Gestores de Escolas Públicas: construindo a identidade gerencial
Autoria: Maria das Graças Santa Bárbara, Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo, Ana Lúcia Magri Lopes
Resumo
Este artigo objetivou analisar o processo de configuração da identidade gerencial de
professores que assumiram cargos de direção de escolas públicas em Belo Horizonte. Foi
realizado um estudo de caso em escolas municipais e estaduais, no qual participaram 8
gestores. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas e os dados foram analisados,
considerando as dimensões propostas por Hill (1993). Os resultados apontam uma
reconfiguração da identidade gerencial destes gestores, moldada pelo conhecimento adquirido
com suas experiências na direção, criando novas habilidades, atitudes e uma nova forma de
ser, refletir e agir, tanto na vida pessoal, quanto na carreira profissional.
Palavras-chave: identidade gerencial, identidade profissional e gestão escolar.
1 1. Introdução
Transformações vêm ocorrendo no mundo de forma veloz e progressivamente,
alterando os hábitos e o pensamento dos indivíduos, desafiando-os a trabalhar em clima de
constantes readaptações (HALL, 2006).
Sander (2002) já considerava as transformações como expressão do novo cenário
econômico, que tem como base o acesso e a utilização do conhecimento, implicando tanto
uma luta de poder pelo direito e acesso ao conhecimento científico e tecnológico, quanto uma
gestão voltada para o desenvolvimento regional e do país.
Os impactos das transformações ocorrem, também, nas políticas de educação e na
gestão escolar, proporcionando formas mais flexíveis de gestão e dando poder às
comunidades. Nesse sentido, as reformas que ocorreram no Brasil na década de 1990,
resultado de políticas neoliberais implantadas, atingiram o Estado, os serviços públicos e
impactaram a reforma educacional (OLIVEIRA; ROSAR, 2008). Assim, compreender a
instituição escolar significa enxergá-la dentro de suas relações entre as estruturas econômica,
jurídica, política, cultural e como mediadora entre as exigências do capital, na busca de
resultados eficientes em relação à educação das diferentes classes sociais (FELIX, 1984).
Soma-se a esse contexto global a “crise de identidade” vivenciada no mundo
contemporâneo, cujos impactos nos indivíduos vão também se fazer sentir no seu cotidiano de
trabalho (MACHADO, 2003). Identidade é um tema complexo por corresponder a uma visão
de mundo e por ser considerada como resultante de representação compartilhada dos
membros de uma organização e daquelas com quem ela interage, visto que a identidade se
desenvolve nessa relação social (NOGUEIRA, 2004). Dubar (2005) sintetiza bem o conceito,
afirmando que a identidade significa as diversas representações que os indivíduos elaboram
de si e dos outros, construídas na relação do indivíduo com os outros, por meio dos processos
de socialização. Daí a importância da forma com que o indivíduo vai perceber essa identidade
e de como ele vai (re)construí-la, dentro da organização em que atua como parte constituinte
de sua identidade profissional.
No âmbito da educação, as escolas brasileiras têm vivenciado desafios tanto externos
como internos, provocados por mudanças na política educacional e na gestão escolar. Para
acompanhar essas mudanças, os gestores de instituições de ensino, que são professores de
carreira e possuem autonomia limitada (CASTRO, 2011), acabam se adaptando e
incorporando novos valores (MOTTA, 1997), resultando em estresse, fadiga, entre outros
problemas, devido ao cotidiano de árduas tarefas que lhes são impostas.
Ressalte-se que o gestor escolar é responsável por coordenar os projetos políticopedagógicos da escola, além de responder por tarefas administrativas dentro de uma estrutura
burocrática, na qual o planejamento da política educacional e das atividades técnicopedagógicas cabe ao Estado (FELIX, 1984).
Diante do exposto, tem-se a seguinte problemática de pesquisa: como se processa a
configuração da identidade gerencial de gestores de escolas públicas? Pretende-se analisar o
processo de configuração da identidade gerencial de professores que assumiram cargos de
direção de escolas públicas em Belo Horizonte. Ou seja, analisar como o gestor constrói sua
identidade, a partir do momento em que sai da sala de aula – no cargo de professor e sem
conhecimento de gestão para dirigir uma escola – e como, no decorrer de sua experiência na
nova função, ele assume uma nova identidade profissional, fruto do enfrentamento de desafios
e tensões ligadas à administração de pessoal, delegação e autoridade.
2 A investigação deste tema foi desenvolvida e analisada de acordo com as dimensões
propostas por Hill (1993), que considera o processo de construção da identidade gerencial por
meio de aspectos vividos pelos gerentes durante sua atuação gerencial.
Para alcançar este propósito, utilizou-se uma pesquisa qualitativa e descritiva,
configurando um estudo de caso, no qual participaram 8 gestores de escolas públicas, sendo 4
municipais e 4 estaduais, localizadas em Belo Horizonte.
O artigo se estrutura a partir desta introdução que define o problema e o objetivo da
pesquisa. Posteriormente, apresenta-se o referencial teórico sobre gerência, gestão escolar e
identidade gerencial, destacando-se as categorias de análise desenvolvidas por Hill (1993). Na
sequência, têm-se os procedimentos metodológicos e, por fim, discutem-se os resultados,
seguido pelas considerações finais e referências.
2. Gerência e Gestão Escolar
A origem da gerência se deu no início do capitalismo industrial, quando surgiram
demandas mais refinadas das funções de planejamento, controle das rotinas de trabalho e da
gerência na produção, passando a existir uma divisão social em que as ocupações davam
status sociais diferentes (BRAVERMAN, 1981).
