A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA SOB O OLHAR DE MULHERES DE COMUNIDADES POPULARES URBANAS Michelle Miranda Santana1 Karla Maria Damiano Teixeira2 Michele Morais Oliveira3 Priscila Rezende Cardoso Oliveira4 Adriana Mayrink Linhares5 Cristina Teixeira Lelis6 Márcia Cristina de Paiva Freitas7 Ana Paula Nery Rosado8 Luciana Soares de Morais9 Rua Antonio Torres, 192, ap. 21, Ramos, Viçosa-MG. Cep. 36570-000 (31) 8635 9758 [email protected] RESUMO Situações de pobreza e exclusão social estão intimamente ligadas à existência da violência doméstica, principalmente contra a mulher. Dessa forma, o presente artigo propôsse a analisar as representações sociais da violência doméstica de mulheres de baixa renda. A amostra foi composta por oito mulheres, residentes em bairros periféricos de Viçosa-MG. A abordagem qualitativa foi escolhida como perspectiva metodológica e como técnicas de coleta de dados foram utilizadas o questionário e o grupo focal. Os dados foram categorizados com o apoio do software MAXqda e submetidos à análise de conteúdo. Constatou-se baixa 1 Graduanda em Economia Doméstica/ Universidade Federal de Viçosa. Professora Adjunta do Departamento de Economia Doméstica da Universidade Federal de Viçosa. Orientadora da Pesquisa 3 Mestre em Economia Doméstica/ Universidade Federal de Viçosa, linha de pesquisa ‘Bem estar social e qualidade de vida’. Bolsista de apoio técnico à pesquisa/ CNPq. 4 Graduanda em Economia Doméstica/ Universidade Federal de Viçosa. Bolsista de iniciação científica FAPEMIG. 5 Graduanda em Economia Doméstica/ Universidade Federal de Viçosa. 6 Graduanda em Economia Doméstica/ Universidade Federal de Viçosa. Bolsista de iniciação científica CNPq. 7 Graduanda em Economia Doméstica/ Universidade Federal de Viçosa. 8 Bacharel em Economia Doméstica/ Universidade Federal de Viçosa. 9 Bacharel em Economia Doméstica/ Universidade Federal de Viçosa. 2 escolaridade dessas mulheres e o predomínio de famílias nucleares. As representações sociais dessas mulheres sobre violência doméstica exprimem ações e condutas agressivas vivenciadas por elas. Neste sentido, o desenvolvimento de ações nas áreas de educação e cultura, em comunidades de baixa renda, deve objetivar educação para a cidadania e “empoderamento” dessas famílias, de forma a reduzir a exclusão social e os índices de violência. Palavras-Chave: Violência Doméstica; Gênero; Exclusão Social. 1. INTRODUÇÃO A violência doméstica pode ser definida como qualquer tipo de abuso físico, sexual ou emocional praticado por um parceiro contra o outro ou ainda contra crianças e/ou idosos, no ambiente doméstico (ZILBERMAN; BLUME, 2005). Apesar de a violência doméstica ser um fenômeno antigo e persistente, somente passou a fazer parte das estatísticas nacionais no final do século XX. Sendo assim, Soares (2006) destaca que, neste período, do total de casos de violência doméstica, 63% das vítimas eram mulheres. Narvaz e Koller (2006) afirmam que no início do século XXI, 23% das mulheres brasileiras ainda estão sujeitas à violência doméstica. Mesmo assim, há carência de estudos populacionais sobre a violência baseada em gênero, o que impossibilita um melhor conhecimento sobre esse fenômeno (DANTAS-BERGER; GIFFIN, 2005). Adeodato et al. (2005) afirmam que a violência contra a mulher é um problema social e de saúde pública. Day et al. (2003) mencionam que, em todo o mundo, pelo menos uma em cada três mulheres já foi espancada, coagida ao sexo ou sofreu alguma forma de abuso durante a vida, sendo o agressor, geralmente, um membro de sua própria família. Para Dias (s.d..), situações de pobreza e exclusão social estão intimamente ligadas à existência da violência doméstica. Kronbauer e Meneghel (2005) destacam que a pobreza familiar e o baixo nível masculino de instrução predizem os maus tratos físicos à mulher. Entre os fatores associados ao risco de violência doméstica contra as mulheres incluem-se os baixos salários e as