XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção
Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.
CARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTES
COM MICROTRATORES NA
AGRICULTURA FAMILIAR DE SANTA
CATARINA
Ricardo Kozoroski Veiga (UFSC)
[email protected]
Leila Amaral Gontijo (UFSC)
[email protected]
Larissa Maas (IFC)
[email protected]
Fabricio Campos Masiero (IFC)
[email protected]
Wilian Odorizzi (IFC)
[email protected]
A agricultura familiar catarinense representa importante papel na
economia do estado. Produtos como milho, feijão, cebola e fumo tem
suas produções centralizadas nas pequenas propriedades agrícolas
que empregam a mão de obra familiar. O aumento de produtividade
nessas pequenas glebas só foi possível com a utilização de maquinário
agrícola versátil e de baixo custo. Os microtratores e motocultivadores
foram instrumentos que permitiram esse avanço e de forma indireta
mantiveram o agricultor no campo, reduzindo o êxodo rural. Mas a
utilização intensiva dessas máquinas sem cuidados essenciais na sua
operação pode trazer reflexos negativos para a saúde desses
agricultores. O crescimento da frota de máquinas e a necessidade de
ampliação da produção pode explicar o aumento do número de
acidentes com essas máquinas nas últimas décadas. Esse número é
pouco preciso e as causas desconhecidas, uma vez que não são
computados nem como acidentes de trabalho e nem como acidentes de
trânsito. Essa pesquisa busca caracterizar os acidentes com
motocultivadores, identificando as máquinas, o perfil do acidentado e
a circunstância em que ocorreu. Para isso foi utilizada pesquisa tipo
levantamento (survey) através de questionários semi-estruturados
respondidos por 79 agricultores familiares. A análise estatística
empregada foi a correlação entre variáveis, pelo coeficiente de
Pearson, para uma significância de 0,1 %. Foram investigadas
correlações entre as seguintes variáveis: faixa etária do acidentado,
causa genérica e causas específicas. Constatou-se que a faixa etária
mais susceptível foi dos 10 aos 20 anos (21,7%), a causa genérica foi
atitude insegura (42,0%) e as causas específicas mais citadas foram
falta de atenção (28,0%), perda de controle em aclive/declie (23,3%),
falha mecânica (12,7%), falta de proteção (11,3%) e operação da
máquina em condições extremas (10,7%) . As correlações mais
XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção
Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.
significativas foram entre a idade e a atitude insegura e a idade e falta
de atenção.
Palavras-chave: Motocultivador, Segurança, Agricultura Familiar
2
XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção
Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.
1. Introdução
A agricultura familiar tem grande importância econômica e social do espaço rural brasileiro.
Segundo FAO/INCRA (1994), a agricultura familiar tem como característica básica a íntima
relação entre trabalho e gestão, onde a direção do processo produtivo é conduzida pelos
proprietários, com ênfase na diversificação produtiva, na durabilidade dos recursos e na
qualidade de vida. A utilização do trabalho assalariado, quando existente, se dá em caráter
complementar.
De acordo com a MDA (2010), na agricultura familiar o trabalho é desenvolvido pelos
membros da família, que detêm a posse da terra e dos instrumentos de trabalho tendo, pelo
menos, 80% da renda familiar proveniente da atividade agropecuária.
Assim como nos demais modelos agrícolas, a agricultura familiar buscou meios para tornar-se
mais eficiente. Para isso lançou mão da mecanização agrícola e uma das máquinas que
possibilitou esse avanço foi o motocultivador, também conhecido como trator de rabiças,
microtrator ou “tobatta”. Sua versatilidade, aliada a baixos custos de aquisição e operacional,
fez desta máquina o substituto da tração animal em pequenas propriedades. Em lado oposto à
redução do esforço físico do agricultor e seus ganhos econômicos estão os riscos ergonômicos
e de acidentes que essa máquina impõe ao seu operador. Embora de tamanho reduzido, o
motocultivador é potencialmente letal em caso de acidentes, a exemplo de capotamentos.
Esta pesquisa buscou elencar as principais causas de acidentes com motocultivadores na
região do Alto Vale do Itajaí, SC, e alertar a sociedade quanto aos riscos ergonômicos
associados à sua operação.
