© International Journal of Clinical and Health Psychology
ISSN 1697-2600
2006, Vol. 6, Nº 1, pp. 65-77
Avaliação da discriminação social de pessoas
idosas em Portugal1
José Ferreira-Alves2 (Universidade do Minho, Portugal) e
Rosa Ferreira Novo (Universidade de Lisboa, Portugal)
(Recibido 29 de diciembre 2004/ Received December 30, 2004)
(Aceptado 27 de abril 2005 / Accepted April 27, 2005)
RESUMO. O envelhecimento da população Portuguesa está a fazer emergir problemas
sociais novos, muitos dos quais ainda não visíveis ou tematizados. Um desses problemas é a discriminação social veiculada através de comportamentos, atitudes e preconceitos
presentes nas interacções diárias com pessoas idosas e/ou difundidos através dos meios
de comunicação. O objectivo deste estudo descritivo é conhecer o ponto de vista das
pessoas idosas, ou seja, a sua própria percepção de ocorrências de episódios de
discriminação. Utilizando um instrumento específico concebido por Palmore procurámos
caracterizar a percepção de 324 pessoas, homens e mulheres com mais de 60 anos e
residentes em vários concelhos de Portugal, algumas institucionalizadas e outras vivendo
integradas, em condições normais, na comunidade. Os resultados apontam para uma
percepção de discriminação por uma parte significativa da amostra. As ocorrências
mais frequentemente percepcionadas situam-se em interacções com profissionais de
saúde e em outros contextos interpessoais em que os interlocutores supõem a priori que
a pessoa idosa já não ouve bem ou não compreende bem. Encontramos uma associação
positiva da percepção da discriminação com a idade. Discutiremos os dados apontando
algumas direcções para outros trabalhos de investigação e para a prevenção do fenómeno.
PALAVRAS CHAVE. Portugal. Adultos idosos. Discriminação social. Idadismo. Estudo
descritivo mediante encuestas.
1
2
Agradecemos a preciosa colaboração das Dras. Alexandra Pires, Carla Ribeiro, Manuela Machado, Marta
Moreira e Sibila Marques.
Correspondencia: Departamento de Psicología (IEP). Universidade do Minho. Campus de Gualtar. 4700
Braga (Portugal). Email: [email protected]
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FERREIRA-ALVES e FERREIRA NOVO. Discriminação social de pessoas idosas
ABSTRACT. The aging of the Portuguese population is accompanied with the emergence
of new problems, many of which we are not fully aware of. One of those problems is
ageism or social discrimination carried out by behaviours, attitudes and prejudices in
the daily interaction with elderly people or spread by mass media. This descriptive
observational study’s aim is to find out the self perception of elderly people concerning
their experience with discrimination. Using a specific instrument designed by Palmore,
we characterize the self perception of 324 older persons, men and women older than
60 years and living in several regions of Portugal, some of them living within residential
facilities and the others living in the community. The results point to a real self perception
of discrimination or ageism. The events with more prevalence of occurrence are with
health professionals, either a physician or a nurse, or in other settings in which one
assumes that the older person could not hear well or could not understand because of
his/her age. We found a strong association between self perception of discrimination
and age. We will discuss the data and point some directions to new research and
prevention of this phenomenon.
KEYWORDS. Portugal. Ageism. Older adults. Descriptive observational study.
RESUMEN. El envejecimiento de la población portuguesa está haciendo que surgan
problemas sociales nuevos, muchos de los cuales todavía no están demasiado claros.
Uno de estos problemas es la discriminación social reflejada en comportamientos,
actitudes y prejuicios presentes en las interacciones diarias con personas mayores difundidos a través de los medios de comunicación. El objetivo de este estudio descriptivo es conocer el punto de vista de las personas de edad, es decir, su propia percepción
de la ocurrencia de episodios de discriminación. Utilizando un instrumento específico
concebido por Palmore pretendemos caracterizar la percepción de 324 hombres y mujeres
de más de 60 años residentes en varios lugares de Portugal, algunos institucionalizados
y otros viviendo integrados en condiciones normales en la comunidad. Los resultados
muestran una percepción de discriminación por una parte significativa de la muestra.
