DA FORMAÇÃO CONTINUADA AO PROGRAMA GESTAR II DE LÍNGUA
PORTUGUESA: UM ESTUDO ACERCA DO TRABALHO DOCENTE COM OS
GÊNEROS
Adriana SOCORRO
(MeEL/UFMT, Professora da Rede Pública Estadual e Municipal)
RESUMO: O estudo divulga a análise dos resultados de uma pesquisa-ação sobre um curso de
formação docente para professores de língua portuguesa em serviço, realizado pela Secretaria
Municipal de Educação de Rondonópolis/MT, acerca do ensino dos gêneros nas escolas de
Ensino Fundamental. Essa investigação reafirma a relevância do processo formativo do
professor para uma prática didático-pedagógica coerente com a abordagem enunciativodiscursiva sobre a língua(gem), conforme o aporte teórico do círculo bakhtiniano e, ainda,
avalia o programa GESTAR de formação continuada proposto pelo Ministério da Educação
(MEC) aos professores de língua portuguesa, que pretendem capacitar os alunos a ler e a
escrever com adequação.
PALAVRAS-CHAVE: gêneros do discurso, formação docente, ensino.
ABSTRACT: The present study discusses teacher education, a process perceived as
continuous, proposed by a well-known governmental program – GESTAR II of the Portuguese
Language – which was conducted with professors of Elementary education from
Rondonópolis/MT. In this study we analyze principally in relation to the application of this
theoretical-methodological proposal in the classroom. The process of training teachers for a
didactic-pedagogical process coherent with the enunciative-discursive approach to language
is relevant, as we examined the course material in this study based on discursive genres
theory produced by the Bakhtinian Circle. Methodologically, we adopted a qualitative
approach denominated action research, which allows the researcher to participate actively
and cooperatively in the search for a solution to a problem belonging to a specific social
group.
KEYWORDS: teacher development; discursive genres; teaching.
1. Introdução
No meio educacional, as propostas para a reorganização institucional e curricular da
educação básica têm sido muito debatidas, principalmente depois da publicação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998) que determinam um ensino e uma
aprendizagem mais significativos em todas as áreas do conhecimento do currículo escolar,
estando o processo de aprender vinculado à formação de um sujeito participativo e capacitado
para interagir e agir no meio social do qual participa.
Nesse contexto, surge a motivação para desenvolver esta pesquisa – que investiga um
curso de formação continuada como facilitador de uma nova abordagem para o ensino de
língua portuguesa – decorrente de nossas experiências profissionais tanto como professora de
língua portuguesa da Educação Básica, quanto como formadora de uma equipe de estudo e
formação docente da Secretaria Municipal de Educação de Rondonópolis/MT (SEMEC).
Assumir tal prática implica conceber a linguagem como interação entre sujeitos sóciohistóricos que estabelecem os sentidos em uma situação de comunicação, na relação com o
outro, no diálogo que modifica nossa representação da realidade, da sociedade e direciona
nossas ações. Nessa concepção, a língua é compreendida como uma forma de ação sóciohistórica, viva, que constitui a realidade, sem se precipitar num subjetivismo ingênuo ou num
objetivismo abstrato: “a língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos (que a
realizam); é igualmente através de enunciados concretos que a vida entra na língua”
(BAKHTIN, [1952-53/1979] 2003, p. 265).
Em uma concisa leitura da literatura sobre a formação docente, observamos a atenção
dedicada à formação inicial e continuada. Discussões e investigações buscam compreender os
processos de construção de conhecimentos para profissionalização a que são submetidos os
professores e, em que medida tais processos formativos contribuem para o letramento desses
profissionais.
Inegavelmente, as pesquisas apontam um perfil pretendido para o educador que atua
nas escolas: reflexivo, autônomo e pesquisador de sua própria prática, já que a construção de
saberes se desencadeia não somente pelo conhecimento científico, mas também na
valorização de ações cotidianas do fazer pedagógico.
O ato de educar, igualmente de natureza diversa e plural, obriga, indubitavelmente,
não só à observação, mas ao confronto das particularidades entre os sujeitos no entorno da
escola. O desafio do professor constitui-se, então, em educar, na heterogeneidade, sujeitos
capazes de atuarem competentemente nas diferentes esferas de atividade humana. Por essa
razão, a relação entre organização do currículo escolar, a formação docente e os materiais
pedagógicos na escolarização do aluno ocupam espaços expressivos em pesquisas brasileiras.
Destacamos, aqui, a formação docente seja inicial e continuada deve ser repensada no
sentido de compreender como se constitui a identidade do professor em tal processo e de que
maneira ele deve se tornar um profissional reflexivo e investigativo de sua própria prática.
2. GESTAR – Gestão da Aprendizagem Escolar
Nas duas últimas décadas, percebemos a preocupação em torno da formação de
professores. Tem-se buscado desenvolver programas de atualização e de capacitação para
uma melhor atuação docente, na tentativa de profissionalizar adequadamente o professor, para
que ele possa reorganizar o sistema de ensino mediante os parâmetros instituídos nos
documentos oficiais.
Conseqüentemente, investimentos têm sido feitos pelos órgãos oficiais de educação,
com o objetivo de formar o professor para atuar em um mundo globalizado e com a demanda
de outras necessidades educacionais. A preocupação principal do MEC incidia nas disciplinas
cujos indicadores de desempenho eram mais críticos, especificamente, Língua Portuguesa e
Matemática. Dessa forma, as escolas seriam contempladas com um projeto de formação
continuada,
editado
para
atender
aos
objetivos
do
Programa
FUNDESCOLA/DIPRO/FNDE/MEC, em conformidade com o Acordo de Empréstimo nº
7122/BR, firmado com o Banco Mundial, no âmbito do Projeto BRA 00/027 do PNUD –
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – e do Projeto BRA 914/ 1111 da
Unesco 1 . Em 2002, na primeira edição do programa, este era oferecido em seis estados, de
três diferentes regiões (Centro-Oeste, Norte e Nordeste): Rondônia, Acre, Bahia, Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás.
O material GESTAR é composto por Cadernos Teóricos Práticos (TPs) divididos nos
seguintes temas: Linguagem e Cultura, Análise Lingüística e Análise Literária, Gêneros e
Tipos Textuais, Caderno do Formador e Guia Geral.
A seguir, focalizamos o Guia Geral, já que se constitui o primeiro material a ser
trabalhado com os cursistas. A partir dele, as impressões e o julgamento a respeito do curso
serão formulados.
