ALEPH – Formação de Professores
ISSN 1807-6211
POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
E EXPERIÊNCIAS INSTITUINTES
Célia Linhares1
1. Formação de professores numa gangorra: expectativas de solução total x
agravamento dos problemas escolares
Formar professores tem sido um objetivo recorrente nas políticas educacionais e, como tal,
não pode prescindir de análises de seus a priori, mormente, quando a seleção de muitas de
suas prioridades vem alimentando crescentes expectativas sociais, escolares e,
particularmente, docentes, mas longe de confirmar a condição de panacéia, com que são
apresentadas, vêm não só frustrando a sociedade em geral, mas e, sobretudo, a educacional,
pois vem construindo um tipo de culpa político-pedagógica, impingida aos professor*s2.
Quando examinamos seus resultados, salta aos olhos o quanto eles se reduzem a
desempenhos pontuais e momentâneos, logo mostrando seus retrocessos, com a dimensão
dos abismos educacionais e escolares negligenciados. E o mais grave é que entre o mundo
de promessas e suas frustrações ocorre um sério desgaste de esperanças, com freqüência
manifesta em expressões como: a escola e a formação de professores não têm mesmo mais
jeito” ou “ a carreira do magistério já perdeu seu horizonte”.
Discursos, como esses, podem ser lidos como signos de um saudosismo, tão presente entre
nós, que nos faz recordar os tempos pretéritos, identificando-os com algumas de suas
dimensões que fulguram enquanto esvaecem, perdendo os contornos históricos dos
acontecimentos, sempre datados e situados, expondo-se, assim, como matrizes de
transfigurações alienadas.
Diante dessas fugas da realidade é sempre possível estabelecer hipóteses de que, na medida
que a leitura de alternativas de futuro são atrofiadas, o imaginário social passa a fabricá-las
como quimeras, declinando de qualquer exercício de contextualização. Então, recorrem-se
aos búzios, procuram-se as determinações de vida nos astros, a quem se delega posições de
1
Professora Titular de Política Educacional da Universidade Federal Fluminense.
Coordenadora do ALEPH – Programa de Pesquisa, Aprendizagem-ensino e Extensão em Formação de
Profissionais da Educação. Pesquisadora apoiada pelo CNPq.
2
Em trabalho anterior, analisamos com Waldeck Carneiro da Silva alguns dos dispositivos legais que
marcaram o II Governo FHC, sobre o qual oferecemos a referência: LINHARES, C. et CARNEIRO DA
SILVA, W. “Formação de professores: travessia crítica de um labirinto legal”, Brasília, Editora Plano, 2003
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oráculos numa contemporaneidade que parece negar espaços para o protagonismo de
sujeitos históricos.
Mas, continuando a explorar aquelas expressões, que há pouco citamos, vamos entendendo
como alguns mecanismos políticos podem contribuir para oscilações entre otimismos
induzidos pelo anúncio de soluções totais para os problemas escolares e suas contra faces,
manifestas em desistências profissionais e apatias sociais diante dos malogros resultantes
de autonomias preteridas.
O pior é que nessas idas e vindas, o presente vai sendo minado, enquanto o futuro se
estreita, acabando por serem encurralados ora em espaços metafísicos, sem concretude
histórica, ora em corredores obscuros, em que prevalece um “pensamento” único, sem
dissenso, sem liberdade e sem esperanças, em que o desafio do pensar, como ação,
sucumbe diante de favores e vantagens num tipo de troca sinistra.
Esta é uma questão que reputamos ser da mais alta relevância: como os repetidos fracassos,
decepções com as promessas políticas podem nos levar a um declínio de esperanças,
desejos e projetos, facilitando um tipo de submetimento ao “pensamento” único e nos
disponibilizando para uma compulsão consumista. Afinal, se pensarmos bem, a
qualificação de “único” para o pensamento indica a inviabilidade do próprio pensar, pois
lhe arranca as surpresas, procurando mantê-lo domesticado em subserviências calculistas.
Não há como deixar de reconhecer que só um pensamento desesperançado pode negar o seu
próprio fluxo criador, congelando o movimento que o constitui, por afirmar-se sempre
como um processo infinito de conjugar relações, de romper limites, de construir outros
mundos, como projetos, utopias de forma ininterrupta.