Las ocurrencias más frecuentemente percibidas se sitúan en las interacciones con los
profesionales de la salud y en otros contextos interpersonales en los que los interlocutores
suponen a priori que la persona de edad ya no oye o comprende bien. Encontramos una
asociación positiva de la percepción de la discriminación con la edad. Se discuten los
datos apuntando algunas directrices para futuros trabajos de investigación y para la
prevención del fenómeno.
PALABRAS CLAVE. Portugal. Personas de edad. Discriminación social. Estudio
descriptivo mediante encuesta.
Introdução
Palmore (2001, 2004) revela a sua crença de que o—ageism3 constitui um “terceiro
ismo” que, logo a seguir ao racismo e ao sexismo, representa um forte preconceito e
discriminação contra uma categoria de pessoas. Neste caso, a discriminação poderá
3
Denominação anglo-saxónica para a discriminação social de pessoas com base na sua idade e que, em
português, poderá ser traduzido por idadismo.
Int J Clin Health Psychol, Vol. 6, Nº 1
FERREIRA-ALVES e FERREIRA NOVO. Discriminação social de pessoas idosas
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atingir virtualmente qualquer pessoa pois, supostamente, qualquer pessoa pode atingir
uma idade avançada. Embora sempre tenha havido na história humana casos de rara
longevidade, bastará compararmos a esperança de vida no início do século XX com a
esperança de vida na actualidade para vermos o quanto a generalização do envelhecimento
parece ser um fenómeno recente. Este progressivo envelhecimento da população significa que tem aumentado de forma significativa o número de pessoas idosas e, com esse
aumento, a experiência de estar num mundo onde a adaptação, a boa saúde e o sucesso
dos mais velhos parece ser constantemente desafiado pelos padrões vigentes numa
cultura dominada por estereótipos que valorizam os símbolos da juventude. Ao longo
do século passado várias culturas foram desenvolvendo instrumentos sociais diversos
para proteger as crianças e promover o desenvolvimento no decurso da infância e da
adolescência. Contudo, quando consideramos as pessoas de idade avançada – de terceira
e de quarta idade (cf. Baltes e Smith, 2002) – constatamos a evidência de que algumas
culturas parecem ser ainda muito jovens para integrar, em condições de harmonia
intergeracional e de valorização humana, uma larga quantidade de gerontes. Está em
causa uma integração que garanta condições de desenvolvimento do potencial humano
individual e de protecção e respeito pela dignidade e individualidade da pessoa idosa
tal como acontece em outros períodos de idade.
Uma leitura confirmatória de que à nossa cultura falta ainda assimilar ou acomodar
muitos dados sobre o envelhecimento é o facto de a discriminação social de pessoas
idosas assentar, em si mesma, numa espécie de raciocínio pré-operatório com o qual se
calcula o valor ou o merecimento de um indivíduo com base apenas numa característica, neste caso, a idade. Tal não é muito diferente do raciocínio subjacente à discriminação
racista ou sexista, em qualquer dos casos fortemente combatida com informação científica desmistificadora de potenciais hegemonias. Também no que se refere à idade, a
informação científica poderá vir a contribuir para desmistificar, quer pretensas idades
de ouro, quer cataclismos vivenciais. Não obstante o imenso avanço científico na
compreensão dos múltiplos aspectos biológicos e psicológicos que caracterizam o processo
de envelhecimento e que permitem uma visão mais optimista do que aquela que se
veicula através do senso comum (cf. Nuevo Benítez e Montorio Cerrato, 2005; Nuevo
Benítez, Montorio Cerrato, Márquez González, Izal Fernández de Trocóniz e Losada
Baltar, 2004) o certo é que o discurso científico a este respeito parece não ter ainda sido
assimilado no seio destas jovens culturas, à semelhança do que paulatinamente foi
acontecendo com o racismo e com as diferenças de género.
Palmore (2001) ao construir um instrumento avaliativo da discriminação social das
pessoas idosas, construção fundada numa revisão da literatura significativa, sugeriu que
o mesmo fosse utilizado com três propósitos: conhecer a prevalência da discriminação
com base na idade, os tipos de discriminação mais prevalentes e os subgrupos de
pessoas idosas que relatam mais discriminação. Atendendo a que entre nós não existem
dados científicos significativos a respeito deste fenómeno e atendendo ainda a que este
fenómeno, na sua globalidade, perpassa a linguagem usada na formulação de teorias
psicológicas bem como a descrição e interpretação de dados de natureza empírica (cf.