Para Motta (1997, p. 26) a gerência pode ser observada nas suas relações de causa e
efeito, podendo ser vista em sua imprevisibilidade e atrelada à interação humana na dimensão
do intuitivo, do emocional, considerando-a como “a arte de pensar, de decidir e de agir; é a
arte de fazer acontecer, de obter resultados”. O autor apresenta quatro tipos de habilidades
gerenciais: a cognitiva - saber categorizar os problemas administrativos; a analítica - saber
solucionar problemas com técnica e criatividade; a comportamental - comportar-se com
eficiência e eficácia, com satisfação e segurança; e a de ação - desenvolver capacidade de
interferir no sistema organizacional.
Embora a prática gerencial seja considerada de grande importância nas organizações,
diversos estudos apontam o quanto ela é complexa, repleta de dilemas, contradições e
ambigüidades (HILL, 1993; MOTTA, 1997; REED, 1997; DAVEL; MELO, 2005).
Para Reed (1997) que enfoca os níveis institucional, organizacional e comportamental,
a gestão é uma prática social. O autor analisou-a a partir de três perspectivas teóricas: a
técnica, cuja gestão é orientada para os meios que vão promover o alcance de resultados
coletivos e previamente estabelecidos, que não teriam como ser alcançados sem sua aplicação.
A perspectiva política trata dos conflitos de interesse entre os grupos que se relacionam com a
organização, dessa forma, o processo de gestão visa à regulação desses conflitos. Nessa
abordagem, percebe-se a gestão como resultante de uma dinâmica da ação humana que se
constitui como sistema político no qual acontecem as negociações de diferentes interesses. Já
a perspectiva crítica considera as estruturas e estratégias de gestão como forma de controle e
de proteção dos interesses políticos e econômicos do modo de produção capitalista. Para o
autor, a prática da gestão não pode ser vista de modo fragmentado, pois ela reúne, no
cotidiano, as três faces delineadas, o que permite compreender a gerência como uma prática
social.
Assim como Reed (1997), Davel e Melo (2005) destacam a complexidade da função
gerencial ao abordarem a importância do gestor como responsável pelo fazer dentro da
organização, pela gestão de conflitos e por mecanismos de controle. Paiva et al (2007)
concordam e sintetizam o pensamento desses autores afirmando que os gerentes lidam com
uma fragmentação de atividades que reflete o caráter contraditório e disperso dessa função.
Suas ações estão atreladas à realidade construída no tempo, a partir da socialização dos
3 sujeitos e da relação que eles desenvolvem no seu dia a dia, e seu maior desafio está na
congruência de valores e de interesses entre os indivíduos e a organização.
Já a gestão educacional não pode ser vista como uma instância isolada, mas sim,
compreendida dentro do contexto em que é inserido o sistema de educação. Oliveira (2008) e
Campos (2010) apontam que há uma conexão internacional entre as reformas educacionais
que acontecem em vários países. No Brasil, a gestão educacional é regulamentada pela
Constituição de 1988, amparada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB Lei
9394/96, dentre outras regulamentações estabelecidas nos âmbitos federal pelo Ministério da
Educação e Cultura – MEC, no estadual pela Secretaria de Estado da Educação – SEE e no
âmbito municipal pela Secretaria Municipal de Educação – SME (BRASIL, 2011).
Bordignon e Gracindo (2000, p. 154) distinguem a organização educacional das
demais organizações sociais, “pela sua finalidade; estrutura pedagógica e as relações internas
e externas que advêm de sua estrutura e pela sua produção, que em nada se parece com a
produção em série, pois trabalha as diferenças, na construção da equidade social”. Sublinham
ainda, que o paradigma emergente que fundamenta a nova concepção de educação, com um
novo tipo de gestão, diverge do modelo burocrático em que eficiência e eficácia ocupam o
centro das questões gerenciais, voltando-se para a produtividade e para o desenvolvimento de
rotinas. Assim, a formação do administrador escolar deve ser voltada para a educação, para o
pedagógico, pois ele é o cerne da função da escola.
As propostas governamentais e os debates na área de gestão escolar, têm demonstrado
mudanças no perfil do diretor escolar influenciadas pelas alterações na rotina administrativa
da escola a partir de medidas descentralizadoras propostas pelo Estado e pela União, que
sobrecarregam o diretor demandando dele características políticas e recolocações de suas
condições técnico-operacionais. As tarefas administrativas absorvem a maior parte do tempo
do diretor, além de minar o conteúdo crítico e analítico de suas atitudes, “reduzindo-o à
função de gerente, de administrador de recursos, ao contrário do que é alardeado como sendo
seu principal papel e sua função” (OLIVEIRA, 2008, p. 141).
As reformas na educação, segundo Oliveira e Rosar (2008) resultaram em certa
autonomia das escolas, mas também em uma sobrecarga de trabalho administrativo, sem dar
condições de infraestrutura aos estabelecimentos de ensino. Luck (2000) afirma que os
gestores enfrentam desafios que vão desde proporcionar uma formação mais competente e
crítica dos alunos ao estabelecimento de uma relação maior da escola com a sociedade, pois
os sistemas educacionais são organismos vivos, dinâmicos, constituídos por redes de relações
diretas e indiretas. Dessa forma, a gestão escolar deve assumir novas ações, habilidades e
conhecimentos, saindo do modelo estático e reprodutivo.
Apesar da importância da gestão escolar, Sander (2002) afirma que falta investir nos
profissionais de educação, visto que eles são responsáveis por uma educação diferenciada.
Segundo o autor, uma das tarefas mais difíceis para os dirigentes escolares é criar condições
propícias para formulação e implantação de práticas educacionais capazes de promover uma
educação de qualidade. Sander (2002) analisa a instituição educacional através de três
dimensões: analítico-pedagógica (processos de ensino e aprendizagem), organizacional
(estrutura e funcionamento da instituição) e política (relação entre a escola e o seu entorno).