pressões econômicas. Além disso, os homens desempregados são mais violentos com suas esposas e filhos. Dessa forma, os sinais de exclusão social estão associados a maiores prevalências das agressões. Apesar de a violência doméstica não ser propriedade característica das classes sociais mais empobrecidas, é nelas onde sua incidência é mais elevada (FORTES, 2006). Adeodato et al. (2005) destacam que a mulher agredida, na maioria dos casos, é jovem, apresenta baixa escolaridade e se situa em classe social mais baixa. Sendo assim, problematiza-se que, sendo a violência doméstica característica das classes sociais mais baixas, as mulheres entenderão essas praticas como naturalizadas ou próprias da sociedade em que vivem. Essa problemática deu origem ao objetivo geral deste trabalho, que compreendeu em analisar as representações sociais da violência doméstica de mulheres de baixa renda e entender as formas como elas elaboram esse conhecimento e como convivem com esse problema em seu cotidiano. 2. REFERENCIAL TEÓRICO Para uma melhor compreensão, o referencial teórico está subdividido nos seguintes temas: violência doméstica, mulheres e pobreza; causas e conseqüências da violência doméstica e a Teoria das Representações Sociais. 2.1 Violência Doméstica, Mulheres e Pobreza A violência doméstica é um fenômeno tão antigo quanto a pobreza, apesar de ser recente seu reconhecimento enquanto problema social (DIAS, s.d.). Day et al. (2003, p. 10) afirmam que a violência doméstica é um problema complexo e árido e a definem como: “Toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de um membro da família. Pode ser cometida dentro ou fora de casa, por qualquer integrante da família que esteja em relação de poder com a pessoa agredida. Inclui também as pessoas que estejam exercendo as funções de pai ou mãe, mesmo sem laços de sangue”. O Ministério da Saúde (2001) destaca quatro formas de violência doméstica: física, psicológica, negligência e sexual. Para Day et al. (2003), a violência física ocorre quando alguém causa ou tenta causar lesões por meio de força física ou de algum tipo de arma ou instrumento. A violência psicológica inclui qualquer ação ou omissão que causa ou visa causar dano à auto-estima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa. A negligência é a omissão de responsabilidades de um ou mais membros da família em relação a outro, sobretudo àqueles que precisam de ajuda por questões de idade ou alguma condição física, permanente ou temporária. Já a violência sexual é toda ação na qual uma pessoa, em situação de poder, obriga uma outra à realização de práticas sexuais, utilizando força física, influência psicológica, uso de armas e/ou drogas. Estas formas de violência não ocorrem de forma isolada. Qualquer que seja a forma assumida pela agressão, a violência psicológica está sempre presente (SAFFIOTI, 1999). Ainda de acordo com Saffioti (1999), a expressão “violência doméstica” é muito utilizada como sinônimo de “violência familiar” e, freqüentemente, como “violência de gênero10”, o que reflete a violência contra a mulher perpetrada por seu parceiro íntimo. Segundo a Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1993, citada por Dantas-Berger e Giffin (2005), a violência contra a mulher é qualquer ato de violência de gênero que resulte, ou tenha probabilidade de resultar, em prejuízo físico, sexual ou psicológico, ou ainda sofrimento para as mulheres, incluindo também a ameaça de praticar tais atos, a coerção e a privação da liberdade, ocorrendo tanto em público como na vida privada. A violência de homens contra as mulheres pode ser interpretada como fruto de uma cultura de dominação masculina. Todas as formas de violência contra a mulher destroem, aos poucos, o auto-respeito e a auto-estima desta (AMARAL et al., 2001a). A violência contra as mulheres é diferente da violência interpessoal em geral. Os homens têm maior probabilidade de serem vítimas de pessoas estranhas ou pouco