Mas, se vivemos em meio a tantas usinas de desistências, que justificam frases como as
citadas há pouco, importa considerar, que apesar de tantas opressões que se acumularam
nos milênios de vigência e hegemonia de nossa civilização, o período atual está grávido de
crescentes desafios que cabe a nós enfrentar, ressignificando nossa própria cultura e
educação.
Mas para isto, não podemos nos iludir, vamos precisar assumir formas de produção coletiva
de conceitos, forjando uma inteligência mais solidária, com exercícios contínuos de um
pensamento-ação em que politicamente prevaleçam funcionamentos autônomos e
includentes, com todos os empenhos contra as desigualdades como a favor de todas as
diferenças.
Tudo isso nos ajuda a problematizar, com mais complexidade, esse antagonismo entre as
altas expectativas criadas por tantas políticas de formação de professores, e os baixos
desempenhos escolares, com sacrifício de perspectivas de implantação e consolidação
permanente da carreira.
Uma análise das concepções e práticas dessas políticas tem evidenciado que, na grande
maioria das vezes, investir em formação de professores tem significado acionar, retomar e
aplicar um dos modelos de formação ou aperfeiçoamento docente em vigência em nossas
2
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sociedades. Modelos que vão desde cursos, com conferências, até tipos de treinamentos que
visam a aquisição ou o reforço às competências desejadas.Modelos que partem de uma lista
daquilo que os reformistas pensam faltar para a*s professor*s, como competência em
leitura, em matemática, em ciências, artes etc.
Claro que o padrão em que se baseiam para elaborar esse inventário de faltas remonta a
uma escola cristalizada no passado, exposta aos processos de fulguração e transfulguração,
de processos, já referidos, que tanto podem nos levar ao contacto com as tenacidades de
sonhos éticos em busca de uma escola como exercício de liberdade para tod*s, e, portanto,
uma escola em permanente devir, como podem também conduzir-nos a uma modelização
por imagens, desvitalizadas e mumificadas.
Desse modo, não observam a escola viva, emergindo pela pluralidade de forças sociais e
pedagógicas, que apenas começam a ser reconhecidas num esforço inicial de
conceitualização política, e por isso a tratam, confrontando-a segundo representações
residuais que dela fazem, marcando-as com padrões inflexíveis, concentradores e
homogeneizadores, prevalecentes outrora, mas que ainda hoje recrudescem na luta pela
conservação e ampliação de seus espaços.
Assim, fica mais fácil entender a promoção de políticas, que apesar de remédios infalíveis e
novidadeiros, carregam uma idéia de retorno a uma escola lendária de ontem, como um
panegírico de uma eficência e segurança perdidas. É por isso que enquanto os reformistas
divulgam, por todos os meios, as laudatórias e seduções financeiras para a aceitação e
implementação de políticas demissionárias da participação de professores, vão, ao mesmo
tempo, lançando pacotes que entulham os espaços de autonomia e de criação da escola.
Não podemos minimizar o fato de que esses pacotes contêm traduções daquelas listas de
faltas, há pouco mencionadas, que vão caindo na escola como verdades impostas, como se
os professor*s não só ignorassem sua realidade escolar mas, por isso mesmo, devessem
passar por “reciclagens” e “treinamentos”, um e outro tão desmerecedores d*s professor*s,
evidenciada desde a própria semântica dos termos.
Os objetivos apontam sempre para uma rápida apropriação de comportamentos e
competências, implicando no esquecimento de suas tentativas de enfrentamento de outras
problemáticas pedagógicas e, sobretudo, dos avanços por el*s construídos em meio a tantas
dificuldades que se amontoavam e se amontoam nas escolas, frutos de graves negações
políticas, econômicas, históricas enfim.
Vejam como a euforia de uma solução que supostamente beneficiaria a tod*s acaba sendo
realizada como uma abdicação da própria memória docente no que ela tem de mais
revigorante do trabalho escolar: os sonhos que animaram as lutas do passado com suas
conexões sociais e com as reminiscências de uma dignidade que foi sendo construída nas
trilhas de um empenho pela aprendizagem e melhoria escolar.
Afinal, caberia perguntar, quais os lugares para as memórias docentes de desejos e projetos
educacionais e escolares, como nutrientes de uma escola em devir a cujo pertencimento lhe
3
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correspondessem possibilidades de participação ativa para professor*s, estudantes,
familiares e a própria sociedade?
Não podemos esquecer o depoimento de Albert Einstein, sobre os processos insidiosos que
ele viveu na escola e que o levaram a criticá-la, lembrando suas ameaças aos desejos de
saber, tantas vezes expresso nas curiosidades, como guias potentes da aprendizagem.
