A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA REDE PÚBLICA DE EDUCAÇÃO FRENTE À DEMANDA ESCOLAR: REGULAMENTAÇÃO, CONCEPÇÕES, PRÁTICAS E INOVAÇÕES. Daniela Fernanda Schott1, Celso Francisco Tondin 2, Irme Salete Bonamigo3, Márcia Fiabani4, Suamy Audrea Sachett5. RESUMO: Essa pesquisa acontece em sete estados brasileiros e, em nível nacional, é coordenada pela Universidade de São Paulo (USP). Em Santa Catarina é desenvolvida pela Unochapecó, por meio do Grupo de Pesquisas Práticas Psicológicas. Tem por objetivo identificar e analisar projetos de lei, concepções e práticas desenvolvidas pelos psicólogos na rede pública de educação dos municípios de Santa Catarina. Realizou-se um mapeamento dos projetos de lei que inserem os psicólogos na rede pública de Educação deste Estado. Em seguida, fez-se um mapeamento dos serviços psicológicos oferecidos no contexto educacional. Ambos os mapeamentos foram feitos através de questionário. Por fim, foram selecionados psicólogos que trabalham nestes serviços para serem entrevistados. O mapeamento dos serviços psicológicos oferecidos na rede pública de educação contemplou 21 municípios onde trabalham 32 psicólogos/as. As modalidades de atuação mais freqüentes são: avaliação psicológica, atendimento clínico, formação de professores e assessoria às escolas. Os/as psicólogos/as atuam com alunos, professores e pais de alunos. Algumas concepções e práticas desenvolvidas pelos psicólogos, frente às queixas escolares, demonstram conter elementos inovadores e pertinentes às discussões recentes na área de Psicologia Escolar e Educacional, mas constata-se que o trabalho dos/as profissionais difere-se quanto ao grau de criticidade presente nas concepções e práticas. PALAVRAS-CHAVE: psicologia escolar; educação; práticas psicológicas. INTRODUÇÃO: Esta pesquisa está vinculada ao projeto “A atuação do psicólogo frente à demanda escolar: concepções, práticas e inovações” desenvolvido, em nível nacional, em sete estados (Acre, Bahia, Minas Gerais, Paraná, Rondônia, São Paulo e Santa Catarina) e coordenado pelo Laboratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas em Psicologia Escolar e Educacional (LIEPPE) do Instituto de Psicologia da USP – Universidade de São Paulo. A pesquisa nacional considera que os estados envolvidos representam diferentes realidades brasileiras, de forma a ampliar a compreensão das questões da prática profissional. O foco desta pesquisa é a Psicologia Escolar e Educacional, a qual tem desenvolvido, desde a década de 80, importante discussão em relação à formação/atuação do psicólogo no campo educacional. Quando diferentes teorias têm produzido diferentes práticas e muitas críticas têm surgido aos modelos propostos. A demanda pelo serviço é crescente e pouco se sabe, do ponto de vista da pesquisa em Psicologia Escolar e Educacional, como trabalham os psicólogos que atuam diretamente na rede pública de Educação em vários municípios brasileiros. Nesse sentido, é um estudo relevante pois refere-se às atuações frente às queixas escolares, oriundas do sistema educacional, 1 Acadêmica. Curso de Psicologia – 8º Período – 2009.2. Grupo de Pesquisa “Práticas Psicológicas” – Universidade Comunitária da Região de Chapecó – UNOCHAPECÓ. Órgão financiador: FAPESC e Artigo 170. [email protected] 2 Professor Mestre em Psicologia pela UFMG, Orientador da Pesquisa. Curso de Psicologia, Grupo de Pesquisa Práticas Psicológicas, Universidade Comunitária da Região de Chapecó. 3 Professora Doutora em Psicologia Social pela UERJ, Orientadora da Pesquisa. Curso de Psicologia, Grupo de Pesquisa Práticas Psicológicas, Universidade Comunitária da Região de Chapecó. 4 Acadêmica. Curso de Psicologia – 8º Período – 2009.2 – Universidade Comunitária da Região de Chapecó. 