada pessoal e coletivamente, transformando-se em aprendizagem. Assim, alguns dos estudos de Piaget sobre o desenvolvimento da autonomia, cooperação, criatividade e atividades centradas no sujeito podem contribuir para a estruturação de 'programas' que visam à formação continuada de profissionais e de educadores por meio da educação a distância. Devese adotar uma prática pedagógica ativa, centrada nas tarefas individuais, na solução de problemas, na valorização do erro, entre outras orientações pedagógicas. Para Piaget aprender é saber ser bem-sucedido, uma vez que a aprendizagem não incide apenas na experiência do indivíduo, mas também na forma como essa experiência se constrói, o que em linguagem piagetiana se denomina esquemas e estruturas. Aprender não decorre apenas da relação com o objeto de conhecimento, mas depende diretamente da pessoa implicada. Ultrapassa o problema do conteúdo de conhecimentos ou de um método pedagógico, relacionando-se com o desenvolvimento cognitivo do aluno, estudado por Piaget no conceito de estágio (PERRAUDEAU,1996, p.205-206) [14]. Aprender, nessa perspectiva, não é um processo que conduz à acumulação de conhecimentos, mas à integração, modificação, estabelecimento de relações e coordenação entre esquemas de conhecimentos que já possuíamos, dotados de uma certa estrutura e organização que varia, em vínculos e relações, a cada aprendizagem que realizamos (COLL, 1996, p.20) [2]. O professor mediador, tanto na educação presencial quanto a distância, deve ter claro que para 'os educandos' dominarem um mesmo conteúdo serão necessárias diferentes estratégias, constituídas em ambientes significativos de aprendizagem que levem em consideração não só as diferentes formas de aprendizagem, mas as inteligências múltiplas desenvolvidas na teoria de Gardner, tendo em vista que as capacidades intelectuais são múltiplas e diversas. Tanto na educação presencial como na educação a distância deve-se ter clareza de que conhecer não é apenas observar ou conceber um 'objeto'. É "atribuir um sentido ao real, perspectivá-lo na forma atual mas também na forma passada e prever as diversas formas possíveis. O conhecimento assume então duas formas complementares: o empírico, relativo aos objetos, e o lógico-matemático, relativo à tomada de consciência das ações sobre os objetos" (PERRAUDEAU,1996, p.210), na Ref. [14]. Assim, o conhecimento não se resume à percepção, resultando da interação entre o indivíduo e o meio. Piaget afirma que para que o indivíduo aprenda é preciso que ele seja agente de sua aprendizagem. Ninguém aprende no lugar de uma outra pessoa. Sob esse ponto de vista, podemos afirmar que aprendizagem está diretamente relacionada à auto-aprendizagem. A educação a distância pode ter uma aplicação estratégica na formação continuada dos educadores, possibilitando que estes, independente do tempo e espaço, convertam-se em protagonistas de sua própria aprendizagem. Essa modalidade de educação contribuirá para a construção e produção de conhecimento individual e coletivo, quando centrar suas reocupações em gerar experiências de aprendizagem, na criatividade para construir conhecimentos e habilidade para saber "acessar" fontes de informação sobre os mais variados assuntos (ASSMANN, 1998, p.32), Ref. [1]. 3. CONCLUSÃO O uso das tecnologias da informação e comunicação, e da Internet em particular, na formação continuada de profissionais da educação, por meio da educação a distância, em muitos casos está atrelado a uma visão tecnocentrista, não conseguindo gerar mudanças que assegurem o desenvolvimento humano e a melhoria da qualidade da aprendizagem. Por outro lado, as transformações dessas tecnologias acontecem em meio a uma revolução EDV - 28 paradigmática, de onde emerge a visão sistêmica, interacionista, de Piaget sobre o desenvolvimento da inteligência (FAGUNDES, 1997) [4]. O grande desafio consiste em estudar e reorientar o uso dos recursos tecnológicos de forma que a educação a distância supere a comunicação unidirecional, o impedimento da ação e operação, a seqüencialidade linear e hierárquica, o autoritarismo, o controle pela recompensa e punição, a descontextualização, a fragmentação temporal, etc. (FAGUNDES, 1997)., Ref. [4]. Hoje, a educação a distância explora a hipermídia, as redes de comunicação interativas e todas as tecnologias intelectuais da cibercultura. "Mas o essencial se encontra em um novo estilo de pedagogia, que favorece ao mesmo tempo as aprendizagens personalizadas e a aprendizagem coletiva em rede. Nesse contexto, o professor é incentivado a tornar-se um animador da inteligência coletiva de seus grupos de alunos em vez de um fornecedor direto de conhecimentos" (LÉVY, 1999, p.158), Ref. [13]. Sua competência deve deslocar-se no sentido de incentivar a aprendizagem e o pensamento, sua atividade deve centrar-se no acompanhamento e gestão das aprendizagens: "o incitamento à troca dos saberes, a mediação relacional e simbólica, a pilotagem personalizada dos recursos de aprendizagem, etc." (LÉVY, 1999, p.171) , Ref. [14]. 4. REFERÊNCIAS [1] ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petróplolis : Vozes, 1998. [2] COLL, Cesar; et all. O construtivisnmos na sala de aula. São Paulo : Ática, 1996. [3] DEMO, Pedro. Questões para a teleducação. Brasília : UnB, abril de 1997. [4] FAGUNDES, Léa da Cruz. A inteligência coletiva – a inteligência distribuída. Pátio. ano 1, n. 1, maio/jul, 1997. p.15-17. [5] FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo : Paz e Terra, 1996. – (Coleção Leitura). [6] GOULART, Iris Barbosa. Piaget: experiências básicas para utilização pelo professor. Petrópolis : Vozes, 1983. [7] MARÇAL, Juliane Corrêa. Ensino a distância: das críticas a um novo fazer educativo. Pátio. ano 3, n. 9, maio/julho, 1999. p.49-52. [8] MATTA, Maria Lugarda. Educação a distância e novas tecnologias: um olhar crítico. Tecnologia Educacional. Rio de Janeiro. v. 22 (123/124), mar/junho, 1995. [9] MORAES, Gelcivânia Mota Silva. Novas tecnologias no contexto escolar. Comunicação e Educação. São Paulo, [18]: 15 a 21, maio/ago. 2000. [10] MORAES, Maria Candida. Informática Educativa no Brasil: uma história vivida, algumas lições aprendidas. Abril, 1997. Disponível na Internet: http://www.edutecnet.com.br/edmcand.htm em 12.04.00. [11] LÉVY, Pierre. As novas tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: ed. 43, 1993. [12] LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo : Editora 34, 1996. [13] LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo : Editora 34, 1999. [14] PERRAUDEAU, Michel. Piaget hoje: respostas a uma controvérsia. Lisboa : Instituto Piaget – (Coleção Horizontes Pedagógicos). [15] REZENDE, Flávia et al. Elementos fundamentais para o desenvolvimento de ambientes construtivistas de aprendizagem a distância. Tecnologia Educacional. 26 v. (K 12), jul/ago/set. 1998. [16] SOARES Jr., Arnaud. O currículo como hipertexto... [17] TCHAVES, Eduardo O. C. Tecnologia na Educação, Ensino a Distância, e Aprendizagem Mediada pela Tecnologia: Conceituação Básica. Revista Educação. Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Ano III, Número 7, Novembro de 1999 EDV - 29