Schaie, 1993), pensamos que o primeiro passo no sentido de uma compreensão clínica
e social deste fenómeno seria contribuir para aquilo a que Palmore (2001) chama uma
“epidemiologia” da discriminação.
Int J Clin Health Psychol, Vol. 6, Nº 1
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FERREIRA-ALVES e FERREIRA NOVO. Discriminação social de pessoas idosas
Os objectivos do presente estudo descritivo mediante encuestas (Montero e León,
2005) são, à semelhança do estudo de Palmore, os de descrever a percepção de pessoas
idosas respeitante à sua experiência com a discriminação devido à idade, conhecer os
tipos de discriminação mais percepcionados por uma amostra ampla de pessoas idosas
e identificar os subgrupos de pessoas que percepcionam mais discriminação. Na elaboração
deste artigo seguiu-se a proposta de Ramos-Alvarez e Catena (2004).
Método
Participantes
A amostra estudada integrou 324 participantes com idades entre os 60 e os 94
anos, dos quais 38% entre 60 e 70 anos, 41% entre 71 e 80 anos e 21% mais de 81
anos. Ambos os sexos estavam representados, sendo cerca de 35% (n = 113) do sexo
masculino. Com respeito ao nível de escolaridade, 16% dos participantes não frequentou
a escola, 54% frequentou o correspondente ao nível de escolaridade entre 1º e 4º ano,
15% entre 5º e 11º ano de escolaridade e, finalmente, 11% concluiu ou ultrapassou o
12º ano de escolaridade. Com respeito ao tipo de residência, 76% vivia integrado na
comunidade, nas suas próprias residências ou com suas famílias, e 24% vivia
institucionalizado em lares ou centros de acolhimento para a terceira idade. Em qualquer
dos casos, em termos geográficos, os participantes residem em diversas localidades dos
distritos de Braga, Porto e Lisboa. A divulgação do estudo e o recrutamento de participantes foram realizados junto da população idosa, sobretudo em estabelecimentos
designados por ‘universidades de terceira idade’, em ‘centros de dia’ e em ‘lares’. Para
além dos idosos provenientes destes locais, vieram a colaborar no estudo outros participantes que obtiveram informação sobre o mesmo através de familiares, vizinhos ou
amigos com conhecimento desta investigação.
Instrumento
Ageism Survey (Palmore, 2001). Este instrumento, tal como se apresenta em Anexo
1 é composto por vinte itens que solicitam que a pessoa considere em que medida ela
própria viveu determinados episódios ou situações de discriminação social. Face a cada
item, o participante tem de assinalar o número que corresponde à frequência com que
o respectivo episódio ocorreu ao próprio, estando previstas três hipóteses: (0) o episódio
‘nunca ocorreu’; (1) ‘ocorreu uma vez’; ou, então, (2) ‘ocorreu mais do que uma vez’.
Procedimento
Aquando da divulgação e do apelo à participação no estudo foi indicado, como
objectivo do mesmo, o conhecimento da percepção que os idosos têm de serem tratados
de modo diferenciado devido à sua idade. Para tal seriam apresentadas diversas situações,
pedindo-lhes que identificassem as que tinham sido eventualmente sentidas, ou vividas
por eles, como episódios de discriminação devido à idade. Os aplicadores foram sempre
psicólogos ou estagiários de psicologia, com excepção de uma aplicadora com formação
em Educação e pós-graduação em gerontologia. Sempre que a pessoa idosa não sabia
ler ou mostrava dificuldade em seleccionar ou assinalar a sua resposta, seguia-se um
procedimento de aplicação individual, com a leitura dos itens e o preenchimento da
folha de respostas a cargo do aplicador. Nos restantes casos, optou-se pela autoInt J Clin Health Psychol, Vol. 6, Nº 1
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FERREIRA-ALVES e FERREIRA NOVO. Discriminação social de pessoas idosas
administração, sendo dadas à pessoa idosa as instruções necessárias para a realização
da tarefa e acompanhado o processo de resposta, sem intervenção directa do aplicador,
a não ser por solicitação dos participantes.
