EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR DE ADULTOS: DISCUSSÃO TEÓRICA E METODOLÓGICA DE UMA PESQUISA EM ANDAMENTO Sergio HADDAD PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO RESUMO Este artigo tem por objetivo apresentar e discutir a concepção teórico-metodológica de uma pesquisa que investiga a Educação não Escolar de Adultos em três etapas: a primeira, realizada entre 2007 e 2009, produziu um Estado da Arte da produção de conhecimentos sobre o tema; a segunda, realizada entre 2009 e 2012, construiu tipologias sobre práticas de educação não escolar a partir de projetos enviados à fundos de financiamento; a terceira, em andamento, vem realizando estudos de casos em educação não escolar. As motivações para realizar esses estudos estiveram ligadas ao fato de ser um campo muito pouco estudado entre os pesquisadores da área da educação. Mesmo entre aqueles que estudam a Educação de Jovens e Adultos, a educação escolar tem sido priorizada frente ao não escolar. Uma inflexão importante orientou esta nova fase das minhas pesquisas iniciada nos dois últimos projetos concluídos quando a Educação Escolar de Jovens e Adultos (EJA) foi substituída, não de maneira exclusiva, pela Educação Não Escolar de Jovens e Adultos. Tanto nas análises das produções acadêmicas do primeiro projeto, quando nas observações e construções de tipologias de práticas educativas no período seguinte, como nas pesquisas atuais, a preocupação foi a de ampliar o espectro de análise sobre as temáticas voltadas aos processos educativos com jovens e adultos no Brasil. Mudanças no campo do conhecimento e alterações no âmbito da prática social, objetos de investigação acadêmico-científica, constituem imbricações que exigem, sistematicamente, balanços teóricos de modo a reconstituir suas inflexões e abrir novas perspectivas para o avanço do conhecimento acadêmico-científico. PALAVRAS-CHAVE: educação não escolar de jovens e adultos, 151 JUSTIFICATIVA As justificativas para tal inflexão dizem respeito ao interesse em pesquisar uma realidade ainda obscura e pouco estudada das formas de aprender e ensinar que ocorrem fora do contexto escolar. Pesquisas anteriores sobre o comportamento da população jovem e adulta já apontavam para a importância destas práticas na formação da população (ver, em particular, Ribeiro, 1999). Também interessava estudar o que havia se passado com as denominadas práticas de Educação Popular, tão presentes em décadas anteriores, hoje com pouca visibilidade entre as modalidades de Educação Não Escolar. Após inúmeros trabalhos produzidos nos anos setenta e oitenta, valorizando processos educativos de fortalecimento de setores empobrecidos da sociedade civil - movimentos sociais e populares - visando a uma maior participação destes setores na cena pública, pode-se verificar que grande parte desde movimento deslocou-se para atuar nos espaços de interlocução de setores populares com o poder público. Outros permaneceram com seus trabalhos voltados às práticas educativas nos movimentos, como é o caso das vastas experiências nos assentamentos rurais, em particular aqueles produzidos pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST. Pudemos notar nas duas primeiras etapas concluídas que muito pouco destas práticas ainda se nominam como de Educação Popular, ganhando novas denominações e novas características. Ao mesmo tempo, entre as justificativas para sua existência, foi mencionado o amplo movimento de Educação Não Escolar preocupado com a promoção e a defesa dos Direitos Humanos no Brasil. A utilização do conceito ganhou relevância também nas décadas de setenta e oitenta para fundamentar denúncias contra o regime militar nos seus atos de violação dos direitos individuais e políticos da população brasileira. Posteriormente, já no período democrático, o conceito de Direitos Humanos se ampliou e passou a incorporar as dimensões dos direitos sociais, econômicas, culturais e, mais recentemente, os direitos ambientais (DHESCA). Tal conceito ampliado e contemporâneo dos Direitos Humanos tem servido como fonte inspiradora para setores da sociedade civil na sua luta por garantir a presença destes direitos de cidadania no contexto das estratégias de desenvolvimento, superando o seu viés economicista (ver Sen, 2000). Nosso interesse, portanto, justifica-se porque esse processo, ao identificar a presença da sociedade civil como agente inspirador e garantia de forte identidade com os direitos de cidadania, acaba por incorporar uma dimensão educativa na medida em que tais agentes são afeitos a processos de aprendizagens nas suas diversas lutas sociais. 1. DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDOS E MARCOS CONCEITUAIS Enfrentamos o problema da definição do campo da educação não escolar tomando por base a necessidade de olhar amplamente para os processos educativos em que estão expostos os seres humanos ao longo da sua vida. Este vasto campo é também denominado, entre outros, por Educação Popular, Educação Não Formal, Educação Continuada, Educação Permanente, Educação ao Longo da Vida (LifeLong Learning). 152 Estamos tomando para fins desta pesquisa o conceito de Educação Não Escolar de Adultos como a educação que se realiza em paralelo aos sistemas escolares denominados por EJA e programas de Alfabetização, já estudados em outras oportunidades por este pesquisadori. Dada a dificuldade em estudar todas as práticas do extenso campo da educação não escolar vamos limitar as nossas análises às experiências que possuem duas características definidoras: alta intencionalidade por parte de educadores e educandos e alguma institucionalidade, mesmo que seja de baixa intensidade (ver Brougère & Bézille 2007; Ghanen & Trilla, 2008). Nossa intenção tem sido dar um passo a mais no conhecimento daquilo que na metáfora do iceberg, tão utilizada na literatura atual, corresponde à parte imersa e quase invisível na formação dos seres humanos: a Educação Não Escolar. A Educação Escolar, que corresponde a parte visível, é aquela onde se concentra o maior número de estudos. Ao tomarmos as temáticas da Educação Popular e dos processos educativos no campo dos Direitos Humanos dirigidos aos jovens e adultos, é nossa intenção focarmos naquelas atividades que estão voltadas principalmente para formação política e cidadã e para defesa e implementação de direitos voltados ao atendimento das necessidades de natureza econômica, social, cultural e ambiental dos seres humanos. Cabe, aqui, retomar os marcos conceituais de referência que fundamentaram as etapas anteriores e que se reproduzem para a atual: a) O conceito de Educação Popular, diferentemente do da Educação Permanente, leva consigo a ideia de conflitividade ao invés de adaptabilidade, na medida em que politiza o processo educativo e amplia a compreensão da sua prática para além dos muros escolares. Como diz Pontual (2002): “Uma das contribuições mais importantes da educação popular é o desenvolvimento de um conceito do educativo que é bem mais abrangente que as práticas que se realizam no sistema escolar”. Basicamente, o conceito Educação Popular está vinculado à ideia de um trabalho educativo voltado às classes populares e que tem por sentido a mobilização, organização e ganhos de consciência destes setores visando à transformação das suas condições de vida”. b) No plano dos estudos relativos aos Direitos Humanos, a noção contemporânea reafirma a unidade indivisível entre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais. Esta indivisibilidade é condição básica para a realização plena da democracia ao unir os direitos individuais e a liberdade política com as condições necessárias para que tais liberdades possam se realizar, quais sejam, as condições de trabalho, educação, saúde e um meio ambiente adequado, entre outras. Estão, também, referidos nesta indivisibilidade a identificação, o respeito e o tratamento específico das condições particulares que diferenciam grupos sociais por suas características de gênero, raça, etnia, idade, local de moradia, entre outras. O campo teórico recente da análise da conformação e implementação dos direitos humanos tem como base duas características principais no que se refere à condição de agente do ser humano. A primeira, refere-se ao fato do ser humano, diferentemente dos demais seres vivos, manter uma capacidade nata de aprender e ensinar, em função da sua condição evolutiva (Comparato, 2004: 28). Esta capacidade do ser humano de aprender une-se às características de agente, necessárias à implementação e efetivação dos direitos humanos, segunda característica. O ser humano é o avalista dos processos de constituição dos direitos humanos; seu ativismo permite a criação, o reconhecimento e a ação por parte do poder 153 público. É o movimento da sociedade, a chamada “cidadania ativa”, a impulsionadora e a referência das ações do poder público, diferentemente da cidadania passiva, aquela outorgada pelo Estado, com a ideia moral da tutela e do favor (Benevides, 1991). Nas duas primeiras etapas pode-se constatar a amplitude e a diversidade de sentidos que ambos os conceitos – Educação Popular e Direitos Humanos - ganharam desde a década setenta do século passado, quando passaram a ser orientadores de práticas de Educação Não Escolar. Essas mudanças, decorrentes de processos históricos de democratização da sociedade brasileira e de países da América Latina, acabaram por dar novos sentidos aos conceitos. Novos paradigmas informaram práticas sociais e educativas