2. Revisão bibliográfica
As políticas de incentivo do governo federal e a instalação de fábricas de tratores no Brasil,
aliada a interiorização da agricultura, impulsionou nacionalização de máquinas agrícolas a
partir de 1950 (VIRGÍLIO, 2003). A exemplo do advento dos fabricantes de tratores de
grande porte, porém explorando os microtratores, a Kubotta Tekko do Brasil foi a marca de
maior expressão no contexto da agricultura familiar brasileira difundindo seu produto, o
Tobatta, que é referência entre os motocultivadores, mesmo atualmente.
Segundo ANFAVEA (2014), a produção de motocultivadores atingiu seu pico em 1986
quando foram comercializadas mais de 7 mil unidades. A partir dos anos 90 houve uma
estabilização no crescimento das vendas de motocultivadores, ficando em torno de 1500
3
XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção
Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.
unidades por ano, ao passo que as de tratores continuaram a crescer. A Figura 1 apresenta a
produção nacional tratores e motocultivadores de 1961 a 2013.
Figura 1 - Produção nacional tratores e motocultivadores entre 1961 e 2013
Fonte: Anfavea (2014)
Segundo Veiga et al. (2014a), em estados com relevo acidentado, a exemplo de Santa
Catarina, os tratores de pequena potência e motocultivadores são largamente empregados,
especialmente em propriedades de até 20 hectares. Dados da ANFAVEA (2014) apontam que
20,95 % da produção nacional foram comercializadas para Santa Catarina, o que, por esses
números leva a uma frota superior a 20 mil motocultivadores neste estado.
A maioria dos motocultivadores utilizam motores monocilíndricos refrigerados a água,
movidos a diesel e com potência inferior a 18 Cv. A cilindrada varia entre 250 e 500
centímetros cúbicos com um regime de funcionamento máximo entre 2000 e 3500 rotações
por minuto (MÁRQUEZ, 2011). São compostas por um único eixo e um par de rodas. O
operador caminha na parte traseira, direcionando-a através de comandos situados suas rabiças.
Grande parte destas máquinas no sul do Brasil é empregada no transporte de carga e pessoal,
através da adaptação de carreta que possibilita a condução na posição sentada.
Esse crescimento da frota de máquinas, nos diversos modelos de exploração econômica da
agricultura, incrementou o número e a gravidade dos acidentes no campo. Segundo Debiasi et
al. (2004), a maior parte dos acidentes com tratores é causada por atitudes inseguras, sendo
que a principal é a perda de controle em aclive ou declive, seguida da operação do trator em
condições extremas. Veiga et al.,(2014b) analisando os motocultivadores (comumente
denominados “Tobattas”), constataram que estes apresentam uma característica singular
4
XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção
Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.
chamada “inversão dos comandos”, o que potencializa o risco de acidente. Na subida, ao
acionar-se a embreagem da roda esquerda o veículo direciona-se para a esquerda. Já na
descida, ao acionar-se a embreagem esquerda o veículo movimenta-se para a direita. Tal
característica se alinha com o exposto por Debiasi et al. (2004), quando declara que a
principal causa de acidente é a perda de controle em aclives ou declives.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, OIT (2004), a agropecuária está
entre as três atividades com maior índice de acidentes no mundo, sendo muitos destes fatais, e
para cada três acidentes ocorridos no meio rural, um causa a incapacidade permanente do
trabalhador. Estudo realizado por Monteiro et al. (2010) concluiu que 55% dos acidentes
graves ocorridos na zona rural do oeste paulista foram com máquinas agrícolas e dentre estas
o trator foi a que causou 65% dos acidentes graves. A tomada de potência do trator foi
responsável por 37% dos acidentes e a falta de atenção durante a operação foi a causa de 50%
dos acidentes.
A operação de máquinas agrícolas, em especial o trator, exige uma carga mental elevada uma
vez que são executados diversos processos que necessitam ajustes e regulagens específicas.
Vilagra (2009) comenta que a operação de um trator agrícola consiste numa atividade
extenuante, com sobrecarga física não destituída de sobrecarga mental o que eleva esta
atividade a uma grande preocupação da ergonomia. Márquez (1990) também considera que o
esforço físico e mental leva à fadiga, que diminui a capacidade de concentração do operador,
aumentando, em consequência, a ocorrência de acidentes de trabalho.
