A menos de um ano do prazo para a extinção dos lixões brasileiros, velhos problemas persistem. Há um grande contingente de trabalhadores a serem recolocados no mercado da reciclagem. Eles buscam, nos lixões, uma ocupação que não exige muito além de resistência física. Essa discussão continua amanhã em outro caderno especial C Dona Colô é uma das muitas personagens dos lixões cearenses FOTO: FABIANE DE PAULA 2 | DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SEXTA-FEIRA, 20 DE SETEMBRO DE 2013 C Organizadas, elas separam o material descartado por outras famílias FOTO: FABIANE DE PAULA No lixão de Iguatu, as mulheres são a maioria absoluta entre os trabalhadores que disputam materiais MARISTELA CRISPIM Editora O lixão de Iguatu, município do Centro-Sul do Ceará, distante 388 quilômetros de Fortaleza,se destaca por ficar à beira da estrada, bem à vista dos passantes. Lá, nos chamou a atenção o fato de a maioria dos catadores pertencer ao sexo feminino. De todas as idades, elas têm muitas histórias para contar, quase sempre relacionadas ao desejo de manter suas famílias como podem. Metódicas, ao perceber a chegada de um novo caminhão de lixo, elas se posicionam, cada uma como o seu gancho (instru- mento utilizado para puxar do lixo os materiais que interessam à reciclagem). O que cada uma consegue pegar é seu. Aproximadamente 20 minutos após a saída do caminhão, cada uma já tem o seu sacolão cheio e retorna aos local onde reserva o seu material para vender aos atravessadores, que normalmente têm dia e hora para visitar o lixão. Nessa caminhada de volta, eu acompanhei Antônia até meio constrangida em ficar fazendo perguntas enquanto ela caminhava, sob o sol forte, puxando seupesadofardo.Afinal,500quilos de plástico são R$ 540 a mais no bolso. Caminhão vai, caminhão vem... São vários ao longo do dia... “E nós devora (sic) tudo!” Antônia Pereira Lima, 38, sete filhos, moradora da Chapadinha, comunidade próxima ao lixão, é uma guerreira como tantas outras catadoras que ouvimos, mas com uma diferença: a SOBREVIVÊNCIA 60 famílias retiram sua sobrevivência do lixão de Iguatu obtendo seu sustento com a coleta diária de resíduos sólidos depositados diariamente no local 48 desses grupos familiares são associados à entidade criada para organizá-los em busca de benefícios comuns. Eles denunciam o abandono do novo aterro espontaneidade. Ela fala sem medo sobre tudo o que pensa. Conta que chegou a trabalhar em casa de família, mas que era difícil. “Quando um filho adoecia, precisava justificar para faltar. Hoje mesmo, cheguei mais tarde porque tive que levar um filho pra fazer exame. Só que aqui não devo satisfação a ninguém”, afirma. “Faço meu horário” Esse tipo de frase foi um dos que mais ouvimos ao longo de oito dias de trabalho nos lixões do interior do Estado do Ceará. Antônia conta que bota os filho para o colégio e segue para o lixão, onde seleciona materiais recicláveis das 7 às 17 horas, ao lado do seu companheiro. “A gente trabalha pra gente mesmo, sem ter hora pra chegar e pra sair”. Ainda assim, seu maior temor diante das mudanças previstas com a nova Política Nacional de Resíduos Sólidos é que a Prefeituraosretiredolixãoenãoofereça nenhuma alternativa para manter o sustento deles. Com chapéu, mangas e calças compridas, muito magra e aparência de cansaço dessa vida dura,apesardaausênciadecobranças, Francisca Feitosa de Souza, 58, mais conhecida como dona Colô, nos conta que tem vivido entre o lixão e a casa dos quatro filhos,emVitória(ES).Uméporteiro, outro cuida de uma chácara e as duas filhas trabalham como empregadas domésticas. “Eles mandam uma ajuda quando podem”, relata. “Quando vi que dava ao menos para conseguir o que comer, vim para cá. O ganho é muito pouco, mas pelo menos não tem ninguémchateando”,afirmadona Colô, que exerce o ofício de catadora de recicláveis há 11 anos no lixão de Iguatu, após ter trabalhado também como empregada doméstica. “Vim pra cá porque não achava serviço”, comenta com grande disposição, apesar da aparente fragilidade. Por fim, confessa que, ao contrário das outras pessoas, não consegue se alimentar no lixão. “Tomo café com pão antes de sair de casa de manhã e só como de novo quando volto, depois das 5 horas”. Ela mora na cidade e vai para o lixão todo dia de carona na bicicleta do irmão, que sempre trabalhou por lá, ou no caminhão da coleta. Por toda a vida Marleide Alves Pinheiro, 28, aos 9anosfoimorarnolixãodeIguatu.Hoje já não mora mais lá, mas ainda trabalha, e muito. Ela tem esperança de dias melhores e acha que, se não tivesse catador na cidade, o caminhão traria um ganho melhor no seu dia a dia. Lá,comoem outroslixõesque percorremos no interior do Ceará, encontramos Resíduos Sólidos de Saúde (RSS), ou, como todos estão acostumados, “lixo hospitalar”. Marleide, como todososoutroscatadoresqueouvimos, admite que já levou suas agulhadas. “A gente tem medo de pegar doenças, mas fazer o quê? É pegar ou largar”, afirma. PROTAGONISTA A guerreira e a luta diária no lixão de Iguatu Antônia é uma guerreira como outras catadoras do lixão de Iguatu. Mãede sete filhos, fala com espontaneidade e sem medo o que pensa. Já trabalhou em casa de família. Escolheua vidadecatadora, pelaflexibilidadedehorário. Masissonão significa que o trabalho seja menor. Ela costuma ficar por sete horas seguidas catando lixo. A cada caminhão que chega a história se repete e a correria é grande. Ela disputa com as colegasosmateriaismaisinteressantesedevalorpara reciclagem.Carregando um pesado fardo, para valer a pena sua presença no lixão, Antônia segueseucaminho. ANTÔNIAPEREIRALIMA Catadora Aproximadamente 60 famílias vivem daquele lixão, das quais 48 são associadas à entidade criada para organizá-los em busca de benefícios comuns. E são eles mesmos que denunciam o abandono do novo aterro sanitário com centro de triagem, construído no município para disciplinar a destinação final dos seus resíduos sólidos. A construção foi iniciada em 2006. Em outubro de 2008 houve audiência para apresentar o estudo e o relatório de impacto ambiental (EIA/Rima). Mas foi embargada pela Justiça em março de 2010, pois, apesar de ter sido licenciada pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente(Semace),ambientalistas e representantes da Justiça no município (promotores e juiz) entendem que o aterro sanitário estánaáreado entornodaLagoa doJulião, propíciaa alagamento