como, por exemplo,: a economia solidária e os novos modelos de desenvolvimentos; a questão da sustentabilidade do planeta e os direitos ambientais; os bens comuns como bens de todos; a interculturalidade; a gratuidade e o decrescimento econômico; o “bem viver” e o tema do “cuidado”. São temas que tem orientado práticas educativas e que apontam para novos modelos de organização da sociedade. Ao mesmo tempo, as disputas sobre os modos de construir o futuro das sociedades tornaramse menos polarizadas entre o capitalismo e o socialismo e passaram a ser múltiplas, no sentido em que os caminhos estão mais abertos, menos definidos e permitem estratégias diversas. Assim também se passou quanto à definição sobre quais seriam os atores sociais portadores desta capacidade de mudança. Cada vez mais os estudos parecem apostar nas configurações de redes de atores diversos, unidos à utilização de redes sociais, como fatores indutores de mudança social, sejam elas de natureza adaptativa ou de rutura, como vêm ocorrendo nas recentes manifestações em vários países Europeus, no Chile, Canadá, América Latina (ver, em particular, os sites www.outraspalavras.net; http://www.grap.org.br/; http://outrapolitica.wordpress.com/ ) Tanto a crise recente do capitalismo que teve início em 2008 e se estende até agora, como os limites das políticas neoliberais para construir sociedades com justiça social, democracia e sustentabilidade ambiental, têm mostrado ao mundo os fracassos de um modelo de desenvolvimento baseado apenas no crescimento da produção e do consumo no qual o mercado tem prevalência sobre o Estado (Stiglitz, 2010). Parte importante dos atores sociais que trabalham com educação de adultos parece acreditar em processos de democratização da sociedade como mecanismo de construção de uma nova sociedade baseada no aprofundamento da democracia e na justiça social. Conforme editorial da Revista Pirágua, do Conselho de Educação de Adultos da América Latina - CEAAL: A tarefa de democratizar a democracia deve ser traduzida na manutenção e ampliação das conquistas no plano dos direitos civis e políticos, na luta pela universalização dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais e na ampliação e radicalização das práticas da democracia participativa e no fortalecimento do exercício de uma cidadania ativa. Estamos falando, portanto, nos desafios de construir um novo modelo de desenvolvimento (integral, inclusivo e sustentável) e uma nova cultura política, radicalmente democrática (La Pirágua, 2010, s/p). 154 Embutidas no conceito “democratizar a democracia” é que surgem inúmeras práticas não escolares voltadas à construção de um novo modelo de desenvolvimento baseado em uma nova cultura política e democrática. 2. Metodologia Para contemplar todas as dimensões acima citadas a primeira etapa da investigação foi desenhada nos moldes de um Estado da Arte, portanto, como uma pesquisa sobre pesquisas. Isto porque os estudos de tipo Estado da Arte permitem, num recorte temporal definido, sistematizar um determinado campo de conhecimento, reconhecer os principais resultados da investigação, identificar temáticas e abordagens dominantes e emergentes, bem como lacunas e campos inexplorados abertos à pesquisa futura. O primeiro passo foi promover o levantamento das teses e dissertações sobre a temática no Banco de Teses da CAPES – Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, nas áreas de Educação, Ciências Sociais e Serviço Social, bem como os artigos de revistas e periódicos destas mesmas áreas (Qualis A e B). Para realizar esse levantamento foram lançadas diversas chaves de busca, pois os trabalhos que tratam da educação não escolar de adultos não formam um campo específico de conhecimento. Nossas primeiras chaves foram: Educação não escolar, educação não formal, educação informal e educação popular. Essas chaves trouxeram trabalhos que tratam de experiências não escolares de adultos que deveriam ser incorporados na nossa pesquisa, mas percebemos que para complementar o mapeamento teríamos de realizar uma nova busca mais específicas. Assim, a partir da chave educação não-formal, por exemplo, encontramos trabalhos que tratavam de jornal comunitário como estratégia de educação não-formal, da atuação de agentes comunitários (saúde e lazer), da dimensão educativa das rádios comunitárias e da participação em movimentos sociais, de festas populares e folclóricas, extensão rural, economia solidária, educação ambiental, trabalho educativo de organizações não governamentais, educação política, qualificação profissional, inclusão digital. Partimos, então, para as seguintes novas chaves: comunicação popular, rádios comunitárias, vídeo popular, jornal comunitário, cooperativas, economia