“Na verdade, é quase um milagre que os métodos modernos
de instrução não tenham exterminado completamente a
sagrada sede de saber, pois essa planta frágil da curiosidade
científica necessita, além de estímulo,especialmente de
liberdade; sem ela, fenece e morre. É um grave erro supor
que a satisfação de observar e pesquisar pode ser promovida
por meio da coerção e da noção do dever. Muito ao
contrário, acredito que seria possível eliminar por completo a
voracidade de um animal predatório obrigando-o, à força, a
se alimentar continuamente, mesmo quando não tem fome,
especialmente se o alimento usado para a coerção for
escolhido para isso”3.
Se Einstein nos mostra a virulência da imposição, do desrespeito ao modo próprio de
aprender e viver de cada um, tocando especialmente na opressão dos estudantes, também
nos faz pensar na extrema relevância de mestres experimentarem permanentemente o
desejo de saber, de indagar, de questionar a realidade para melhorá-la, aproximando-a de
seus anseios profissionais e desejos éticos e existenciais. Mas, é Spinosa, filósofo holandês
do século XVII, quem nos ajuda a entender porque a euforia das promessas acaba em
frustração e a quem pode interessar uma e outra.
Para esse filósofo o medo e o entristecimento acabam por despotencializar o humano,
predispondo-o ao uso e ao abuso das tiranias.A quem interessaria esse convite para
soluções de velhos problemas escolares sem a intensidade criadora dos sujeitos
pedagógicos? A questão serve como um tipo de alavanca para lembrar o que já dissemos
alhures: “o que não se faz com os professores se faz contra eles” e para reafirmar que a
política não pode prescindir de uma ética capaz de estimular a afirmação humana e social,
revigorando o compartilhamento.
Assim, voltando a nossa pergunta sobre o porque dessa gangorra macabra que promete
remodelar, tornando a escola eficiente, enquanto fortalece sentimentos de menos valia, de
inadequação em professores (e em seus estudantes, em seus familiares), desprestigiando-os
frente à sua sociedade, como se o modelo a ser seguido fosse daqueles prêt-à-porter em que
o trabalho de moldar foi substituído pelo prazer de portar, de carregar, de transmitir e,
sobretudo, de criar e recriar.
Em tudo isso, não podemos desconsiderar que o capitalismo não pode prescindir de uma
sociedade sedenta de consumo, disposta a se submeter aos modismos, inclusive os
3
EINSTEIN, Albert – Notas biográficas, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira,1982
4
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pedagógicos e a ceder a otimismos fáceis. Sobre esta questão vale a pena ouvir Paul Taylor4
quando ele diz que os oprimidos habitam uma cultura do silêncio e da invisibilidade,
sobretudo para aqueles que ocupam o centro do poder, conhecendo a experiência da
opressão em primeira mão embora seus sonhos sejam de segunda mão, posto que seus
desejos são manipulados.
Com a obstinação de promover esses modelos de formação não só se descarrega tensões
políticas, econômicas, sociais e escolares sobre os ombros d*s professor*s, fazendo recair
sobre el*s o peso de tantos períodos de opressão, mas também se impõem de uma maneira
“benevolente” e “protetora” o signo de “bode expiatório” por tantas mazelas sociais e
pedagógicas. Afinal é assim que o professor tem sido apresentado à sociedade: como um
dos maiores produtores da problemática educacional e social.
Se começamos este texto, enfrentando políticas de formação de professores que se auto
apresentando como soluções globais, acabam contribuindo para expor os docentes a uma
posição tão desprestigiada socialmente, confirmando, com práticas pedagógicas, lições de
consumismo tão importantes para o continuísmo e revigoramento capitalista, vamos passar
à segunda parte propondo reconhecer, como forma de estimular, movimentos instituintes
para o encaminhamento político dos processos de formação de professores.
2.Melhoria Escolar e Autonomia Docente
Apesar do aumento em termos absolutos que os orçamentos escolares vêm recebendo, se
comparados a 20 ou 30 anos atrás, um crescente abismo os separa do atendimento às
urgências educacionais que batem à porta da escola, cobrando-a, politicamente, para
preencher um conjunto de faltas e carências educacionais, sociais, econômicas, culturais e
éticas.
