A RELAÇÃO TERAPÊUTICA NA TERAPIA COMPORTAMENTAL
Flávia Cifuentes Dias Silva1
Para Villani (2002), a Terapia comportamental visa à alteração das contingências às quais o cliente está exposto, aquelas
que lhe causam sofrimento. Essa abordagem tem como fundamentação o Behaviorismo Radical e a Análise experimental do
comportamento, em que a concepção de homem e as leis que
regem o seu comportamento sustentam a sua prática.
De acordo com Delitti (2005), um dos objetivos da terapia
comportamental é promover mudanças no repertório do cliente, assim o processo terapêutico pode ser considerado como
um processo de ensino-aprendizagem, no qual o terapeuta visa
modificar (extinguir/instalar) comportamentos que possibilitem
uma melhor interação com o ambiente. O processo terapêutico tem como função principal “conscientizar o cliente das contingências em operação na sua vida,
compreendendo como certas coisas são feitas e por que são
feitas” (BAPTISTUSSI, 2000, p. 158). Essa conscientização visa
à modificação dos aspectos causadores de problemas para o
cliente, na medida em que a meta é dar consciência por meio da
descrição de contingência, de forma que o cliente emita novos
comportamentos e tenha conseqüências reforçadoras, explica a
mesma autora.
Na década de 80, os analistas do comportamento passaram
a dar ênfase à relação terapeuta-cliente. Desde então, o comportamento de ambos passou a ser objeto de análise, e não apenas
do cliente, contrariando a concepção de neutralidade atribuída
anteriormente à pessoa do terapeuta, relatam Velasco e Cirino
(2002). De acordo com essa consideração, o processo terapêutico é analisado como uma relação interpessoal entre o terapeuta
e o cliente, denominada como relação terapêutica.
Vale acrescentar que a relação terapêutica e processo terapêutico são distintos, mas interdependentes. “A relação terapêutica [segundo o enfoque da Teoria Comportamental] é uma das
importantes variáveis que compõem um processo terapêutico
[...]” (VALESCO; CIRINO, 2002, p. 34).
A relação terapeuta-cliente é influenciada por uma série
de fatores e se desenvolve como um processo de modelagem do desempenho do cliente e do próprio terapeuta,
pois ele levanta hipóteses e desenvolve análises a partir
de suas observações do comportamento do cliente e de
seu referencial teórico. Conforme as hipóteses vão sendo
testadas, as análises vão se modificando, novos comporta92 l
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mentos vão sendo testados e modelados pelas suas conseqüências. (BAPTISTUSSI, 2000, p. 158).
Como afirma Delitti (2005), desde que haja reciprocidade na
díade terapeuta-cliente, a terapia passa a ser considerada um processo de influência mútua e ocasião de aprendizagem, em que o
terapeuta poderá instalar comportamentos mais adequados, treinar discriminações de encobertos e planejar a generalização desses
padrões para via do cliente. Quando o cliente percebe que a relação terapêutica é uma relação na qual ele é tratado com cuidado,
escutado com atenção, sem julgamento e apoiado, ele passa a se
sentir mais à vontade, protegido, adquirindo a confiança em seu
terapeuta, identificando esse relacionamento como especial e, aos
poucos, começa a revelar informações sobre a sua vida. Como
conseqüência, as respostas adquiridas e reforçadas nesta interação
freqüentemente se generalizam para outros ambientes, ficando
sob controle das contingências naturais.
Uma relação terapêutica duradoura, conforme Delitti (2005,
p. 360), “é aquela embasada num sólido vínculo terapeuta-cliente, vínculo este que se torna estímulo reforçador para que o
cliente progrida e seja perseverante nas tarefas comportamentais
propostas pelo terapeuta”. Então, é por meio da própria relação
terapêutica que é possível conhecer mais detalhadamente como
o cliente se comporta e as razões pelas quais se comporta de
tal maneira. Essa relação requer intimidade, cuidado, respeito,
confiança, cumplicidade e sinceridade. O terapeuta assume um
papel extremamente importante na vida do cliente e deve zelar
por ele, eliminando julgamentos, punições e críticas, acrescentam Velasco e Cirino (2002).
Meyer e Vermes (2001) explicam que, no início desse processo terapêutico, o terapeuta oferece expressões gerais de
aprovação (reforço positivo) apenas pelo fato do cliente estar
fazendo terapia. E aos poucos o terapeuta passa a selecionar
classes de comportamentos, indicando mudanças relevantes, de
acordo com os objetivos previamente estabelecidos pelo cliente.
Portanto é dever do terapeuta comportar-se de modo a minimizar o sofrimento do cliente, a partir de estímulos discriminativos
e disposição de conseqüências, que levem às mudanças comportamentais mais efetivas. Este profissional precisa apresentar as seguintes características: postura empática e compreensiva, aceitação
desprovida de julgamentos, autenticidade, autoconfiança e flexibilidade na aplicação das técnicas, segundo Meyer e Vermes (2001).
Conforme Villani (2002), outro dever do terapeuta é ensinar
o cliente a conhecer e manipular suas próprias contingências naturais, das quais seu comportamento é função, e assim modelar o
seu repertório de autoconhecimento.
O autoconhecimento é essencial na vida do indivíduo. “Na terapia, através de perguntas ou comentários que o terapeuta faz, o
cliente fica consciente de si mesmo, ou seja, é capaz de prever e
controlar o seu próprio comportamento mais adequadamente” (DELITTI, 2005, p. 364). A terapia propicia esse autoconhecimento,
tendo o terapeuta, como tarefa principal, que estabelecer relações
funcionais entre comportamentos abertos e encobertos e/ou regras
que controlam o comportamento do cliente, explica a mesma autora.