Assim, o papel da administração e a função do administrador seria o de enxergar esses três
aspectos e identificar seus desafios em sua atuação.
Observa-se que, no ambiente escolar, os gestores também reproduzem concepções e
práticas administrativas clássicas, como as propostas pelo taylorismo/fordismo, além de lidar
com as dinâmicas de poder presentes na divisão social do trabalho e com a separação entre
quem pensa, planeja e decide os rumos e as metas da escola. Essas práticas, entretanto,
4 contribuem para o acirramento dos processos de hierarquização dos gestores sobre os
docentes, contribuindo para tomar do professor a condição de sujeito da práxis, considerado
por Silva e Jose (2011), como protagonista na organização do trabalho escolar, pois eles
refletem os valores e princípios estruturais da educação. Na gestão escolar, os gestores
percebem que sua condição é transitória e que esse aspecto é um elemento importante de
democratização da gestão.
2.1 Identidade e Identidade gerencial
A configuração identitária é um processo em permanente construção (HILL, 1993;
MACHADO, 2003; HALL, 2007). Para Machado (2003), o espaço de conformação do eu, ou
seja, da construção identitária, está na distância existente entre as duas faces da identidade
(pessoal e profissional). Desse modo, os relacionamentos a que o indivíduo está submetido na
organização, as experiências vividas com as relações de poder, bem como com as normas
coletivas, são importantes para a construção da identidade. Assim, as representações ligadas à
legitimação da autoridade no espaço organizacional e aquelas ligadas às finalidades do
trabalho e da organização estariam diretamente relacionadas com o autoconceito no trabalho.
Considerando o caráter mutável e temporário da identidade, Hall (2006, p. 10-13)
distingue-a em três concepções distintas: a primeira, denominada de sujeito do Iluminismo,
consiste em um ser centrado, unificado, racional, consciente e de ação, cujo “centro” é o seu
interior. A segunda concepção é a do sujeito Sociológico, da formação do sujeito na sua
relação com as pessoas. Nessa concepção, o sujeito não é autônomo, pois depende da sua
formação na relação com o outro, com a sociedade. A terceira concepção de identidade é a do
sujeito Pós-moderno, conceituado como “não tendo uma identidade fixa, essencial ou
permanente”. Assim sendo, ela “é móvel: formada e transformada continuamente em relação
às formas pelas quais os sujeitos são representados ou interpelados nos sistemas culturais que
permeiam a sociedade. É definida historicamente e não biologicamente”. O autor deixa claro
que a identidade possui caráter transitório e de transformação, e pelo fato de esta ser diferente
e, muitas vezes, conflitante, as identificações também serão continuamente deslocadas.
Por outro lado, Costa e Bratkowski (2007) entendem que o trabalho é fonte de
inserção social, tendo função e identidade reconhecida e valorizada socialmente. Brito et al.
(2008) complementam que além das identidades sociais e profissionais serem resultantes de
construções sociais, elas têm como base a trajetória individual, o processo de formação e as
relações de trabalho construídas. Assim, os autores põem em evidência a natureza
contingencial e dinâmica da identidade, nela apontando um processo em construção, “um
eterno vir a ser”.
Para Davel e Melo (2005) a identidade organizacional toma forma na inter-relação de
três pólos de identidade, quais sejam: capacidade de agir sobre o real, a busca de legitimidade
e o sentido dado. É por meio da identidade que se evidenciam e examinam as questões de
controle e suas transformações. Para os autores, os gerentes devem ser atores sociais,
políticos, subjetivos e econômicos competentes e, para que tenham bom desempenho, devem
aprender a enfrentar as tensões presentes em sua transformação gerencial.
Erickson (1976) já concebia a identidade como um processo inacabado, ao focalizar
dois de seus aspectos, a cultural e a coletiva. Considerando esses aspectos, Machado (2005)
explica que a identidade da organização orientaria a ação dos indivíduos no contexto do
trabalho. Para Machado (2005) e Rosa e Brito (2010), os fatores que contribuiriam para a
construção da identificação e da identidade organizacional seriam aqueles ligados aos
relacionamentos no processo de socialização.
5 O processo de socialização é constituído pela relação no interior de um processo
comum – a identidade instalada no social – que ocorre quando o sujeito é identificado na e
pela atividade que executa, tanto pelas instituições como pelos agentes que interagem com
ele, sendo que o sujeito pode incorporar ou não essa identificação (DUBAR, 2005). Nota-se
que esse seria um processo também de construção e desconstrução da identidade ligada ao
profissional, visto que, para o autor, a identidade nada mais é que o resultado a um só tempo,
“estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural, dos
diversos processos de socialização que, conjuntamente, constroem os indivíduos e definem as
instituições” (DUBAR, 2005, p. 136).
Para Sainsaulieu (1995) a identidade é a própria finalidade de socialização. Isso
significa que a identidade não é simplesmente definida pela experiência profissional, ela é
também um processo de diferenciação que os indivíduos enfrentam, configurando-se como
um constante trabalho criador de sua coerência pessoal. Como afirma Woodward (2007), a
identidade é relacional, pois ela depende, para existir, de algo fora dela, que a diferencie das
demais. Sainsaulieu e Kirschner (2006) consideram que a criação da identidade profissional e
social acontece nas relações de trabalho, no exercício de atividades coletivas no âmbito
organizacional. Cappelle, Fonseca e Miranda (2008) complementam que apesar das
transformações sociais impactarem na identidade do sujeito, elas não eliminam o papel do
indivíduo como sujeito nesse processo, pois o discurso social não tem a capacidade de reinar
sobre as consciências e inconsciências do indivíduo; ele tem autonomia, ele é sujeito de sua
ação.