no período chuvoso; e seria, portanto, uma área inadequada para esse tipo de ocupação. Fumaça Por outro lado, a obra também foi alvo, em junho de 2009, da OperaçãoFumaça,daPolíciaFederal, que apura, em vários municípios, desvios de recursos públicos em obras com a participação da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). A Operação resultou em uma AçãoCivilPúblicadeImprobidade Administrativa contra o prefeitode Iguatu.Oprocesso ainda está tramitando na 25ª Vara da Justiça Federal. EDITORA VERDES MARES LTDA. - PRAÇA DA IMPRENSA, S/N - DIONÍSIO TORRES - CEP - 60.135-690 - FORTALEZA - CEARÁ - DIRETOR SUPERINTENDENTE: PÁDUA LOPES - DIRETOR EDITOR: ILDEFONSO RODRIGUES - DIRETOR INDUSTRIAL: A. CAPIBARIBE NETO - GERENTE GERAL DE COMERCIALIZAÇÃO: RUY DO CEARÁ FILHO - GERENTE ADMINISTRATIVO: LÍDIO JOSE FERNANDES FERREIRA - TELEFONE: (85) 3266.9783 (EDITORIA DE REPORTAGEM) - FAX: (85) 3266.9797 - EDIÇÃO: MARISTELA CRISPIM - TEXTOS: EMERSON RODRIGUES, FERNANDO MAIA E MARISTELA CRISPIM -FOTOGRAFIAS: FABIANE DE PAULA E WALESKA SANTIAGO - CONCEITO/DESIGN EDITORIAL: FELIPE GOES - REVISÃO: EDUARDO SOLON, LÚCIA COELHO E VÂNIA MONTE | 3 DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SEXTA-FEIRA, 20 DE SETEMBRO DE 2013 C Paulinho Cariri escolheu o lixão como espaço para sua expressão artística FOTO: FABIANE DE PAULA duos sólidos. Radicado em Nova York, em 2010 ele teve o documentário “Lixo Extraordinário”, sobre o seu trabalho como catadores de materiais recicláveis no aterro de Jardim Gramacho, em Duquede Caxias (RJ), premiado noFestivaldeSundance.NoFestivaldeBerlimem 2010,foiagraciado em duas categorias. Uma galeria de arte em meio ao lixo torna-se espaço de expressão da indignação com o nosso consumismo MARISTELA CRISPIM Editora Fazer daquiloque foi descartado algo que produza outros significados é algo que vem movendo a produção artística desde que a natureza passou a não dar mais conta de absorver os resíduos gerados pela nossa civilização. Nesta nossa incursão pelos lixões do Estado do Ceará, antes mesmo de parar o carro, no lixão deAracati,municípiopraianolocalizado a 154 quilômetros de Fortaleza, uma figura curiosa, vestida com paletó, camiseta de divulgação dele mesmo e com dreads nos cabelos, nos chamou a atenção. Pelo visto, também chamamos a atenção dele, que, mesmo sem largar os vasilhames que conduzia para pegar água,foiaté nós,ávidopordivulgarotrabalhoquevemdesenvolvendo naquele lugar. Poeta, compositor, artista plástico,decoradorexótico,fotógrafo,artesão,arteeducador,voluntário, tecelão, ombro amigo, lixeiro e liso. Assim Paulo Pereira da Silva (foi duro arrancar esse nome dele) ou simplesmente Paulinho Cariri, 47, se define. Nascido e criado em Aracati, se intitula, também, como guevariano e ex-militante pró-Lula. Sua ideia atual, de montar o maior museu do lixo da América Latina, surgiu a partir de uma experiência vivida entre os anos de 2004 e 2006. Seu objetivo era passar 100 dias sem banho, no lixãode Mossoró,municípiolitorâneo do Rio Grande do Norte localizado a 92,4 quilômetros de Aracati e a 278 quilômetros de Natal. “Eu gosto de desafios”, afirma o poeta do lixo. Só que essa empreitada em terras potiguares não foi a bom termo. Ele só aguentou 85 dias.“Meu corpo começou a papocar e quando tomei banho tive um choque térmico que durou três dias. Fiz isso porque fui rejeitado pela sociedade intelectual de Mossoró”, conta. Paulinho Cariri nos conta que foi para o Lixão de Aracati em 2007, depois de passar quatro meses dando oficina na Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci), da Prefeitura de Fortaleza.“Antes euera um sonhador no meio do mundo. Hoje eu sou também um catador de material reciclável como objetivo derealizar umsonho”, declara sem parar de andar e mostrar objetos que coleciona e também suas produções artísticas. No local, Paulinho Cariri criou uma espécie de “casa de lixo” com coisas que vai garimpando. Temsala, quarto, cozinha e até galeria onde expõe suas obras que diz não vender porque a arte foi um dom que Deus lhe deu para presentear e expor. “Hoje eu sobrevivo integralmente do lixo. Tenho um organismo de porco. Já comi alimento vencido há três anos”, diz, mostrando, em sua “dispensa” um pacote de macarrão, feijão, um pote de maionese e outras coisas difíceis de decifrar num olhar. “Já tô com saudade porque isso aqui vai acabar...Vai viraraterro...Todomundo paraumdia... Eu quero ter um lixão no meu quintal! Quero ser enterrado no lixo”, declara ao ser perguntado sobre a implantação da nova Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Depois de 17 anos de dread, 20 de estrada e mais alguns de lixão, Paulinho Cariri usa, além de quadros, esculturas e instalações, a poesia para se autodefinir e falar. Francisco Daniel dos Santos, 30 (11 no lixão de Aracati), afirma que Paulinho Cariri ajuda a animar o duro dia a dia. Ele conta que 40 catadores trabalham no local e que todos estão cansados de promessas de políticos. O material coletado é re- ‘‘ Anteseueraapenas umsonhador no meio domundo.Hoje eu soutambémum catadordematerial reciclávelcom o objetivoderealizar umsonho” ‘‘ Gostodedesafios. Hojeeusobrevivo integralmentedolixo Tenhoumorganismo deporco.Jácomi alimentovencido há trêsanos” PAULINHO CARIRI Poeta,compositor,artistaplástico passado a um atravessador de Cascavel, outro município praiano, que fica a 86,9 quilômetros de Aracati e a 68,6 quilômetros de Fortaleza. Precursor Em Fortaleza, entre a década de 1970 e 1990, nós tivemos Zé Pinto a mover nossos sentidos ao transformar sucatas em esculturas que remetiam à nossa cultura popular e à natureza. Menino, Francisco Magalhães Barbosa já produzia os próprios brinquedos. Homem maduro, passou a transformar em arte alumínio amassado, pregos envergados, molas disformes, numa época que ainda nem se falava em reciclagem. Paraexporotrabalho,ZéPintotambémreinventou a galeria, ao socializar a arte em espaços ao ar livre.Em1975,expôs,nocanteirocentraldaAvenidaBezerradeMenezes,emFortaleza,umaescultura de Luiz Gonzaga, confeccionada a partir de para-choques, parafusos e outras sucatas de carro. Espirituoso, Zé Pinto batizou de Pintódromo o canteiro que funcionou como a vitrine de suas obras por muitos anos. Logo as criações de Zé Pinto foram expostas em museus, praças, prédios e ruas de Fortaleza. Mas rapidamente transpuseram divisas e fronteiras do Ceará, do Nordeste e do