solidária, economia popular, associativismo, extensão rural, educação do trabalhador, qualificação profissional, educação e trabalho, inclusão digital, educação em saúde. Novas temáticas emergiram e indicaram caminhos para outras chaves como: desenvolvimento sustentável, agroecologia, educação e mulheres, gênero, educação e negros, relações étnicoraciais, movimento negro e educação sindical. Desta forma fomos esgotando todas as possibilidades de “cercar” o tema, agora incorporando a dimensão da educação nas práticas sociais. Isto porque os trabalhos que tratam da educação não escolar de adultos não necessariamente trazem em suas palavras-chaves, resumos ou títulos, indicações da sua dimensão educativa. Ao final, reagrupamos os temas definitivos nos seguintes: Educação Popular em Saúde; Ação Comunitária; Educação e Relações Étnico-raciais; Autogestão, Educação e Trabalho Associado; Educação Ambiental; Educação não escolar e Desenvolvimento; Educação do Trabalhador, subdividido em Programas Locais, Ação Sindical e PLANFOR; Educação e Comunicação Popular; 155 Educação Política; Educação não escolar de Mulheres; Educação e Cultura Popular; Povos Indígenas; Educação não escolar no Campo; Idosos. Definidas as temáticas, foram convidados pesquisadoresii com experiência em cada uma delas para fazer a leitura dos documentos, criando um grupo de pesquisa que se manteve até o final garantindo a participação e a discussão coletiva nos aspectos teóricos e metodológicos que ocorreram em dois seminários. Cada pesquisador recebeu inicialmente os resumos dos trabalhos do seu tema constantes no nosso banco de dados e teceu suas considerações iniciais em um pequeno artigo que serviu de subsídio para o 1º. Seminário de pesquisa realizado em 11 de junho de 2008. A partir desse primeiro encontro, a quantidade de trabalhos cresceu uma vez que os trabalhos de educação não ambiental foram incluídos, passando de 315 para 341. Um encaminhamento importante do 1º seminário foi o critério de alinhamento das temáticas. O ator social, ou seja, mulheres, trabalhadores, indígenas, negros, idosos, tornou-se o primeiro critério de ajustamento temático. Assim, se o trabalho trata de educação de mulheres em assentamentos rurais, ele seria classificado no grupo temático Educação não escolar de mulheres; se o trabalho é uma dissertação sobre a dimensão educativa de um mutirão de habitações populares em uma comunidade de pessoas negras, passaria a compor a área temática Educação e relações étnico-raciais. Mesmo com o desenho desses critérios, percebemos que algumas áreas ficaram sobrepostas e dialogavam entre si. Também os resumos dos trabalhos nem sempre deram informações precisas sobre o foco analítico de cada pesquisa. Outro encaminhamento importante deste segundo seminário foi a construção coletiva do roteiro para a escrita do artigo final, após a leitura das versões completas dos trabalhos por cada pesquisador. Para a recuperação completa dos trabalhos – dissertações, teses e artigos - foi realizado levantamento nas bibliotecas digitais das universidades, no Portal BDTD – Banco de Teses e Dissertações (http://bdtd.ibict.br/), no sítio Domínio Público (http://www.dominiopublico.gov.br/) e também no buscador Google. Contudo, por meio desse caminho conseguimos poucos trabalhos. Era necessário explorar outros. Decidimos, então, contatar os autores por correio eletrônico. Recebemos um retorno maior; no entanto, o número que recuperamos era inferior à metade do nosso universo. Novo caminho foi dado: contatamos os professores orientadores dos trabalhos e praticamente todos deram algum retorno, mas nem sempre tinham notícias de seus ex-orientandos. Os trabalhos restantes foram solicitados via o sistema de Comutação bibliográfica – Comut, para as bibliotecas universitárias, que copiaram os volumes e enviaram para a secretaria da pesquisa. Na medida em que os trabalhos foram chegando, os documentos eram digitalizados e as cópias foram enviadas para os pesquisadores. A primeira versão dos artigos elaborados pelos pesquisadores serviu como subsídio para um segundo Seminário de Pesquisa, realizado em fevereiro de 2009. Este encontro teve como objetivo discutir os artigos de cada área temática, apresentar os achados de cada pesquisa e estabelecer relações entre as temáticas. Serviu também para definir os conteúdos gerais da pesquisa que foram traduzidos em um artigo introdutório redigido pelo coordenador do 156 projeto. Na sequência do segundo seminário, os pesquisadores passaram a escrever as versões definitivas dos artigos. Os resultados da primeira etapa da pesquisa foram publicados em um número especial da Revista Científica E-curriculum do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-SP (v.5, nº1, 2009)iii. A