Resultados
Indicadores de fidelidade e validade
Os dados obtidos com a amostra em estudo são semelhantes aos da investigação
original de Palmore (2001) e apontam, igualmente, para indicadores aceitáveis de validade
e fidelidade ao nível das inferências sobre o idadismo. A consistência interna expressa
pelo coeficiente alpha de Cronbach para os 20 itens foi de 0,80 (contra 0,81 de Palmore).
Contudo, nove dos itens (itens 2, 6, 7, 11, 13, 14, 15, 19 e 20) mostram correlações
relativamente baixas com o resultado global da escala, resultado que decorre da baixa
frequência de resposta nestes itens (frequência inferior a 14%) (Tabela 1). O conteúdo
TABELA 1. Percentagem de reconhecimento de diferentes episódios de
discriminação devido à idade avançada.
Reconhecimento de Discriminação (%)
Itens
PORTUGAL (N = 324)
Nunca
1 Vez
EUA (N = 84)*
>1 Vez
Nunca
1 Vez
>1 Vez
1. Contar anedota
79
5
16
42
17
2. Enviar cartão
99
1
0,3
70
12
42
18
3. Ser ignorado
77
9
14
69
15
15
4. Sofrer insulto
84
7
9
82
10
8
5. Paternalismo
79
9
11
61
20
19
6. Recusa de arrendamento
99
1
0,3
99
0
1
7. Obter empréstimo
97
3
0,3
92
5
4
8. Negar liderança
90
1
8
92
7
1
9. Rejeição p/ aparência
91
3
6
82
8
10
10. Falta de Respeito
86
5
9
70
10
20
11. Ser ignorado
97
2
1
89
6
5
12. Associar dores à idade
68
14
18
57
24
19
13. Negar tratamento
95
2
3
92
4
5
14. Negar emprego
95
4
1
95
5
0
15. Negar promoção
96
2
1
90
8
1
16. Assumir surdez
70
11
19
67
13
20
17. Assumir incompreensão
70
9
21
69
14
17
18. Ser demasiado velho
86
6
8
57
17
26
19. Casa vandalizada
98
1
1
95
4
1
20. Vítima de crime
95
3
2
95
2
2
Média
88
6
8
78
10
11
Nota. * Amostra referenciada em Palmore (2001).
Int J Clin Health Psychol, Vol. 6, Nº 1
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FERREIRA-ALVES e FERREIRA NOVO. Discriminação social de pessoas idosas
destes itens refere-se a expressões raras de discriminação relativamente à idade, na
nossa amostra e, em alguns casos, tal é coincidente com frequências de idêntica magnitude
na amostra norte-americana em referência. A eliminação destes itens conduziria a um
incremento da consistência interna; todavia, uma ponderação dos objectivos do instrumento aconselha a sua manutenção. Este aspecto, porém, será considerado em termos
de análise de resultados, motivando a diferenciação dos itens em causa.
Convém, contudo, referir a elevada validade facial dos itens. Os participantes dão
mostras de compreender facilmente o conteúdo dos itens e de reconhecer o sentido de
discriminação que eles potencialmente envolvem, verbalizando-o, com alguma frequência.
Tal impõe limites à interpretação de resultados, devendo as inferências ser limitadas à
frequência de reconhecimento consciente da vivência de episódios de discriminação
pessoal com base na idade avançada.
Frequência de discriminação
Os resultados obtidos com a amostra em estudo indicam que o reconhecimento de
discriminação é relativamente frequente entre os participantes. Há, contudo, alguns
tipos de discriminação mais sérios (como o ser vítima de crime ou vandalismo) ou
menos adequados aos nossos hábitos culturais (como o recusar o arrendamento de casa
ou negar uma promoção ou um empréstimo) que só são reconhecidos muito raramente.
Dos 324 participantes, 68% refere ter sido alvo de um ou mais tipos de episódios
reveladores de discriminação relativamente à sua idade, sendo ainda elevadas as
percentagens de participantes que referem ter vivenciado mais de três (38%) e de cinco
(14%) tipos diferentes de discriminação.