2. Guia Geral e Caderno de Teoria e Prática do programa GESTAR
Na Apresentação do Guia Geral 2 (BRASIL, 2006), há uma introdução ao objetivo do
programa: aprimoramento pessoal e intelectual da prática pedagógica e profissional do
professor em serviço, por meio de espaços participativos e interativos, que orientem a
1
Conforme Guia Geral do Gestar II, as siglas respectivamente significam Fundo de Fortalecimento da Escola;
Diretoria de Programas Especiais; Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação; Ministério da Educação.
2
Documento de trabalho para construção coletiva do programa.
compreensão e a implementação do programa, a construção coletiva da proposta pedagógica,
como também a definição dos papéis dos atores do GESTAR, no intuito de criar uma nova
escola.
O Guia Geral convida o professor a interagir com o material e com os demais
cursistas na recepção da proposta pedagógica do programa. Dividido em quatro unidades,
para as quais são elencadas seções que objetivam corroborar os títulos de cada uma das
unidades, a saber: O GESTAR II como Programa de Formação Continuada em Serviço; A
Proposta Pedagógica do GESTAR II; A Implementação do GESTAR II; O GESTAR II: as
Expectativas de Mudanças e a Especificidade do Programa em cada Escola, o programa
espera apontar o diferencial de sua proposta de formação continuada.
Todo trabalho realizado pelo cursista referente ao programa em sala de aula deve ser
acompanhado pelo formador, profissional qualificado especialmente para atuar no GESTAR
II. Entretanto, a capacitação dos formadores restringiu-se aos conteúdos propostos pelo
Módulo I do programa, que visava construir ou reelaborar uma inovada prática pedagógica.
A estrutura de um Caderno de teoria e Prática (TP) compõe-se de três partes. Na
primeira, há o Título da Unidade e Nome do Autor; Iniciando Nossa Conversa – introdução à
unidade –; Definindo Nosso Ponto de Chegada – objetivos de aprendizagem.
Sequencialmente existem as Seções – subdivisões da unidade, elaboradas para estudo
autônomo – que possuem título, objetivos de aprendizagem e o desenvolvimento do conteúdo.
Essa organização conta com ícones específicos, a saber: Atividades de Estudo, Indo à sala de
aula, Avançando na prática, Importante, Recordando, Resumindo. Os ícones das Seções
listam os seus componentes que são atribuídos pelo TP ao cursista em prol de sua
aprendizagem. De forma respectiva, temos:
a) o primeiro componente institui atividades fixadas em ocasiões estratégicas do texto;
por meio dos exercícios propostos por elas, o professor aciona os seus conhecimentos prévios
em favor da construção de outros conhecimentos; variam entre duas e seis atividades de
estudo em cada seção, completando de seis a dezoito atividades por unidades;
b) o segundo indica atividades que se destinam à aplicação do conteúdo estudado em
sala de aula ou recomenda atitudes importantes para o professor;
c) o terceiro representa o momento em que o professor é chamado a aplicar o conteúdo
estudado minuciosamente em sala de aula;
d) o quarto ícone indica definições de conceitos e sínteses do tópico em foco;
e) o quinto item apresenta notas sobre os conteúdos anteriores ou aqueles que o
professor deveria conhecer;
f) o sexto componente resume o conteúdo da seção.
Sempre, ao término das unidades, tem-se a seguinte seqüência: Leituras Sugeridas,
com a recomendação de três a cinco leituras por unidade, acompanhadas de resenha e
referências bibliográficas; Bibliografia: exibição dos textos de fundamentação usados na
elaboração das unidades pelos autores; Ampliando nossas Referências inclui um texto de
referência de outro autor, cuja temática envolve os conteúdos trabalhados nas unidades
ímpares para aprofundamento do professor; Correção das Atividades traz sugestões de
respostas das atividades propostas para conferência do professor.
Na Parte II, existem duas Lições de Casa que constituem relatos de um Avançando na
Prática escolhido pelo participante; esses deverão ser entregues ao formador para organização
do portfólio do professor; ao final de duas unidades estudadas, obrigatoriamente, deve-se
entregar uma lição.
As duas oficinas compõem a Parte III, essas são formadas por sequência de atividades
e instruções a serem realizadas seja individual, seja coletivamente nas unidades pares. Embora
apresentem duas versões, uma no TP dos participantes e outra no Caderno do Formador,
possuem uma estrutura padronizada.
3. Proposta de Formação continuada da Secretaria Municipal de Educação
Trataremos, aqui, da proposta educacional da Secretaria Municipal de Educação de
Rondonópolis/MT no campo das políticas públicas de formação docente. Delimitaremos
nossa exposição ao papel do Departamento de Ensino Fundamental, órgão responsável por
promover e realizar ações educativas com os profissionais atuantes nas escolas.
Ao pensarmos em um projeto social amplo de “educação para todos” proposto pelo
Departamento, não podemos ser indiferente às relações estabelecidas entre essa instância
político-administrativa e os sujeitos que a integram. Tais relações dizem respeito à
intencionalidade política, aos compromissos anunciados e à manutenção e/ou alteração das
estruturas sociais postas.
O desafio compreende reconstruir o significado da escola para além das crenças e
tradições que norteiam o processo de ensino-aprendizagem. Requer, sim, um processo menos
autoritário que seja capaz de atender à pluralidade e o contexto singular em que cada unidade
escolar se insere. Para tanto, a Secretaria pretende romper com o tecnicismo e com o saber
descontextualizado a favor do ideário da mudança propalada pela demanda social.
Nesse aspecto, cabe ao Departamento elaborar seu plano de ação com a finalidade de
direcionar a construção da profissionalização docente, cuja pretensão seja a de levar os
professores a produzirem as inovações necessárias no interior da escola.
Ao se contrapor a um currículo prescritivo, o Departamento busca outra lógica de
educação, centrada numa escola pensada e constituída “por sujeitos politicamente
comprometidos com um projeto educativo inclusivo e culturalmente rico e com a produção
das condições elementares de trabalho no interior da escola”, conforme o Memorial de Gestão
2005-2008.
Assim, define, em linhas gerais de ação, os Eixos da Formação dos educadores da
Rede Municipal de Rondonópolis. Abaixo, apresentamos a figura representativa das Bases da
Formação Continuada em três eixos: I – A Formação Centrada na Escola; II – A Formação a
partir das Diretrizes Nacionais e III – A Formação dos Educadores da RME.