biblioteca digital da Ação Educativa contém o acervo dos documentos recolhidos e consultados pelos pesquisadoresiv. Os dois seminários de pesquisa e a aquisição das cópias dos trabalhos foram viabilizados com recursos obtidos por meio do edital Universal do CNPq – Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico. A biblioteca digital foi viabilizada com recursos aprovados pela FAPESP- Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Alguns resultados gerais quanto às temáticas, baseados nos artigos publicados: - A temática maior incidência foi o de educação ambiental; - Práticas educativas relacionadas ao desenvolvimento de comunidades de baixa renda foram 27% dos trabalhos. São ações de formação política de lideranças comunitárias realizadas por organizações de defesa de direitos humanos e organizações não governamentais; a atuação social da igreja católica na organização de comunidades urbanas e rurais; práticas educativas na participação comunitária como as experiências de mutirão de construção de moradias populares; a educação política que ocorre na participação em conselhos comunitários e nas definições de orçamento popular; ações de transferência de renda que oferecem aos seus beneficiários cursos socioeducativos; - Outra temática de grande incidência refere-se aos programas de educação do trabalhador (22%), grande parte deles focados na ação do Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador – PLANFOR do Ministério do Trabalho, atuação dos sindicatos e do “Sistema S”. - A seguir práticas educativas voltadas à educação no contexto de experiências de economia solidária e associativismo, com 9%, seguido por processos não escolares de educação no campo (8%), questões étnico-raciais (7%); questões de gênero (7%); educação e cultura popular (6%). Os temas com menor incidência estão voltados à educação popular em Saúde e Comunicação Popular. Isto pode ser explicado pelo fato de não terem sido levantados os trabalhos discentes nestas áreas específicas - Temas atuais, mas com pouca incidência na produção de conhecimento: educação com migrantes, pessoas encarceradas e idosas. Outros resultados gerais encontrados: - Os pesquisadores puderam identificar que grande parte dos trabalhos é de estudos empíricos. - Parcela significativa dos agentes educadores é o poder público, - São maioria os trabalhos advindos das universidades públicas e aqueles produzidos como dissertações de mestrado. - A maior parte da produção acadêmica é do campo da Educação, seguida por Ciências Sociais e Serviço Social. A segunda etapa da pesquisa investigou práticas educativas não escolares e teve início em março de 2009 e término em 2012. As instituições que constituem o universo investigado, 157 produtores das práticas educativas, foram organizações da sociedade civil: os sindicatos, os movimentos sociais e populares e as Organizações Não Governamentais - ONGs. O desenho inicial da segunda etapa previa o levantamento das práticas educativas através de sites das Redes e Associações de entidades da sociedade civil, bem como dos Fundos de Financiamento de Projetos no Brasil. Contudo, as primeiras buscas efetuadas pelos sites nos mostraram que elas não seriam um caminho viável por três motivos articulados: a) não é possível distinguir a partir dos sites das Redes e Associações as entidades que realizam atividades educativas; b) os sites das entidades de sociedade civil filiadas às Redes e Associações não apresentam informações sobre suas atividades educativas; c) um número considerável das organizações sequer possui página na internet. Com isto, limitamos a nossa investigação aos Fundos de Financiamento de Projetos. Em que pese a perda das Redes e Associações como estratégia para a construção da amostra, os Fundos de Financiamento de Projetosv se mostraram fontes muito completas e diversificadas de acesso às organizações da sociedade civil, na medida em que seus bancos de dados sobre os projetos incluem não apenas grande parte das filiadas às Redes e Associações, como atingem também outras organizações de perfil semelhante e que não estão vinculadas à estes sujeitos políticos. Entre os fundos de financiamento de projetos, constam os seguintes: Fundo Brasil de Direitos Humanos, SAAP- Serviço de Análise e Assessoria a Projetos da FASE, CESE- Coordenadoria Ecumênica de Serviços, Fundo Ela e Brazil Foundation. A cada ano os Fundos recebem cerca de 1500 projetos coletivamente. Os projetos enviados aos Fundos são majoritariamente de organizações da sociedade civil: ONGs, Movimentos Sociais e Populares, Grupos de Base, Sindicatos. Grande parte dos projetos é para solicitar recursos para práticas educativas não escolares. Naquele momento outro recorte foi efetivado frente à diversidade de