Por outro lado, Mascarenhas (2010) explica que entre a identidade corporativa e a
individual, há uma experiência ontológica, visto que o sujeito tomaria os objetivos da
instituição como os seus próprios, incorporando-os à sua própria identidade. É o “vestir a
camisa da empresa”, é a superidentificação com a organização, em que os objetivos dessas se
confundem com os do indivíduo. Assim sendo, “gerenciar” a identidade é uma tarefa
incompleta e complexa, já que na organização os processos são contínuos e multifacetados.
Essa situação reflete a mesma encontrada por Lacombe (2002), Barros, Andrade e
Guimarães (2008) e Brito et al (2008), por considerarem que a identificação das pessoas com
a organização promove melhor desempenho e competitividade. Os esforços da gestão estão
direcionados para que os interesses e motivações dos indivíduos em relação ao trabalho
correspondam aos objetivos da organização. Também para Gontijo e Melo (2005) a
necessidade de realização e de crescimento profissional dos sujeitos está relacionada com o
nível de dedicação e sujeição desses empregados à organização, e isso denota as relações de
poder presentes nesse processo. Dessa forma, são as organizações que proporcionam
identidade institucional em longo prazo, como também continuidade e estabilidade num
mundo de incertezas (REED, 1997).
Ressalte-se que os processos de socialização vão além dos limites da empresa, pois
dependem dos valores com que esses sujeitos foram criados, de sua cultura, de sua
personalidade e amadurecimento (GONTIJO; MELO, 2005).
Para Hill (1993) o tornar-se gestor envolve uma gama de interlocuções objetivas e
simbólicas, num processo de construção que envolve cinco dimensões: aprender o que
significa ser gerente; desenvolver julgamentos interpessoais; adquirir autoconhecimento, lidar
com as tensões e emoções e, gerenciar a transformação.
A primeira dimensão inicia com o aprendizado e a percepção que os gestores possuem
das expectativas pessoais, de seus colegas, superiores e subordinados em relação ao exercício
da sua função. Eles partem de um estágio inicial mais ligado em si, às metas que deveriam
cumprir para depois perceberem as diferenças entre suas expectativas e a realidade vivenciada
6 por eles. Aprendem a pensar de forma mais ampla e estratégica ou coletiva, formando redes
de relacionamentos e dando mais importância à fixação de agendas.
Na segunda dimensão, o novo gerente desenvolve sua capacidade de julgamento
interpessoal e aprende a lidar com o exercício da autoridade, com a delegação e o controle.
Buscam a credibilidade e o comprometimento dos subordinados e percebem a importância de
considerar as diferenças de cada um, de serem flexíveis e tomar atitudes equilibradas, agindo
mais como líder.
Na terceira dimensão, eles adquirem o autoconhecimento, passam a se conhecer como
pessoas e gestores, analisando suas forças e deficiências.
Na quarta dimensão, percebem a importância de liderar pessoas em vez de tarefas e
evoluem para uma postura mais gerencial, iniciando seu processo de transformação
identitária, levando-os a lidar com as tensões da função que podem ser traduzidas pelos
conflitos, medos, ansiedades e ambiguidades do cargo, caracterizando-se como fonte de
estresse para os gestores.
Na quinta dimensão, são discutidos os meios que favorecem a transformação do
profissional executor para o profissional gestor. Portanto, a construção da identidade é um
processo permanente de aprendizagem refletindo uma prática, relacionamentos, vivência e
novos posicionamentos, numa relação circular.
Em síntese, Hill (1993) expõe que no primeiro ano no cargo, os gestores iniciam a
construção de sua identidade gerencial pela vivência de novas experiências profissionais. Eles
lutam contra as tensões e os desafios que encontram para exercer o cargo de gerência,
refletem sobre suas ações e interações abandonando atitudes e hábitos e, posteriormente,
aprendem a lidar com as emoções e tensões. Após várias reestruturações, desenvolvem uma
identidade gerencial, adquirindo novas atitudes e hábitos e experimentando novas maneiras de
ser, avaliar e pensar.
3. Procedimentos metodológicos
Esta pesquisa, de natureza qualitativa descritiva, configurou-se como estudo de caso.
Optou-se pela abordagem qualitativa, por esta permitir analisar e levantar valores e aspirações
dando melhor compreensão aos fatos (VERGARA, 2003). Este estudo teve como base os
conceitos de Godoy (1995) e Godoi, Bandeira-de-Mello e Silva (2006), que afirmam que a
perspectiva qualitativa preocupa-se com sua comunicação mediadora e formadora de
experiências e necessidades sociais, representando atos e expressões humanas.
Quanto aos fins, esta pesquisa é descritiva, pois busca conhecer e descrever a realidade
presente no campo investigado (GOLDENBERG, 1997; VERGARA, 2003). Quanto aos
meios, configurou-se como um estudo de caso, que segundo Godoy (1995), Roesh (1999) e
Vergara (2003) permite estudar os fenômenos em profundidade dentro de seu contexto.
Sjoberg et al, (1991) consideram que o estudo de casos, baseado na pesquisa de campo em
profundidade apresenta integridade própria, possibilitando examinar várias áreas relacionadas
a interação social, processos históricos e estruturas organizacionais.
Foram realizadas 08 entrevistas semiestruturadas com gestores de escolas públicas,
sendo 4 escolas estaduais e 4 escolas municipais, localizadas em Belo Horizonte-MG.
Ressalta-se que todas as entrevistas foram gravadas com o consentimento dos entrevistados e
transcritas na íntegra, preservando o ditto da fala.