Há a referenciar outro aspecto importante relativo à percentagem de reconhecimento
de idadismo ser, na grande maioria dos itens, mais elevada na frequência de resposta
que remete para a ocorrência ‘mais do que uma vez’ do que a resposta relativa a um
episódio isolado, já que é referido como ocorrendo apenas ‘uma vez’. Isto sugere que,
para além da maior ou menor amplitude de episódios em que é reconhecido o idadismo,
haverá alguns que são mais frequentes. Quanto maior a diversidade de tipos de
discriminação e a sua frequência, maior será, porventura, a sua disseminação, isto é,
será provável que as atitudes e/ou comportamentos de discriminação sejam praticados
por diferentes agentes sociais.
Uma leitura comparativa das frequências observadas nas amostras portuguesa e
norte-americana (ver Tabela 1) permite destacar, em termos médios, que os participantes dos EUA tendem a reconhecer com maior frequência que os portugueses a vivência
de situações de discriminação. Para além de estarmos perante amostras não estandardizadas
e de reduzidas dimensões, sobretudo no caso da norte-americana, os dados disponibilizados
pelo questionário não permitem esclarecer se estamos perante níveis de discriminação
superiores entre os norte-americanos ou se estes a reconhecem e expressam mais
facilmente.
De modo ainda mais evidente podemos observar, na Figura 1, as tendências de
diferenciação por item nas duas amostras em comparação. Em cinco itens (itens 1, 2,
5, 10 e 18) há uma percepção de discriminação mais expressiva, superior a 15 pontos
percentuais, por parte dos norte-americanos relativamente aos portugueses. Os itens em
Int J Clin Health Psychol, Vol. 6, Nº 1
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FERREIRA-ALVES e FERREIRA NOVO. Discriminação social de pessoas idosas
causa são: contar anedotas ou enviar cartões de aniversário troçando das pessoas pela
sua idade avançada; assumir paternalismo, tratar com menos dignidade ou respeito
devido à idade ou o considerar as pessoas idosas demasiado velhas.
FIGURA 1. Reconhecimento de discriminação nas amostras
Portuguesa e Norte-Americana.
1
2
3
4
5
6
Nº do Item
Nº do item
7
8
Portugal
9
EUA
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
0
20
40
60
%
RespostasdedeReconhecimento
reconhecimento
% de Respostas
de de
Discriminação
discriminação
Considerando os três itens (item 12, 16 e 17) com maior frequência de resposta na
amostra portuguesa, verificamos que a percepção de discriminação em contextos de
saúde (item 12 - desvalorização do sofrimento dos idosos) é o item que dá lugar a
maior número de respostas significativas de discriminação, seguido de assunção de
surdez (item 16) ou de falta de capacidade de compreensão com atribuição causal à
idade (item 17).
Int J Clin Health Psychol, Vol. 6, Nº 1
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FERREIRA-ALVES e FERREIRA NOVO. Discriminação social de pessoas idosas
Percepção de discriminação e género
Os resultados foram analisados considerando quatro categorias de reconhecimento
de discriminação: nunca vivenciou nenhum dos tipos de discriminação (nenhum item);
vivenciou raramente (em um ou dois itens); vivenciou algumas vezes (entre três e cinco
itens); e vivenciou várias vezes (em mais de cinco itens). Quando considerados os 20
itens, verifica-se que a percepção de discriminação é idêntica em homens e mulheres
idosos. Quando analisados apenas os itens (nove itens) onde há uma maior percepção
de ocorrência de discriminação na amostra portuguesa (com uma percentagem de 14%
ou superior de resposta significativa de reconhecimento de discriminação), constatamos
novamente que a variável género não é diferenciadora.
Percepção de discriminação e estado civil
De igual modo, no que respeita aos nove itens seleccionados, a variável estado
civil tende a não ser diferenciadora, isto é, pessoas de diferentes estados civis parecem
percepcionar de forma idêntica a discriminação. O mesmo se passa quando estendemos
a análise aos 20 itens e categorizamos a percepção do número de ocorrências de
discriminação consoante as quatro categorias acima referidas. Contudo, esta análise
constitui apenas um indicador de ausência de relação entre estado civil e frequência de
reconhecimento de discriminação, já que alguns estados civis estão sub-representados.