conhecidas, enquanto as mulheres têm maior probabilidade se serem vitimas de membros de suas próprias famílias ou de seus parceiros íntimos (DAY et al., 2003). Nesse contexto, Amaral et al. (2001b) afirmam que, no Brasil, estima-se que, a cada quatro minutos, uma mulher seja agredida, sendo que em 85,5% dos casos de violência contra mulheres, os agressores são seus parceiros. Kronbauer e Meneghel (2005) ressaltam que, em seus estudos, constataram maior prevalência de violência doméstica entre as mulheres mais pobres, as quais consultam os serviços de saúde três vezes mais que as demais e que o número de consultas cresce proporcionalmente à gravidade das agressões. Nesse sentido, vale destacar a definição do termo “pobreza”, proposto pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO (2007), que relaciona a violência à pobreza: 10 Gênero é um conceito das Ciências Sociais utilizado para análise e compreensão da desigualdade entre o que é atribuído à mulher e ao homem. Dessa forma, os papéis de gênero são ensinados a cada pessoa como próprios da condição de ser homem ou mulher (GOMES, 2002). Dessa forma, é de fundamental importância compreender que a violência no âmbito doméstico tem íntima relação com questões de gênero, onde há dominação do homem e inferioridade da mulher (CREPSCHI, 2005). “Um fenômeno amplo que se refere à estrutura de bem-estar e de participação no cotidiano social e engloba diversos elementos, não somente relacionados à falta de recursos como a desigualdade na distribuição de renda, mas também a vulnerabilidade, a exclusão social, a violência, a discriminação, a ausência de dignidade, etc.” (grifo nosso). 2.2 Causas e Conseqüências da Violência Doméstica No que se refere às causas da violência, Santana (2004) destaca que existem opiniões variadas. Este autor destaca que Durkheim acredita que a violência é um sintoma do funcionamento ineficiente das instituições sociais, ou falhas nos processos de socialização das pessoas. Enquanto outros opinam que a violência tem causas difusas, como racismo, intolerância, desigualdades sociais, processos de exclusão, ineficácias da lei, impunidade, omissão do Estado entre outras. E quanto às causas da violência contra a mulher, Day et al. (2003) destacam que muitos pesquisadores consideram a interação de diversos fatores pessoais, situacionais e socioculturais que se combinam para provocar o abuso. Como fatores pessoais do agressor, destacam-se: ser homem; ter presenciado violência conjugal quando criança; ter sofrido abuso na infância; ser consumidor de bebidas alcoólicas e drogas e ter sintomas depressivos. Quanto aos fatores situacionais, tem-se: conflito conjugal, controle masculino da renda e da tomada de decisões na família. No que se refere aos fatores socioculturais, tem-se: pobreza, desemprego; associação a amigos delinqüentes; normas socioculturais que concedem aos homens o controle sobre o comportamento feminino; aceitação da violência como forma de solução de conflitos; conceito de masculinidade ligado à dominação, honra ou agressão e papéis rígidos para ambos os sexos. Depois de passarem a ser vítimas de violência doméstica, muitas mulheres iniciam o uso de medicamentos ansiolíticos e anti-hipertensivos. Dados da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais, mostram que o uso de medicamentos soníferos é 40% maior nas mulheres que vivem em situação de violência conjugal do que nas mulheres em uniões não violentas (ADEODATO et al., 2004). Day et al. (2003) menciona que as seqüelas psicológicas da violência doméstica são ainda mais graves que seus efeitos físicos. Essa experiência destrói a auto-estima da mulher, expondo-a a um risco mais elevado de sofrer problemas mentais, como depressão, fobia, estresse pós-traumático, tendência ao suicídio e consumo abusivo de álcool e drogas. As mulheres, ao sofrerem violência por parte de seus maridos ou companheiros, expressam descontentamento por se sentirem como objetos ou seres sem autonomia. E quanto mais elas tentam romper com padrões tradicionais de domesticidade e passividade, mais os conflitos se agravam, ocasionando em um rompimento da relação, sendo este demorado e traumático (DANTAS-BERGER; GIFFIN, 2005). Nesse sentido, Day et al. (2003) afirmam que, infelizmente, após o término da relação, a violência pode continuar ou até se agravar. 