Diante dessa problemática que se agudiza – com uma crise fiscal que reduz os recursos
públicos, em relação à progressão dessas necessidades e dos conflitos que se multiplicam,
mercê de um capitalismo tardio, corrosivo do Estado e da Sociedade – abrem-se,
paradoxalmente, algumas possibilidades de intensificação democrática nas escolas.
Além do princípio de descentralização participada, chave de todo processo democrático,
esse caminho convida ao exercício de uma responsabilidade decisória, criadora e
compartilhada por aqueles que constituem o corpo permanente do Estado. Por isso mesmo,
se revela tão mais necessária à medida que ruma na contra-mão de um processo avassalador
de desqualificação dos servidores públicos, endereçando-se à demolição de seu antigo
prestígio republicano, como um elo na construção e manutenção da governabilidade
democrática.
4
TAYLOR, Paul – Que Pedagogia para que liberdade? In LINHARES, Célia et TRINDADE, M. Nazaret
(org) Compartilhando o mundo com Paulo Freire, São Paulo, Ed. Cortez, 2003. p.58.
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Essa demolição vêm sendo facilitada pela conjugação de um feixe de relações, onde vale a
pena destacar, pelos menos dois eixos, a saber:
¾o
poderio mediático que produz e divulga “verdades comprovadas” sobre a
ineficiência e os danos de um “Estado paquidérmico” em confronto com estruturas
enxutas identificadas com uma lógica darwinista a presidir o mercado e apregoada
como eficaz e vantajosa pelo neoliberalismo;
¾o peso dos vícios que se acumulam no Estado e na coisa pública, mormente, no
caso brasileiro, marcado por uma história colonial, escravagista e patrimonialista,
perdurando sob metamorfoses até os nossos dias, quando a exclusão cresce na
proporção direta de corrupções e privilégios expandidos por uma oligarquia sempre
sedenta de acumulação de mercadorias de todas as ordens.
Os professores constituem-se como um carro chefe nessa locomotiva, com que
metaforicamente representamos tantas categorias profissionais em queda livre. Além do
desprestígio social, um acúmulo de tarefas se sobrepõe no cotidiano escolar5, fazendo com
que o professor se sinta só, desamparado, sob condições de trabalho negativas e com
desafios para os quais não se sente habilitado.
A gravidade dessa situação tem sido expressa não só através de pedidos de exoneração, mas
também, através da saúde de professor*s que desfia a gestão escolar, repercutindo
perversamente na sala de aula. Essas ressonâncias podem ser captadas tanto através de
licenças, que se repetem ao longo dos anos, como num desânimo que contagiando
professor*s e estudantes acaba por obstruir os caminhos da aprendizagem e do ensino,
revestindo-o ora de negligência que beira o cinismo, ora de um tipo de rebeldia que não
perde oportunidades para danar os processos escolares, do que o patrimônio material
constitui um bom exemplo pela sua visibilidade.
Quando percorremos as mais recentes produções das ciências políticas, da sociologia do
trabalho e, sobretudo, das pesquisas de formação continuada de professores, evidenciamos
uma confluência gritante quanto ao reconhecimento do desamparo do professor, do seu
isolamento social, de sua abrupta desfiliação do Estado, de sua premência por constituir-se
em comunidades escolares onde possa conviver com companheir*s para enfrentar os riscos
de embates inéditos.
Se muitos desses elementos emergem em discursos acadêmicos e em promessas políticas e
passam pelo risco de permanecerem como conclusões inócuas ou artefatos retóricos que
não se traduzem em estruturas materializadas e culturais de funcionamento, é importante
destacar que não é esse o seu destino geral.
Pelo contrário, outras metodologias mais participativas vão penetrando em muitas
instâncias do poder público em nosso país, mormente traduzidas por algumas secretarias de
educação com compromissos populares, que assumem o caráter de esgotamento das
5
Sobre esta problemática encaminhamos o leitor para a seguinte obra: HARGREAVES, Andy, Os
professores em tempo de mudança, Portugal,Mc GrawHill, 1998
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políticas centralizadoras, promovendo gestões marcadas por participações intensas e
extensas de seus profissionais.
Por isso mesmo, vão emergindo, na administração democrática da educação em todo o
Brasil, iniciativas de apoio ao professorado, não só para a superação de precariedades de
sua formação, mas para situá-los de modo a assumirem e elaborarem sua autonomia
pedagógica que lhes permita tomar a escola como um livro a ser lido, entendido e atendido
nessa complexa compaginação em que se inscreve nosso tempo com ameaças totalizadoras
e possibilidades pluralizantes e solidárias.