Brasil. Sua produção artística pode ser encontrada em museusde Portugal e do Vaticano, e também em acervos particulares em Frankfurt e Colônia, na Alemanha, bem como em Nova York e New Hampshire, nos Estados Unidos. Ele parou de produzir em 1996, quando ficou viúvo e nos deixou em 2004. Experimentação Mais recentemente, o brasileiro tem na figura de Vik Muniz uma referência de artista plástico que, ao experimentar materiais e novas mídias, fez uma interessante incursão pelo mundo dos resí- Às moscas Subindo o Rio Jaguaribe, não muito distante de Aracati fica o municípiode LimoeirodoNorte, a 209 quilômetros da Capital, Fortaleza. Chegamos ao lixão da cidade, às 16 horas, horário de luz perfeita para belas fotos, mas fomosrecebidosapenaspormoscas, muitas moscas mesmo. Tantas que nem dava para abrir a boca ou os olhos. Só na manhã seguinte ficamos sabendo que os catadores só permanecem no local até 13h30 por causa da praga, e ainda assim, cobrem os ouvidos para evitá-las. Quem nos deu essas informações foi Maria Rubens Saldanha Bezerra, 45, presidente da Associação de Catadores de Materiais Recicláveis Bom Jesus Sul, comatuaçãonoLixãodeLimoeiro do Norte, que encontramos em plena atividade. Ela conta que já estava tudo certo para os catadores ocuparem um armazém, já disponibilizadopelaPrefeitura,atécomdocumentação, mas uma empresa privada ocupou o local. Ainda segundo suas informações de Maria Saldanha, a Procuradora Regional do Trabalho (PRT) já está questionando isso judicialmente. “Não entendo por que a Prefeitura não cedeu pros catadores e cedeu pra uma empresa, que tem muito mais condições”, queixa-se. Maria, que entrega o cargo de presidente da Associação em novembro, atua há 25 anos no Lixão de Limoeiro do Norte, onde hoje trabalham 37 catadores. No momento, eles se organizam para fundar uma cooperativa. “Só falta um local porque debaixo do sol não dá mais. Já estamos muito cozinhados”, diz. 4 | C O Aterro de Caucaia opera há 23 anos e funciona 24 horas por dia FOTO: WALESKA SANTIAGO O Asmoc é o único aterro legalizado no Ceará, mas em dois anos precisará ser expandido FERNANDO MAIA Repórter Cerca de cinco mil toneladas de lixodeFortalezasãoencaminhadas todos os dias, em média, para o Aterro Sanitário Metropolitano Oeste de Caucaia (Asmoc), que já opera há 23 anos, recebe também os resíduos do próprio município e é o único do Estado a funcionar dentro dos padrões legais. No local, trabalham cerca de100pessoas,dentrefuncionários da Ecofor Ambiental, motoristas terceirizados e vigilantes, a maioria deles residente no entorno do equipamento público. Os Asmoc funciona 24 horas, durante os 365 dias do ano, segundo o gerente do equipamento Gleydson Amorim. Está instalado numa área de 101 hectares, o que equivalente a 101 campos de futebol. O fim da sua vida útil estáprevisto parao ano de 2015. Se foracoplado a uma área de 23 hectares, seu funcionamento se estenderá por mais 17 anos. Umacena comum éa interminável fila de caminhões a partir da BR-020. São cerca de 800 viagens durante as 24 horas do dia. Para a pesagem dos resíduos, são utilizadas duas balanças rodoviárias. Uma terceira está sendo construída. Somente os veículos devidamente cadastrados têm acesso ao local. Na chegada, informações como a origem do resíduo, horários de entrada (e posteriormente saída) dos caminhões e o peso do material ficam armazenadas nos computadores. Além disso, toda a operação é filmada. Para o Asmoc são encaminhados, além do lixo domiciliar, o material recolhido nas chamadas pontas de lixo, o entulho coletado em áreas públicas e os resíduos resultantes da poda de árvores. Ao deixarem o aterro, os responsáveis pelos caminhõesrecebemtodasasinformações processadas. Estudos O único aterro sanitário regulamentado do Estado já foi alvo de pelo menos cinco pesquisas de doutorado, conforme o gerente GleydsonAmorim.“Ospesquisadores buscam saber, por exemplo, qual o tipo de grama que deve ser plantada para diminuir a infiltração de água, a qualidade do chorume”, explica. Hugo Nery, diretor de operações da Marquise Ambiental, é enfático ao dizer que “não há tempo para a implantação de aterros sanitários no prazo estabelecido. “Um aterro sanitário é diferente de um lixão, é uma obradeengenharia,quenecessita atender a uma série de critérios socioambientais, desde a escolha da área para construção, passando pelo projeto, estudo de impacto ambiental, operacionalização e encerramento do aterro”, salienta. Se- gundo ele, o principal entrave para tal são os prazos das licenças ambientais e das obras civis. Hugogaranteofuncionamento do Asmoc até 2015. “De acordo com o projeto inicial, o encerramento está previsto para julho de 2015 e seu primeiro projeto de ampliação, que está em processo final de licenciamento na Superintendência Estadual do MeioAmbiente(Semace),estenderá sua vida útil por mais 17 anos. Além disso, há ainda a possibilidade de união das células existentes no aterro atual, que nos dará aproximadamente mais 10 anos”, assegura. Aocontráriodos lixões,noAsmoc não se vê catadores, graças à vigilância, que funciona 24 horas. O aterro é dividido em células. Todas elas possuem drenos para controlar o gás metano produzido pelo lixo. Por conta do fluxo de caminhões, a administração optou por trabalhar com duas células ao mesmo tempo. Quando uma está ocupada, a descarga é feita na outra. Após uma célula ser fechada, uma nova é construída, a começar pela sua escavação. “Não é um trabalho simples. É preciso um estudo por parte de especialistas para determinar se a permeabilidade atende às necessidades do solo. Se não for favorável, tem que ser feita essa impermeabilização com argila oumaterialsintético.Depoisdisso, a drenagem que conduzirá o chorume até a estação elevatória e desta para a lagoa de tratamento, é implantada”, detalha o gerente do Asmoc Gleydson Amorim. A presença dos urubus não ‘‘ Umaterro sanitário é diferentedeum lixão, éumaobra de engenharia,que necessitaatender umasériede critérios socioambientais” HUGONERY Diretordeoperações da MarquiseAmbiental ‘‘ Dopontodevista gerencial,ainda temosmuito que avançarnosmodelos quegarantam a efetivaimplantação daPNRS” PAULO HENRIQUE LUSTOSA Deputadofederal eex-presidente doConpam difere do que ocorre nos lixões tradicionais: é constante. Gleydson lembra que, ao contrário do que se pensa, “essas aves são importantes pois são inofensivas e ajudam a