No documento, para cada eixo são deliberadas as ações para a efetivação dessa
proposta de formação em sistema de parceria. No primeiro eixo, ao centrar a formação na
própria unidade escolar, o Departamento justifica que esse é o espaço apropriado para
profissionalização e autonomia docentes, onde
teoria
e
prática se estabelecem
permanentemente. Numa perspectiva crítica, essa relação teórico-prática facilita a recondução
e ressignificação das práticas educativas. Consequentemente, o professor é concebido como
“intelectual crítico transformador” e, dessa maneira, está autorizado a investigar as práticas e
os documentos que orientam a educação, nos quais se insere o coletivo de profissionais desta
área.
A coletividade passa a ser orientada pela Coordenação Pedagógica que prepara e
articula os trabalhos em prol da proposta curricular das escolas. Engajado nesse processo, o
coordenador poderá direcionar, a partir das práticas efetivadas nas salas de aula, as discussões
e a sistematização contínua das experiências formativas, encaminhando momentos de reflexão
e de estudo que colaborem para a adoção dos paradigmas atuais de educação.
O eixo dois fundamenta a formação na figura do professor, o qual se torna gestor de
dilemas 3 na sala de aula, dominando os conteúdos essenciais do currículo, bem como as
metodologias para desenvolvê-los, de acordo com os Programas Oficiais.
Ainda que o
Departamento acredite em uma formação particularizada e adequada às necessidades de cada
escola, tem por obrigação difundir sistemas de ensino que pretendem uniformizar o caminho
formativo dos docentes.
3
Podemos aproximar a essa concepção à do professor prático-reflexivo.
O último eixo assenta-se em oferta de espaços para interlocução entre as escolas,
intercâmbio de experiências atuais e acesso às pesquisas educacionais que circulam em todas
as instâncias do cenário nacional. Mediante a socialização do conhecimento, leva o professor
a conhecer e a compreender as políticas públicas de uma educação com qualidade
sociocultural, dando prioridade ao diálogo acerca das condições de trabalho, dos limites e
possibilidades de atuação dos educadores da Escola Pública Municipal e de sua melhoria.
Para tal intuito, além do investimento na formação continuada para educadores, é
preciso criar condições para o desenvolvimento das competências e das habilidades indicadas
para o desempenho satisfatório das atividades docentes. Por isso, essa proposta visa capacitar
o profissional para um trabalho interdisciplinar que valorize os saberes das áreas do
conhecimento humano relacionados à vida.
A avaliação é processual, por isso se dedica à análise da aprendizagem dos
professores, com a intenção de certificar a competência profissional. No campo das
competências, recebe igual importância a habilidade para o trabalho coletivo e as habilidades
propriamente individuais. Ao concluir uma capacitação, espera-se que os professores tenham
adquirido fundamento teórico-metodológico necessário à atualização do trabalho docente.
A partir dessa exposição, entendemos que essa Secretaria se incumbe de capacitar os
profissionais, adotando um modelo de formação crítico-reflexivo em parceria com as escolas.
Ao atribuir à escola etapas na tarefa de educação continuada, essa instituição procura
valorizar o meio interno onde realmente as ações se configuram. Ao instituir esse modelo de
formação contínua em três eixos, a SEMEC tenta evitar que os programas fomentados por
políticas públicas sejam projetos inacabados ou modificados sem uma apreciação dos
participantes dos cursos.
Não é difícil identificar em muitas formações a adoção de modismos, isto é, teorias
que regularmente são apresentadas como soluções para os problemas educacionais. Nessa
perspectiva, os programas de formação são auto-suficientes e, por isso, habilitados nos
discursos oficiais a construir um processo educativo transformador. Um exemplo claro é o
programa GESTAR, que analisamos neste estudo. Em sua segunda edição, tem-se tornado
uma referência para os professores de língua portuguesa e matemática.
O aprimoramento docente concebido em tais padrões contribui muito pouco para a
formação intelectual e pedagógica do professor, porque, ao tentar suprir as lacunas
conceituais e metodológicas referentes ao saber profissional, sistematiza as propostas em
determinado referencial teórico ou propõe, de forma mais comprometedora, uma miscelânea
de teorias que geralmente leva às equivocadas interpretação e prática educativa.
Com a participação das universidades na educação continuada, em linhas gerais, há a
socialização do conhecimento produzido na academia de modo instrucionista e, quase sempre,
as atividades sugeridas não são suficientes para esclarecer os problemas com os quais escolas
e secretarias rotineiramente se deparam. Sendo sacralizado o conhecimento provindo da
universidade comumente, as respostas dadas não correspondem às necessidades da educação
básica, devido à dificuldade dos professores em revelar aos pesquisadores os problemas
legítimos das salas de aulas, além da falta de saberes para lidar com eles, e à descontinuidade
de sua mediação na formação docente.
Dessa forma, a Secretaria pressupõe que, ao incumbir a escola do processo formativo,
distancia sua proposta de uma concepção tradicional e técnica, aproximando-a de um modelo
interativo-construtivista, que assenta seus aspectos dialéticos, reflexivos, críticos e
investigativos nos contextos e nas necessidades educativas dos sujeitos a que se destina.
A pertinência do modelo adotado se baseia ainda no fato de que a escola deve
assegurar aos professores total facilidade e auxílio para desenvolver seu trabalho em sala de
aula; à equipe gestora, ciente de tal processo, cabe otimizar e agilizar as tarefas burocráticas
presentes na escola.
É com muita frequência que ouvimos professores reclamarem que a cultura escolar
não se transforma, porque o sistema impede. Por isso, a atualização permanente deveria
incluir todos os segmentos escolares, uma vez que um plano de formação é uma iniciativa
institucional de responsabilidade individual e coletiva.
Os obstáculos que resistem à mudança precisam ser combatidos com três atitudes em
relação à formação/prática reflexiva, consoante Garcia (apud ELTZ, 2007, p. 5):
mentalidade aberta, que se define como ausência de preconceitos, de
particularidades, de melindres [...]; a responsabilidade que se refere [...] à
responsabilidade intelectual, considerando as consequências de um passo
projetado e assumindo-[as] [...]; e o entusiasmo, definido como
predisposição para enfrentar a situação com curiosidade, energia, prazer,
capacidade de renovação, ruptura com a rotina. [ênfase adicionada]
Isso posto, propomos que a formação continuada não seja concebida como um
acúmulo de certificado que autentica conhecimentos desconexos com a realidade, mas que
seja espaço de reflexão crítica e de interação mútua entre os professores em prol da
construção da autonomia profissional dessa categoria. Batalhar por uma formação docente
mais adequada às práticas de letramento evita a desqualificação do trabalho do professor, não
permitindo a proletarização da categoria.