5 Acadêmica. Curso de Psicologia – 10º Período – 2009.2 – Universidade Comunitária da Região de Chapecó. visando compreender em que medida apresentam ou não elementos inovadores e pertinentes às discussões recentes na área de Psicologia Escolar e Educacional, em busca de um ensino de qualidade para todos. Em Santa Catarina, a pesquisa é coordenada por professores e estudantes vinculados ao Grupo de Pesquisas Práticas Psicológicas da Unochapecó. Diante desta realidade, a pesquisa busca identificar e analisar as concepções e práticas desenvolvidas pelos psicólogos da rede pública de educação frente às queixas escolares. No nosso estado, por sua vez, existe uma particularidade por conta de que primeiramente buscou-se mapear os projetos de lei que inserem o psicólogo na rede pública de educação. Na sequência, caracterizar as modalidades de atuação, contextualizando historicamente a inserção e atuação do profissional de Psicologia na educação básica. Além de compreender as concepções que respaldam as práticas psicológicas identificadas pesquisa sobre o processo de triagem, atendimento e acompanhamento da queixa escolar, identificando e analisando o caráter inovador das práticas psicológicas realizadas, considerando as discussões sobre intervenção psicológica presentes na literatura da área de Psicologia Escolar nos últimos 20 anos. METODOLOGIA: O projeto iniciou com o mapeamento dos projetos de lei que inserem os psicólogos na rede pública de Educação nos municípios de Santa Catarina. Foram feitos contatos que abrangeram os 293 municípios do Estado, contando com o auxílio do levantamento realizado pelo Conselho Regional de Psicologia (CRP 12), que contribuiu com dados sobre 80 municípios do Estado, e da Federação Catarinense de Municípios, a partir das Associações Regionais que a compõe e contato direto com as prefeituras. Do total dos municípios, 177 retornaram o questionário respondido. Destes, 21 contam com o trabalho do psicólogo na Educação, sendo que 12 possuem lei que insere o psicólogo nesta área. Os dados foram produzidos por meio de entrevistas realizadas por telefone com secretários (as) de educação de municípios que possuem psicólogo na Educação e consultas aos projetos de lei. Os dados foram tabulados em forma quantitativa. Na segunda etapa do projeto, foi realizado o mapeamento geral dos serviços psicológicos oferecidos na rede pública de educação dos municípios, utilizando-se questionários, os quais foram respondidos pelos psicólogos. Iniciou-se o levantamento pelo contato com os funcionários das Secretarias de Educação dos 12 municípios que possuem projeto de lei que regulamenta a inserção do psicólogo na rede de educação e na sequência realizou-se contato com os psicólogos destes municípios, bem como se fez contato com os psicólogos dos municípios que não possuíam projeto de lei. Posteriormente, aplicou-se um questionário, com perguntas abertas e fechadas, por telefone, a 32 psicólogos. A tabulação dos dados ofereceu elementos para a escolha de cinco municípios que receberam a visita dos pesquisadores. Os critérios dessa seleção foram diretamente relacionados aos objetivos da pesquisa. Deste modo, no que se refere ao objetivo específico de analisar a influência, na atuação profissional, de concepções críticas em Psicologia Escolar desenvolvidas em pesquisas acadêmicas, foram selecionados sete profissionais que, em suas respostas ao questionário, ofereceram indícios de atuação profissional nesse sentido, apontando para o exercício de práticas inovadoras. Na terceira etapa, os pesquisadores foram até os municípios para entrevistar estes sete psicólogos. Os tópicos-guia, presentes na entrevista semi-estruturada, dizem respeito aos motivos de trabalharem desta forma, as dificuldades enfrentadas para a realização desse trabalho, os apoios que podem contar para lidar com essas dificuldades, os efeitos ou resultados desse trabalho, o histórico de como desenvolveram a forma atual de trabalho, a identificação de práticas inovadoras no trabalho das equipes e as necessidades de mudanças nas práticas. Contudo, serão melhor explorados na análise nacional, que está em andamento. RESULTADOS/DISCUSSÃO: A área de Psicologia Escolar e Educacional tem desenvolvido, desde a década de 1980, uma discussão em relação à formação/atuação do psicólogo no campo educacional em busca de perspectivas que superem modelos subjetivistas e objetivistas de conceber o fenômeno educacional. Estes novos rumos buscam formas de aproximação com a escola ou a instituição educacional, coerentes com determinadas concepções de homem e de mundo que considerem a escolarização como um direito de todos e que precisa ser efetivado com qualidade. Este movimento acadêmico de crítica tem denunciado o modelo clínico de atendimento à queixa escolar por considerá-lo insuficiente, visto não desvelar os determinantes sociais e históricos que conformam as demandas escolares. (MACHADO & PROENÇA, 2004; MALUF, 