As condições climáticas (como temperatura e precipitação pluviométrica) e ambientais (como
solo e vegetação) e suas variações repentinas adicionam fator de risco de acidentes a esta
atividade. Fatores como ruído, vibração e disposição espacial do posto de trabalho também
têm influência na operação segura da máquina. Pawar (1978) e Veiga et al. (2014a) destacam
que a excessiva vibração e nível de pressão sonora são deficiências importantes nos projetos
de motocultivadores. Singh e Kaul (1972) observaram que a vibração e ruído contribuíram
com 5 a 7 % da demanda total de energia humana para operar um motocultivador. Mitarai et
al. (2008a) analisando 76 operadores de motocultivador, onde predominavam as marcas
Kubota e Iseki, apontam que a necessidade de melhoria do design do assento foi relatada por
47,4% dos operadores entrevistados. Mitarai et al.(2008b), em estudo realizado nas Filipinas
com 124 operadores de motocultivadores em operações agrícolas na posição em pé constatou
que dentre os principais problemas mencionados pelos operadores, o excessivo ruído do
motor foi apontado por 48,4 % dos entrevistados. Bidgoli et al. (2005) destacam que
5
XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção
Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.
motocultivadores, além de executarem as operações agrícolas, estão envolvidos no transporte
de carga e passageiros. Apesar de seu ruído, os efeitos adversos sobre os condutores e
transeuntes não foram investigados de forma adequada. Quanto à disposição dos comandos
no posto de trabalho (alavanca de troca de marchas, embreagem e freio), para as principais
marcas de motocultivadores, constata-se que elas excedem as distâncias ideais e máximas
orientadas por Iida (2005), Grandjean (1998) e Dul & Weerdmeester (2012), o que torna mais
difícil a condução da máquina, pois exige o deslocamento para frente e perda de apoio lombar
do operador.
Veiga et al. (2014b) avaliaram a usabilidade de um trator e um motocultivador e compararam
o índice de erros de acionamento dos comandos para o desvio de um obstáculo. A simulação
mostrou que o erro de acionamento do motocultivador foi de 49,1% enquanto que para o
trator foi de 5,7%.
Em estudo realizado na microrregião de Ituporanga, SC, Poletto (2009), verificou que as
situações de risco são ignoradas pelos trabalhadores, pois fazem parte da sua rotina de
trabalho. Em relação às doenças relacionadas ao trabalho, verificou-se que as maiores queixas
são relatos de dor na coluna lombar e cervical, ocasionadas pela postura adotada nas
atividades e pela sobrecarga física destes trabalhadores. Foram relatados acidentes, de
moderados a graves, pelos agricultores, como cortes em mãos, dedos, perna, situações estas
vistas como normais por eles, que atribuem estas ocorrências à distração, à falta de atenção
com a tarefa e à falta de equipamento de proteção individual. A pesquisadora observou em
todas as famílias estudadas que os problemas de acidentes de trabalho acontecem com
freqüência.
Os referencial teórico apresentado reforça a importância de se realizarem estudos visando a
melhoria dos projetos de motocultivadores e a necessidade de alertar a sociedade quanto aos
riscos associados à utilização desta máquina.
3. Métodos
Este trabalho caracteriza-se como uma pesquisa de natureza exploratória e descritiva
suportada por um levantamento tipo survey. A pesquisa de natureza exploratória, segundo Gil
(2002) tem o objetivo de proporcionar maior familiaridade com o problema para torná-lo mais
explícito ou a de constituir hipóteses. Já a descritiva, segundo o mesmo autor, possibilita o
estabelecimento de relações entre variáveis. Assim, o estudo permeia entre as duas naturezas,
6
XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção
Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.
uma vez que se buscou conhecer o mundo do trabalho agrícola mecanizado e a posteriori
buscou-se associação e correlação entre variáveis.
Utilizou-se o levantamento (survey) para melhor conhecimento do perfil dos acidentados, das
máquinas e condições em que ocorreram esses acidentes. O questionário semi-estruturado
abordou o campo sócio-cultural e também a qualificação profissional do operador de
motocultivador.