reduzir o volume dos resíduos, já que se alimentam deles”. Olixo écompactadoecoberto com a ajuda de dez tratores com cabine vedada que conta inclusive com ar-condicionado. A falta de coleta seletiva em Fortaleza restrita a poucos bairros - é responsável por um volume extra de 30% de resíduos. “Esse material poderia ser reaproveitado. É dinheiro que está sendo desperdiçado aqui”, afirma Gleydson. Coleta seletiva O diretor de operações da Marquise Ambiental, empresa responsável pela coleta seletiva em Fortaleza, Hugo Nery, diz que estamos no início de um novo processo. “A coleta seletiva ainda é um piloto e depende da participação dos munícipes para alcançar toda a cidade. Isso requer entre cinco e dez anos para acontecer”, avalia. Atualmente, dois caminhões da EcoFor fazem a coleta seletiva de resíduos em condomínios e empresas de quatro bairros: Fátima, Aldeota, Meireles e Dionísio Torres. Após recolhido, o material é pesado e distribuído igualmenteentreastrêscooperativas de reciclagem cadastradas, localizadasnoBomSucesso,Jangurussu e Planalto Universo. Conforme Hugo Nery, além da coleta, são feitas ações de conscientização, por meio de panfletagem e carro de som. O projeto atende a 1.600 residên- cias e a 35 grandes geradores dos bairros da Regional II. No primeiro semestre de 2013 (janeiro a junho), foram coletadas 652 toneladas de material reciclável.Osprincipaisprodutosrecolhidos na coleta seletiva são papelão, papel branco, plástico, alumínio e vidros. Nery defende uma ação do poder público em relação à responsabilidade de cada gerador deresíduos como forma de conscientizaraspessoasdanecessidade de se fazer a coleta seletiva. Ele também entende que seria melhor, nesse instante, que o lixo fosse separado apenas em orgânico e inorgânico, como forma de facilitar a coleta seletiva. “Esse é o começo ideal desse processo e objetivo inicial do poder público. De certa forma, os cuidados que temos com o lixo são decisões pessoais. Muito valeo potencial de consciência ambiental de cada cidadão. Essa é uma das principais premissas que já adotamos no projeto pilotoemcurso nacidadede Fortaleza, sempre indicando que seja separado o lixo seco, do orgânico, deixando o último para ser recolhido na programação normal das residências”, informa. Jangurussu A vida de Sebastiana do Carmo Alves, 36, é exemplo de perseverança. Durante pelo menos três anos criou um dos filhos no antigolixãodoJangurussu,desativado desde 1998. Foi uma época de grandes sacrifícios. Hoje, na condição de presidente da Associação dos Catadores do Jangurussu (Ascajan), Sebastiana tem outra luta: aumentar a coleta se- | 5 , FIQUE POR DENTRO Diferença entre lixão e aterro Sanitário No aterro sanitário, os rejeitos são manejados de forma ambientalmente correta, e já chegam ao local depoisdeseremselecionados, levandose em consideração o aproveitamento da parcela passível de ser reciclada/ reaproveitada do resíduo. Os aterros sanitários são uma obra de engenharia e são projetados para não contaminar o solo, a água do subsolo e o ar. Estas plantas têm base impermeabilizada, tratamento do chorume (líquido gerado na decomposição dos resíduos), tratamento dos gases gerados, cobertura diária, compactação adequada para o tratamento biológico dos resíduos e, como a separação da fração reutilizável / reciclável é prévia à disposição, não há catadores selecionando materialna descargados caminhões. No lixão, os dejetos são despejados sem qualquer critério, o que pode provocar a poluição do solo, do lençol freático, proliferação de vetores de inúmeras doenças. Ainda há risco de explosões devido à falta de tratamentodosgasesgerados,ecatadores trabalhando em condições insalubres. O lixão não possui a proteção do solo ou tratamento do chorume. A Lei que instituiu a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS) no Brasil determina a extinção dos lixõesaté agosto de2014. Fonte:MMA letiva para impulsionar os negócios da Associação. “A minha luta sempre foi dura. Aos 17 anos, engravidei da minha primeira filha, Camila. Cinco dias depois, tive que deixar minha moradia, em Pacajus, e vir para Fortaleza em busca de melhores dias. E a única opção que me foi possível foi o lixão do Jangurussu”, relata. Casinha Durante os três anos seguintes, Sebastiana trabalhou catando lixo no local. Camila ficava abrigada numa casinha de papelão improvisada pela mãe. “Não tinha com quem deixar. A necessidade me obrigou a criá-la dentro do lixão. O momento mais difícil foi quando meu ex-marido teve tuberculose e a Camila pegou uma coceira danada por causa do lixo. Graças a Deus tudo foi superado. Camila hoje mora em sua própria casa com o marido e seus dois filhos”, conta. Sebastiana é mais um exemplo de criançasque perderama infância e a adolescência trabalhando para ajudar a família a ganhar dinheiro para sobreviver. “Comecei aos 13 anos ajudando minha mãe a fazer vassouras, até engravidar do meu ex-companheiro e vir para cá. Apesar de todas as dificuldades, consegui criar meus cinco filhos”, relata. Em relação ao trabalho desenvolvido como associada da Ascajan, Sebastiana revela “que dá para faturar em média de R$ 350,00 a R$ 400,00 por mês. É pouco, mas, juntando com o Bolsa Família, ajuda bastante. Espero que melhore”, afirma. Segundo suas informações, há, ainda, dois problemas a resolver. O primeiro é que vendem o que separam para atravessadores. “A indústria faz algumas exigências, como a quantidade de material mínimo asernegociado, o quenãotemos condições de cumprir no momento. Estamos nos organizando para atender a essa obrigação”, diz. A outra dificuldade, segundo ela, é a falta de conscientização de muitas pessoas,quenãofazemacoletaseletiva e desperdiçam o que poderia ir para lá. A Ascajam recebe, em média, 60 toneladas de resíduos por mês,conformeLianaMartins,assistentesocialdaEmpresaMunicipal de Limpeza e Urbanização (Emlurb), uma das parceiras da Associação. Com a desativação do lixão doJangurussu,em1998,oscatadores seorganizaramnuma cooperativa para trabalhar na Usina de Triagem, construída pelo Sanear. “Nessa época, muitos não se adaptaram às mudanças e foram embora. De quase mil catadores, cerca de 300 permaneceram. Aos poucos, esse número veio diminuindo e hoje restam somente 70, a maioria mulheres. A usina de esteiras, que durou oito anos, se mostrou inviável, já que o chorume produzido acabava corroendo as máquinas. Em 2006, enfim, foi