Por isso, trabalhos científicos que investigam a problemática em torno da educação
são imprescindíveis para uma apropriada modificação na organização escolar, uma vez que
conhecemos de perto todo o processo do ensino-aprendizagem, porque não somente o
planejamos e discutimos para a formação, como também o vivenciamos na prática de sala de
aula.
Nosso estudo insere-se no quadro da pesquisa-ação caracterizada pela estreita
associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo. Os pesquisadores e
participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo
cooperativo ou participativo, tornando-se sujeitos, produtores ativos de conhecimento.
Adotando
os
procedimentos
metodológicos
da
pesquisa-ação,
examinamos
o
desenvolvimento de um programa governamental de formação docente – GESTAR II de
Língua Portuguesa – coordenado pela equipe da Secretaria Municipal de Educação, com vinte
e sete professores atuantes nas últimas fases do Ensino Fundamental, relacionando-o à
apropriação teórico-metodológica dos gêneros discursivos para o trabalho em sala de aula.
Assim, a relação entre formadores e professores, no processo de construção de
conhecimento, pôde consolidar um saber específico de ambas as partes quanto à teoria dos
gêneros aplicada ao ensino de leitura e produção textual de um programa oficial de educação
continuada.
Seguindo os pressupostos da pesquisa-ação, nosso objetivo não é apenas descrever,
mas promover mudanças no ambiente pesquisado, articulando a relação entre teoria e prática
no processo de construção do conhecimento.
Portanto, houve a necessidade de se construir uma parceria que pudesse integrar as
nuanças do grupo formado. Nesse sentido, a orientação de Andaloussi (2004, p.134) valeunos, pois
Intercâmbio permanente, confronto de pontos de vista e realização de ações
comuns fazem parte dos mecanismos que permitem construir a parceria, a
qual não é estabelecida por decreto, constrói-se a partir das convicções
pessoais em um clima de confiança regrado por relações democráticas.
Assim, argumenta Andaloussi (2004, p.51), “em educação, a implicação das partes
interessadas pelo campo de estudo é um elemento constitutivo do saber científico”, razão pela
qual o professor tem uma função fundamental em pesquisa dessa esfera.
É evidente que os professores têm muito a dizer sobre sua prática, não somente
porque a realizam, mas porque a interação ampla e explícita presente na sala de aula os leva a
criar situações de aprendizagens. No ato de aprender, a mediação docente auxilia o aluno a
agir sobre os problemas e a produzir conhecimento, a partir do momento em que ela o leva a
tomar decisões em direção aos objetivos definidos para a aprendizagem.
3. Avaliação Final do GESTAR II de Língua Portuguesa: impasses e (des)construções
Durante o curso realizamos três avaliações segundo exigências do programa GESTAR
II; entretanto, acrescentamos algumas questões ao diagnóstico oficial, pois o mesmo não
levava em conta as especificidades do grupo, além de não revelar quais expectativas já
havíamos atendido e quais ainda faltavam para atingir.
As avaliações realizaram-se em abril de 2007 e em março e abril de 2008. No último
instrumento, elaboramos uma questão com seis alternativas discursivas, as quais pretendiam
saber: as mudanças ocorridas na prática pedagógica do professor; as dificuldades para
implementar o Programa GESTAR II na escola; a continuidade do Programa de Formação
desenvolvido pela SEMEC; os conteúdos e temas a serem contemplados nas formações
subseqüentes; a definição de gêneros do discurso e a forma apropriada de transpô-los como
objetos de ensino para aulas de língua portuguesa; e, finalmente, os aspectos positivos e/ou
negativos do programa GESTAR II .
É preciso ressaltar que os professores não demonstraram muito interesse em responder
à avaliação final do curso; aqueles que a fizeram, parecem tê-la considerado mais uma
atividade obrigatória do que um instrumento dedicado a avaliar, de fato, a formação
continuada oferecida pela Secretaria.
A avaliação é uma ferramenta importante na educação, porque garante um exame
reflexivo das ações empreendidas, possibilitando a revisão dos objetivos, dos procedimentos
aplicados e dos resultados obtidos no processo de ensino-aprendizagem. O ato de avaliar não
se restringe ao aluno, mas estende-se a todos os sujeitos que compõem a instituição escolar.
Segundo Petroni (2007, p.1537),
cada um constrói seus próprios métodos baseados na experiência reflexiva
[...] por intermédio da investigação de suas práticas, avalia suas ações atuais
e anteriores, promovendo as mudanças necessárias para melhorar o
desempenho dos alunos. [...] consideram urgente a modificação das práticas
pedagógicas, baseando-as no aprimoramento profissional e na atitude
reflexiva como ponto de partida e de chegada para a elevação do nível
educacional.
Em nosso caso, a avaliação constitui-se em instrumento eficaz para indicar
direcionamentos para futuras formações continuadas, as quais apontam os anseios dos
professores a respeito do ato de educar, mas, principalmente, revelam os saberes e as
capacidades construídos pelos estudos propostos ou, ainda, desvendam a negativa e a
descrença dos cursistas quanto aos processos formativos dos professores.
Como mencionado, considerar esse instrumento nos possibilita analisar a aplicação da
teoria e prática pedagógica acerca da viabilidade do trabalho com os gêneros nas aulas de
língua portuguesa, bem como conhecer a opinião dos cursistas sobre a concepção teóricometodológica discutida no GESTAR.
A análise a seguir considera o contexto em que ocorreu a formação. Os professores
foram ouvidos e atendidos, na maior parte dos apelos, quanto ao tempo destinado para tarefas
no decorrer do curso. Os textos estudados foram disponibilizados para os participantes e
procuramos compreender os desabafos sobre os impasses entre professor e alunos, professor e
coordenação e/ou gestão, mesmo quando tais momentos não eram pertinentes às atividades
propostas.
Iniciamos, então, a discussão das respostas obtidas na última parte da Avaliação Final
do curso GESTAR II de Língua Portuguesa, lembrando que a questão trata da participação
dos professores no Programa.
4. a) Liste as mudanças ocorridas na prática pedagógica que você desenvolve a partir de sua
participação no Programa.
