CIGANOS X PÓS-MODERNIDADE: QUESTÕES EMERGIDAS NA RELAÇÃO DOS CIGANOS COM A PÓS-MODERNIDADE NÃO-CIGANA Sílvia Régia SIMÕES1 Dilma Beatriz Rocha JULIANO2 RESUMO: Constituindo-se em uma minoria étnica que preserva, por um lado, certa identidade e especificidade cultural e, por outro lado, se articula com as distintas sociedades, os ciganos são permanentemente desafiados por questões sociais, políticas, econômicas, culturais, ambientais e religiosas, próprias das dinâmicas históricas das sociedades. Essa relação, portanto, pressupõe um campo permanente de lutas. Objetivando identificar como os ciganos vêm se posicionando em face desses desafios contemporâneos, o presente trabalho tem como propósito central: Investigar os possíveis efeitos da pós-modernidade sobre a identidade e a cultura cigana. PALAVRAS-CHAVE: Ciganos. Cultura. Identidade étnica. Pós-modernidade. O termo “pós-modernidade” tem suscitado uma série de definições, opiniões, discussões e controvérsias. Para Bauman (1999, p. 244-245) as sociedades pós-modernas são sociedades onde as certezas geradas no indivíduo moderno, ou seja, a “autoilusão” como ele intitula, desapareceram. A “autoilusão” do modernismo seria a crença de que haveria uma verdade e que essa verdade triunfaria sempre, por ser a mesma de caráter universal. A verdade universal, linear, ou o conhecimento verdadeiro, aliados a ordem política, produziria a “certeza”, elemento que Bauman identifica como necessário a um projeto de dominação. Com o desaparecimento da “autoilusão” e a chegada da pós-modernidade ter-seia “(...) o retorno ao local, à importância da tribo e da montagem mitológica”, elementos que passariam a fazer parte da pós-modernidade (Maffesoli,2004, p.22). A pós-modernidade é definida pelo autor (ibidem, p.30), como “a sinergia de fenômenos arcaicos e do desenvolvimento tecnológico”. O intuito desse retorno ao arcaísmo seria a busca dos indivíduos por solidariedade e proteção ou, como coloca Bauman (1999, p.263), a “busca excessiva por comunidade”. Essas comunidades irão se formar por afinidades a partir de interesses compartilhados. Entretanto, apesar da busca por enraizamento, não conseguirão garantir a tão almejada “segurança”, pois estão sujeitas a constantes reconfigurações e extinções, que são constituintes naturais da pósmodernidade ou da “pós-modernidade líquida”. Pós-modernidade líquida3 ou mundo líquido é uma noção da qual Bauman (2011, p.7) se utiliza para falar do que “jamais se imobiliza” ou “conserva sua forma por muito tempo”. Assim, a sociedade pós-moderna líquida é uma sociedade onde não há estabilidade. Onde as pessoas são constantemente atravessadas por valores, idéias que a qualquer momento, instantaneamente podem ser descartados. Essa ausência de valores fixos, concretos, permanentes é que irá diferenciar a pessoa pós-moderna dos indivíduos modernos. No passado, ainda recente, os indivíduos tinham suas certezas ancoradas em pressupostos de fé. Os atributos divinos constituíam-se em garantias e certezas de sua 1 Aluna de doutorado do curso de pós-graduação em Ciências da Linguagem – PPGL/UNISUL. e-mail: [email protected] 2 Doutora em Teoria Literária, professora do Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem – UNISUL, na Linha de Pesquisa Linguagem e Cultura. 3 Esse conceito foi apresentado primeiramente no Manifesto Comunista, “derreter os sólidos”, para explicar a forma pela qual o espírito moderno se dirigia à sociedade, considerada rígida e inflexível para a necessária adaptação aos novos tempos. 1 humanidade. Sobre isso Maffesoli (2004, p,26) dirá que na sociedade pós-moderna até o termo “indivíduo” deve ser questionado, em virtude dos inúmeros papeis que o individuo encarna nas diferentes tribos por onde circula. Por esse motivo é que, para esse autor, seria mais apropriado trocar o termo individuo por pessoa4. Já Deleuze & Guattari (1997, p. 157), ao explicarem a passagem da modernidade para a pós-modernidade, utilizam-se das figuras: espaço liso e estriado. Para eles o espaço estriado, tecido vertical e horizontal (fixo, fechado, delimitado, com fronteiras) representaria a modernidade. A pós-modernidade é ilustrada pela figura do feltro, que é extremamente liso, sem rugas, produzido sem o intercruzamento de fios (infinito, aberto, ilimitado, sem direito, nem centro, nem avesso). Os autores enfatizam que apesar de não serem da mesma natureza, esses espaços se misturam se entrecruzam, e que, eles