16 2 Mercado de energia elétrica no Brasil 2.1. Descrição do sistema elétrico Brasileiro O sistema elétrico brasileiro é um sistema hidrotérmico de grande porte, com predominância de usinas hidroelétricas e longas linhas de transmissão. A Figura 1, mostra como está dividido a capacidade instalada de energia elétrica1. Capacidade Instalada Térmica PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0024871/CB Hidro 65821 MW (88.4%) Outras Carvão Óleo Gás Natural Nuclear 1415 MW (2.0%) 1862 MW (2.5%) 1740 MW (2.3%) 1966 MW (2.6%) 1608 MW (2.2%) Figura 1 – Composição das Fontes de Energia no Sistema Elétrico Brasileiro – Capacidade Instalada. O Sistema Interconectado Nacional brasileiro, que apresenta características e dimensões peculiares, está composto pelas regiões Norte, Nordeste Sul, Sudeste e Centro-Oeste, as quais possuem usinas hidroelétricas distribuídas em 12 diferentes bacias hidrográficas. Em termos de armazenamento máximo o subsistema Sudeste/Centro-Oeste tem um peso comparativamente bem acima dos outros sub-sistemas, possuindo uma participação maior no fornecimento de energia elétrica. Daí a importância de analisarmos os dados deste subsistema. 1 Fonte: Apresentação de Xisto Vieira; Prêmio Jovem Cientista, na PUC-Rio, junho de 2002. 17 2.2. Restruturação do setor elétrico brasileiro Os anos 90 reuniram as condições que poderiam contribuir para o agravamento de uma crise no setor elétrico, dado pelo esgotamento da capacidade de geração de energia elétrica das hidrelétricas existentes, falta de investimentos, escassez de recursos do governo para atender a esta necessidade, entre outros fatores. Por tudo isto era necessário encontrar alternativas que ajudassem à expansão do setor, com capitais privados e a entrada de novos agentes. O processo de restruturação do setor elétrico brasileiro iniciou-se a mediados da década dos noventa, com a fase de concepção do novo modelo, assessorado pela consultoria prestada pela empresa inglesa Cooper& Lybrand ao Ministério das Minas e Energia. A reestruturação traz uma mudança do mercado PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0024871/CB monopolista1, para um mercado pluralista horizontal2 e que tem como pontos principais a desverticalização das empresas, a implantação de um modelo comercial competitivo, e o novo papel do Estado que deixa sua condição de estado empresário para assumir o papel de agente orientador e fiscalizador dos serviços de energia elétrica. Para aperfeiçoar os mecanismos de regulação do mercado que garantissem um funcionamento eficiente do novo modelo implantado no setor elétrico, criaram-se entidades: ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, vinculado ao Ministério das Minas e Energia, que tem como missão o de proporcionar condições favoráveis para que o mercado de energia elétrica se desenvolva com equilíbrio entre os agentes e em benefício da sociedade. Algumas de suas principais atribuições são: regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia do sistema elétrico. 1 No mercado monopolista o agente gerador vende e transmite a energia para os distribuidores aos quais estiver conectado, este último revende a energia para os consumidores para os quais estiver conectado. 2 No mercado pluralista, o fornecimento de energia, é desvinculado dos serviços de transmissão e distribuição. Não existe mais vinculo físico entre o fornecimento de energia e a transação financeira. 18 ONS - Operador Nacional do Sistema Elétrico foi criado para operar1, supervisionar e controlar a geração e transmissão de energia elétrica no Brasil, com o objetivo de minimizar os custos e garantir a confiabilidade e segurança do sistema. Além disso, o ONS é responsável pela administração operacional e financeira dos serviços de transmissão e das condições de acesso à rede básica (livre acesso). CNPE – Conselho Nacional de Política Energética, criado em agosto de 1997, é órgão de assessoramento do Presidente da República para a formulação de políticas e diretrizes de energia. CCPE – Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos, foi criado com atribuição central de coordenar a elaboração do planejamento da expansão dos sistemas elétricos brasileiros e atividades correlatas. