ESTUDO EXPERIMENTAL SOBRE INSTABILIDADE DE COMBUSTÃO E ESCOAMENTO NA CÂMARA DE COMBUSTÃO EM MOTOR ESTATO – JATO João Vitor Fontenele Romero- IC Aluno de graduação do curso de Engenharia Aeronáutica do Instituto Tecnológico de Aeronáutica Bolsista PIBIC-CNPQ; Brasil; e-mail: [email protected] Pedro Teixeira Lacava - PQ Professor do Departamento de Propulsão, Divisão de Aeronáutica, Instituto Tecnológico de Aeronáutica Brasil; e-mail: [email protected] Amílcar Porto Pimenta- PQ Professor do Departamento de Propulsão, Divisão de Aeronáutica, Instituto Tecnológico de Aeronáutica Brasil; e-mail: [email protected] Roberto da Mota Girardi - PQ Professor do Departamento de Aerodinâmica, Divisão de Aeronáutica, Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Brasil; e-mail: [email protected] RESUMO O presente trabalho consiste em uma série de ensaios conduzidos em motor tipo estato-reator, de uso acadêmico. Os experimentos foram realizados no Laboratório de Propulsão e Engenharia Aeronáutica Prof. Kwei Lien Feng, no Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Métodos de preparo, calibração e condução do experimento são descritos e são obtidos dados sobre levantamento de empuxo e arrasto para quatro retentores de chama de geometrias distintas. Os resultados permitem concluir que a área de bloqueio do retentor de chama constribui significativamente para o bom ancoramento da chama e para a faixa de vazão de combustível sustentada pelo motor ao longo do experimento. ABSTRACT The present work consists on a series of experiments conducted in an academic Ramjet engine. The experiments took place on Prof. Feng Propulsion and Aerodynamics Laboratory by ITA. Experimental methods are described and acquired thrust and drag results are displayed for four different flame-holder configurations. Acquired results suggest that a flame-holder block area ratio contribute significantly with the flame holding phenomenon and with fuel mass flow sustained by the engine in the course of the experiment. Palavras-chave Estato-Jato; Câmara de Combustão; Propulsão Aeronáutica; Propulsão hipersônica; Retentores de chama 1. Introdução O motor estato-jato consiste em um duto sem máquinas rotativas, como o conjunto turbina/compressor , feito para atuar quando a aeronave já possui uma velocidade inicial. O estato-jato possui um difusor na sua entrada com a função de comprimir e desacelerar o escoamento de ar que entra na câmara. Em inglês, dá-se o nome de “Ramjet” a este tipo de motor, devido ao efeito “ram” que é o choque do ar com o difusor, causando a desaceleração e compressão do fluido, funcionando, portanto, como um compressor. Além de seu difusor, o estato-jato possui um sistema de injeção de combustíveis, uma câmara de combustão e uma tubeira na parte posterior, contando com a presença de retentor de chamas no interior da câmara de combustão. O primeiro modelo de estato-jato foi apresentado pelo engenheiro francês René Leduc no salão parisiense de aviação em 1938. A partir do final da Segunda Guerra Mundial foram propostos modelos de mísseis utilizando o motor estato-jato, contudo o seu desenvolvimento foi adiado por limitações dos materiais da câmara de combustão e ao inconveniente de o estato-jato ter que operar a uma determinada velocidade inicial. No início da década de 90 os estudos concernentes a este sistema de propulsão foram reiniciados e atualmente há mísseis com avançados mecanismos de propulsão híbrida de foguete e estato-jato, que consiste basicamente em servir a câmara de combustão do estato-jato para o propelente sólido que, após queimado completamente, esvaziará a câmara e o estato-jato será acionado. Outras tecnologias como controle inteligente do escoamento na entrada de ar no estato-jato também permitiram grande rendimento e principalmente confiabilidade nos foguetes propelidos por esse sistema. Há projetos de aeronaves propelidas com a combinação de estato-jato e turbojato capazes de operar do nível do mar até a órbita. Compostos cerâmicos avançados estão sendo pesquisados para permitir que estato-jatos operem a velocidades hipersônicas acima de Mach 6. 