Respostas
obtidas
09
Mudanças na prática pedagógica
Mudanças não ocorreram, mas reforçadas as ações propostas pelo
programa. (sic)
Planejamento a partir de um diagnóstico, enfatizando das (sic)
dificuldades.
Adoção de outras formas de avaliar e trabalhar interpretação e
produção textual.
Diferentes textos e aulas inovadoras.
Eu já trabalhava da forma exigida pelo GESTAR II. O FOMAP me
deu essa base, portanto não teve mudança na minha prática, apenas
novos conhecimentos, os quais me auxiliaram na prática pedagógica.
Trabalho mais especificamente os gêneros textuais, leitura e
produção. Elaboramos cartazes. Faço reestruturação dos textos dos
alunos com maior freqüência.
Textos do GESTAR, Propagandas, Receitas, A maneira de avaliar.
Atividades mais adequadas para a aprendizagem. Utilização de
pequenos projetos em sala.
Nº de respostas
iguais
02
Com as respostas à alternativa a, verificamos que os cursistas, em sua maior parte,
reconhecem que as atividades do GESTAR são inovadoras, pois trazem uma abordagem para
o ensino de leitura e de escrita levando em consideração a ênfase dos textos a partir dos
gêneros.
Quanto à transformação na prática pedagógica, três cursistas não as destacaram, fato
que não as levou a desmerecer o material; pelo contrário, as duas primeiras atestam
positivamente as ações do curso, revelando que as “novidades” apresentadas pelo GESTAR já
são práticas incorporadas em suas aulas. A cursista que colocou o FOMAP 4 como divisor de
águas para seu trabalho, talvez desconhecesse que esse curso teve como material uma das
primeiras versões do GESTAR. Recebeu o referido nome, porque, na época, o GESTAR não
havia sido destinado para o município de Rondonópolis/MT, apenas para os CEFAPROs
(Centros de Formação e Atualização do Professor) de Mato Grosso. As formadoras que
ministraram o curso aos professores da Rede Estadual de Ensino, também o fizeram para os
profissionais da Rede Municipal. A formadora/pesquisadora participou do FOMAP como
cursista e não o considerou tão inovador pelas seguintes razões: embora já propusesse o texto
como objeto de ensino, limitou seu tratamento ao contexto escolar; a situação e as condições
de produção reduziam-se à finalidade do autor; a preocupação com a tipologia textual ocupou
grande parte das atividades e alguns conteúdos gramaticais em destaque, por exemplo, uma
narração (verbos discendi, advérbios de tempo e lugar, discurso direto e/ou indireto, etc.).
As propostas de produção abordavam uma situação/contexto do texto, ainda que
permanecesse a ficcionalização da escrita. Algumas sugestões foram recorrentes para o
trabalho com o texto; por diversos momentos a formadora orientava os grupos a criar
propostas de produção textual que partissem da circunstância do texto em questão. A título de
exemplo, foram elaboradas as seguintes propostas: a) O cachorro, animal de estimação da
personagem do texto, desapareceu. Imagine-se dono do cão e escreva um anúncio para o
jornal, descrevendo-o, para que possa encontrá-lo; b) Escreva uma carta à personagem do
texto, comentando sobre a amizade entre você e o seu animal de estimação.
Em nenhum momento, relacionou-se o conceito de gênero às atividades. Se ainda
hoje o efetivo trabalho com os gêneros do discurso é pouquíssimo constatado nas escolas, em
2003, a noção fazia referência à divisão literária dos gêneros: épico, dramático, narrativo e
lírico.
De modo genérico, a formação parece ter sido proveitosa para os professores;
entretanto, ressaltamos que nenhum deles fez referência à prática reflexiva tão imprescindível
4
FOMAP – Formação dos professores de matemática e português. Esse curso foi realizado no período de 07/06
a 08/12/2003, perfazendo um total de 100 horas. O curso consistia em onze oficinas, a saber: Fundamentos para
a construção do objetivo geral do ensino de Língua Portuguesa, Procedimentos envolvidos no processo de leitura
e produção de texto, O planejamento do texto no ato da produção: fatores de textualidades, Estratégias
pedagógicas para facilitar a compreensão de textos lidos e escritos, O ensino de Português nas escolas,
Concepções de gramáticas, A tipologia textual na instrução de leitura e escrita, Os elementos constitutivos do
texto epistolar e do texto informativo, Práticas de análise lingüística, A arte como interpretação da realidade,
Descritores de desempenho (desejável) dos alunos.
ao processo de ensino-aprendizagem. Sem priorizar tal ação, a formação do professor pode
incorrer no fracasso. A esse respeito, comenta Petroni (2007, p.1540)
uma vez treinados na atividade reflexiva, esses profissionais conseguirão
dominar os problemas que se apresentam e gradativamente formar nova base
de conhecimento que os levará a um desempenho profissional satisfatório,
tornando-se o que, realmente, se espera de um educador, um indivíduo hábil
a promover medidas eficazes para melhoria do ensino, sabendo avaliar
criticamente cada situação e agir com firmeza diante de posições que julgue
inadequadas, pois já se sente preparado para fazer suas próprias escolhas e
promover as mudanças necessárias ao aprendizado discente.
Não deixando de lado o enfoque quanto ao ato de refletir acerca da docência,
passaremos a verificar as dificuldades apontadas para implementação do Programa GESTAR
nas escolas municipais, conforme o quadro abaixo.
4. b) Cite as principais dificuldades que você tem observado na implementação do Programa
em sua escola.
Respostas
obtidas
08
(* uma
abstenção)
Dificuldades apontadas na implementação do GESTAR II
Adequar as sugestões de atividades à proposta da escola no
momento exigido.
Fator tempo (para aplicar a atividade).
Principalmente o material, mesmo tentando criar outras formas.
A adequação das atividades para a clientela.
O tempo para preparar e ler coletivamente o material do Programa.
Materiais e apoio pedagógico.
Falta de material (opções) para seleção dos diferentes gêneros para
trabalhar em sala.
Não nem tanta dificuldade, às vezes a gente não tem espaço em um
determinado momento por a escola ter outros projetos também no
mesmo período, mas tenta construir e desempenhar todas as
atividades em um outro momento.
A falta de interesse do aluno.
Participação dos pais nas tarefas.