projetos que se apresentam a cada ano para os fundos. Trata-se de um recorte temático. Definimos por analisar apenas os projetos identificados como de Educação Popular ou de formação no campo dos Direitos Humanos, dentro dos marcos teórico da pesquisa. As razões para tal recorte têm sua explicação na necessidade de diminuir o escopo para torná-lo viável dentro do prazo estabelecido. Iniciamos a nossa coleta pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos. Os dados foram inseridos em uma base construída especialmente para este fim a partir da leitura dos documentos dos projetos encaminhados pelas entidades e movimentos ao fundo em busca de financiamento. O banco de dados registrou informações sobre projetos enviados no ano de 2010, selecionando aqueles que apresentaram atividades de caráter educativo e não escolar, voltados para jovens e adultos, a partir da descrição apresentada no documento. Dos 750 projetos enviados no ano de 2010, 650 foram analisados e 306 foram escolhidos como projetos que demandavam recursos para o financiamento de práticas de educação não escolar. Foram selecionadas as práticas que tinham como característica alta institucionalidade, ou seja, com objetivo e público alvo definidos, localização e frequência definidas. Os 306 projetos incluídos na amostra foram classificados pelas seguintes variáveis: tema, público, intencionalidade, iniciativa e Estado da federação. Também foi incluído, para cada projeto, um breve resumo com dados gerais sobre suas atividades, o problema que pretendia atingir e sua abordagem específica. Na descrição de cada projeto fez-se um registro breve das 158 práticas pedagógicas, com informações sobre duração, material, espaço utilizados, sempre que essas informações estivessem disponíveis. Nessas descrições foram mantidos os mesmos termos usados pelos projetos. A variável “Tema” foi utilizada como principal motivação e orientação presentes nas atividades. Foi incorporada à base de dados a partir do formulário elaborado pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos e respondido pelos próprios autores de cada projeto. Os temas tomam como base a violação de direitos humanos motivadas por violência institucional e de discriminação. São eles: super exploração do trabalho, trabalho escravo e infantil; Violência policial, de milícias ou esquadrões da morte; tortura e execuções; não acesso à terra e território; democratização do acesso à justiça; violação de direitos socioambientais; criminalização de organizações e movimentos sociais; violência contra defensores de direitos humanos; violência doméstica; discriminação no acesso ao serviço público; discriminação por gênero; discriminação por raça; discriminação por etnia; discriminação por orientação sexual; discriminação em razão de condição econômica; outros A variável “Público” procurou identificar os atores sociais para quem as atividades educativas eram dirigidas. Foi elaborada a partir de uma amostra prévia de projetos que verificou quais eram as respostas mais recorrentes à pergunta do formulário: “Quem vai se beneficiar com ele? Como será este benefício?”. As seguintes classificações foram estabelecidas: jovens; mulheres; população em geral; comunidade local; alunos (escolas); comunidade escolar; famílias ; quilombolas; negros; LGBT; educadores (educação não formal); professores (escola); agentes comunitários; portadores do vírus HIV; agricultores ; indígenas; comunidades tradicionais; trabalhadores; sindicatos e associações comunitárias.; sociedade civil organizada; outros A variável “Intencionalidade” foi elaborada a partir do levantamento e identificação das principais motivações e orientações que poderiam ser apresentadas pelos projetos. Isto foi feito a partir da análise do objetivo geral e justificativa de cada projeto, ainda que neste segundo item a sua descrição pudesse tocar em aspectos variados e abrangentes. As categorias elaboradas foram: 1. Atividades para desenvolvimento de potenciais artísticos ou criativos, melhora da autoestima e dos relacionamentos interpessoais dos indivíduos participantes; 2. Capacitação para geração de emprego e renda; 3. Disseminação de informações e conhecimentos (repertório de informações e conhecimentos técnicos, não diretamente ligados à geração de renda. ex. saúde, meio ambiente, meios de comunicação); 4. Atividades que abordam os direitos humanos e as questões relativas ao cotidiano de um grupo ou população determinada, visando fortalecer a noção de direitos e encorajar práticas locais que possam promovê-los; 5. Capacitação em direitos humanos e sobre as questões relativas ao cotidiano de um grupo ou população determinada, direcionada a profissionais que trabalham diretamente com tais grupos; 6. Formação