1994; MEIRA & ANTUNES, 2003; PATTO,1984; PATTO, 1993). Partindo destes pressupostos e analisando os dados da pesquisa, tem-se o mapeamento dos projetos de lei que inserem os psicólogos na rede pública de Educação nos municípios de Santa Catarina que contemplou 171 deles. Constatou-se que: 21 municípios possuem psicólogo na Educação, 74 não possuem e 76 possuem psicólogo na Saúde que presta serviço para a Educação. Dos 21 municípios que possuem psicólogo na Educação, constatou-se que 12 possuem lei que insere o psicólogo no quadro de funcionários desta área. No que diz respeito ao provimento do cargo de psicólogo, em sua maioria, ele compõe o quadro de funcionários permanentes da Educação. Quanto à carga horária, verifica-se uma variação de 20 a 44 horas semanais. A data de aprovação das leis compreende um período recente, 1999 a 2007. No que refere à descrição das atribuições, deveres e responsabilidades do cargo, constatou-se que: existem atividades generalistas no bojo dos projetos de lei, coexistem concepções distintas de Psicologia Escolar, abarcando concepções tradicionais e contemporâneas, além de não existir especificação do cargo em alguns projetos de lei. O mapeamento dos serviços psicológicos oferecidos na rede pública de Educação dos municípios contemplou 21 municípios onde trabalham 32 psicólogos que responderam ao questionário, deles 30 do sexo feminino e dois do sexo masculino. A idade varia de 24 a 54 anos. 31 deles estão lotados/contratados para o cargo de psicólogo e apenas um no de psicólogo escolar. A função de 16 deles é de psicólogo, 15 de psicólogo escolar e um não respondeu. O tempo no cargo varia de menos de um ano a mais de nove anos, mas a maioria deles está neste cargo entre um e três anos. O tempo de formação deles varia de até um ano a mais de nove anos, quando na maior parte destes profissionais a formação foi concluída entre três a seis anos. A instituição formadora de três deles é estadual, seis federal e 23 deles se formaram em instituição particular. Com relação aos cursos realizados, cinco deles fizeram de atualização, 22 de especialização-aprimoramento, três de mestrado e um de doutorado. Estes cursos são de diferentes áreas, oito deles são da área de educação, quatro da clínica, cinco da junção entre educação e clínica e os outros 12 são de áreas distintas, tais como: dependência química, gestão de pessoas, teoria da comunicação, neurolinguística, psicologia do esporte, psicologia hospitalar, entre outros. Os níveis de ensino onde atuam são: só ensino infantil um profissional, só ensino fundamental seis deles, ensino infantil e ensino fundamental a maioria: 15 deles, quatro atuam com a educação especial-inclusiva e seis com EJA – Educação de Jovens e Adultos – e Ensino Médio. O público-alvo do trabalho dos psicólogos refere-se a: aluno e família – nove deles, 11 com pais, alunos e professores e 12 com todos (a categoria todos diz respeito a pais, professores, alunos, funcionários, comunidade em geral e projetos e programas sociais). Os psicólogos atuam em diferentes modalidades, dois deles na modalidade institucional, outros sete na clínica, e os 23 restantes, concomitantemente, na institucional e clínica. O trabalho deles está embasado em autores na perspectiva educacional (7), clínica (3), educação e clínica (14) e outros (8); nesta última categoria têm-se autores de diferentes perspectivas, como por exemplo: área médica, auto-ajuda, entre outros. E por fim, as contribuições destes psicólogos à Educação, a partir de três posturas/perspectivas: crítica dois deles, não crítica a maioria, 16 profissionais e crítica e não crítica 14 dos psicólogos participantes. Quanto ao estudo da influência de concepções críticas em Psicologia Escolar desenvolvidas em pesquisas acadêmicas na atuação profissional, constatou-se que a concepção que respalda as práticas se difere entre os sete profissionais entrevistados. As concepções desenvolvidas por seis psicólogos frente às queixas escolares demonstram conter elementos inovadores e pertinentes às discussões recentes na área de Psicologia Escolar, embora varie o grau de criticidade presente nas suas concepções e práticas. Para estes psicólogos, os diversos aspectos presentes na instituição escolar são compreendidos a partir dos seus diferentes aspectos, quando as relações sociais do sujeito e os diferentes contextos