O processo de análise dos dados coletados passou pelas seguintes fases de tratamento:
preparação das entrevistas transcritas segundo o roteiro de perguntas e agrupamento das
respostas de cada categoria para as respectivas questões; tabulação quantitativa propiciando a
7 identificação de componentes das respostas das entrevistadas e agrupamento de acordo com o
tema da pergunta, sintetizando o conteúdo das entrevistas. Este procedimento permitiu melhor
visualização das opiniões e dos conteúdos das respostas das entrevistadas após a sua
sistematização, considerando a frequência dos temas apontados; elaboração de uma planilha
temática a partir da interpretação inicial dos dados coletados, considerando o objetivo da
pesquisa (MELO, 2009). Essa técnica de análise de dados segue os princípios de análise de
conteúdo que tem por finalidade explicar o fenômeno em estudo a partir do ponto de vista e
da experiência dos sujeitos pesquisados (BARDIN, 2011).
Considerou-se, nesta análise, as dimensões propostas por Hill (1993), quais sejam:
aprender o que significa ser gerente; desenvolver julgamentos interpessoais; adquirir
autoconhecimento, lidar com as tensões e emoções e, gerenciar a transformação.
4. Apresentação e análise dos dados
O grupo estudado ocupa cargos públicos efetivos de professor e foram eleitos pela
comunidade escolar para exercerem o cargo de gestor, com exceção de um gestor que foi
aclamado. Há um predomínio de gestores do sexo feminino (87,5%), e quanto ao estado civil,
somente um gestor é divorciado, os demais são casados. A faixa etária varia entre 46 a 55
anos de idade, o que demonstra que são pessoas mais maduras que concorrem à eleição para o
cargo de gestor. Em relação à escolaridade, a maioria (75%) possui especialização e, os outros
25% tem apenas o ensino superior. No que se refere ao tempo de docência, 75% dos
entrevistados atuam há mais de 20 anos como professor e 25% estão entre 16 a 20 anos nessa
área, indicando sólida atuação destes profissionais.
A maioria dos gestores entrevistados (75%) ocupou cargos administrativopedagógicos antes da candidatura ao cargo de direção. Os demais (25%) não tiveram
experiência administrativa, mas se candidataram ao cargo de gestão após muito tempo
atuando como professores. Ressalta-se que todos os gestores entrevistados que atuam em
escolas municipais voltaram a se reeleger, enquanto dois gestores entrevistados de escolas
estaduais está há cinco anos no exercício da função e os outros dois tem de dez a doze anos de
gestão, uma vez que possuem permissão para exercer um mandato maior sem ter que passar
pelo processo de eleição.
Para a discussão acerca da construção da identidade gerencial dos gestores
entrevistados, utilizou-se as categorias de análise propostas por Hill (1993), quais sejam:
aprendendo o que significa ser gerente; desenvolvendo o julgamento interpessoal; adquirindo
o autoconhecimento; lidando com as tensões e emoções; gerenciando a transformação.
A categoria de análise “aprendendo o que significa ser gerente”, inicia-se com o
processo de construção da identidade gerencial dos gestores entrevistados em que eles
percebem e analisam suas expectativas pessoais e de seu grupo de trabalho em relação ao
exercício da sua função. Nota-se que as expectativas dos professores, quando almejaram o
cargo de diretor, eram a de desenvolver a parte pedagógica, considerando-se, aqui, sua
formação nessa área e a influência da realidade que eles vivem no seu dia a dia. No entanto,
houve um predomínio do interesse pessoal como, gostar de estar na direção, ser desafiado,
aumentar sua rede de relacionamentos, contar com uma melhoria funcional e salarial e julgar
ter perfil de liderança. Essa incidência dos interesses pessoais facilita a própria configuração
da identidade gerencial e, no caso dos gestores que se recandidataram e foram eleitos, pode
indicar não só uma adaptação ao cargo, como também a aprovação de sua gestão pela
comunidade escolar.
8 Senti que quando você fica muito tempo na educação e na própria
escola e você é dinâmica e tem um perfil de liderança, você vai e aí
não tem mais lugar para você a não ser na direção. (G4)
Sobre o que representa exercer o cargo de diretor escolar, os gestores entrevistados
destacaram o fato de gerenciar pessoas como significado de exercer a função de diretor, pois a
consideram não só desafio, mas também fonte de tensão por ter que saber lidar com o lado
emocional das pessoas, por isso o cuidado com a fala, o “jogo de cintura”, e o respeito à
diversidade é imprescindível.
... pra você estar num cargo desse você tem que saber, você tem que ter
um jogo de cintura grande, senão você não consegue lidar com o ser
humano. (G3)
Os gestores entrevistados consideram, também, como significado da gestão, o intenso
volume de trabalho, pois não conseguem cumprir sua agenda e extrapolam seu horário de
trabalho. Entendem que gerir a parte administrativa é cumprir obrigação e parte legal, já que
são cobrados por administrar o “caixa escolar”, função na qual não possuem nenhuma
experiência de gestão e que exige deles grande responsabilidade e demanda de tempo para
execução. No entanto, Bordignom e Gracindo (2000) lembram que embora o norte da gestão
escolar seja o pedagógico, a escola também deve ser pensada na sua concepção política.
No âmbito pessoal, exercer a função gerencial lhes agrada pela importância que o
cargo tem, por estar à frente de tudo e de serem vistos como referência. Entretanto, como é
um cargo de destaque, os gestores entrevistados sentem-se vigiados o tempo todo não só pelos
funcionários, mas também pelos professores e pelas Secretarias.