Nº de respostas
iguais
02
As dificuldades apontadas pelos cursistas não surpreendem a equipe de formação,
visto que o próprio material elencou tais empecilhos para o professor. No entanto, algumas
dificuldades colocadas não procedem, cabendo, aqui, apresentá-las. Discutir essa
improcedência não consiste em isentar a SEMEC das falhas cometidas pelas formadoras
durante o curso de formação ou pela incoerência entre o TP3 e as atividades propostas para o
estudo dos gêneros do discurso, uma vez que protecionismo e paternalismo não colaboraram
absolutamente para uma formação continuada que almeja auxiliar o professor no processo
reflexivo de sua prática.
Discutiremos cada uma das barreiras, a começar pelo fator tempo, devido à ocorrência
em quase todas as respostas. No primeiro encontro do GESTAR, ao apresentar a estrutura do
programa, combinamos que o tempo estabelecido para a seção Avançando na prática e as
Oficinas seria obedecido.
Na primeira parte do curso, os encontros foram mensais; ademais, em agosto e
outubro, os encontros foram cancelados por conta de outros eventos de formação docente pela
SEMEC. Portanto, os professores contaram com tempo hábil para desenvolver as atividades.
Somente em março de 2008, tivemos três encontros, contudo com um intervalo de catorze
dias entre eles.
A incumbência de administrar o tempo para aplicação das atividades foi delegada ao
professor. No primeiro dia, os participantes conheceram a estrutura do programa, logo
puderam organizar seu fazer pedagógico levando em consideração o GESTAR II. Todavia, no
transcorrer do curso, as datas previstas para entrega dos relatórios sempre foram proteladas.
Em algumas ocasiões, tivemos de adiar a socialização do Avançando na prática, porque
somente dois professores o haviam realizado.
O intuito das formadoras consistiu em priorizar o estudo da unidade pelo professor,
para que, primeiramente, analisasse e depois colocasse em prática as propostas, caso ele
julgasse apropriado. Se não houvesse adequação das tarefas com a turma de alunos, o cursista
recomendaria outra atividade planejada posteriormente a seu processo de compreensão quanto
aos gêneros do discurso.
Talvez a limitação do grupo do GESTAR em viabilizar o trabalho com os gêneros
tenha surgido porque não se adotaram parâmetros para reorganizar a prática pedagógica, quer
do referido programa, quer de qualquer outra diretriz. A maior parte dos professores
determinava aproximadamente duas aulas da semana para desenvolver a atividade com os
alunos. Portanto, não há modificações na prática docente se inexistem a reflexão sobre
diferentes perspectivas para o currículo de língua materna, bem como a vivência de outras
abordagens para ensinar língua(gem).
Igualmente, discordamos da alegação sobre a falta de conciliação entre as atividades
do GESTAR II e os projetos desenvolvidos nas unidades escolares, pois permitimos que o
professor alterasse as propostas para apropriá-las aos objetivos traçados nas escolas.
A falta de material é uma reclamação constante dos professores. Essa carência tem se
configurado na grande dificuldade para os professores, segundo eles, sem cópias suficientes
dos textos, assinaturas de revistas e de jornais, biblioteca com acervo atualizado, laboratório
com número suficiente de computadores e equipamentos multimídia, fica impossível planejar
uma aula adequada. Já sabemos que a maior parte das escolas conta com um número reduzido
desses recursos; entretanto, é preciso investigar se a presença deles provocou mudanças
metodológicas nas aulas. Esse não foi o primeiro curso ministrado ou assessorado pela
formadora/pesquisadora, cuja alegação dos participantes não seja essa. Acreditamos que a
carência referente à descrição de muitos gêneros seja um dos impedimentos para o trabalho
docente; além do mais, a excessiva carga horária de trabalho de muitos professores dificulta e,
às vezes, até inviabiliza o estudo de teorias atuais sobre o tema em destaque.
Aliás, o trabalho com gênero requer muito mais que descrições em bancos de dados ou
manuais. Observando o problema por esse ângulo, Petroni (2007, p.1540) advoga que
[...] apenas, trabalhar com gêneros é insuficiente para uma prática eficaz.
Necessário se faz a todos aqueles que desejarem se engajar nessa nova e
relevante modalidade de ensino assumir os gêneros como ‘ação social, como
manifestação do discurso nas mais diversas práticas sociais do homem, são
as que melhor proporcionariam uma análise mais completa no que diz
respeito à relação texto, discurso, contexto e estrutura social’.
Quanto à falta de interesse do aluno e a não participação dos pais nas tarefas escolares,
não vemos procedência para essa resposta, porque a pergunta se direciona ao professor em
formação e a sua atuação em sala de aula. Atribuir aos demais elementos envolvidos no ato de
educar a ineficiência na aprendizagem impede a construção de ações educativas que garantam
a busca de
[...] novos horizontes no trabalho com os gêneros, deixando de lado as
concepções arcaicas que inviabilizam o desenvolvimento intelectual de
nossos alunos, para adentrarem o universo da atitude reflexiva e coerente
com as necessidades dos indivíduos em processo de formação, a aquisição e
o aperfeiçoamento das habilidades de leitura e escrita que os capacitem à
leitura do mundo e ao exercício consciente da cidadania. (PETRONI, 2007,
p. 1546)
Tamanha é a complexidade em adotar a teoria bakhtiniana dos gêneros, que julgamos
indispensável outras formações que discutam essa abordagem de ensino. Cabe ao professor
perceber a necessidade da educação continuada para sua capacitação profissional e seu
trabalho diretamente com o aluno.
Salientamos que a comunicação aos pais a respeito do Programa GESTAR foi de
incumbência da escola, visto que o Guia Geral do curso recomendou esse procedimento. Por
conseguinte, perguntamo-nos: De que maneira os pais podem participar da educação dos
filhos se, em muitas escolas, não são convidados a partilhar essa função e nem bem-vindos na
unidade escolar? Como integrar os pais, nesse processo, se nem mesmo os gestores
participaram da formação?
Na instituição escolar, precisamos aprender formas de compartilhar o conhecimento,
primeiramente, entre os profissionais provenientes dos segmentos que compõem esse
estabelecimento de ensino. Desenvolvida essa capacidade, estaremos aptos a convocar a
comunidade circunvizinha a adentrar os muros da escola para, efetivamente, participar do
processo de ensino-aprendizagem.
Com a finalidade de vislumbrar a opinião dos cursistas sobre a continuidade do
Programa de Formação da Secretaria, perguntamos:
4.c) Você considera necessária a continuidade do Programa de Formação desenvolvido pela
SEMEC? Por quê?