só existem “graças a essa mistura”. No que diz respeito aos ciganos, o fato de viverem “à margem” das sociedades nãociganas, não os exime de sofrerem os efeitos das transformações pelas quais as referidas sociedades passam, como exemplifica Simões (2007, p.48). Com o advento da Revolução Industrial, a Europa se viu impulsionada por um outro modelo de desenvolvimento econômico, desencadeado pela Inglaterra,que em meados do século XIX havia se constituído em uma sociedade industrial com uma numerosa população urbana. Apesar das pressões do governo inglês para que todos assimilassem e se integrassem ao novo modelo, os ciganos não manifestavam nenhum interesse pelos empregos na produção fabril. Por sua excepcional capacidade de adaptação, o que eles fizeram foi empreender uma nova dinâmica as suas atividades de ambulantes, deslocando-se pelo interior da Inglaterra e desenvolvendo suas tradicionais habilidades. Percebe-se, portanto, a adaptabilidade desse povo diante das transformações e principalmente diante dos obstáculos. Mas, se a modernidade trouxe alguns desafios para os ciganos, que, de uma forma ou de outra, foram superados, o que dizer em relação à pósmodernidade? Maffesoli (2004, p.22) aponta a pós-modernidade como uma época de fragmentações, de abstrações, e que foi devido a isso que ocorreu o retorno do “local”, a importância da “tribo” e da “montagem mitológica”. A volta desses aspectos da vida social se deu, numa tentativa de enfrentamento, por parte das sociedades, que se viram ameaçadas em seus valores arraigados (costumes, língua, culinária, posturas corporais) Maffesoli (2004). No caso dos ciganos, os enfrentamentos foram e continuam sendo uma constante, portanto, cedo compreenderam que era no sentimento de pertencimento e valoração de sua cultura que encontrariam as ferramentas necessárias para se protegerem das tentativas de assimilação e extermínio. Os ciganos por muito tempo continuarão sendo considerados, pelos não-ciganos, como pessoas estranhas, diferentes, esquisitas. Bauman (1999, p.89), em sua obra Modernidade e Ambivalência, dirá que as comunidades socialmente estruturadas têm dificuldade de compreender pessoas que estejam deslocadas, que não possuam lar, raízes. É o caso dos ciganos, que por não possuírem território, pelo nomadismo, pelo antipatriotismo, se enquadrarão naquilo que o autor chama de “estranho”. 4 . A palavra 'pessoa' tem sua origem no latim e significava máscaras usadas por atores no teatro clássico. Mais tarde 'pessoa' passou a designar aquele que desempenha um papel na vida, que é um agente. De acordo com o Oxford Dictionary, um dos sentidos atuais do termo é “ser autoconsciente ou racional”. John Locke define uma pessoa como “um ser inteligente e pensante dotado de razão e reflexão e que pode considerar-se a si mesmo aquilo que é a mesma coisa pensante, em diferentes momentos e lugares”. Lexicon.Vocabulário de Filosofia. Coordenação de A.R.Gomes. Dicionário de psicologia. Lisboa: Verbo, 1978. 2 O “estranho” difere tanto do forasteiro quanto do estrangeiro, já que ambos, mesmo fazendo constantes deslocamentos, têm um local de origem, uma comunidade com a qual estarão para sempre ligados por meio de representações simbólicas, elementos culturais, etc. O “estranho” também será visto com desconfiança, essa desconfiança ao ser transformada em receio, exigirá que se criem algumas estratégias que minimamente possam proteger os ditos “normais”. Nesse sentido, dirá o autor, é que se erguerão as “cercas culturais” que terão por propósito, manter o “estranho” a certa distância mental. Para tanto se cria também a “concha de exotismo”, que nada mais é do que um lugar imaginado, instituído, onde serão presos, enclausurados, todos aqueles que apresentem “sinais ocultos” indecifráveis. Sobre esses, muitas coisas serão ditas, falsas verdades serão erigidas criando dessa forma o “estigma” (Bauman, 1999, p.90). Bauman (1999, p. 78) enfatiza por fim que a instituição do estigma “(...) serve eminentemente à tarefa de imobilizar o estranho na sua identidade de ‘outro excluído’”. Observando as colocações de Bauman, percebe-se como a figura do “estranho”, e todo o processo que disso decorre, cai como uma luva nas representações historicamente construídas sobre os ciganos. No entanto, cabe uma ressalva é que, os ciganos, mesmo sofrendo todas as conseqüências do “estigma” criado em seu entorno, conseguiram utilizar isso em beneficio próprio. Foi