É nesse processo de radicalização das pluralidades com o recrudescimento de todas as
formas de empenhos e lutas contra as desigualdades e hierarquizações que situamos os
movimentos instituintes que investem na invenção de uma outra cultura escolar,
articulando-a a uma outra sociedade, onde vigore a expansão da includência e da
cooperação, alimentando ações compartilhadas, ainda que permeadas de conflitos.
Não temos dúvidas de que para ensinar e aprender nas escolas é indispensável que circule
entre os professores o alento de uma confiança legitimada, com capacidade criadora que
encontre condições de vicejar apoiada em tempos e espaços de convivência
institucionalizados, onde os professores sejam estimulados a exercícios de teorizações
permanentes, sempre atentos para conectarem o local com o universal, os movimentos
instituintes da escola com as forças progressistas da sociedade.
Voltando-nos para a grande maioria das crianças e jovens brasileiros que atendem a escola,
sabemos que sua permanência nesta instituição não representa uma conquista que contribua
positivamente para sua participação cívico-política, nem para o encaminhamento de suas
questões existenciais, que se entrelaçam com aquelas outras. Mesmo assim, é difícil não
considerarmos os movimentos instituintes que vêm sacudindo a escola, com versões no
sistema público ou naquelas outras construídas por organizações sociais e políticas, como o
Movimento dos Sem Terra, o Pré vestibular de Negros e Carentes e tantas outras.
Articulados a esses movimentos sociais – intercruzando-os e transbordando-os – outras
organizações como a das mulheres, dos negros, dos gays e das lésbicas, dos jovens e dos
aposentados, vêm mostrando que não só os particularismos têm vez na contemporaneidade.
Também, vetores emergentes das ciências – principalmente – das físico-biológicas, mas
também, das sociais – encaminham possibilidades inéditas, revertendo estruturas teóricas e
liberando relações de alta complexidade, capazes de fortalecer novas lógicas e concepções
de racionalidade e de política, permeadas pela amorosidade e pela includência.
Percebemos que muito destas experiências instituintes são pouco reconhecidas e,
conseqüentemente, com uma articulação bem inferior ao seu potencial afirmativo e
encorajador. Por isso mesmo, preocupamo-nos ao destacá-las, recusando que a escola seja
homogeneizada com identificações de funcionamentos sociais e pedagógicos, os mais
obsoletos e perversos, destituindo a instituição escolar de movimentos e experiências que
vão reinventando a cultura escolar em conjunção com as tendências sociais de
reconciliação com a vida e valorização dos processos de autonomização.
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Por isso é tão importante não perder qualquer oportunidade de ir e vir “observando jardins
no chão da escola”6, o que significa resistir a tratar a escola, principalmente as periféricas,
como um “lugar sórdido,” segundo a expressão do sociólogo polonês Zygmunt Bauman,
significando a subtração violenta das condições de dignidade humana e social, para
constatar nos espaços escolares desejos, projetos que se insurgem como movimentos e
experiências coletivas que vão impregnando o processo de escolarização de um outro
sentido, contestando sem cessar velhos limites impostos desde as escolas conventuais da
idade média, tais como o “ tutelar, vigiar e punir”.
É assim que nos vamos encontrando com instituições escolares que vão tentando se
construir como comunidades educacionais, enfrentando os desafios que lhe perpassam,
empenhando-se por conciliar permanentemente as duas asas de um grande avião, como
uma metáfora do trabalho escolar, que precisam tanto decolar em seus sonhos e desejos
com que asseguram a vitalidade do futuro, como aterrissar em nossa paisagem política e
existencial de educadores, estudantes, familiares e cidadãos.
Em outras palavras, podemos dizer que, sem a conjugação e o equilíbrio entre essas duas
asas, os processos de aprendizagens e ensinos não decolam. Por isso, não podemos
prescindir de múltiplos movimentos, que convivem em dois eixos complementares, a saber:
¾o aprimoramento e a autonomia
profissional de quem faz de sua atuação diária na
escola uma fonte de aprendizagem, implicando tanto
no respeito e no
reconhecimento do potencial humano e social dos estudantes, quanto no
acolhimento, na reflexão, na pesquisa e na ação que encaminhe democrática e
pedagogicamente a problemática escolar;
¾o interesse permanente em compartilhar ações e avanços, em institucionalizar
aperfeiçoamentos, em discutir outras possibilidades viáveis para garantir uma
melhoria da escola, de sua escola, mas também de nossas escolas que constiuem o
sistema público municipal de educação.