Essa movimentação (da gestão) ela é muito grande e me fascina
muito, porque a gente vê a capacidade de resolver as coisas. A gente
se torna um membro resolutivo de problemas, então para todo
problema você é a resposta, você é a ponta. [...] as pessoas cobram...
eles ficam te vigiando o tempo todo, é complicado. (G1)
Nota-se que as expectativas de toda a comunidade escolar, na visão dos gestores
entrevistados, coincidem com as deles, pois todos têm como objetivo principal as atividades
relacionadas à parte pedagógica, o que facilita o planejamento de suas metas e ameniza as
tensões dessa conciliação. Todavia, não deixam de enfrentar conflitos inerentes à
intermediação das exigências legais das Secretarias com as expectativas dos professores. Os
gestores entrevistados também perceberam, assim como se verifica no trabalho de Hill (1993),
que os conflitos, a sobrecarga de trabalho e as ambiguidades fazem parte do trabalho
gerencial.
Na categoria de análise “desenvolvendo o julgamento interpessoal”, os gestores
entrevistados lidam com o exercício da autoridade, exercendo o poder e a influência do cargo
sobre os subordinados. Aprendem que gerenciar pessoas é respeitar as diferenças, e
estabelecem credibilidade e um bom relacionamento junto aos professores, aos funcionários e
à comunidade, buscando aceitação e respeito, além de desenvolverem o comprometimento do
grupo, visando o cumprimento de metas. Enfrentam desafios no ato de delegar e controlar,
devido ao sentimento de insegurança, no entanto, a falta de delegação faz com que haja um
acúmulo de trabalho, impactando consideravelmente nos resultados.
Os gestores entrevistados relataram que possuem bom relacionamento com toda a
comunidade escolar, embora expressem o cuidado com o cumprimento da lei para evitar
denúncias quanto à forma de se relacionarem. Esse relacionamento deve ocorrer de forma
clara e objetiva, principalmente com o grupo dos professores, que além de ser corresponsável
no cumprimento das metas pedagógicas é, também, o mais crítico, devido ao fato de serem
9 mais politizados e com forte sindicalização, portanto, mais polemizados. Destaca-se que o
relacionamento com os alunos é mais descontraído, há um diálogo mais franco e mais aberto.
O gestor se sente mais valorizado, tanto por poder atendê-los, quanto por poder estabelecer
uma forma de aliança com eles.
Os alunos são os melhores que tem aqui dentro da escola... Lidar com
aluno é melhor do que lidar com os funcionários e professor. Porque
parece que eles te escutam mais, né? E eles vêm em busca de ajuda e
eles acham que eu consigo transmitir alguma coisa pra eles. (G8)
Percebe-se que os gestores entrevistados exercem a autoridade de forma diferenciada
ao lidar com os professores, pois sentem-se constrangidos por terem sido ex-colegas. Sinal
disso é a grande incidência das respostas sobre a importância de não ser autoritário, que influi
negativamente no relacionamento do grupo, de usar sempre o diálogo e buscar o consenso, já
que sua autoridade é limitada com relação aos funcionários concursados.
Tem que usar muito diálogo... O professor muitas vezes devido esse
baixo salário e tudo, ele chega armado na escola,... aí é muito diálogo
mesmo, muito carinho, saber conversar... (G5)
Como eu trabalho aqui há muitos anos a gente tem um vínculo
grande,... de amizade, daquele entendimento... então, a gente consegue
separar as coisas, a direção, a pessoa e o professor... A gente consegue
fazer esse relacionamento profissional. (G3)
Na dimensão “adquirindo o autoconhecimento”, os gerentes passam a se conhecer
como pessoas e como gestores, começam a analisar suas forças e deficiências e a refletir sobre
o seu “eu” profissional. Neste contexto, os gestores entrevistados entendem de forma unânime
que a característica fundamental de um gestor é ser bom articulador. Suas forças e
deficiências podem ser analisadas pela forma como estes gestores lidam com as dificuldades e
facilidades que encontram no exercício da função gerencial. Os gestores entrevistados
atribuem a facilidade de sua gestão às parcerias estabelecidas, conforme observado na
literatura por Luck (2000) e Sander (2002, outras facilidades estão atreladas à interação com
os diversos segmentos da escola - como aquele que possuem com professores, coordenadores
e funcionários - à infraestrutura, ao conhecimento adquirido na área acadêmica e às
características que possuem e que os auxilia no exercício da função.
As dificuldades relatadas pelos gestores entrevistados relacionam-se a fatores internos
e externos que não estão sob o controle da Instituição escolar, mas dos órgãos superiores a
ela, como a burocracia na demanda de processos e de liberação de obras essenciais à escola.
Dificulta a cooperação das pessoas para resolver as coisas da escola.
Isso é difícil porque muitos entendem que era a Prefeitura que havia
pedido, que era propaganda para o prefeito, aí não quiseram entrar no
projeto e poucos entraram... mas não é assim, a Prefeitura somos nós,
não pode pensar por aí. (G1)
O maior dificultador registrado no exercício da gestão dos entrevistados encontra-se
no relacionamento interpessoal dentro da escola. Percebe-se, pelas colocações dos gestores
entrevistados, que há uma resistência por parte dos professores em relação às decisões
tomadas pelo diretor. Esses embates provocam juízos de valores e criam situações que os
levam a se autoavaliarem e crescerem como gestores.
Percebe-se que o relacionamento pessoal, que era considerado como facilitador na
criação de parceiras, também pode estar relacionado como dificultador, pela falta de
cooperação de funcionários como um todo. A infraestrutura, também pode ser considerada de
ambas as formas, ora por facilitar o desenvolvimento dos projetos acadêmicos escolares, ora
10 por dificultar quando os gestores têm que se envolver com a liberação de obras necessárias à
estrutura da escola.