2. O Estato-Jato 2.1 Funcionamento do estato-jato Dependente de um jato de ar jogado em seu duto difusor, o Ramjet requer uma velocidade mínima de cerca de 350 mph (156,5 m/s) para operação efetiva. Ele deve ser lançado do solo ajudado por catapultas ou foguetes, ou lançado do ar por um avião viajando à velocidade necessária (SMITH, 1950). Como em todas unidades de propulsão a jato, o empuxo é obtido pela reação à mudança de momento do ar escoando pelo sistema. No caso ideal, não há perdas nem no escoamento de entrada (0→B1) nem no escoamento de saída (B2→j). Uma compressão inicial na vazão de entrada (0→i) que possui uma velocidade aproximadamente igual a da aeronave, é seguida por uma posterior compressão no difusor, que também diminui a velocidade do escoamento (i→B1). O combustível líquido ou gasoso (bancos de ensaios) injetado é queimado continuamente na câmara de combustão (B1→B2) ocorrendo uma expansão e conseqüente aumento de velocidade: um jato com energia cinética aumentada é expelido pela tubeira. Esse jato deixa a tubeira com uma velocidade aproximadamente duas vezes a da aeronave. Como apenas a energia cinética do escoamento de ar é responsável por produzir o aumento de pressão necessário na câmara de combustão, o estato-jato não pode gerar qualquer empuxo sobre condições estáticas (V0 = 0). (KÜCHEMAN; WEBER, 1953). 2.2 Retentor de chamas O sistema retentor de chama em um Ramjet consiste em corpos rombudos, isto é, objetos sólidos que possuem uma forma geométrica de modo que, quando introduzidos em uma corrente de fluido, uma região de recirculação é formada. Figura 2: zona de recirculação à jusante de corpos rombudos Se a corrente de fluido é um gás capaz de sustentar uma reação exotérmica, movendo-se a uma velocidade maior que a da propagação laminar da chama na mistura, poderá existir uma chama contínua se um sistema de estabilização de chama for usado. O mais comum desses sistemas é o de retentores de chama ou “flame-holders”. O princípio básico de funcionamento do flame-holder é que a recirculação, formada imediatamente atrás do corpo, mistura os produtos de combustão com a mistura reagenre não-queimada. Figura 3: retentores de chama ensaiados 3. Montagem experimental Figura 4: montagem do experimento Para executar o experimento, foi necessário antes garantir o alinhamento do duto de onde sai o escoamento de ar com o estato-jato. Para isso foram usinadas peças de alumínio cilíndricas, com um pequeno orifício no centro. Por esse orifício deve passar um feixe laser que vai garantir o alinhamento. Além disso, foi feita a hogeneização do escoamento, evitando turbulências e componentes transversais da velocidade do escoamento, através de tela e colméia acopladas na saída do ventilador centrífugo. A calibração da célula de carga foi feita através de uma placa de aquisição de dados e com o software Labview. A placa de aquisição obtém um sinal elétrico da célula de carga, este sinal é enviado para o computador e armazenado. O experimentador insere o valor da carga correspondente ao sinal lido e após a obtenção de várias medições, traça-se uma curva de calibração da célula de carga. Para cada ensaio foram seguidas as etapas de calibração: 1) Leitura da célula de carga (Volts) sem nenhuma massa acoplada; 2) Leitura da célula de carga (Volts) com 0,1 kgf; 3) Aumenta-se a carga de 0,1 em 0,1 kgf até 1 kgf; 4) Após atingir 1 kgf, diminui-se a carga de 0,1 em 0,1 kgf; 5) Ao chegar na