nos quais este está inserido são enfatizados, envolvendo as famílias e compartilhando responsabilidades com os diversos profissionais da rede de ensino. Buscam considerar não apenas o aluno e sua dificuldade, mas sim o coletivo e o contexto na qual a mesma é produzida. O processo de avaliação procura incluir questões relacionadas às situações que se dão no contexto familiar e escolar. Quando então, estes profissionais não realizam atendimento clínico. Diferente destes seis profissionais, o sétimo psicólogo demonstra ter uma concepção que percebe a queixa escolar como um problema do aluno e de sua família, realizando atendimento clínico aos alunos encaminhados pela escola. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Por conta da realidade da rede estadual de ensino do Estado de Santa Catarina não contar com psicólogos; da mesma forma, os maiores municípios não contratarem psicólogo para atuar na rede pública de Educação e nos municípios menores, os psicólogos são contratados a partir de um período recente, a relação contratual, em boa parte deles, é frágil, ou seja, o contrato é temporário, ora por terceirização, ora por licitação. Diante disso, constatou-se, até o momento, que coexistem concepções tradicionais e contemporâneas de Psicologia Escolar no bojo dos projetos de lei que inserem os psicólogos na rede pública de Educação nos municípios catarinenses. Quando então, a atuação, pela maioria dos participantes, ocorre a partir de perspectivas tradicionais e, em alguns casos, há o enfoque da prevenção, com atuação em equipes multidisciplinares. Contudo, a base de formação é ainda fortemente clínica, o que reflete nas práticas profissionais, mas mesmo assim os psicólogos começam a pensar em práticas em uma perspectiva crítica, o que parece ser efeito das discussões mais recentes na formação. Além disso, esta pesquisa produziu elementos que contribuem para a compreensão das concepções que respaldam as práticas psicológicas referentes ao processo de triagem, atendimento e acompanhamento da queixa escolar, bem como identificar as práticas realizadas pelos profissionais da Psicologia no âmbito educacional, facilitando a compreensão da inserção das mesmas nas políticas públicas dos municípios pesquisados. Contudo, foram produzidos também elementos que permitem identificar e analisar o caráter inovador das práticas psicológicas realizadas, considerando as discussões sobre as intervenções psicológicas presentes na literatura da área de Psicologia Escolar nos últimos 20 anos. Estes resultados contribuirão com a investigação das concepções, práticas e inovações dos psicólogos que trabalham na rede pública de Educação, a fim de subsidiar as discussões promovidas pelas entidades científicas e profissionais da Psicologia brasileira, sobre a inserção do psicólogo na Educação. No entanto, verifica-se a necessidade de psicólogos qualificados para atenderem as demandas escolares de forma crítica e contextualizada, comprometendo-se com a educação para todos e da mesma forma, investigar ininterruptamente as concepções, práticas e inovações dos psicólogos que trabalham na rede pública de Educação, com o intuito de compreender, repensar e fortalecer a atuação do psicólogo no contexto escolar. FONTE FINANCIADORA: Fundo de Amparo à Pesquisa da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ) e Artigo 170 (Governo do Estado de Santa Catarina). REFERÊNCIAS: MACHADO, Adriana Marcondes; PROENÇA, Marilene. Psicologia escolar: em busca de novos rumos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. MALUF, M. R. Formação e atuação do Psicólogo na educação: dinâmica de transformação. In: CFP – Conselho Federal de Psicologia. Psicólogo Brasileiro: práticas emergentes e desafios para a formação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994. MEIRA, Marisa Eugênia Melillo; ANTUNES, Mitsuko Aparecida Makino. Psicologia escolar: práticas críticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. MEIRA, Marisa Eugênia Melillo; ANTUNES, Mitsuko Aparecida Makino. Psicologia escolar: teorias críticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. PATTO, Maria Helena Souza. Psicologia e ideologia: uma introdução crítica à psicologia escolar. São Paulo: T.A. Queiroz, 1984. PATTO, Maria Helena Souza. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: T.A. Queiroz, reimpressão, 1993.