Percepção de discriminação e nível de escolaridade
O nível de escolaridade não aparece associado a diferentes níveis de percepções
de discriminação para os nove itens considerados. Contudo, se tivermos em conta todos
os 20 itens e os categorizarmos, conforme procedimento referido, constatamos que a
percepção de discriminação apresenta algumas diferenças consoante os níveis de
escolaridade, muito embora não se afigure uma relação linear entre a percepção de
discriminação social e esta variável.
Percepção de discriminação e idade
Tendo em conta os valores absolutos por grupos de idade, verifica-se que o grupo
de idade entre os 81 e os 94 anos apresenta um tipo de distribuição diferenciada dos
restantes. A diversidade das situações de discriminação é maior, referindo a maioria dos
participantes deste grupo etário mais de três tipos distintos de discriminação (ver Figura
2)
Considerando os nove itens com maior frequência de resposta no conjunto da
amostra, verificamos que a idade surge com uma associação forte para o item 3 (χ2=19,586,
gl=2, p <0,001), item 16 (χ2=33,396, gl=2, p <0,001) e item 17 (χ2=24,261, gl=2, p<
0,001). A análise dos resíduos indica que a experiência de ser ignorado (item 3), de
atribuir à idade o não ouvir (item 16) e o não compreender (item 17) é superior no
grupo dos mais idosos.
Int J Clin Health Psychol, Vol. 6, Nº 1
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FERREIRA-ALVES e FERREIRA NOVO. Discriminação social de pessoas idosas
FIGURA 2. Frequência de discriminação por grupo de idade.
50
40
30
60-70
60-70 anos
anos
20
71-80
71-80 anos
anos
10
81-94
81-94
0
Nunca
1 a 2
3 a 5
>5
Percepção de discriminação e tipo de residência
A análise de resultados em função tipo de residência indica que há diferenças na
percepção de discriminação na generalidade dos itens, sendo as pessoas que vivem em
lares aquelas que, em termos relativos, referem mais tipos de discriminação. Os itens
que registam as diferenças mais significativas são relativos às seguintes situações: ser
ignorado (item 3; U = 7717,500, n1 = 77, n2 = 247, p < 0,001); ser tratado com menos
dignidade ou respeito (item 10; U = 8273,500, n1 = 76, n2 = 247, p < 0.01); e assumir
incompreensão (item 17; U = 7826,000, n1 = 77, n2 = 245, p < 0,01).
Discussão
Os dados obtidos apontam para a necessidade de se continuar a estudar o instrumento utilizado, procurando explorar a potencial utilidade de itens que aqui se revelaram
pouco discriminativos e a de novos itens que sejam pertinentes para descrever o fenómeno da discriminação de pessoas idosas na nossa cultura. Revela-se necessário avaliar
níveis de consistência temporal e de validade das medidas. Mostra-se necessário também
explorar o sentido, positivo ou negativo, da discriminação de alguns itens. Embora a
intenção original de Palmore (2001) com o seu ageism survey tenha sido a de estudar
a discriminação negativa, para nós não resulta completamente claro se algumas respostas,
por exemplo, aos itens 5, 12, 16 ou 18, são dadas considerando que as situações
referidas foram vividas negativa ou positivamente pelas pessoas que as referem. Em
alguns casos, é verbalizada a ideia de que ‘ser condescendente ou paternalista’ com os
idosos (item 5) traduz uma diferenciação positiva relativamente à velhice ou que ‘ser
chamado de demasiado velho’ (item 18) não é ofensivo nem discriminatório, é apenas
uma realidade.
Por outro lado, estes dados parecem não deixar dúvidas: apesar de haver uma
elevada percentagem de não reconhecimento, há itens/situações com uma frequência de
resposta que chega aos 32% de percepção de discriminação. E a percepção de que as
ocorrências foram vividas ‘mais do que uma vez’ é superior em relação à vivência de
situações isoladas, identificadas na categoria de resposta ‘uma única vez’. Tal como na
Int J Clin Health Psychol, Vol. 6, Nº 1
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FERREIRA-ALVES e FERREIRA NOVO. Discriminação social de pessoas idosas
literatura de maus-tratos a pessoas idosas - de que a discriminação social pode ser
considerado apenas uma faceta ou um factor contextual propiciador - parece haver
unanimidade de que a sua prevalência, que se situa entre os 4 e os 10%, é indicadora
de um problema grave de saúde pública (cf. Ferreira-Alves, no prelo).