exatamente em sentimentos como o medo, a desconfiança, o nojo, que os ciganos se ancoraram para estabelecer uma “distancia saudável” em relação às culturas não-ciganas. Pode ser que essa minoria étnica, seja uma das poucas que conseguiu converter o “estigma” em aliado. Na contemporaneidade, alguns grupos ciganos começam a modificar a forma de lidar com as mudanças no contexto das sociedades não-ciganas. Essas alterações têm sido alvo de Crítica por parte de clãs ciganos que identificam nisso um rompimento com a tradição, portanto, uma ameaça à identidade étnica. Essa tensão é compreensível, pois, como observa Bauman (2005, p. 84), identidade é “(...) uma luta simultânea contra a dissolução e a fragmentação (...)” e quando se trata de identidade étnica os desafios são bem maiores. O nomadismo é um dos traços mais forte da cultura cigana. Historicamente os ciganos são conhecidos por suas andanças e admirados por sua capacidade de enfrentar as mais adversas condições climáticas, sociais, políticas e econômicas. Nos dias atuais os grupos ciganos já não possuem o nomadismo como uma prática unânime, devido a vários fatores tais como a violência, dificuldade de terrenos para acampar, interrupção dos estudos das crianças e jovens muitos grupos vêm se sedentarizando. Mas o que estaria provocando esse fenômeno? O que os levaria a abandonarem as estradas e a vida nômade? Deleuze e Guattari (1997, v 5, p.44-45), ao se reportarem ao nomadismo dirão que trata-se de uma invenção do nômade em resposta ao desafio de ter que partir. Para justificar essa teoria os autores sugerem que a movimentação do nômade será sempre, “(...) de um ponto a outro por conseqüência e necessidade de fato (ponto de água, de habitação, ponto de assembléia, etc.)”. Esses pontos seriam parte de um trajeto determinado pelo nômade (ibidem, p.42). Dessa forma, o nômade possui um território, território esse que será constantemente abandonado por ele para posteriormente ser reterritorializado. Nessa perspectiva, todo ponto do território se constituiria em uma alternância do trajeto, caracterizando assim a vida nômade, denominada por Deleuze e Guatarri, como “intermezzo”5. O cigano por necessidade humana, ou “invenção nômade”, vive na zona 5 Intermezzo: s.m. (pal. ital.) Breve espetáculo entre dois atos de um drama ou de uma ópera. Pequeno trecho que separa as partes principais de uma composição musical. 3 indefinida, no “entre-lugar” (SILVIANO, 1978), no espaço inapreensível pelas instâncias de poder, que só atingem os “fixos” e não os “cambiantes”. Maffesoli (2001, p.38) dirá ainda que “(...) qualquer que seja o nome que se lhe possa dar, a errância, o nomadismo está inscrito na própria estrutura da natureza humana, quer se trate do nomadismo individual ou do social”. O nomadismo não seria, portanto, uma atividade somente de populações coletoras. O que move as pessoas, na percepção do autor, é uma necessidade de “evasão” inerente ao ser humano. O autor (ibidem, p.69) sugere, também, que o fruto do nomadismo na atualidade é a “sociabilidade”. Essa sociabilidade, a que se refere o mesmo seriam elementos que foram ocultados ou marginalizados pela modernidade, por exemplo: os sincretismos filosóficos e religiosos. Dessa forma, o nomadismo ao criar sociabilidade ameniza a solidão, que é um dos principais desafios dos indivíduos pós-modernos. A internet, as viagens de férias, reuniões, festivas, encontros religiosos são alguns desses frutos da sociabilidade. A idéia de sociabilidade, de acordo com Bauman (1999, p.260), passa pela noção de comunidade, mesmo que essa comunidade vá exigir que, de certa forma, se abra mão da própria liberdade. A comunidade, nesse sentido, é um lugar de compartilhamento de idéias e esse compartilhar é o que proporcionará aos indivíduos a promessa de abrigo. Essa comunidade pode ser uma fraternidade ideológica, de destino ou de missão. No caso dos ciganos, existem varias hipóteses para o nomadismo. Existem as que apontam o nomadismo cigano, não como um elemento de origem, mas como um mecanismo de defesa. Nesse caso os ciganos buscam em suas idas e vindas evitar o controle e os processos de assimilação. Essa atitude os levaria a assumirem o lugar que Bauman (1999, p.68) intitula como o “lugar do estranho”, (...) O estranho, com efeito, é alguém que se recusa a ficar confinado à terra “longínqua” ou a se afastar da nossa e assim, a priori, desafia o expediente fácil da segregação espacial ou