O levantamento utilizou plano amostral probabilístico possibilitando inferência dos resultados
para a população. Dados quantitativos foram tratados por correlação linear e os qualitativos
através da análise de conteúdo.
Foram distribuídos 100 questionários à membros da agricultura familiar das regiões do Alto
Vale do Itajaí e Serra catarinenses. Os entrevistados foram informados sobre o tema, os
objetivos e os compromissos éticos da pesquisa, tendo sido assinado, por todos os que
responderam o questionário, o termo de consentimento livre e esclarecido. O índice de
rejeição foi de 21%. O retorno de 79 questionários permitiu o desenvolvimento da pesquisa.
4. Resultados e discussões
As cidades com maior expressão foram Salete, São Joaquim, Alfredo Wagner, Rio do Campo,
Ituporanga, Trombudo Central, Witmarsum, Chapadão do Lageado, Paranduva e Urupema, as
demais apresentaram apenas um ou dois relatos de acidentes. A maior parte dos municípios
pertence as regiões do Alto Vale do Itajaí e Serra catarinense. A Figura 2 apresenta o número
de casos relatados por cidade.
Figura 2 – Número de acidentes por cidade catarinense
7
XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção
Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.
Nos municípios estudados, predomina a agricultura familiar, que se desenvolve em pequenas
propriedades (até 10 hectares). Os produtos mais relevantes são cebola, fumo, milho, feijão e
a horticultura. As máquinas pequenas, como os microtratores e motocultivadores são as
principais fontes de potência nessa categoria de exploração agrícola.
Causas gerais segundo os entrevistados
Para 42% dos entrevistados, o acidente relatado ocorreu por atitude insegura do trabalhador.
Neste caso, mesmo conhecendo o risco da operação, o trabalhador se expõem e ocorre o
acidente. Para 37% dos entrevistados a falha ocorreu por condição insegura, ou seja,
deficiências no ambiente ou na máquina levaram à ocorrência do acidente. Já 21% não
souberam distinguir qual foi a causa geral do acidente. O resultado é expresso na Figura 3.
Figura 3. Causas gerais de acidentes com motocultivador
8
XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção
Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.
A análise isolada das causas gerais não permite concluir sobre a principal causa geradora do
acidente, pois é muito próxima a porcentagem entre atitude e condição inseguras e o índice de
pessoas que não identificaram a causa é muito expressivo. Porém se comparada às causas
específicas mais citadas, obtém-se uma maior confiabilidade deste resultado.
Correlação entre idade do acidentado e causa geral “atitude insegura”.
Para a análise das causas gerais (e també nas específicas), foram descartadas as faixas etárias
de 0 a 10 anos por considerar qua a vítima do acidente não tem clara distinção sobre os riscos
e por isso não pode ser considerada atitude insegura. Também foram excluídos, nesta análise,
questionários com dados de idade imprecisos ou não divulgados. Pode-se destacar a grande
quantidade de casos cujo acidentado tinha entre 10 e 20 anos, foram 9 casos, ou seja 28% dos
acidentes. Esse número leva a crer que muitos menores de 18 anos estão operando
motocultivadores. Também analisando outras faixas e aplicando-se análise estatística
constata-se que os jovens correm mais risco por se exporem através de atitudes inseguras
(Figura 4).
Figura 4. Acidentes por faixa etária, para atitude insegura
9
XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção
Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.
Correlação entre idade do acidentado e a causa geral “condição insegura”.
Analisando ocorrência de acidentes cujo entrevistado julgou como condição insegura, não
identifica-se uma tendência quando comparada à faixa etária dos acidentdos. As faixas 20 a
30 e 30 a 40 anos destacam-se por apresentar mais da metade dos relatos. A Figura 5
apresenta a distribuição de acidentes por faixa etária. O coeficiente de correlação não
apresentou significância a 1%.
Figura 5 - Acidentes por faixa etária, para condição insegura
Causas específicas
As causas específicas mais expressivas foram: falta de atenção, perda de controle em
aclive/declive, falha mecânica, falta de proteção e utilização em condições extremas. A
Figura 6 apresenta as causas mais citadas.
Figura 6. Causas específicas mais citadas
10
XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção
Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.