À semelhança do que tinha constatado Palmore (2001), nos EUA, também na
nossa amostra os dados são inequívocos no que respeita ao contexto e à relação onde
parece haver maior frequência de ocorrências: os contextos de saúde, nomeadamente na
interacção com um médico ou enfermeiro. As complexas relações entre envelhecimento
e doença parecem não ter a consideração devida nas práticas de cuidados de saúde, o
que se expressa, nomeadamente, na suposta relação entre dor e idade avançada, por
parte dos profissionais de saúde. A semelhança numérica de ocorrências percebidas
pelas pessoas idosas, no contacto com profissionais de saúde e com outras pessoas que
supõem a priori que elas já não ouvem bem ou não compreendem bem, é sugestiva de
como, não obstante a sua formação científica, os profissionais de saúde podem revelar
a mesma ou maior dose de estereótipos que as pessoas comuns. Uma explicação plausível
para este dado poderá ser o facto de os profissionais de saúde lidarem muito mais com
a patologia do que com o envelhecimento normal e, na medida em que quando contactam
pessoas idosas elas têm patologia, por mecanismos básicos associam à velhice a expectativa de um conjunto de patologias. Como apontam Daniel, Roysircar, Abeles e Boyd
(2004), a competência para perceber a história do paciente, o seu problema, o diagnóstico e a elaboração de um plano de tratamento ficarão alargadas se o próprio terapeuta
mostrar a competência para compreender a diversidade individual e cultural das pessoas,
nomeadamente daquelas que experienciam a discriminação com base na idade, na raça
ou no sexo.
A baixa e nula relação encontrada entre a percepção de discriminação e a escolaridade
e género, respectivamente, bem como a significativa associação com a idade sugerem
que a discriminação com base na idade avançada, terá supremacia relativamente à
discriminação com base no género e na escolaridade. Ou seja, parece ser a idade, ou
algo que a ela poderá ser associado, que é o factor mais relevante de discriminação em
termos sociais. É como se na nossa cultura o avanço da idade ‘apagasse’, de alguma
maneira, o próprio género (“não há homens idosos ou mulheres idosas, apenas idosos!”)
e os eventuais benefícios da escolaridade (não há pessoas idosas com mais ou menos
escolaridade, há apenas idosos!). Este reducionismo centrado na idade (na velhice)
acompanha a desvalorização da individualidade, o que é humanamente empobrecedor
e culturalmente perigoso. É claro que os dados obtidos não permitem um quadro
compreensivo do(s) significado(s) da idade na nossa cultura. Sabemos apenas que o
aumento da idade, em pessoas já idosas, se associa ao aumento da percepção de
discriminação. Seria necessário procurar aceder ao significado comum e à mitologia
construída em torno da noção de aumento da idade em populações já idosas.
Contudo, o que nos parece certo é que, de um ponto de vista científico, não há
motivo para atribuir ao avanço da idade aquilo que as práticas discriminatórias sempre
supõem: menor capacidade, competência ou dignidade. E, por isso, os resultados obtidos
apontam para a necessidade de uma intervenção cultural lata da parte da comunidade
científica no sentido de esclarecer, sempre que possível, os complexos puzzles de relações
Int J Clin Health Psychol, Vol. 6, Nº 1
FERREIRA-ALVES e FERREIRA NOVO. Discriminação social de pessoas idosas
75
encontrados entre envelhecimento e saúde, envelhecimento e doença, envelhecimento
e competência.
Um último dado aponta para a importância da consideração da diversidade das
situações de vida das pessoas e para as relações entre os ‘nichos’ relacionais e a
vivência do envelhecimento. Ao encontrarmos uma percepção de discriminação
significativamente superior entre as pessoas institucionalizadas, nos chamados ‘lares de
terceira idade’, deveremos ficar atentos ao significado desta ocorrência. O viver
institucionalizado não será, por si só, já uma situação de flagrante discriminação?