leitura sem nenhuma massa acoplada, repete-se o procedimento a partir do passo1. Após o procedimento acima, são obtidos pontos que relacionam tensões lidas na celula de carga com cargas aplicadas a ela. Assim, interpola-se uma reta, que é a reta de calibração para o experimento. Com os coeficientes da reta, será feita a redução de dados obtidos no experimento através de outro programa do software Labview, o programa de análise de sinal medido. Execução do ensaio de empuxo: 1) Após realizada a calibração conforme descrito anteriormente, mede-se o sinal da célula de carga com o motor e soprador de ar desligados. 2) Liga-se o soprador de ar, que injeta ar a uma pressão de 30mm H2O, e toma-se a leitura do arrasto (sinal em Volts) medido pela célula de carga. 3) Liga-se o motor em uma determinada vazão e espera-se de 1 a 5 minutos para o sistema acomodar-se termicamente. 4) Mede-se a pressão de injeção de combustível, a pressão de gás na fonte e o sinal da célula de carga, que representa a resultante (Empuxo – Arrasto), medida em sinal em Volts. 5) Varia-se a vazão e repetem-se os passos 3 e 4. 6) Com os coeficientes da reta de calibração, determinam-se os valores de empuxo e arrasto para o guardachamas em questão. Observações: Foram realizadas 20.000 medidas em um intervalo de 5 segundos para cada valor de vazão. Foi feita uma média entre esses valores e calculado o desvio-padrão, que foi inserido no gráfico de empuxo de cada retentor de chama. 4. Resultados e conclusões sobre os experimentos Grade Espiral Calha curta Calha longa 11 10 9 Empuxo (N) 8 7 6 5 4 3 2 1 0 30 32 34 36 38 40 Vazão de GLP (kg/s) 4.1 Retentor tipo grade: Tabela 1: Ensaio de empuxo com pressão de estagnação fixada em 30mm H2O, retentor tipo grade. Vazão de GLP(kg/h) Pressão da fonte (Bar) Pressão de injeção (Bar) Empuxo (N) Empuxo – Arrasto (N) 30 35 2,1 2,1 .85 .57 6,332 5,831 -4,92x10-1 -8,60x10-4 Valor do arrasto: 5,84 N Neste ensaio foi observado que este retentor de chamas é adequado a vazões mais baixas de combustível, cerca de 30 kg/h. O retentor tipo grade pode, à primeira vista, parecer ineficiente devido à sua grande área de bloqueio e, consequentemente, grande arrasto. Contudo, deve ser observado que para o estato-reator de uso aeronáutico há um difusor a montante do retentor que é responsável por uma grande parcela do arrasto do motor. Dessa maneira, o arrasto causado pela geometria do retentor tem pouca importância frente ao arrasto gerado por um difusor. Conclui-se então dos dados obtidos para esse retentor que o mesmo é eficiente mesmo com seu grande valor de arrasto em comparação com os demais retentores de chama. 4.2 Retentor tipo espiral: Tabela 2: Ensaio de empuxo com pressão de estagnação fixada em 30mm H2O Vazão de GLP (kg/h) 30 35 40 Pressão da fonte (Bar) 2,1 2,1 2,2 Pressão de injeção (Bar) .85 .57 .70 Empuxo (N) 7,09 5,264 10,61 Valor do arrasto: 5,39 N Empuxo – Arrasto (N) 1,25 -0,576 4,77 Neste ensaio foi observado um comportamento atípico para o empuxo em função da vazão de propano. O motor apresentou uma queda no valor de empuxo para a vazão de 35 kg/h. Isto se deve ao fato de a configuração do retentor não apresentear uma boa acomodação de chama para a faixa estequiométrica representada pela vazão de 35 kg/h. Nessa razão combustível/ar ocorre instabilidade da queima, que se propaga para a região a montante do guarda-chamas, gerando ondas de choque que resultam em um arrasto maior que o esperado. Este problema seria evitado com a presença de um difusor adequado que submetesse a câmara de combustão a pressões mais elevadas. A falta do difusor também explica o baixo rendimento da câmara de combustão. Ao longo do experimento, foi encontrado empuxo bruto (empuxo – arrasto) negativo pois as condições de pressão a que a câmara está submetida não permitem um rendimento adequado necessário ao motor tipo estato-jato para uma combustão eficiente. 