Quando inquiridos sobre o nível de autonomia como diretor, a maioria dos gestores
entrevistados respondeu que esta, geralmente, nunca é completa, visto que, na realidade,
cumprem ordens. Na área financeira falta autonomia por esta sofrer grande controle das
Secretarias, pois há regras estabelecidas que, repassadas no início da gestão, determinam
como lidar com o “caixa escolar”. Além disso, as verbas que vêm do Estado são carimbadas e
o dinheiro não pode ser gasto com outra necessidade da Instituição. Essa falta de autonomia
operacional limita os gestores, já que precisam do financeiro para subsidiar os projetos
acadêmicos que desejam implantar, e mesmo efetuar gastos eventuais que não podem
aguardar os trâmites burocráticos ligados à administração do financeiro, fazendo com que os
gestores ponham a “mão no bolso”.
Não há autonomia financeira... Porque a verba vem específica para
aquilo.... Então a parte financeira de uma escola é o que mais frustra
um diretor... Todo diretor põe a mão no bolso, eu desconheço aquele
que não põe. (G7)
Os gestores entrevistados queixam-se, também, sobre a falta de autonomia para
demitir professor, funcionário efetivo ou mesmo retirar um aluno da escola. A autonomia
pedagógica, embora mencionada pelos gestores como sendo a única que realmente possuem, é
atrelada ao cumprimento da lei, tendo em vista que ela foi feita “dentro da legislação”.
Mesmo assim, sentem prazer em administrar e se identificam com a profissão.
Sentem-se realizados em ver o bom andamento da escola, do projeto pedagógico e a
realização de metas e projetos. A maioria dos gestores entrevistados alega que só deixaria a
função no caso de aposentadoria. Como os gestores passam grande parte de sua vida na
mesma escola, é nela que os mesmos processam suas interações sociais, formando nesse
ambiente a construção de si, como expõe Machado (2003). Portanto, a identidade profissional
acontece na construção do “eu” pela atividade que o sujeito realiza e, também, pelas pessoas
com as quais interage nesse ambiente de trabalho (MACHADO, 2003).
Na dimensão “lidando com as tensões e emoções”, os gestores entrevistados, no
exercício de sua função gerencial, também, experimentam e enfrentam as tensões cotidianas
ligadas à nova transformação profissional. A consciência de que devem responder sozinhos
pela direção colabora com o isolamento que sentem e é considerada por eles como um ônus,
assim como a perda do convívio familiar. A administração do caixa escolar é outro ponto de
tensão, assim como a sobrecarga de trabalho, a escassez do tempo e de recursos. Esta
configuração identitária vai exigir destes gestores o aprendizado contínuo advindo das
experiências cotidianas que enfrentarão ao longo da sua trajetória como gestor e que, muitas
vezes, se estabelecem de forma ambígua e conflituosa (HILL, 1993; DAVEL; MELO, 2005).
Tensão de dar conta das coisas, tem dia que eu acho que estou
elétrica... Diretor faz mil coisas ao mesmo tempo, não tem jeito!...é
essa correria, é pesado. Eu sinto essa pressão, esse “afobamento”...
Então, assim, essa pressão de ter que dar conta das coisas, desse
mundo de trabalho rápido e você tem que ser rápida e eficiente. (G4)
A dimensão “gerenciando a transformação, trata dos meios que favorecem a
transformação do profissional executor para o profissional gestor, através de experiências
vividas no cotidiano e aquelas que possuíam anteriormente, assim como as relativas à rede de
relacionamentos em que estavam inseridos. Como referências de modelo de competências e
valores gerenciais, os ex-diretores das escolas pesquisadas foram lembrados por 75% dos
11 gestores entrevistados. Pode-se inferir que estes buscam estruturar suas ações em
conformidade também com os valores da Instituição como forma de serem reconhecidos.
Foi a primeira diretora que eu vi... que fez uma diferença muito
grande na minha vida. A pessoa dela impunha respeito. Ela nunca foi
autoritária, ela sempre exerceu a autoridade dela com o olhar, com a
postura dela, e com a fala baixa... Ela dava notícia de tudo, então ela
delegava, mas monitorava, inclusive a minha pessoa. (G7)
Quanto à construção da trajetória profissional do cargo de professor para o cargo de
gestor, os entrevistados relataram que esta se deu por meio das experiências adquiridas no dia
a dia. Ressaltam, porém, que não houve investimento em formação e/ou capacitação e que
tiveram que ser dedicados para buscar cursos na área, informações sobre legislações, e
conhecer melhor as experiências dos diretores anteriores e atuais. Relataram que o espírito de
liderança e organização contribuiu neste processo.
É, eu não tive formação, não acredito que meus colegas tiveram, e a
gente vai perguntando e vai fazendo, entendeu? [...] Eu tenho essa
questão do desafio, eu fui ser diretora, e ninguém sabe ser diretor,
você aprende... a gente não sabe... (G4)
Aprende-se no dia a dia, nos relacionamentos, a gente aprende
querendo aprender, a gente aprende querendo mudar, fazendo
autoanálise, refletindo, sempre refletindo suas ações. Se você não
refletir suas ações você não vai exercer o cargo... Isso não é fácil não,
ter entendimento, você tem que esquecer suas velhas ações... (G3)
Observa-se pelos depoimentos, que os gestores entrevistados configuraram uma
identidade gerencial, mas terão que lidar com o caráter transitório e de transformação da
identidade; como lembra Hall (2006), o sujeito pós-moderno sobrevive com as construções e
reconstruções de sua identidade múltipla e fragmentada captada do mundo que ele vive.
5. Considerações finais
Este estudo teve como objetivo analisar o processo de configuração da identidade
gerencial de professores que assumiram cargos de direção de escolas públicas em Belo
Horizonte. Foi realizado um estudo de caso em escolas municipais e estaduais, no qual
participaram 8 gestores. A coleta de dados deu-se por meio de entrevistas semiestruturadas e
os dados foram analisados, considerando as dimensões propostas por Hill (1993).