2.3 A Teoria das Representações sociais A Teoria das Representações Sociais centra seu olhar sobre a relação entre sujeitoobjeto, e, ao fazer isso, ela recupera um sujeito que, através de sua atividade e relação com o objeto-mundo, constrói tanto o mundo quanto a si mesmo. Tanto a cognição como os afetos que estão presentes nas representações sociais encontram sua base na realidade social (GUARESCHI; JOVCHELOVITCH, 2002). As representações sociais são manifestas de acordo com o modo como as pessoas apreendem a vida cotidiana, ou seja, nos saberes expressos por elas sobre a realidade e sobre sua interação com os outros (OLIVEIRA; WERBA, 1998). Moscovici (1978) destaca que as representações sociais são conjuntos dinâmicos, seu status é o de uma produção de comportamentos e de relações com o meio ambiente, de uma ação que modifica aqueles e estas, e não de uma reprodução desses comportamentos ou dessas relações, de uma reação a um dado estímulo exterior. Para Spink (1995), as representações sociais acontecem em todas as ocasiões e lugares onde as pessoas se encontram informalmente e se comunicam. Essas representações fazem parte da vida em sociedade. Minayo (2002) acredita que as representações sociais se manifestam em palavras, sentimentos e condutas, se institucionalizando. Sua mediação privilegiada, porém, é a linguagem, tomada como forma de conhecimento e interação social. Para a autora, a realidade vivida é também representada e, através desta, os atores sociais se movem, constroem sua vida e explicam-na mediante seu estoque de conhecimentos. Madeira e Pessoa (2003) destacam a afirmação de Abric (1998), de que o sucesso da Teoria das Representações Sociais está relacionado a uma nova visão de mundo, renovando o interesse geral pelos fenômenos e especialmente pelas regras que regem o pensamento social. Nesse contexto, Monteiro et al. (1999) afirmam que as representações sociais acerca da violência doméstica são constituídas por aspectos psicossociais, presentes nesse fenômeno social. Sendo estes: alcoolismo, precárias condições socioeconômicas, baixo nível de escolaridade, dentre outros. 3. METODOLOGIA O presente estudo foi realizado na cidade de Viçosa, localizada na região da Zona da Mata do estado de Minas Gerais. Segundo dados do IBGE (2007), publicados no Diário Oficial da União em outubro deste mesmo ano, a cidade possui, em média, 70401 habitantes. Segundo Souza e Pinto (2007), Viçosa possui sérios problemas econômicos e sociais tais como estagnação econômica, pobreza, desigualdades sociais e altos índices de desemprego. Possui um índice de exclusão social de 0,565; índice de desigualdade de 0,216; e índice de desemprego formal de 0,16211 (POCHMAN; AMORIM, 2004). A população alvo da pesquisa se constituiu de mulheres residentes em três comunidades populares urbanas de Viçosa-MG, Barrinha, Cidade Nova e Amoras, onde são desenvolvidas as atividades do Programa CooperAção Social12. Para compor a amostra, foram convidadas, para participarem da discussão em grupo, todas as participantes assíduas das oficinas de capacitação oferecidas na comunidade. Dessa forma, a amostra foi composta por oito (8) mulheres. A idade variou de 25 a 70 anos. Quanto ao estado civil, 5 eram casadas, 2 solteiras e 1 em união estável. No que se refere à escolaridade, 3 possuíam Ensino Fundamental incompleto; 2 o Ensino Médio incompleto; 1 o Ensino Médio completo; 1 o Ensino Fundamental; e, 1 o Ensino Superior. Apenas uma delas freqüentava a escola na época da pesquisa. Quanto à ocupação, quatro estavam desempregadas, três possuíam trabalho fixo