As duas primeiras causas estão ligadas a fatores humanos e cognitivos, assim como a carga de
trabalho. A falta de atenção (28,0%) pode estar associada ao excesso de carga mental,
conforme Marquéz (1990) ou assumida pelo entrevistado, por sentir-se culpado pelo acidente,
como explica Poletto (2009) . A perda de controle em aclive/declive (23,3%), como segunda
causa, corrobora com Veiga et al (2014b) que apresenta a peculiaridade da inversão dos
comandos aumentando a possibilidade de erro de acionamento em um motocultivador em
relação a um trator. A carcterística de relevo da região avaliada, com áreas de grande
declividade, também pode contribuir para a ocorrência do acidente. A falha mecânica (12,7%)
pode estar associada à idade das máquinas presentes na região (ano de fabricação entre 1970 e
1995), ou seja, com tempo de uso entre 20 a 45 anos. Outro fator pode ser o nível de
manutenção, principalmente a preventiva, pouco praticada pelos agricultores destas
localidades avaliadas. A falta de proteção (11,3%) pode ser evidenciada em situações de
trabalho típicas dessas regiões, onde nas operações agrícolas são raros os operadores de
máquinas que utilizam proterores auriculares, luvas ou botas. O seu uso, salvo excessão, não
evita o acidente, mas reduz a extensão das lesões. Assim, pode ser interpretado como causa da
lesão que levou ao afastamento do trabalho. A quinta colocação ficou para a utilização do
motocultivador em condições extremas (10,7%). Nessa circunstância inclui-se o excesso de
carga, de velocidade ou implementos inadequados que ocasionam o desgaste prematuro da
máquina ou dificultam a dirigibilidade do mesmo. É considerado ato inseguro ao passo que o
operador tem consciência que está atuando no limite do equipamento. As demais causas
somaram 14,0% e foram, em ordem decrescente: aproximação excessiva da máquina ligada,
11
XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção
Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.
permissão de carona, engate inadequado, entrada brusca do trator em movimento, entrada
involuntária do trator em movimento e outros (2,7%).
Com base tanto nas causas gerais como específicas foram investigadas as correlações entre
estas e a idade dos acidentados. O objetivo é saber se aspectos como a experiência e o
condicionamento físico contribuem para a ocorrência de determinado tipo de acidente.
Correlações entre a idade e as causas gerais
A primeira análise foi entre a faixa etária e as causas gerais. O cálculo do coeficiente de
correlação de Pearson demonstrou uma tendência de correlação fortemente negativa entre a
faixa etária e a atitude insegura, ou seja, quanto maior a idade, menor o número de acidentes.
Essa tendência é reforçada pelo fato de que a média de idade dos agricultores familiares, para
a região estudada, é de 48,9 anos (com desvio-padrão de 14,4 anos), segundo Poletto (2009).
A faixa etária e a condição insegura apresentou correlação negativa fraca, porém para α=0,1%
não foi significante. Os valores dos coeficientes estão dispostos na Tabela 1.
Tabela 1 – Correlações entre idade e as variáveis atidude insegura e condição insegura
Correlações entre a idade e as causas específicas
Com relação as causas específicas, foram compatadas as cinco mais citadas com a faixa etária
dos acidentados. Todas apresentaram correlação moderada ou forte e foram significantes para
α=0,1%. Os valores dos coeficientes estão dispostos na Tabela 2.
Tabela 2 – Correlações entre idade e as variáveis falta de atenção, perda de controle, falha mecânica, falta de
proteção e condições extremas
12
XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção
Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.
Correlação entre faixa etária e falta de atenção:
A correlação negativa forte pode ser explicada pela pouca experiência que leva o operador à
subestimar os riscos aos quais estão expostos na operação do motocultivador. A falta de
cuidados em momentos com a partida, trocas de marcha, frenagem e uso do motocultivador
como fonte de potência estacionária podem levar à acidentes de grandes proporções. O estado
de conservação da máquina, assim como as peças utilizadas em manutenções também podem
levar à erros pois alteram a condição dinâmica da máquina e muitas vezes a tornam uma
excessão, ou seja, naquela máquina o acionamento ocorre de forma diferente da maioria.