criada a Ascajan. Na época, estudantes estagiários do então Cefet fizeramumagrandemobilizaçãoentre os grandes geradores de resíduos, o que fortaleceu o projeto. Com a obrigatoriedade da coleta, a partir de 2014, acredito que a atividade da Ascajan sofrerá um grande incremento”, aposta. No entanto, essa obrigatorie- CAPACIDADE 5 mil toneladas de lixo oriundas de Fortaleza são encaminhadas todos os dias, em média, para o Aterro Sanitário Metropolitano Oeste de Caucaia (Asmoc) 101 hectares é a área do Asmoc, o equivalente a 101 campos de futebol. No entanto, em 2015, o Aterro precisará ser expandido em mais 23 hectares 800 viagens de caminhões são feitas diariamente para o Aterro de Caucaia. Filas de caminhões de lixo são vistas todos os dias nas margens da Rodovia BR-020 dade não é garantia de que tudo funcionará como previsto pela nova Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Questões financeirasedificuldadesdegestão estão entre os principais gargalos e preocupações do Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente (Conpam). Colômbia Essas preocupações motivaram o órgão a reunir no mês de agosto último vários prefeitos num encontro na Assembleia Legislativa. Na ocasião, foi apresentada a experiência colombiana, que cobratarifa pararecolher os resíduoseéumadasmaisbem-sucedidas do mundo. Conforme Silvia Yepes, presidente da Comissão de Regulação de Água Potável e Saneamento Básico da Colômbia, o setor privado administra desde a coletaaogerenciamento deaterro. As tarifas são progressivas. Dessa forma, quem gera mais, pagamais. Atarefa básicaatualé de R$ 18,50 por mês. Os mais carentes são subsidiados em até 70%, derrubando o valor básico para R$ 5. Os maiores geradores pagam em torno de R$ 92. Odeputadofederaleex-presidente do Conpam, Paulo Henrique Lustosa, que ocupou o cargo até a primeira semana deste mês e conduziu a política do órgão nos últimos três anos, avalia que “do ponto de vista dos desafios da construção de uma sociedade com práticas sustentáveis, a PNRS mostra todas as diretrizes para tal”. Para Lustosa, “o prazo estabelecido para as metas propostas (agosto de 2014), como a extin- ção dos lixões, é bastante ousado e pode desestimular os agentes envolvidos, especialmente aquelesque estejammaisdistantes dos resultados esperados. Por fim, para que tenhamos avanços realmente significativos, a PNRS deveria ter indicado mais objetivamente e garantido as fontes dos recursos necessários para tamanho investimento, uma vez que muitas das dificuldades e dos entraves hoje observados decorrem da falta de clarezasobrequempagaráaconta e como o fará”. Em relação aos entraves, Lustosa aponta que, “do ponto de vistagerencial,aindatemosmuito que avançar na construção de modelos de gestão que garantam a efetiva implantação da PNRS. O Estado do Ceará avançou bastante na constituição dos consórcios, mas seu funcionamento e gestão ainda precisam ser melhor definidos”, diz. Segundo estimativas realizadas pelo grupo de trabalho que está coordenando a implantação, para que o Estado cumprisse as metas previstas na PNRS seriam necessários investimentos da ordem de R$ 1 bilhão e o funcionamento do sistema ficaria na casa dos R$ 450 milhões por ano. “Não temos onde buscar tais fundos. Além disso, há todo o desafio de envolver o conjunto da sociedade nesta tarefa. Não se alcançarão as metas propostas se não houver total engajamento de cada pessoa, de cada residência, cada comércio e cada Prefeitura. Talvez esta seja a tarefa mais desafiadora”, destaca o ex-dirigente do Conpam. 6 | DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SEXTA-FEIRA, 20 DE SETEMBRO DE 2013 C A alegria do catador Francildo Felipe da Silva é contagiante FOTO: WALESKA SANTIAGO Em meio à dureza de trabalhar sob o sol, em meio às moscas, urubus e mau cheiro, ainda há espaço para a alegria de Pacajus e têm direito a quatro refeições diárias. “Na medida do possível,elesestãobem.Sóespero que não comam doce demais. Quando jovem, fazia isso e o resultado é esse”, conta sorridente mostrando o único dente que tem na boca. FERNANDO MAIA Repórter Contentamento Apesar de viver abaixo da linha da pobreza - sem acesso à energiaelétrica,bebendoágua retirada do Canal do Trabalhador, vivenumbarracoimprovisado,feitodepapelão, compensadoeoutrosmateriaisrecolhidosalimesmo do lixão - Francildo se mostra extrovertido e feliz o tempo todo.“Ele nuncaestátriste.Sempre está contando piadas ou histórias”,testemunha ocatadorRicardo Ferreira Lima, 37. “A vida aqui é dura. Comecei a trabalhar com lixo aos 13 anos, no Jangurussu, em Fortaleza. Fiquei até o fechamento do aterro. Tentei abandonar essa atividade. Passei a ganhar a vida como auxiliar de eletricista e de pedreiro. Só que aqui em Pacajus é difícil encontraremprego evolteia conviver com o lixo”, conta. Ainda, segundo Ricardo Ferreira, “o que o Francildo relatou é verdade. “Comida vencida para nós é luxo. Há tempos, um caminhão vinha despejar linguiça,presunto,mortadelaepeixe por aqui todo fim de mês. Não queira saber a alegria que era. Todos ficavam com a geladeira cheia por quase duas semanas. Comaproibição,ficamosdesamparados. Eu, por exemplo, nem ligo mais a geladeira. Bebo água fria como muitos companheiros. Afinal, até para gelar a água o custo é muito alto para nós”. “Foi dia de festa lá em casa ontem. Achei numa rampa um pacote de feijão, outro de massa de milho e dois de macarrão. Para muitos, isso é alimento vencido. Para mim e minha família, como não têm aqueles bichinhos ‘friviando’ por cima, é comida da boa”, relata Francildo Felipe da Silva, 51, um dos 70 catadores que tiram o sustento da família do lixão de Pacajus, município da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Casado e pai de cinco filhos pequenos, Francildo era agricultor há cinco anos. “Nos últimos tempos, as chuvas começaram a desaparecer. Encontrar ocupação na agricultura estava difícil. Como minha mulher é doente e não pode trabalhar, decidi abandonar tudo e, sem outra opção, vim parar aqui no lixão. Apesar de pobre, não sou malandro. Jamais ganhei dinheiro na moleza ou de forma desonesta. Se for assim, prefiro ficar sem fazer nada”, relata. Com a atividade de catador, Francildo fatura em média R$ 100,00 por semana. “Ainda bem que existe o Bolsa Família para nos ajudar. Do contrário, não sei comoseria”,diz.Ocatadordestacaqueoscincofilhosestãomatriculados numa escola