4.3 Retentor tipo calha curta Fluxo de propano (kg/h) 30 35 40 Tabela 3: Ensaio de empuxo com pressão de estagnação fixada em 30mm H2O Pressão da fonte (Bar) Pressão de injeção Empuxo (N) Empuxo – Arrasto (Bar) (N) 2,2 0,93 2,55 -3,24 2,1 0,55 3,2 -2,59 2,0 0,68 8,59 2,80 Valor do arrasto: 5,79 N Neste ensaio percebe-se que esta configuração de retentor de chama acomoda bem uma combustão com vazão elevada de combustível. Também neste ensaio observou-se valores de empuxo bruto (empuxo – arrasto) negativos. Isto se deve ao fato de o empuxo gerado pelo motor ser muito baixo devido às condições de pressão a que a câmara de combustão está submetida. Um estato-retor deve ser submetido a um escoamento supersônico para obter uma eficiente compressão de ar e realizar a combustão a condições de pressão elevadas. Como o estato-jato ensaiado possui apenas fins acadêmicos e é submetido a um escoamento que atinge apenas Mach=0,3 temos uma combustão ineficiente e consequentemente, pequenos valores de empuxo. 4.4 Retentor tipo calha longa Tabela 4: Ensaio de empuxo com pressão de estagnação fixada em 30mm H2O Vazão de GLP Pressão da Pressão de Empuxo (N) Empuxo – (kg/h) fonte (Bar) injeção (Bar) Arrasto (N) 30 2,2 0,93 6,225 0,385 35 2,1 0,55 7,16 1,32 40 2,0 0,68 8,94 3,10 Valor do arrasto: 5,16 N O retentor de chamas tipo calha longa apresenta um comportamento semelhante ao retentor tipo calha curta. Entretanto- como a chama é acomodada exatamente atrás das palhetas do retentor, esta configuração apresenta uma melhor acomodação da chama pois possui uma área de bloqueio maior. Isto explica os valores de empuxo bruto um pouco superiores aos obtidos com o retentor tipo calha curta. 5. Conclusões A série de ensaios realizada no estato-reator de uso acadêmico do laboratório de engenharia aeronáutica do ITA permitiu a obtenção de dados importantes referentes ao uso de configurações de retentores de chama. Observou-se que uma grande área de bloqueio de um retentor de chama contribui significativamente para uma boa acomodação da chama, pois a mesma fica retida na região posterior das palhetas metálicas do retentor, devido à recirculação do escoamento presente na região a jusante dessas superfícies. Para um ensaio que simule o omportamento de um estato reator em escala real, seria necessário um túnel de vento supersônico, de seção aberta para que os gases expelidos pelo motor não sejam realimentados na tomada de ar do motor, e com uma seção de testes com dimensões suficientes para o motor estato-jato. Um motor em escala acadêmica submetido a um regime de escoamento supersônico também seria dotado de um difusor na tomada de ar e a pressão de estagnação na câmara de combustão seria sensivelmente maior e, consequentemente, os valores de empuxo seriam maiores que os observados nos ensaios descritos, feitos com o aparato experimental do Laboratório de Engenharia Aeronáutica do ITA. Agradecimentos CNPq (CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO) Heleno Meira da Silva Técnicos e professores do departamento de Engenharia Aeronáutica do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Referências Bibliográficas [1] SMITH, G.; Gas Turbines and Jet Propulsion, ILIFFE, 5th. Ed., London, 1950, p.10 . [2] WEBER, J. and KÜCHEMANN, D. Aerodynamics of Propulsion, McGraw-Hill, New York, 1953, p.10. [3] PAGLIARINI, C. ;FILHO, G.; Estudo do funcionamento de motor Estato-jato em regime subsônico, seus parâmetros característicos e análise de desempenho do motor existente no Laboratório do ITA. Trabalho de Graduação, Publicações do ITA, 1980, p.6. [4] ANDERSON, J.; Fundamentals of Aerodynamics , McGraw-Hill, 3rd Ed., New York, 2001, p.437.