com carteira assinada e, uma era aposentada. A renda das mulheres que trabalhavam variou de 0,63 a 1 e ½ salários mínimos13, sendo a renda média 1,05 salários mínimos. A maioria das famílias era nuclear14 (6) e a média de membros por família foi de 3,75. Dentre as famílias em questão, metade (4) estava em fase de dispersão, ou seja, com os filhos já adultos; duas em fase de maturação, com filhos pré-adolescentes; e, duas em fase de formação, ou seja, com filhos ainda crianças ou com a mãe em estado de gestação. A abordagem qualitativa foi escolhida como perspectiva metodológica para esta pesquisa, considerando a natureza do estudo, que pressupõe o contado direto do pesquisador com a realidade estudada. 11 O índice considerado ideal para estes itens seria igual a 1 (POCHMAN; AMORIM, 2004). O Programa Cooperação Social, em andamento desde 2005 no município de Viçosa-MG, articula projetos de pesquisa e intervenção social (extensão). Promove ações educativas com vistas ao aumento da escolaridade, da capacitação e atualização técnica e da geração de trabalho e renda por meio de cooperativas de produção autogeridas, concorrendo para melhoria da qualidade de vida das famílias atendidas. 13 O salário mínimo vigente à época da pesquisa era de R$ 380,00. 14 Considerou-se neste trabalho família nuclear como sendo a família composta por pai, mãe e filhos. 12 Como técnicas de coleta de dados foram utilizadas o questionário, com perguntas objetivas e subjetivas e a técnica do grupo focal, com um roteiro semi-estruturado. Neto et al. (2002) definem Grupo Focal como: “uma técnica de pesquisa na qual o pesquisador reúne, num mesmo local e durante um certo período, uma determinada quantidade de pessoas que fazem parte do público-alvo de suas investigações, tendo como objetivo coletar, a partir do diálogo e do debate com e entre eles, informações acerca de um tema específico”. As falas do grupo focal foram gravadas, sob permissão das participantes, com o uso do aparelho MP3 Player e, posteriormente, transcrito na íntegra, preservando-se o anonimato das participantes. Depois de transcrito, o texto foi codificado e analisado utilizando-se o software MAXqda (Software for Qualitative Data Analysis). Para interpretação dos dados utilizou-se a análise de conteúdo, que para Bauer e Gaskell (2002), “é uma construção social”. 4. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DAS MULHERES SOBRE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA Nas representações que as mulheres têm da violência doméstica, verificou-se um discurso permeado por atributos físicos e simbólicos. Os atributos físicos foram evidenciados pelo espancamento e agressão física. Nesse contexto, Day et al. (2003) afirma que a agressão física é a mais freqüente, e que varia de uma “palmada” a espancamentos e homicídios. “Eu acho assim, é quando um casal, um agride o outro. Ou, seja o pai ou a mãe espanca o filho, isso aí é tudo violência doméstica” (Casada, 25 anos, Ensino Médio Incompleto). Os atributos simbólicos expressos pelas mulheres referem-se à agressão verbal. Nesse sentido, Rusche (S.D..) afirma que a violência doméstica não se manifesta apenas por meio de agressões físicas, pois muitas sofrem com os maus tratos causados pela violência psíquica, como xingamentos, ofensa à conduta moral e ameaças. “Mas também não é só bater que é violência. Tem palavras que agridem muito uma pessoa, o jeito que você fala, o tom de voz que está falando. Quando xinga, um xingando o outro. Isso tudo é violência” (Solteira, 26 anos, Ensino Superior Completo). Day et al. (2003) fazem destaque a esse tipo de agressão e a denominam “violência psicológica”, sendo esta uma forma subjetiva que deixa profundas marcas, podendo comprometer toda a vida mental: “Mas, às vezes, uma pessoa fala uma coisa que a gente não esquece nunca na vida” (Amigada, 30 anos, Ensino Médio incompleto). Sobre os motivos que levam à violência doméstica, foi destacado, com maior freqüência, o