Correlação entre faixa etária e perda de controle em aclive/declive:
A correlação negativa moderada, similarmente como ocorre com a falta de atenção, pode estar
associada a pouca experiência que leva o operador à submeter a máquina à condições de
declividade potencialmente perigosa. O motocultivador não possui dispositivo que indique o
ângulo limite ao qual pode operar com segurança (inclinômetro). Também, é prática comum
na região avaliada, a aquisição de carreta tracionada que transforma o motocultivador em
máquina com tração nas quatro rodas. Esse implemento permite manobras em terrenos mais
inclinados, porém o projeto da máquina não está preparado para suportar cargas elevadas e
inclinações dessa natureza. A inversão dos comandos quando se passa de um aclive para
13
XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção
Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.
declive e vice-versa constitui outro fator de risco de acidentes. Mesmo operadores com
experiência relatam serem surpreendidos pela reação da máquina nestas condições.
Correlação entre faixa etária e falha mecânica:
A correlação positiva forte pode ser justificada pelo excesso de confiança na máquina
associado à uma manutenção precária. A idade do equipamento também pode influir na falha,
que pode ser chamada de manutenção corretiva, quando o elemento mecânico só é substituído
quanto colapsa, muitas vezes, sem sinal prévio. O precário estado de conservação foi
evidenciado pelos autores, a exemplo da Figura 7.
Figura 7. Estado de conservação de motocultivador
A falta de cuidados em momentos com a partida, trocas de marcha, frenagem e uso do
motocultivador como fonte de potência estacionária podem levar à acidentes de grandes
proporções. O estado de conservação da máquina, assim como as peças utilizadas em
manutenções também podem levar à erros pois alteram a condição dinâmica da máquina e
muitas vezes a tornam uma excessão, ou seja, naquela máquina o acionamento ocorre de
forma diferente da maioria
Correlação entre faixa etária e falta de proteção:
A correlação negativa moderada indica que quanto maior a idade do operador menor foi a
ocorrência de acidentes. Talvez o uso de equipamentos de proteção individual tenha reduzido
o efeito do acidente, ou seja, a lesão à ponto desta não se caracterizar como acidente, mas sim
um quase acidente ou apenas incidente crítico. As partes do corpo lesionadas mais citadas
14
XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção
Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.
foram mãos, pés, cabeça e tórax. As mãos relacionam-se às operações de partida, acoplamento
e desacoplamento de implementos, limpeza e manutenção da máquina. O uso de luvas de
couro poderia reduzir os danos em grande parte dos acidentes. Os pés estão relacionados à
subida e descida da máquina e sua operação, como demonstra a Figura 8. O uso de botas de
borracha minimiza as lesões leves, ocasionadas por objetos cortantes e o uso de botas com
biqueira de aço também previnem danos contra quedas de objetos pesados.
Figura 8: Uso do motocultivador na cultura do arroz, evidenciando a não-utilização de equipamentos de proteção
individual
Correlação entre faixa etária e condições extremas:
A correlação negativa fraca pode ser explicada pela inexperiência do operador e intenção de
aumento de produção, levando a máquina à limites críticos de velocidade, rotação, carga ou
declividade ou até mesmo associando dois fator simultaneamente. Modificações na máquina
ou na carreta não são raras, aumentando o risco de perda de controle ou capotamento do
motocultivador, a exemplo da Figura 9.
Figura 9. Carreta tracionada modificada para ampliação da capacidade de carga
15
XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção
Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.
5. Conclusões
Além do trator, o motocultivador é a máquina mais presente nas propriedades rurais avaliadas.
Sua operação impõe severo risco de acidentes e as lesões provocadas em caso de acidente vão
de leve a grave, inclusive levando a óbitos.
A principal causa dos acidentes é a atitude insegura. Como causas específicas, em ordem
decrescente, estão a falta de atenção, perda de controle em aclive/declive, falha mecânica,
falta de proteção e uso da máquina em condições extremas.
O estudo demonstra a importância da conscientização dos riscos da utilização dos
motocultivadores, principalmente para os jovens, que estão sendo os mais afetados pelo uso
inadvertido desta máquina.
REFERÊNCIAS
ANFAVEA - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS FABRICANTES DE VEÍCULOS AUTOMOTORES (Brasil)
Anuário da Indústria Automobilística Brasileira. São Paulo, 2014. 154 p.