municipal Ricardo destaca que, no início do ano, a Prefeitura realizou um cadastramento dos catadores e distribuiualgumas botas eluvas. “Eles ficaram de voltar para entregaro materialparao resto dos catadores, mas não apareceram. A situação só não é pior por causa de uns evangélicos que vêm aqui pra distribuir cestas básicas e trazer um sopão. De qualquer forma, serve para acalmar um pouco a nossa fome”, afirma. Esgoto Sem perder o bom humor, Francildo denuncia um dos principais problemas encontrados no lixão de Pacajus: o despejo de alimentosvencidos.Essa, aliás,é apenas uma das mazelas encontradas ali. As outras são a incineração de Resíduos Sólidos de Saúde (RSS) - lixo hospitalar - a céu aberto; a presença de trabalhadores sem equipamentos; e até o despejo de fossas por caminhões-pipa que coletam os dejetos em residências e empresas em toda a Região Metropolitana de Fortaleza. José Guedes, fiscal do lixão, admite que a Prefeitura tem conhecimento do despejo de esgoto por caminhões-pipa que recolhem os detritos de fossas. “Eles jogam os dejetos mas isso não causa problema. A sujeira escoa, mas não chega a encostar na parede do Canal do Trabalhador, comomuitagentealardeia”,afirma José Guedes. Em relação aos equipamentos, o fiscal assegura que todos os catadores receberam. “O problema é que eles não gostam de trabalhar com luvas, máscaras e botas. Se sentem incomodados. São poucos os que utilizam”. ‘‘ Paramuitos issoé alimentovencido. Paramim eminha família,como nãotem aquelesbichinhos ‘friviando’porcimaé comidadaboa” FRANCILDOFELIPEDA SILVA Catador ‘‘ Aexpectativa detodos poraqui éque esse lixãosejafechado até opróximoano. Mas aindanãosabemos aindaseissovai mesmoacontecer” JOSÉGUEDES Fiscaldolixão Já no tocante ao lixo hospitalar, que é colocado numa vala em separado e queimado, José Guedes assegura que os catadores não têm acesso. Entretanto, no local, não existe fiscalização ou qualquer placa de advertência. Além disso, a vala onde os resíduos de saúde são colocados não é fechada de imediato. Isso sóocorrequandoháumaquantidade considerável de material, ou seja, pode demorar até um mês para que a vala seja coberta por areia. Fumaça Outro problema de insalubridade a que estão expostos os catadores de Pacajus é a fumaça, que pode ser avistada por quem passa pela BR-116. Zé do Carmo admite que, nem mesmo durante o período chuvoso, a fumaça dá trégua. “É o chamado fogo de monturo. Nunca se apaga. Ele fica ali por baixo. Quando o lixo é despejado, em pouco tempo, com o surgimento do sol, ressurge. Têm locais onde as labaredas são grandes. Já estamos acostumados com isso”, enfatiza o fiscal que também não utiliza qualquer equipamento, nem mesmo máscara. “A expectativa de todos por aqui é que esse lixão seja fechado até o próximo ano. Mas ainda não sabemos se isso vai mesmo acontecer e para onde vão as pessoas que trabalham aqui”, finaliza José Guedes. No entanto, o ex-secretário das Cidades, deputado estadual CamiloSantana,não acreditano fim dos lixões dentro do prazo estabelecido pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que seria agosto de 2014. Após estudos, a Secretaria estabeleceu a necessidade de construção de 30 aterros sanitários consorciados. Um deles em Pacajus. Regiões “A coleta e destino final dos resíduos é de responsabilidade dos municípios. Entretanto, sabemos que os pequenos e médios municípios cearenses não teriam condições de construir os aterros e operá-los. Daí o Estado ter dividido o Ceará em trinta regiões para efeito de cumprir o que determina a lei”, revela Camilo Santana, gestor da Secretaria nos últimos três anos e que deixou o cargo no início de setembro. Após isso, uma licitação foi feita para contratar uma empresa consultora responsável por implementar os consórcios. Os aterros serão implantados nas cidades de Camocim, Crato, Jaguaribara, Limoeiro do Norte, Pacatuba, São Benedito, Tauá, Sobral, Baturité, Pedra Branca, Paracuru,ViçosadoCeará,Maracanaú, Aquiraz, Caucaia, Cruz, Aracati, Assaré, Canindé, Cascavel, Crateús, Icó, Iguatu, Itapajé, Itapipoca, Milagres, Nova Russas, Pacajus, Ipu e Quixadá. Quatro deles (Baturité, Paracuru, Pedra Branca e Viçosa do Ceará) foram formados por iniciativas municipais, sendo que o de Baturité beneficiará dois municípios; o de Paracuru, três; o de Pedra Branca, oito; e o de Viçosa que servirá também para Tianguá. Conforme Camilo Santana, entre os 30 projetos, 13 já estão em andamento ou em fase de elaboração de edital, o que representa um investimento de R$ 5,8 milhões em projetos, beneficiando 102 municípios. | 7 DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SEXTA-FEIRA, 20 DE SETEMBRO DE 2013 C Auricélio soube bem o que estava fazendo quando optou pela solidão FOTO: FABIANE DE PAULA A solidão, no lixão de Tamboril, para Auricélio, foi uma opção, de maior rendimento e também de paz SAIBA MAIS OS PLÁSTICOSSÃOREUNIDOS EM SETEGRUPOS OU CATEGORIAS: PET- POLIETILENOTEREFTALATOFrascosegarrafaspara uso alimentício/ hospitalar,cosméticos, bandejasparamicro-ondas, filmes paraáudio evídeo, fibrastêxteis. MARISTELA CRISPIM Editora A solidão de José Auricélio Lopes, 49, tem sido preenchida pela companhia da porca Curica, do galo Argemiro e de alguns gatos que nomeou como múltiplos de cinco: Vinte e Cinco, Cinquentinha, Quinze, Cinco; além do trabalho. Ele vive sozinho num barraco no lixão de Tamboril,municípiodoSertãodosInhamuns, a 284 quilômetros de Fortaleza, há quatro anos. Conta que antes trabalhava no lixão de Crateús: “Prefiro trabalhar aqui sozinho. Lá tem muita gente e muita confusão”. Vestido com uma camisa da Seleção Brasileira, ele nos recebe com alegria e nos conta que antes de trabalhar com lixo, era serventedepedreiro,mas,quando passou dos 30, o emprego ficou mais difícil em Fortaleza. Explica que, num mês bom, consegue ganhar R$ 1.000,00, mas o mínimo que faz é R$ 700,00. Segundo suas informações, um rapaz de Crateús pega a mercadoria a cada 15 dias. O plástico representa o maior volume do que coleta: primeiro o PET, seguido pelos sacos e sacolas. Auricéliofalacomdesenvoltura a respeito dos materiais e de para onde são encaminhados. O PETsegueparaFortaleza; asembalagens de produtos de limpeza e higiene seguem para duas fábricas em Forquilha, município da Região Norte do Ceará; o ferrovaiparaaGerdau,noDistrito Industrial de Maracanaú, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). O