uso de bebidas alcoólicas. “É mais a bebida, bebida que faz brigar (…)” (Casada, 32 anos, Ensino Fundamental incompleto). “... o causador mais da confusão é a bebida mesmo (...), porque a pessoa quando bebe descontrola tudo” (Casada, 25 anos, Ensino Médio incompleto). Assim, Zilberman e Blume (2005) afirmam que homens violentos possuem índices mais altos de alcoolismo em comparação àqueles não violentos. Eles mencionam ainda estudos que identificaram índices alcoolismo de 67% e 93% entre maridos que espancam suas esposas. O autoritarismo foi apontado como uma das causas da violência. Porém, é importante ressaltar que o autoritarismo, por si só, é uma forma de violência, pois retira o espaço do diálogo e do respeito, ratificando o servilismo e a dominação. “Eu acho que é falta de diálogo né? (...) Tem gente que já vai batendo, não tem diálogo” (Solteira, 26 anos, Ensino Superior completo). Segundo Saffioti (1994), no ano de 1992, ao ser instaurada a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a violência contra a mulher, foi constatado que a principal causa de sua ocorrência, no ambiente doméstico era a não disponibilidade cotidiana da mulher para satisfação dos desejos de sexo do parceiro. Isso foi mencionado por uma participante da pesquisa como mostra a fala a seguir: “Eu acho que, às vezes, eles brigam (...) porque o homem você já viu. A parte sexual do casamento pra ele é tudo, então às vezes, dentro de casa não tem, às vezes demora, aí ele vai e procura fora e acaba em pancadaria” (Amigada, 30 anos, Ensino Médio incompleto). Dantas-Berger e Giffin (2005) também destacam que, em muitos casos, o sexo é um dos motivos mais freqüentes para instalação da violência doméstica. Sobre a questão da posse do homem em relação à mulher, Giffin (1994) menciona a declaração de Benjamim (1990) de que, muitas vezes “a posição do homem é de fazer da mulher um objeto, tanto na sua violência contra ela como no seu autocontrole racional”. Em resumo, as representações sociais das mulheres sobre a violência doméstica são constituídas por aspectos psicossociais, podendo-se destacar: o alcoolismo, a falta de diálogo e o fato de o homem enxergar a mulher como um objeto sexual. 5. INTERFERÊNCIA DA VIOLÊNCIA NOS RELACIONAMENTOS AFETIVOS No que tange a interferência da violência nos relacionamentos afetivos, muitas das mulheres destacaram a separação como forma de escape das agressões por parte dos parceiros. “Se acontecesse, eu separaria também. Pancada não. Já tolerei tudo, passar até falta das coisas (...) Namoro, já tolerei até namoro, quando ele era mais novo, ele gostava de namorar, né? Agora pancada, de jeito nenhum...” (Casada, 70 anos, Ensino Fundamental Incompleto). “Eu ia separar (...) levantou a mão para mim, que seja, as coisas dele no mesmo dia eu botava para a rua, separaria. Não daria nem uma outra chance” (Casada, 25 anos, Ensino Médio incompleto). Day et al. (2003) afirmam que, apesar das dificuldades, muitas mulheres acabam abandonando os parceiros violentos. E que as mulheres mais jovens são as mais propensas a abandonar estes relacionamentos mais cedo. Situações como aumento do nível de agressão, violência afetando os filhos e apoio sociofamiliar são determinantes na decisão de sair do relacionamento. Nesse período, é comum o abandono e retorno ao relacionamento várias vezes antes de deixar o companheiro definitivamente. Apesar disso, muitas mulheres imaginam que romper um relacionamento violento e até colocar o marido na prisão é uma tarefa simples e rápida, como pode ser visto na seguinte fala: “Ah, se acontecer um dia, já está sabendo, ele não vai voltar mais pra morar dentro de casa, não (...) põe na prisão que aí não tenta fazer com mais ninguém (...) porque quem faz a primeira, faz a segunda, a terceira, e aí vai em frente...” (Casada, 42 anos, Ensino Fundamental completo). Dantas-Berger e Giffin (2005) destacam que as “mulheres de hoje” não mais se adequam às representações