3. Concluindo com múltiplas frestas: Experiências Instituintes na educação e na
escola
As experiências instituintes representam para nós ações políticas, produzidas
historicamente, que vão se endereçando para uma outra educação e uma outra cultura,
marcadas pela construção permanente de uma maior includência da vida, uma dignificação
permanente do humano em sua pluralidade político-ética, uma afirmação intransigente da
igualdade humana, em suas dimensões educacionais e escolares, políticas, econômicas,
sociais e culturais.
6
LINHARES, Célia et LEITE GARCIA, Regina, Observando jardins no chão da escola, in Simpósio
Internacional Crise da Razão e da Política na Formação Docente, Editora Agora da Ilha, CNPq, UFF,
2001, p.43 – 52.
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O primeiro alerta que precisamos acender é que as experiências instituintes não se
encontram sob nenhum tipo de redoma que as pudessem separar do que já está instituído.
Pelo contrário. Umas e outros estão ora juntas, ora em litígios, buscando expandir-se, ou
seja, penetrar no espaço e tempo em confronto.Assim, se as experiências instituintes
procuram desdobrar-se em movimentos criadores e estremecer o que foi organizado pela
história, o instituído também procura incorporar, o que ainda está se processando, ou seja o
instituinte.
Falamos em espaço e tempo, não por simples acaso. O espaço instituído se orgulha de sua
organização, instalada mediante percursos que vêm de um passado vencedor, que em algum
momento prevaleceram lampejos instituintes que se cristalizaram. Por isso mesmo, eles
participam de um “cortejo triunfalista”7, creditando a si mesmo o mérito de tantas vitórias.
Sustentam conhecer o que pode dar certo e tributam aos movimentos instituintes ameaças
de colocar a perder uma civilização que até agora deu certo. Deu certo?
Por sua vez, as experiências instituintes estão sempre em devir, pisando em um terreno
movediço, sem certezas e comprovações da história, mas enfrentando e infiltrando-se nas
tramas instituídas, para aproveitar frestas e contradições e, assim, afirmar a outridade.
Afinal, não podemos esquecer que, a despeito de profetas agourentos, a escola pode ser
outra, como outra pode ser a sociedade, e as próprias política e racionalidade que nos
organizam.
Sintetizando diremos que evitamos a palavra “novo” para distinguir-nos
¾de ênfase modernista endereçada ao inaugural;
¾de apelos consumistas, alimentados pelo capitalista;
E assumimos a expressão “experiências instituintes” como empenhos em afirmar formas
de conhecer e atuar na vida em que haja um crescente espaço de respeito ao cosmo e de
empatia para com os viventes, incluindo pluralidades e contrapondo-se desigualdades na
sociedade que em expansão se enriquecerá com a includência de todas e todos e inteiros.
Portanto, estas includências de que falamos, não se limitam a acréscimos, mas
¾supõem subtrações, de formas opressivas de pensar;
¾rompem com binarismo do tipo: sujeito X objeto; certo X errado; indivíduo
X sociedade; matéria X espírito; verdade X mentira;
¾interligando múltiplas linguagens, espaços, tempos e formas de subjetivação
e singularização de modo a potencializar sujeitos;
¾nutrindo aprendizagens participantes, amorosas e solidárias;
¾incluindo com os processos de autonomização a abertura para acolher
probabilidades, surpresas e, sobretudo, movimentos de curiosidade,
compartilhamento de vida e esperança nela, não nos dando tréguas no
empenho e no prazer de reinventá-la.
7
BENJAMIN, Walter – Obras Escolhidas , Volume I, São Paulo, Ed. Brasiliense, 1993.
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Vale, portanto, pedir ao leitor que nos ajude a identificar, reconhecer e construir as
múltiplas experiências instituintes que vêm aflorando no Brasil, para ajudar a interligá-las e
a mostrar sua potencialidades, como antídoto a tanta descrença tão insidiosamente
construída contra as instituições públicas e particularmente contra as escolas.
Estamos organizando com o apoio do CNPq, no Programa de Pós-graduação em educação
da UFF, um Centro de Referência sobre Experiências Instituintes em Educação e
implementando o Portal Formação de Professores e Experiências Instituintes em Educação,
com o seguinte endereço: www.uff.br/aleph
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Políticas de formação de professores e experiências instituintes