política para lobby e advocacy; 159 7. Organização e mobilização comunitária para atuação na sociedade civil. A variável “Iniciativa” também buscou identificar os atores sociais envolvidos, agrupando diferentes denominações de organizações que realizam os projetos. Não é requisitado pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos em seus formulários que uma definição do caráter de cada organização fosse explicitada por elas. Além disso, as formas como as entidades da sociedade civil se autodenominam nem sempre correspondem a uma definição político e/ou jurídica muito precisa. Deste modo, as categorias em que foram agrupadas as entidades foram construídas a partir de aproximações e do conhecimento que se tem sobre este campo. São elas: Associação, ONG, Instituto, Centro, Centro de Defesa; Fundação; movimentos sociais, grupo sociais; indivíduos; cooperativas; outros. A análise dos dados realizada através da distribuição quantitativa dos mesmos em cada categoria e por Estado ou região, e, principalmente, em torno do cruzamento entre as variáveis “público”, “tema” e “intencionalidade” permitiu verificar que aproximadamente metade das experiências nasce por iniciativa de uma associação, instituto, ONG, centro, centro de defesa. Somente 10,13% dos casos se denominam como movimentos, grupos ou frentes (entendidos como organizações de atividade política). Um percentual de 8,5% é classificado como iniciativa individual, isto é, não partem de grupos organizados. 26,47% não explicitam o caráter da sua organização Os públicos com maior relevância numérica foram os de jovens (17,97%) e mulheres (14,38%). Em um total de 18 categorias levantadas foi encontrado menos de 6% para cada uma delas, a não ser a percentagem de projetos com públicos que não se encaixam em nenhuma categoria (12,12%). Aqui está incluída uma somatória de públicos que devido à sua especificidade não apresentam percentual maior do que 1%, ou seja, não possuem relevância quantitativa suficiente para configurar como uma nova categoria. É possível inferir uma tendência das atividades educativas não escolares de trabalhar com públicos bastante determinados e dirigidos. Entre as “Intencionalidades”, 69,93% dos casos se enquadram como “atividades que abordam os direitos humanos e as questões relativas ao cotidiano de um grupo ou população, visando fortalecer a noção de direitos e encorajar práticas locais que possam promovê-los”. Pode-se inferir que há uma influência da linha programática da proposta do Fundo Brasil de Direitos Humanos, que coincide com práticas locais de defesa contra violações dos direitos humanos de diversas ordens. Contudo, ainda que haja essa influência é possível constatar que as atividades propostas têm um forte sentido educativo, ou seja, em que pese os avanços recentes no campo dos direitos humanos na sociedade brasileira ainda persiste a necessidade de ações que proporcionem a informação e a construção de conhecimento com relação aos mesmos. Por outro lado, sabe-se que novas possibilidades de direitos e a existência de mecanismos para implementá-los geram por si mesmas novas demandas e aqui pode-se inferir uma das explicações para a grande diversidade de públicos, dado que se há alguns anos o foco das ações político educativas era a luta por direitos formulados de modo mais generalista. Atualmente as lutas por direitos se relacionam com um conjunto mais definido de sujeitos e consequentemente as políticas públicas também tem se estruturado a partir das mesmas segmentações. 160 Entre os “Temas” assinalados pelos projetos no formulário do Fundo Brasil de Direitos Humanos, a opção “Discriminação em razão de condição econômica” teve um percentual de 30.07%, portanto significativamente maior do que as demais confirmando a tendência histórica de que as atividades educativas se dirigem para as populações que estão em situação de pobreza na sociedade brasileira, sendo este um elemento que, em menor medida unifica as especificidades dos públicos a quem tais atividades são direcionadas. A partir dos dados acima, vários cruzamentos puderam ser realizados a título de aproximação quantitativa do perfil de práticas não escolares. Podemos verificar, por exemplo, que ao levarmos em consideração todos os públicos, a intencionalidade com percentual mais alto é a de “atividades que abordam os direitos humanos e as questões relativas ao cotidiano de um grupo ou população, visando fortalecer a noção de direitos e encorajar práticas locais que possam promovê-los”. Mas ao analisar a intencionalidade com segundo percentual mais alto para cada público, chegamos às informações mais específicas que se seguem: - As ações que envolvem a juventude correspondem principalmente ao perfil de “atividades para desenvolvimento