A trajetória dos gestores entrevistados inicia-se com a vontade de ser gestor, traduzida
pela participação destes no processo eleitoral. Neste momento, os gestores começam a
perceber seu novo papel, avaliar o exercício da sua função e entender as expectativas da
comunidade escolar quanto à sua gestão. Constatou-se, também, que os gestores entrevistados
são motivados, inicialmente, por questões pessoais ligadas à gestão, quais sejam: gostar de
gerir e conseguir vantagens financeiras e funcionais por meio do cargo. Somam-se a estas, a
construção de projetos pedagógicos que visam à melhoria do ensino e à ampliação das
instalações da escola. Destaca-se que as expectativas pedagógicas dos gestores entrevistados
coincidem com aquelas esperadas pela comunidade escolar e, isso, contribuiu não só com a
construção de metas, mas com a identificação dos gestores com a função.
Todavia, os gestores entrevistados não atentaram para a burocracia relacionada à
aprovação dos projetos, bem como para a lentidão da realização das obras e da falta de
autonomia em sua gestão deixando-os frustrados, pois se sentem como meros cumpridores de
normas.
12 No que tange a (falta de) autonomia financeira, esta deixa a desejar, pois a verba é
carimbada e todas as demandas devem passar pelo colegiado para serem aprovadas
posteriormente. As compras realizadas através do “caixa escolar” são cheias de regras e
bastante monitoradas pelas Secretarias.
Observou-se, ainda, que logo após assumir a função, os gerentes entrevistados
começam a desenvolver sua capacidade de julgamento interpessoal mediante o enfrentamento
de dificuldades e desafios, advindos do excesso de tarefas administrativas que não faziam
parte de seus planos. Cotidianamente, ultrapassam o horário de trabalho e, ao se dedicarem à
escola também nos finais de semana, comprometem negativamente o relacionamento familiar.
Assim, as atividades diárias dos gestores entrevistados tornam-se complexas, pois sentem-se
como “resolvedores de problema”, não conseguem cumprir agenda de trabalho por serem
consumidos pela rotina diária.
O relacionamento interpessoal foi apontado pelos gestores entrevistados como um
espaço contraditório, pois ele pode tanto facilitar como também dificultar a gestão, além do
absenteísmo, principalmente dos professores, e da burocracia. Importa lembrar que o fato de
os gestores serem eleitos também por seus pares, facilita a gestão, por um lado – pois eles têm
uma visão pedagógica ampla e conhecem os problemas da escola –, ao mesmo tempo em que
dificulta, posto que fragiliza a autoridade necessária junto aos professores e funcionários, que
anteriormente eram seus colegas de trabalho.
Os gestores entrevistados demonstraram frustração, também, por não terem condições
de conduzir um bom projeto pedagógico e por não poderem contar com uma equipe de
trabalho alinhada e comprometida com os objetivos propostos, haja vista que os professores
concursados não podem ser demitidos. Dessa forma, para que os objetivos sejam cumpridos,
faz-se necessário que estes gestores tenham jogo de cintura e um grande poder de articulação,
pois o que se percebe é uma autonomia controlada dentro da legislação.
Assim, o maior desafio que os gestores entrevistados enfrentam no exercício da função
gerencial, está relacionado à gestão de pessoas, mais precisamente no que concerne ao
exercício da autoridade, da delegação e do controle. Entendem que para exercer a gestão, no
âmbito das escolas públicas pesquisadas, devem agir com bom senso e firmeza, ter boa
oratória e argumentação, não sendo autoritários, ou seja, buscando a construção de acordos
através do convencimento, da negociação e do diálogo, criando parcerias e buscando a
cooperação por meio delas. Percebe-se que a delegação e o controle são práticas difíceis de
serem trabalhadas pelos gestores entrevistados, o que contribui para o aumento de suas
atividades e do conflito com os funcionários, que percebem a falta de confiança destes, no
trabalho que executam, criando, em muitos casos, resistência.
Na dimensão proposta por Hill (1993) sobre o confronto do lado pessoal do
gerenciamento que engloba o autoconhecimento e a forma de lidar com as tensões e as
emoções, pode-se observar que os gestores entrevistados, adquiriram grande conhecimento de
si a partir dos desafios e tensões que enfrentaram, tendo melhor ciência de suas habilidades,
motivações e satisfações, promovendo seu desenvolvimento pessoal e favorecendo a busca de
solução de problemas e conflitos, por meio de uma gestão mais democrática.
É possível inferir que os gestores entrevistados construíram sua identidade gerencial a
partir das experiências que vivenciaram no seu dia a dia, no exercício do cargo de direção.
Confirma, também, esta configuração identitária pela vontade que expressaram de assumir o
cargo, bem como de se reelegerem, por meio da rede de relacionamentos que desenvolveram,
fazendo com que tivessem o apoio da comunidade, e pela confiança relacionada ao tempo que
estão no cargo. Observa-se, pelo envolvimento destes gestores, a identificação com a
13 Instituição na qual estão inseridos, por incorporarem os seus valores, sentindo-se socializados
e agindo como parte da organização.
Embora os gestores entrevistados se sintam intimamente ligados à Instituição, esse
processo se renova devido ao caráter ambíguo e conflituoso da atividade gerencial. Como
afirma Hall (2006), a identidade possui um caráter mutável e temporário, é um processo
contínuo de construção. A interrupção desse processo, entretanto, causa sofrimento aos
gestores entrevistados, seja com o fim do mandato e a consequente volta à sala de aula ou
mesmo com a aposentadoria por tempo de contribuição. Talvez, o fato de estes gestores
deixarem para exercer o cargo de direção no final de sua carreira, seja para evitar essa ruptura.
Este estudo se faz relevante em sua contribuição para as pesquisas científicas sobre
identidade gerencial, por se tratar de um ambiente com características singulares como o
escolar público, podendo servir de aporte para investigações futuras.
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