E em relação ao cliente, como explicam Meyer e Vermes
(2001), alguns de seus comportamentos exigem um trabalho
especial do terapeuta para possibilitar o estabelecimento de
uma relação terapêutica satisfatória. De acordo Shinohara
(2000) e outros autores, na relação terapêutica, a falta de
motivação do cliente é uma das principais dificuldades apresentadas. Bischoff e Tracey (1995, citados por MEYER; VERMES, 2001 p. 105) “demonstraram, em um estudo, que a
resistência do cliente ao tratamento é preditiva de um abandono prematuro”.
A seguir alguns cuidados específicos importantes que o terapeuta deve ter com determinados clientes: se o cliente apresenta
padrão de comportamento dominador, é aconselhável que o terapeuta não tente impor um ponto de vista; se o padrão for persecutório, são recomendadas aceitação e tolerância; se apresentarem comportamentos hostis, o terapeuta não deve pressioná-lo;
se apresenta sempre queixas, é requerida paciência; se o padrão
de comportamento for de submissão e dependente, é aconselhável modelar as conquistas em pequenos passos. (RANGÉ, 1995,
citado por MEYER; VERMES, 2001, p. 105). Cabe ao terapeuta
ficar atento às variáveis do cliente, apresentando flexibilidade para
prosseguir com o tratamento.
Velasco e Cirino (2002) explicam que a relação terapêutica se
modifica o tempo todo, em um movimento levado pelas peculiaridades do cliente e do terapeuta, com isso novas contingências se
estabelecem e uma nova relação se constrói, ou seja, ao conhecer
mais a vida do cliente, mais se conhece as possibilidades de mudanças e as necessidades oriundas de suas queixas.
Para os mesmos autores, a relação terapêutica é uma relação de entrega, e será o “calor” dessa interação que determinará um melhor ou pior andamento do processo. Então,
para que se adquira um melhor andamento nesse processo,
terapeuta e cliente devem trabalhar juntos, para que as metas
e procedimentos se estabeleçam com sucesso nessa relação.
Assim, a relação terapêutica consegue estabelecer o terreno
para que as relações interpessoais do indivíduo se tornem mais
saudáveis, acrescenta Shinohara (2000).
REFERÊNCIAS
BAPSTISTUSSI, Maria Cantarelli. Bases teóricas para o bom atendimento em clínica comportamental. In: WIELENSKA, Regina Christina, et al. Sobre comportamento e cognição: questionando e ampliando a teoria e as intervenções clínicas
e em outros contextos. Santo André: ARBytes, 2000, vol. 6, cap. 19, p. 156-162.
BISCHOFF.M.M.; TRACEY.T.J.C. Client resistance as predicted by therapiste
behavior: a study of sequential dependence. Journal of Counseling Psychology. V. 42, n. 4, p. 487-495, 1995. Apud MEYER, Sônia; VERMES, Joana Singer.
Relação Terapêutica. In: RANGÉ Bernard. Psicoterapias cognitivo-comportamentais: Um diálogo com a psiquiatria. Porto alegre: Artmed Editora, 2001.
cap. 6, p. 101-110.
DELITTI, Maly. A Relação Terapêutica na Terapia Comportamental. In: GHILHARD, Hélio José e AGUIRRE, Noreen Campbell (org.). Sobre comportamento e cognição: Expondo Variedades. Santo André: ESETec Editores Associados, 2005. vol. 15, cap. 32, p. 360 -369.
MEYER, Sônia; VERMES, Joana Singer. Relação Terapêutica. In: RANGÉ Bernard.
Psicoterapias cognitivo-comportamentais: Um diálogo com a psiquiatria.
Porto alegre: Artmed Editora, 2001. cap. 6, p. 101-110.
RANGÉ, B. Relações terapêuticas. In: RANGÉ. B. (Org.). Psicoterapia comportamental de transtornos psiquiátricos. Campinas: Workshopsy, 1995.
p. 43-61. Apud MEYER, Sônia; VERMES, Joana Singer. Relação Terapêutica. In:
RANGÉ Bernard. Psicoterapias cognitivo-comportamentais: Um diálogo
com a psiquiatria. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. cap. 6, p. 101-110.
SHINOHARA, Helene. Relação terapêutica: o que sabemos sobre ela? In: KERBAUY, Rachel Rodrigues, et al. Sobre comportamento e cognição: Conceitos, pesquisa e aplicação, a ênfase no ensinar na emoção e no questionamento
clínico. Santo André: ARBytes, 2000. vol. 5, cap. 27, p. 229-233.
VELASCO, Saulo Missiaggia; CIRINO, Sérgio Dias. A Relação terapêutica como
foco da análise na prática clínica comportamental. In: TEIXEIRA, Adélia Maria Santos ET AL. Ciência do Comportamento: conhecer e avançar. Santo André:
ESETec, 2002. vol. 1, cap. 5, p. 34-41.
VILLANI, Maria C. Seixas. Considerações sobre o desempenho do terapeuta
comportamental. In: TEIXEIRA, A. M. S. (org.) et al. Ciência do Comportamento: conhecer e avançar. São Paulo: ESETEC, 2002. p. 27-33.
NOTAS DE RODAPÉ
1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio
supervisionado pela professora Maxleila Reis.
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