temporal” ,“(...) ele é uma ameaça constante à ordem do mundo (ibidem, p.69). Outras análises apontam que o nomadismo cigano se deve ao tipo de atividade que exercem, ou seja, às vendas a domicilio e aos negócios de trocas, mais conhecidos como “rolos”, e que, isso os levaria a constantes deslocamentos. Há ainda os que defendem que, o que transformou os ciganos em uma minoria nômade foram as perseguições e expulsões a que foram expostos. Nesse sentido, Fraser (apud SIMÕES, 2007, p.31) coloca que: Até hoje não foi possível, contudo, descobrir quais foram os motivos e as circunstâncias que desencadearam a migração e a disseminação dos ciganos para diversas partes do mundo. A própria convivência dos ciganos com múltiplas culturas, as influências lingüísticas, demográficas, sociolingüísticas e históricas, têm se constituído num elemento que dificulta identificar sua verdadeira composição étnica. Em Modernidade líquida (2001), ao falar sobre espaço nas sociedades pós-modernas, Bauman deixa claro que o acesso aos espaços extraterritoriais cabe, não mais apenas as populações nômades, como os ciganos, mas também, e principalmente, a uma parcela da humanidade que ele intitula de elite global. Essa “elite cosmopolita global” é detentora do capital mundial, portanto, são indivíduos que vivem em uma espécie de “bolha” que seria 4 como um espaço extraterritorial. Essa “bolha” é usada por essa “elite global”, como negação de territorialidade e de compromisso com questões sociais. Tanto o poder econômico quanto a extraterritorialidade possibilitam a essa “elite” constantes deslocamentos globais. Quanto ao restante da humanidade, que o autor chama de “maioria assentada”, os deslocamentos sejam por turismo, estudos etc. é sempre “(...) uma condição inteiramente fora do alcance das pessoas comuns, dos ‘nativos’ estreitamente presos ao chão” (BAUMAN, 2001, p.54). Mas e os ciganos, estariam eles passando a fazer parte dos assentados a que se refere Bauman? Quais seriam a perspectivas de futuro e as consequências para sua identidade étnica, se os ciganos se tornassem sedentários? Nesse sentido a busca por território seria uma garantia para a concretização da sedentarização? O termo território é de origem latina, e, apesar de já ser utilizado desde o século XIV, foi na época moderna que seu uso se intensificou geralmente associado aos campos político ou jurídico. Para Marivonne Le Berre (1992, p.622) território não somente diz respeito a uma superfície terrestre, mas também se constitui em um local que, ao ser apropriado por um grupo social, teria a função de assegurar a reprodução desse grupo, bem como sua sobrevivência. Território também diz respeito a limites geográficos, fronteiras e áreas. Por esse motivo foi que, a partir da década de 70 do séc. XX, a palavra território passou a ser incorporada pela geografia. O geógrafo Milton Santos (1994, p.16), ao analisar território já como conceito e em relação aos intensos e atuais deslocamentos, dirá que: É a partir dessa realidade que encontramos no território, hoje, novos recortes além da velha categoria região, e isso é um resultado da nova construção do espaço e do novo funcionamento do território, através daquilo que estou chamando de horizontalidades e verticalidades. Por horizontalidades Santos entende a continuidade de lugares vizinhos reunidos num conjunto de continuidades territoriais. Já as verticalidades, seriam pontos distantes ligados por diferentes maneiras e processos sociais. Fazendo uma análise do nomadismo cigano no Brasil hoje, a partir da perspectiva de Santos, percebe-se que os deslocamentos dos mesmos ocorrem nas horizontalidades, ou seja, entre cidades próximas. Isso ocorre devido a certas divisões territoriais que os grupos vêm estabelecendo desde longa data. Dificilmente um grupo de uma determinada região do país adentrará em outra região sem que haja entre eles determinados “acertos”, geralmente advindos da relação de parentesco. Eles, via de regra, circulam apenas dentro de regiões pré-determinadas. A relação de parentesco entre os ciganos não é regida a priori pela consanguinidade. Os ciganos sem laços consanguíneos se tratam por primos, se são da mesma faixa etária, e por tio, quando se referem a um cigano mais idoso que ele próprio. Para eles, apesar da divisão de grupos (clãs), todos os ciganos constituem uma mesma família, a “família cigana”. Esse sentimento de pertencimento é próprio das minorias étnicas. Sobre