Respostas
afirmativas
09
Justificativas
Por que há um elo muito grande entre os colegas, agente aprende muito uns com os
outros.(sic)
Sim, porque o material apresentado serve como recurso para preparação das aulas; a
discussão sobre o tema e as observações que cada escola apresenta a partir de suas
realidades. A troca de experiência é bastante válida.
Sim, porque nunca devemos deixar de aprender. Espero que as formações seguintes
venham ao encontro de nossas necessidades quanto profissionais.
Sim, pois nos reciclamos cada vez mais.
Sim. Porque é uma maneira de estarmos aprendendo novas técnicas de ensinar.
Sem dúvida, principalmente porque há muitos temas a estudar, discutir e refletir como:
gêneros textuais, tipos de textos.
Sim, a discussão favorece a reflexão do trabalho realizado em sala de aula.
Seria pertinente, porque a troca de experiências, bem como o estudo de novas teorias
favorecem o processo de ensino-aprendizagem.
Nosso aperfeiçoamento é necessário para que a prática possa ser sempre melhorada.
Para esta questão, computamos nove respostas afirmativas acompanhadas de
justificativas sensatas, porque os cursistas valorizam a formação docente no que tange ao
conhecimento de novas experiências mediante a interação entre os profissionais da área de
linguagem.
Vale ressaltar que a sexta razão para o prosseguimento das formações legitima um dos
objetivos pretendidos pelas formadoras, de que a transposição dos gêneros das mais variadas
esferas de atividade humana para a sala de aula
requer do professor uma prática diferenciada em relação à leitura e à
produção textual. Tal prática fundamenta-se na concepção interacionista da
linguagem e na heterogeneidade do sujeito historicamente constituído,
conceitos que demandam um trabalho dinâmico com a linguagem como
alternativa de ensino-aprendizagem, especialmente da modalidade escrita,
para significar, isto é, para confrontar experiências, comparar fatos, avaliar
situações, julgar comportamentos, expressar preferências, enfim, para
assumir a palavra com competência (PETRONI, 2007, p.1535-1536).
Para tanto, é imprescindível que a condução de discussões e de reflexões acerca das
teorias lingüísticas emergentes possa colaborar positivamente com o professor. Caso não haja
essas ações, o curso perde seu propósito e se transforma em certificados desprovidos de
conhecimentos, garantindo apenas as famigeradas horas de aperfeiçoamento profissional para
contagem de pontos, por ocasião da lotação e atribuição de aulas no início de cada ano letivo.
Vistas em conjunto, as respostas permitem-nos assegurar que a preocupação do
professor ainda recai na incessante busca pela prática desvinculada de uma teoria que a
sustente; modelos, ou melhor, receitas para ensinar bem merecem destaque.
Atualmente, uma tendência destaca-se entre os professores municipais: a solicitação
de oficinas. Entretanto, criticam a proposição de oficina, porque não as concebem como
metodologia de trabalho em que há construção coletiva do conhecimento, a partir da análise
da realidade e da troca de experiências. Essa tendência resguarda o profissional, pois ao
requerer oficinas pedagógicas – ele evita críticas – já que emprega esse termo em lugar de
“receitas”. Contudo, o que o professor espera, na verdade, é um planejamento pronto que
atenda os requisitos: o que ensinar, como ensinar, com quais recursos e que resultados avaliar.
Essa afirmação nos leva a conhecer os assuntos que interessam ao professor, os temas
prioritários em sua formação contínua enquanto educador, conforme quadro abaixo.
4. d) Liste conteúdos/temas que devem ser abordados em formação a serem oferecidas para os
professores de Língua Portuguesa.
Nº de respostas iguais
05
Conteúdos/temas para futuras formações
Gramática contextualizada.
Gêneros textuais, tipos textuais, oficinas.
O trabalho com a gramática.
Como trabalhar o Inglês no Ensino Fundamental e EJA.
Precisamos de oficinas.
Como alfabetizar um aluno de 13 a 16 anos?
Como fazer o aluno adquirir gosto pela leitura (estratégias).
Como motivar o aluno para atividades orais individuais. (Dicas)
Como utilizar portifólio.
Oficinas teatrais.
Leitura e produção.
Gêneros textuais.
Consoante aos temas elencados, a gramática contextualizada recebeu seis indicações.
Essa ocorrência maior reafirma o que dissemos sobre as práticas cristalizadas no ensinoaprendizagem de língua portuguesa. Ensinar gramática constitui o centro das preocupações do
professor, o qual busca meios para não tornar tão enfadonho o estudo da norma da língua, já
que sua gênese desvincula-se da comunicação viva da linguagem.
Contrariamente ao que esperávamos, obtivemos apenas duas sugestões para a
continuidade do estudo do gênero. A listagem sugere outros temas para serem abordados. É
curioso constatar que os cursistas não os relacionaram à teoria dos gêneros do discurso orais
ou escritos e nem compreenderam que essa perspectiva possibilita trabalhar todos os aspectos
indicados por eles de modo mais significativo para o aluno.
O fato que ressoa no conjunto de respostas da alternativa d é a procura de
metodologias que capacitem o professor a lidar com os desafios inerentes a sua profissão:
desmotivação do aluno em aprender após tentativas frustradas do professor para sensibilizá-lo
quanto à importância do estudo, dificuldades referentes à leitura e à escrita de textos e o
número de analfabetos funcionais que tem cursado o último ciclo do Ensino Fundamental.
Na tentativa de amenizar esses problemas, surge a adoção do gênero como objeto de
ensino, que possibilitará ao professor, segundo Petroni (2007, p. 1535),
criar situações nas quais os alunos deixem de ser meros decodificadores,
para se tornarem agentes do aprendizado, autores que se vejam inseridos nos
contextos de produção dos seus discursos, para que a escola passe,
realmente, a ser um ambiente significativo em suas vidas e venha a produzir
frutos promissores no campo do saber lingüístico-discursivo.
Na seqüência do instrumento, investigamos os cursistas para saber qual a abordagem
adequada para o ensino de Língua Portuguesa, o que se pode ver no quadro a seguir.
4. e) Depois de ter lido textos acerca do gênero e realizado oficinas orientadas por essa teoria,
qual, em sua opinião, é abordagem mais adequada para o ensino de Língua Portuguesa?
Nº de
respostas
07
Abstenção
Abordagem de ensino de Língua Portuguesa
02
Eu creio que todos os diversos tipos de textos, e enfocar mais os textos
informativos, principalmente, os de opinião pública (jornalísticos).