cobre e o alumínio vão para a Formetal, em Fortaleza; o osso vai para a Cesau, também em Maracanaú; os papis, tanto branco, quanto papelão, têm destinos diversos; o PEAD-POLIETILENO DE ALTA DENSIDADE-Embalagens para detergentese óleosautomotivos, sacolasdesupermercados, garrafeiras,tampas, tamborespara tintas,potes, utilidades domésticas. PVCsegueparaJuazeirodoNorte, suldo Ceará,na Região do Cariri. “Aqui eu trabalho duro, mas meio-dia estou folgado. Em Fortaleza, eu vivia com dificuldade, andava a pé, aqui eu tenho uma moto 83, que comprei há um ano, por R$ 1.500 e, se não fosse eu, ia ficar tudo aqui, se acabando”. Ao concluirmos a nossa conversa com Auricélio, nos desculpamos por atrapalharmos o seu trabalho e ele responde: “Às vezes uma pessoa pra falar é bom por que tira pensamento ruim da cabeça”. Difícil distinguir Um dos aspectos a impressionar numa primeira visita a um lixão ou conversa com um catador é o domínio de informações sobre uma grande variedade de materiais, das suas características e até mesmo da destinação de cada um. Neste sentido, Auriocélio não é exceção. Dentre a grande variedade de materiais, os plásticos chamam atenção, tanto pela gama de apresentações quanto pelos diferentes usos. O termo plástico significa capaz de ser moldado. São materiais artificiais, geralmente de origem sintética e que em algum estágio da fabricação foram moldados. A moldagem pode ser feita por pressão ou calor. Assim, são divididos em termoplásticos (que podem ser moldados várias vezes, por se tornarem fluídos com o aumento da temperatura, retomandoascaracterísticasanteriorescomaqueda na temperatura); e termorrígidos (maleáveis apenas no momento da fabricação, não podendo ser remodelados). OInstituto SocioambientaldosPlásticos(Plastivida), destaca que são utilizados em quase todos os setores da economia, como construção civil, agrícola, calçados, móveis, alimentos, têxtil, lazer, eletroeletrônicos, automobilísticos. ‘‘ Aquieutrabalhoduro, masmeio-dia estou folgado.Em Fortaleza, euviviacom dificuldade,andavaa pé,aqui eutenhouma moto83, que comprei háum ano,porR$ 1.500” ‘‘ Curica,Argemiro Vintee Cinco, Cinquentinha, Quinze,Cincoe o rádioque encontrei aqui sãoas minhas companhias” JOSÉAURICÉLIOLOPES Catador Nestes setores, os plásticos estão presentes nos mais diferentes produtos, a exemplo dos geossintéticos, que assumem cada vez maior importância na drenagem, controle de erosão e reforço do solo de aterros sanitários, tanques industriais, entre outras utilidades. O setor de embalagens para alimentos e bebidas também vem se destacando pela utilização crescente dos plásticos, devido a características como a transparência, a resistência, a leveza e a atoxidade. Os plásticos são reunidos em sete grupos ou categorias (veja quadro nesta página). O Polietileno Tereftalato (PET) é transparente, inquebrável, impermeável, leve. O Polietileno de Alta Densidade (PEAD) é inquebrável, resistente a baixas temperaturas, leve, impermeável, rígido e com resistência química. JáoPolicloretodeVinila(PVC)érígido,transparente, impermeável, resistente à temperatura e inquebrável. O Polietileno de Baixa Densidade / Polietileno Linear de Baixa Densidade (PEBD / PELBD) é flexível, leve transparente e impermeável. O Polipropileno (PP), além de conservar o aroma,éinquebrável,transparente,brilhante,rígido e resistente a mudanças de temperatura. O Poliestireno(PS)éimpermeável, inquebrável,rígido, transparente, leve e brilhante. No sétimo grupo se enquadram os plásticos Acrilonitrila, Butadieno e Estireno (ABS) / Acrilonitrila (SAN), Espuma Vinílica Acetinada (EVA), Poliamida (PA) e Policarbonato (PC), que incluem solados, autopeças, chinelos, pneus, acessórios esportivosenáuticos,plásticosespeciais ede engenharia, CDs, eletrodomésticos e corpos de computadores. O símbolo da reciclagem com um número ou uma sigla no centro, muitas vezes encontrado nofundodosprodutos,identificao plásticoutilizado para facilitar a reciclagem. PVC-POLICLORETO DE VINILAEmbalagenspara água mineral, óleos comestíveis,maioneses, sucos.Perfis parajanelas, tubulações deágua e esgotos,mangueiras, embalagens pararemédios, brinquedos,bolsas desangue,material hospitalar. PEBD/PELBD-POLIETILENO DE BAIXADENSIDADE/POLIETILENO LINEARDE BAIXADENSIDADE Sacolaspara supermercadose boutiques,filmes para embalarleite eoutros alimentos,sacaria industrial, filmespara fraldas descartáveis, bolsapara soro medicinal, sacosde lixo. PP-POLIPROPILENO -Filmes para embalagensealimentos, embalagensindustriais,cordas, tubospara água quente,fiose cabos, frascos,caixasdebebidas, autopeças,fibraspara tapetes utilidadesdomésticas,potes, fraldas eseringas descartáveis. PS-POLIESTIRENO-Potes para iogurtes,sorvetes,doces, frascos, bandejasdesupermercados, geladeiras(parteinterna da porta), pratos,tampas,aparelhos de barbeardescartáveis, brinquedos. OUTROS (ABS/SAN, EVA, PAE PC)Solados,autopeças,chinelos,pneus, acessóriosesportivos enáuticos, plásticosespeciaise deengenharia, CDs,eletrodomésticos, corposde computadores. 8 | DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SEXTA-FEIRA, 20 DE SETEMBRO DE 2013 C É assustador encontrar frascos de sangue jogados sem nenhuma segurança FOTO: FABIANE DE PAULA No lixão de Crateús localizamos todo tipo de Resíduo de Saúde, inclusive frascos com sangue de laboratório MARISTELA CRISPIM Editora Resíduos Sólidos de Saúde (RSS) são relativamente fáceis de ser encontrados nos lixões do Ceará, assim como medicamentos vencidos. Mas, ao entrarmos nolixão de Crateús,maior município da Região dos Inhamuns, a 353 quilômetros de Fortaleza, nos assustamos ao lermos numa placa “Lixo Hospitalar” ao lado de uma vala, onde vimos, além de seringas com agulhas e mangueiras de soro e vários tubos com sangue de laboratório. Lá encontramos, também, Raimundo Nonato Soares, 60, que há 30 anos lida com lixo e há oito trabalha naquele lixão. Dos seus quatro filhos, dois trabalhamcomele.Umafilhaéempregada doméstica em São Paulo e o outro filho trabalha em uma fazenda em Goiás. E é o seu Raimundo o responsável por separar o Resíduo Sólido de Saúde (RSS) que, mesmo antes da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), já deveria ser separado, transportado e destinado em condições especiais, com todo o rigor para evitar a transmissão de doenças. Sem nenhum equipamento, seu Raimundo nos mostra as suas mãos cheias de cortes. Medo