de potenciais artísticos ou criativos, melhora da autoestima e dos relacionamentos interpessoais dos indivíduos participantes” (43,6% das atividades), - No caso das mulheres, o segundo maior percentual corresponde às atividades para geração de emprego e renda (43,18%): - Ainda para o público de mulheres, o tema mais assinalado por tais projetos foi “Discriminação por gênero” (43,18%) - No caso dos projetos envolvendo jovens, a maior percentagem se refere ao tema: “Discriminação em razão de condição econômica” (43.64%): Os exemplos acima demostram as possibilidades de cruzamento que permitem uma maior aproximação tipológica dos projetos, ampliando a sua compreensão. Outros cruzamentos poderão ser realizados, desta feita envolvendo mais variáveis, como por exemplo, cruzar a variável público (mulheres), com a variável intencionalidade (Capacitação para geração de emprego e renda) e o tipo de atividade/metodologia, resultando no que se segue: - Atividades de formação com mulheres para geração de emprego e renda como: aulas de artesanato para produção e exposição em feiras; oficinas de formação profissional sobre empreendedorismo, cooperação, ética, trabalho em equipa, cidadania, autoestima; treinamento sobre artesanato em madeira, customização e costura, para confeção e comercialização de produtos artesanais; autogestão, meio ambiente, gênero, cadeia produtiva do artesanato, para formação de núcleo de mulheres artesãs etc. A construção destas tipologias levou à terceira etapa da pesquisa ora em andamento (20122015) que vem realizando estudos de casos em educação não escolar nas temáticas: Educação Popular e Direitos Humanos. Foram escolhidos projetos de dimensão nacional realizados por redes, como, por exemplo, formação feminista e em defesa dos interesses das mulheres, ou formação de operadores de direitos no campo da prevenção e não discriminação dos portadores de HIV/AIDs. Ou projetos de dimensão regional ou local, como, por exemplo, 161 educação para o antirracismo, capacitando de jovens para influência e controle sobre políticas públicas. As três etapas descritas acima propiciarão um amplo panorama sobre as práticas de Educação não Escolar no Brasil nos anos recentes, ajudando a ampliar o conceito de Educação de Adultos e permitindo uma valorização de processos educativos não estudados e tradicionalmente invisíveis para o público em geral e para pesquisadores. Certamente um diálogo entre o escolar e o não escolar ampliará a dimensão política pedagógica dos estudos sobre a Educação de Adultos no Brasil. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Benevides, M. V. (1991). A Cidadania Ativa. São Paulo: Ática. Brougère, G. & Bézille, H. (2007). De l’usage de la notion de l’informel dans le champ de l’éducation. Revue française de pédagogie, nº 158, 117-150. Comparato. F. K. (2004). A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Editora Saraiva. Ghanen, E. & Trilla, J. (2009). La educación no formal. In: Ministerio de la Educación y Cultura, Aportes a las Prácticas de Educación no Formal, desde la Investigación Educativa, Montevideo, Universidad de La República. La Pirágua (2010). Revista Lationamericana de Educación y Política: CEAAL, 1/2010, nº 32. Pontual, P. (2000). O processo educativo no orçamento participativo: aprendizados dos atores da sociedade civil e do Estado. Tese de Doutorado em Educação: História e Filosofia da Educação. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ribeiro, V. M. (1999). Analfabetismo e Atitude. São Paulo: Ação Educativa Papirus. Sen, A. (2000). Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia das Letras. Stiglitz, J. (2010). O mundo em queda livre: os Estados Unidos, o mercado livre e o naufragio da economia mundial. São Paulo: Paz e Terra. i - Ver produção científica em: Plataforma Lattes www.lattes.cnpq.br ii - Constituíram a equipe os seguintes pesquisadores: Cláudia Maria Bógus (Doutora Saúde Pública USP), Aline Abbonizio (Doutoranda USP), Katia Regis (Doutora PUC), Henrique T. Novaes (Doutorando UNICAMP), Nilton Bueno Fischer (Doutor UFRGS); Sérgio Haddad (Doutor Ação Educativa) Gisela Tartuce (Doutoranda FCC) Michelle Prazeres (Doutoranda USP) Marcos José Pereira da Silva (Mestre Ação Educativa) Carmen Silvia Maria da Silva (mestre SOS Corpo), Pedro Benjamin Garcia ( Doutor Católica de Petrópolis) , Fabiana de Cássia Rodrigues (doutoranda UNICAMP) iii - Ver: http://revistas.pucsp.br/index.php/curriculum iv - A biblioteca digital pode ser acessada no endereço (www.bdae.org.br/dspace) v - Os fundos de financiamento são organizações que apoiam financeiramente projetos recebidos a partir de chamado por edital público ou pelo encaminhamento direto de projetos para seus respetivos comitês de seleção 162