Independentemente das condições de vida e de relação instituídas em habitações colectivas, a adaptação, a maioria das vezes, forçada a um novo lugar, não constitui uma
potencial ameaça à identidade pessoal e à perda de referências de pertença a um lugar
geográfico e social?‘
A finalizar queremos recordar aqui as palavras de Knight (1996) quando aponta
para o facto de a história inicial da gerontologia ter sido caracterizada por uma divisão
entre investigadores e práticos: os primeiros que começaram a “descobrir que o
envelhecimento é uma experiência mais positiva do que aquilo que a sociedade
presumivelmente acreditava” e os práticos que se “debatiam com os problemas de
algumas pessoas idosas seleccionadas e que generalizavam os problemas reais dos
adultos idosos frágeis a todas as pessoas em envelhecimento” (Knight, 1996, p.4). Por
isso, para além da investigação que ainda é necessária para compreender o fenómeno
da discriminação em idade avançada, resta-nos por agora sugerir a importância de se
combater nas comunidades de profissionais da saúde aquilo a que Gatz e Pearson
(1988) chamaram o “Professional ageism” isto é, o viés, ora positivo ora negativo, com
que os profissionais de saúde olham o processo de envelhecimento e as pessoas idosas,
o que influencia negativamente as possibilidades e a eficácia de tratamento. Uma das
maneiras de eleição para o fazer seria uma formação profissional mais alargada, em que
a par do conhecimento das disfunções e patologias houvesse informação específica
sobre o desenvolvimento normal ao longo do ciclo de vida e as múltiplas potencialidades e recursos dos organismos humanos.
Referências
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FERREIRA-ALVES e FERREIRA NOVO. Discriminação social de pessoas idosas
ANEXO 1
Ageism Survey (Palmore, 2001).
Instruções
Por favor, coloque no espaço em branco uma cruz sobre o número que melhor identifica a frequência
com que viveu ou sentiu cada uma das situações que a seguir se descrevem: Nunca = 0; Uma vez =
1; Mais do que uma vez = 2
Nunca
1. Contaram-me uma anedota que ridiculariza ou faz troça das
pessoas de idade
2. Enviaram-me um cartão de aniversário que ridiculariza ou faz
troça das pessoas de idade
3. Fui ignorado(a) ou não tomado seriamente devido à minha idade
4. Chamaram-me um nome insultuoso relativo à minha idade
5. Falaram comigo de forma condescendente ou paternalista devido
à minha idade
6. Recusaram arrendar-me uma casa devido à minha idade
7. Tive dificuldade em obter um empréstimo devido à minha idade
8. Negaram-me uma posição de liderança devido à minha idade
9. Fui rejeitado(a) por não ser atraente devido à minha idade
10. Fui tratado(a) com menos dignidade e respeito devido à minha
idade
11. Um empregado de mesa ignorou-me devido à minha idade
12. Um médico ou enfermeiro supôs que as minhas dores são
devidas à minha idade
13. Negaram-me tratamento médico devido à minha idade
14. Negaram-me emprego devido à minha idade
15. Negaram-me uma promoção devido à minha idade.
16. Alguém assumiu que eu não ouviria bem devido à minha idade
17. Alguém supôs que eu não compreendia bem devido à minha
idade
18. Alguém me disse: “és demasiado velho(a)
19. A minha casa foi vandalizada devido à minha idade
20. Fui vitimado(a) por um crime devido à minha idade
Uma
Vez
Mais do
que uma
vez
0
1
2
0
0
0
1
1
1
2
2
2
0
0
0
0
0
1
1
1
1
1
2
2
2
2
2
0
0
1
1
2
2
0
0
0
0
0
1
1
1
1
1
2
2
2
2
2
0
0
0
0
1
1
1
1
2
2
2
2
Por favor responda às seguintes questões:
Idade: _______________
Sexo: _______________
Estado Civil: _________________
Qual o maior grau de escolaridade que concluiu? .............................................................................................
Qual o local (Concelho) da sua residência? .......................................................................................................
Int J Clin Health Psychol, Vol. 6, Nº 1
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Avaliação da discriminação social de pessoas idosas em Portugal1