de pegar uma doença confessa ter, mas não vê saída para continuarsustentando a família. Ele conta que nasceu em Teresina e que se mudou, com a mãe, em 1956, para Sobral. Em 1960 se perdeu da mãe e nunca mais a encontrou. Em1976,mudou-separaCrateús. Perguntado sobre as mudanças previstas com a nova lei, ele se mostra descrente. “É do lixo que a gente vem sobrevivendo. Acho muito difícil as coisas mudarem em Crateús. Os homens grandes só pensam no ladodeles”,afirma.Perguntadosobre o que espera do futuro, afirma que não espera nada. “Só espero me aposentar e descansar em paz”, diz. Francisco das Chagas Marques, 65, não é um veterano no lixão de Crateús. Ele abandonou aprofissão depedreiroemFortaleza porque ficou difícil e tambémpara deixar de trabalhar para os outros. Mas antes, ainda tentou a vida por nove meses em Santo Antônio do Monte (MG). “Aqui não tenho horário. Vou para casa na hora que quero. Consigo tirar R$ 400 por mês. É uma mixaria, mas dá pra ir escapando”. Separado da mulher e com quatro filhos criados, ele mora com uma neta na localidade de Fazenda Lagoa da Porta, não muito longe do lixão. Entre moscas, urubus e mau cheiro, ele aprendeu rápido a reconhecer os diferentes materiais para trabalhar na seleção. “Tem que ter coragem para trabalhar nisso. Não é muito bom não, mas tenho liberdade”, finaliza. Legislação Segundo a Assessoria de Comunicação da Agência Nacional de PROTAGONISTA A coragem e a liberdade de Raimundo É do lixo que Raimundo sobrevive. Ele tem consciência de que é preciso coragem para trabalhar no lixão de Crateúseseparar,semnenhumequipamento de segurança, os Resíduos Sólidos de Saúde (RSS). Apesar de reconhecer que o trabalho “não é muito bom”, festeja a liberdade que permeia os dias vividos no lixão. Natural de Teresina, Raimundo trabalha há 30 anos com lixo e há oito no lixão de Crateús. Ele relata o drama que viveu em 1960, quatro anos depois de chegarem Fortaleza, quando se perdeu da mãe e nunca mais a encontrou. A vida do catador segue uma rotina sem esperança. Descrente sobre mudanças na política do lixo ele também não espera muito do futuro, apenas se aposentar e descansarem paz. RAIMUNDONONATOSOARES Catador Vigilância Sanitária (Anvisa) é a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) Nº 306/2004 que dispõe sobre o Regulamento Técnicoparao gerenciamentodeResíduos de Serviços de Saúde (RSS).OPlanodeGerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS) deve ser compatível com as normas locais relativasàcoleta,transporteedisposição final dos resíduos gerados nosserviçosdesaúde,estabelecidaspelosórgãoslocaisresponsáveis pelas etapas de manejo, segregação, acondicionamento, identificação, transporte interno, armazenamento temporário, tratamento, armazenamento externo, coleta, transporte externos e disposição final. Pela Resolução do Conselho NacionaldoMeioAmbiente(Conama) Nº237/97, compete aos serviços geradores de RSS a elaboração do Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS), obedecendo a critérios técnicos, legislação ambiental, normas de coleta e transporte dos serviços locais de limpeza urbana e outras orientações contidas no Regulamento. É preciso designar profissional, com registro ativo junto ao seuconselhodeclasse,comapresentação de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), ou Certificado de Responsabilidade Técnica ou documento similar para exercer a função de Responsável pela elaboração e implantação do PGRSS. É preciso, entre outras coisas, prover a capacitação e o treinamento inicial e de forma continuada para o pessoal envolvido no gerenciamentode resíduos. E também requerer às empresas prestadoras de serviços terceirizados a apresentação de licença ambiental para o tratamento ou disposição final dos resíduos de serviços de saúde, e documento de cadastro emitido pelo órgão responsável de limpeza urbana para a coleta e o transporte dos resíduos, assim como requerer aos órgãos públicos responsáveis pela execução da coleta, transporte,tratamentooudisposição final dos resíduos de serviços de saúde, documentação que identifique a conformidade com as orientações dos órgãos de meio ambiente. Também é exigido dos geradores manter registro de operação de venda ou de doação dos resíduos destinados à reciclagem ou compostagem. A responsabilidade, por parte dosdetentoresderegistrodeproduto que gere resíduo classificado no Grupo B (resíduos químicos), de fornecer informações documentadas referentes ao risco inerente do manejo e disposição final do produto ou do resíduo. Estas informações devem acompanhar o produto até o gerador do resíduo. Os detentores de registro de medicamentos devem, ainda, manter atualizada, junto à Gerência Geral de Medicamentos da Anvisa listagem de seus produtosque,emfunçãodeseuprincípio ativo e forma farmacêutica,não oferecemriscos demanejo e disposição final. Devem informaronomecomercial,oprincípio ativo, a forma farmacêutica e o respectivo registro do produto. Essa listagem ficará disponível no endereço eletrônico da Anvisa, para consulta dos geradores de resíduos. FIQUE POR DENTRO O que são os Resíduos de Serviço de Saúde Os Resíduos de Serviço de Saúde (RSS) compreendem os aqueles gerados por serviços de saúde conforme definido em regulamento ou em normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama e do Serviço Nacional de VigilânciaSanitária (SNVS),artigo13 da Política Nacional de Resíduos Sólidos,LeiFederalNº 12.305/2010. A Resolução Conama Nº 358/2005, define os RSS como todos aquelesresíduos resultantes de atividades exercidas nos serviços definidos no artigo 1º desta Resolução que, por suas características, necessitam de processos diferenciados em seu manejo, exigindo ou não tratamento prévioàsua disposição final. Essa definição se aplica a todos os serviços relacionados com o atendimento à saúde humana ou animal, inclusive os serviços de assistência domiciliar e de trabalhos de campo; laboratórios analíticos de produtos para saúde; necrotérios, funerárias e serviços onde se realizem atividades de embalsamamento (tanatopraxia e somatoconservação),serviçosdemedicina legal; drogarias e farmácias; estabelecimento de ensino e pesquisadaáreadesaúde;centrodecontrolede zoonoses; distribuidoresdeprodutos farmacêuticos; importadores, distribuidores e produtores de materiais para diagnóstico; unidades de atendimento móvel de saúde, serviçosdeacupunturae tatuagem.