esse aspecto Nash (apud Bauman, 1999, p. 261) sustenta que: A dimensão étnica da identidade (sejam quais forem suas profundas raízes psicológicas) reside no fator de que os integrantes dos grupos étnicos são vistos uns pelos outros como ‘humanos’ e confiáveis de um modo que os forasteiros não os são. O grupo étnico fornece refúgio contra um mundo hostil, de desprezo. Os grupos ciganos têm no grupo étnico sua principal referência. Nesse caso, poderia se correr o risco de atribuir territorialidade ao grupo étnico, ou seja, por não possuírem território 5 de origem o próprio grupo poderia ser considerado um território imaginado? A noção de território foi utilizada pela primeira vez no final do século XIX por Frederic Ratzel (apud MORAES 1990a) que coloca que, “(...) o território existe sem a presença do homem, desocupado (apolítico) ou com a presença deste e com o domínio do Estado (político)”. Mas, se, como sugere Ratzel, território ocupado pressupõe domínio do Estado, o que dizer dos ciganos que negam pertencimento territorial, mas ao mesmo tempo reivindicam direitos? Como pensar a noção de direitos diante de tal negação? Melucci (2005, p. 100-101), ao comentar sobre juventude na pós-modernidade ou mais especificamente naquilo que ele chama de “sociedades complexas”, aponta para outro tipo de identidade, a “identidade juvenil”. Ele diz que esta identidade é definida por “modos de vida e linguagens próprias” e que, se por um lado, ela é homogênea, por outro, ela é diferenciada pelo pertencimento territorial e social. No caso, dos jovens ciganos percebe-se certa oscilação entre uma identidade juvenil cigana, quando falam o idioma do grupo cigano ao qual pertencem, e, uma identidade juvenil não-cigana quando se apropriam das gírias, jargões, etc. Quanto ao modo de vida, mesmo fazendo parte de uma tradição com formas de vestir exóticas, a juventude cigana, com exceção das festas intra-grupo, seguirá as tendências da moda, ouvirá os hits do momento, terá um celular de última geração, um laptop, o que pode variar é o poder de compra de cada um na adesão a esse ou aquele símbolo de identificação à juventude não-cigana. O consumo é outro aspecto das sociedades pós-modernas que atravessa a cultura cigana. Bauman (2011, p. 83) concebe o consumismo como um “produto social” que serve a muitos propósitos. Mais ainda, que tem a capacidade de transformar seres humanos em meros consumidores relegando todo o resto a segundo plano. O consumo é uma necessidade em última instância de sobrevivência, já o consumismo é o ato de deslocar o consumo para um ponto central, onde ele se tornaria o “foco de todos os interesses”, ou mesmo, o “foco único desses interesses”. Os ciganos não estão alijados das necessidades “criadas” pelas sociedades pósmodernas. A televisão é, por excelência, o meio pelo qual os apelos ao consumo se tornam mais evidentes para esses. É raro encontrar uma casa ou tenda cigana que não tenha um aparelho de televisão. É nas crianças e nos jovens, talvez por sua suscetibilidade, que se percebm os efeitos desses apelos com mais nitidez. Conclusão As questões apresentadas nesse texto apontam para algumas transformações observadas na identidade cigana que a principio pressupõem que essa cultura está sendo obrigada por fatores externos a modificar elementos culturais ancestrais. Os efeitos desse processo apenas começam a ser observados por estudiosos e pesquisadores. Nesse momento, não é possível dizer que essa cultura está desaparecendo ou coisas do gênero. Os ciganos têm uma história de lutas e resistências que os credenciam diante dos mais difíceis obstáculos, por sua capacidade de superação. Entretanto, as transformações são inequívocas e desafiadoras. Nesse sentido, é importante que sejam desenvolvidas mais pesquisas, que possam produzir subsídios para novas analises e reflexões. 6 Referências BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. _______. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999. _______. Ética da pós-modernidade. São Paulo: Paulus, 1999. _______. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. _______. 44 Cartas do mundo liquido moderno. Tradução Vera Pereira. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. ________. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Tradução José Gradel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. DELEUZE, Gilles; GUATTARI; Félix. 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