tradicionais, que colocariam como destino feminino agüentar situações de objetificação e violência, para que o casamento fosse mantido. Machado (2002) afirma que esses, são avanços claros, se comparados a resultados de pesquisas sobre violência doméstica há cerca de vinte anos. Uma das mulheres, ao ser indagada sobre essa questão, respondeu que também reagiria com violência caso seu companheiro a agredisse: “Eu, não, apanhar é que eu não ia, ia era meter o pau” (Amigada, 30 anos, Ensino Médio incompleto). Sobre isso, Dantas-Berger e Giffin (2005) ressaltam que as mulheres, ao perpetrarem a violência contra seus parceiros no âmbito familiar, na maioria dos casos, a fazem com a intenção de se defenderem de suas agressões físicas. Quando questionadas sobre casos de violência doméstica vividos ou presenciados, percebeu-se que as mulheres não se inseriam nesse contexto. O que pode ser visto no discurso abaixo: “... porque eu e meu marido nós nunca brigamos não, mas no começo era o negócio de bebida, era assim, brigar comigo não, só quebrava as coisas lá de casa só, mas aí era só por causa da bebida, mas nós dois nunca brigamos. Agora lá fora eu acho que a gente nunca sabe, as pessoas brigam e tudo, às vezes a gente acha que é bebida, é ciúme é isto tudo às vezes e algo a mais...” (Amigada, 30 anos, Ensino Médio incompleto). Schraiber et al. (2003), em pesquisas anteriores, perceberam que as pessoas que convivem com a violência doméstica, ao falarem sobre os casos vivenciados, atenuam a situação em seus relatos, demonstrando distância entre a narrativa e o vivido. No decorrer da análise, é possível verificar a presença de um discurso predominantemente na terceira pessoa do singular, sendo a representação da vítima da violência doméstica como sendo o “outro” e não “eu”. Esta pode ser uma estratégia para distanciar o problema do ambiente familiar ou mesmo a omissão, devido à vergonha de ser vítima deste tipo de agressão. O agressor é visto como um ser cruel, merecedor de punições severas. 6. CONSIDERAÇÔES FINAIS A violência doméstica é um fenômeno que não apresenta barreiras limitantes entre classes sociais, mas se faz presente em toda a sociedade. Embora esse estudo tenha sido limitado a uma pequena amostra de mulheres, as representações sociais dessas mulheres sobre violência doméstica exprimem ações e condutas agressivas vivenciadas por elas. Não obstante tenham, na maioria das vezes, se referido à violência doméstica sofrida por “outros”, observou-se que elas expressaram o que estava inscrito em suas histórias de vida. A violência doméstica pode ser considerada como oriunda da inabilidade e despreparo de determinados membros familiares em manejar os conflitos cotidianos e controlar os acometimentos hostis. É importante, assim, desconstruir os valores individuais que podem ocasionar os conflitos de interesses, ao invés de continuar considerando os resultados provenientes desses conflitos. Neste sentido, ações conjuntas – Governo, Universidade e sociedade – e eficazes, principalmente, nas áreas de educação e cultura, são imprescindíveis para minimizar a violência doméstica. Assim, o Programa CooperAção Social, no qual se inserem as mulheres pesquisadas, busca melhorar a qualidade de vida das famílias atendidas por meio de ações educativas e de capacitação, visando a geração de trabalho e renda por meio de cooperativas de produção. Programas dessa natureza promovem, ainda, a educação para a cidadania e “empoderamento” das famílias, principalmente das mulheres, reduzindo a exclusão social e os índices de violência, tanto na comunidade quanto no âmbito doméstico. REFERÊNCIAS ADEODATO, V. G.; CARVALHO, R. R.; SIQUEIRA, V. R.; SOUZA, F. G. M. Qualidade de vida e depressão em mulheres vítimas de seus parceiros. In: Revista de Saúde Pública, 2005. Pág. 108-113. AMARAL, C. C. G.; GUIMARÃES, R. P. A.; ANDRADE NETA, R. N.; FROTA, C. R. Antes do tapa na cara. 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