A identificação dos gêneros textuais mais claramente e a reestruturação
textual que aborda os diferentes assuntos na correção e reelaboração do
texto.
Através de diferentes tipos de textos.
Com situações comunicativas o mais próximo do cotidiano e dos alunos.
Buscando o ensino que favoreça ao educando o seu letramento, a
abordagem mais adequada para isso é através dos gêneros discursivos.
O ensino deve ser ministrado de forma que oportunize o letramento, sendo
assim, deverá ser permeado pelos gêneros discursivos.
Trabalhar os diferentes gêneros textuais partindo daqueles de
conhecimento do aluno para depois introduzir os mais complexos.
As respostas à alternativa e nos surpreenderam, porque tivemos, na maior parte delas,
a indicação dos gêneros do discurso/textuais como abordagem apropriada ao ensino de Língua
Portuguesa. Somente duas professoras recomendaram a diversidade textual.
Diante dessa constatação, cabe refletirmos acerca do embasamento teórico proposto ao
grupo pelas formadoras. Estudamos “Gêneros do discurso”, de Bakhtin e “Tipo de texto, tipo
de discurso, gênero textual, gênero do discurso”, de Jaqueline Peixoto Barbosa, além da teoria
apresentada no TP3, com o propósito de levar ao professor não unicamente textos, mas abrir
possibilidades de repensar a língua e a linguagem sob outro ponto de vista, procurando
analisar a apropriação do conceito de gêneros do discurso para a prática pedagógica.
Desse modo, Petroni (2007, p. 1540) postula que
A posse desse instrumental teórico conduzirá o professor a, gradativamente,
construir um conhecimento próprio, oriundo da pesquisa balizada com a
experiência, capacitando-o cada vez mais a encontrar os meios de
desenvolver as habilidades comunicativas dos alunos no trabalho com
gêneros discursivos diversificados, partindo do uso efetivo da linguagem em
situações reais de comunicação para que o aluno posso (sic) se instaurar
como sujeito do discurso.
A postulação da referida autora converge com a da equipe formativa, à medida que vê
na teoria dos gêneros uma possibilidade bastante viável para a instauração do atual paradigma
do ensino de língua materna.
Por fim, conhecemos os aspectos positivos e negativos do curso GESTAR II, segundo
os professores, como conferimos no quadro a seguir.
4. f) Liste aspectos positivos e/ou negativos que tem a observar a respeito do programa
GESTAR II – Língua Portuguesa.
Aspectos positivos
Reflexões
que
oportunizam
inovações nos trabalhos.
Troca de experiências e temas
estudados.
Aprendizagem de novas técnicas,
discussão coletiva.
Foi muito bom.
As nossas discussões e trocas de
experiências.
Troca de experiências, discussões
sobre a temática, sugestões de
atividades para aplicar em sala.
Inteiração do grupo, troca de
experiência, Entrosamente dos
palestrantes e cursistas. (sic)
Teoria juntamente com a prática.
Atividades diferenciadas a partir
dos gêneros textuais.
Nº de
Abstenção
respostas (* aspectos
iguais
negativos)
Desvio dos objetivos durante as
02
03
discussões.
Tempo insuficiente para a
realização
das
atividades
propostas.
Poderíamos ter utilizado mais o
nosso tempo com oficinas.
Ainda não identifiquei.
A falta de compreensão quando os
cursistas não tem tempo de(sic)
para as leituras dos textos, pois as
escolas às vezes desenvolvem
outros projetos com tempo
determinado e aí ou a gente
desenvolve as atividades com os
alunos e acaba não tendo tempo de
fazer duas coisas.
Aspectos negativos
Os aspectos positivos e negativos não diferem muito das respostas dadas às
alternativas anteriores. Portanto, vamos comentar o ponto que se refere ao “desvio dos
objetivos durante as discussões”. Não escolhemos seguir fielmente o material, porque
julgamos desnecessário despender tempo para algumas oficinas que repetiam proposta do
Avançando na prática e para a correção de respostas das atividades destinadas ao estudo
individual do professor.
As formadoras contavam com um tempo determinado para desenvolver o curso, por
isso enfatizamos mais o estudo dos textos e a discussão do grupo a respeito da aplicação das
propostas metodológicas. Entretanto, nossa escolha não foi vista positivamente pelos
cursistas. Muitos deles cobravam-nos a seqüência do material, porque julgaram importante o
cumprimento de todas as tarefas por parte das formadoras.
Por último, destacamos o fato de o grupo ter reconhecido à importância da interação e
o intercâmbio de experiências que uma formação continuada propicia. Ressaltamos, ainda,
que um grupo de professores elegeu uma oradora para apresentar o anseio dos profissionais da
área de linguagem, a necessidade de se criar um grupo de estudos de língua portuguesa, no
qual os docentes participariam para conhecer teorias lingüísticas que auxiliem o trabalho do
professor.
4. Considerações finais
Este trabalho pretendeu propor uma revisão dos princípios que norteiam a formação
docente quanto ao estudo dos gêneros do discurso, tendo em vista sua viabilidade para as
aulas de língua portuguesa.
Não só a literatura especializada sugere a construção de uma identidade profissional
para o docente, como também muitas pesquisas têm defendido a figura de um professor
pesquisador que saiba identificar e refletir criticamente os problemas de seu agir próprio em
prol de uma transformação da realidade.
Um grande desafio foi lidar com a resistência da maioria dos cursistas quanto à
importância do estudo individual e coletivo inerente à docência. Foi necessário, de modo
gradativo, incutir a ideia de um grupo de estudo para os professores de Língua Portuguesa. A
realização de tal intento precisou de um estabelecimento de canais de investigação
permanente entre as formadoras e os sujeitos da pesquisa, porque, nosso propósito exigia
“gerar e preparar mudanças coletivas nas representações, comportamentos e formas de ação”
(THIOLLENT, 2004, p.76).
Consequentemente, as instâncias oficiais que trabalham com a formação docente
devem caminhar no sentido de considerar a linguagem nas ações discursivas realizadas por
sujeitos sócio-históricos.
Enquanto as formações docentes continuarem a insistir no repasse, em alguns casos
superficiais, de novas tendências didáticas para o fazer pedagógico ou a persistir em não dar
voz ao professor para ouvir de fato o que ele tem a dizer sobre os desafios que sua profissão
lhe impõem cotidianamente, dificilmente mudaremos práticas arraigadas das aulas que não
atendem à demanda de uma sociedade moderna, globalizada e letrada.
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THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2004.
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