BIDGOLI, S.R; GHOBADIAN, B.NASSIRI, P. KAMALIAN, N. Investigation, Analysis and Presentation of
Prediction Models of a Power Tiller Noise, Pulling a Trailer at Rural Asphalt Road. Journal of Science and
Technology of Agriculture and Natural Resources, 2005, Vol.8(4), p.225.
DEBIASI, H.; SCHLOSSER, J.F; WILLES, J.A. Acidentes de trabalho envolvendo conjuntos tratorizados
em propriedades rurais do Rio Grande do Sul, Brasil. Ciência Rural, v.34, n.3, Santa Maria, mai./jun. 2004.
DUL, J.; WEERDMEESTER, B. Ergonomia Prática . São Paulo: Edgard Blucher, 2012.
FAO/ICRA. Diretrizes de política agrária e desenvolvimento sustentável para a pequena produção
familiar. 1994.
GIL, Antonio Gilberto. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. Sao Paulo: Atlas, 2002. 175p.
16
XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção
Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.
GRANDJEAN, E. Manual de Ergonomia. Adaptando o trabalho ao homem. 4ª ed: Bookman, Porto Alegre,
1998.
IIDA, I. Ergonomia, projeto e produção. São Paulo: Edgard Blucher Ltda, 2005.
MÁRQUEZ, L. Solo tractor’90. Madrid : Laboreo, 1990. Cap.4: Ergonomía y seguridad en los tractores: p.146207.
MÁRQUEZ, Luiz. Tractores Agrícolas: Tecnología y Utilización. Editora B&H. Madrid, 2011.
MITARAI, Masafumi; SICAT, Julius Caesar V.; KINOSHITA, Osamu; TOYOMITSU, Yukio. Survey of
Riding Tractor Operating Comfort in Nueva Ecija, Philippines. Japanese Journal of Farm Work Research,
2008a, Vol. 43(2), p.67-74.
MITARAI, Masafumi ; SICAT, Julius Caesar V. ; KINOSHITA, Osamu ; TOYOMITSU, Yukio. Survey of
Walking Tractor Operating Comfort in Nueva Ecija, Philippines. Japanese Journal of Farm Work Research,
2008b, Vol. 43(2), p.59-66.
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO – MDA. Equipamentos e Implementos para Tratores.
Disponível em: <http://comunidades.mda.gov.br/principal/equipamentos-mais-alimentos>. Acesso em jun/2010.
MONTEIRO, L.A. Prevenção de Acidentes com Tratores Agrícolas e Florestais. Botucatu, SP: Editora
Diagrama, 2010. 105 p.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) 2004. Panorama laboral. Oficina Regional
para América Latina e Caribe.
PAWAR, J. G. Investigation of human energy requirements for power tiller operation. 1978. (MTech
Thesis) – Punjab Agricultural University, India, 1978.
POLETTO, Ângela Regina. Processo de trabalho e saúde mental de trabalhadores agrícolas familiares da
microrregião de Ituporanga, Santa Catarina. 2009. Tese de doutorado (Doutorado em Engenharia de
Produção e Sistemas. Área de Concentração: Ergonomia). Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Florianópolis, 2009.
SINGH, H.; KAUL, R. N. Human energy requirements of selected farm operators. Journal of Agricultural
Engineering (ISAE), v. 9, n. 3, p. 44-52, 1972.
VEIGA, R. K. ; GONTIJO, L. A. ; MASIERO, F. C. ; VENTURI, J. ; ODORIZZI, W.. Emprego da análise
ergonômica do trabalho em atividade com máquina agrícola motorizada. Exacta – EP, São Paulo, v. 12, n. 1, p.
123-136, 2014a.
VEIGA, R. K. ; MASIERO, F. C.; GONTIJO, L. A.; ODORIZZI, W.. Multitarefas. Cultivar Máquinas, v.12,
n.142, p.6-9, 2014b.
VILAGRA, J.M. Adequação Ergonômica de Trator Agrícola de Média Potência: Construção e Validação
de um Instrumento de Avaliação à partir do Construto de Conforto, Segurança e Eficiência. Tese de
Doutorado, PPGEP, UFSC, 2009.
VIRGÍLIO, S. O Despertar da Mecanização Agrícola. Editora da Câmara Municipal de Campinas, 2003,
134p.
17
Download

caracterização de acidentes com microtratores na