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0024871/CB MAE – Mercado Atacadista de Energia foi instituído em 27 de maio de 1998, um ambiente virtual, sem personalidade jurídica, com função de intermediar em todas as transações de compra e venda de energia elétrica, assim como a contabilização e formação de preços que reflita o custo marginal do sistema, para os quatro subsistemas (Norte, Nordeste, Sudeste/Centro-Oeste e Sul). A estrutura do MAE apresentava conflitos de interesses, entre vendedores e compradores, resultando em paralisia do mercado e falta de credibilidade, consequentemente, deixando de cumprir suas atribuições. Como resultado disto, o MAE não funcionou, e foi substituído pelo Mercado Brasileiro de Energia (MBE) no começo de Janeiro de 2002. Um mês depois foi substituído novamente pelo MAE, mas como uma empresa de direito privado, em substituição da antiga estrutura da ASMAE2 1 Realiza o despacho das unidades geradoras de forma a otimizar o sistema elétrico. O valor da água é calculado pelo ONS, que usa como base, juntamente com os dados fornecidos pela previsão de carga de curtíssimo prazo, para a determinação do preço spot, que representa o CMO de curto prazo do sistema, no qual oferta e demanda de energia estão equilibradas. 2 ASMAE era a administradora de serviços do mercado atacadista de energia elétrica, uma sociedade civil de direito privado, braço operacional do MAE, empresa autorizada da ANEEL. 19 2.3. Funcionamento do mercado No MAE é feito o processamento da contabilização e liquidação da Energia Elétrica produzida e consumida no Brasil. As empresa geradoras, distribuidoras e comercializadoras de energia elétrica, registram no MAE os valores de energia contratada, ao mesmo tempo registram-se os valores de energia verificada. A diferencia entre estas é liquidada no MAE, ao preço spot do MAE, (Figura 2), para cada um dos subsistemas e para cada -patamar1, feito mensalmente (desde maio de 2002 já é semanal). Este é o chamado mercado “spot” de energia elétrica. SP O T PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0024871/CB E N ER GIA VE R IFIC AD A CO N TR A TO S Figura 2− Mercado spot de energia elétrica 2.4. Preço spot de energia elétrica O preço spot do MAE ou preço spot do mercado à vista é o preço utilizado para compra e venda de energia no mercado de curto prazo, cujos créditos e débitos decorrentes serão liquidados entre os agentes de forma centralizada pelo MAE. Até mediados de 2002, o cálculo do preço spot de energia elétrica é realizado mensalmente pelo MAE, utilizando um modelo de otimização chamado NEWAVE2, que tem como uma de suas saídas o CMO. A partir dos valores do CMO são calculados os valores do preço spot para cada um dos subsistemas. 1 2 Os patamares dados são: leve, médio e pesado Na seção (2.5.1), é visto mais do NEWAVE. 20 2.5. Planejamento ótimo da operação O objetivo do planejamento da operação é a determinação de unidades geradoras e das montantes de energia que cada um destes geradores deve produzir, de modo a suprir a demanda de energia ao menor custo total possível. É necessário que o operador do sistema receba os valores de custo de cada uma das unidades geradoras do sistema para que seja possível a tomada de uma decisão. Em um sistema puramente térmico o planejamento da operação é feita minimizando o custo de operação do sistema, através da redução, priorização do consumo de combustíveis e a manutenção das usinas térmicas. Em sistemas puramente hidrelétricos os custos de operação podem estar associados à utilização da água estocada. Em ambos os casos devem ser incluídos os custos de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0024871/CB penalização que refletem o não atendimento à demanda de energia. É importante fazer notar que a água armazenada nos reservatórios não é “grátis”, e sim possui um valor relacionado ao custo de oportunidade de atender a demanda futura. Em sistemas hidrotérmicos, como é o caso do Brasil, todos os custos anteriores devem ser tomados em conta no planejamento da operação considerando o fato de que o valor da água armazenada nos reservatórios em um determinado instante é medido em função dos custos não incorridos no futuro devido a consumos de combustíveis e demanda de energia não atendidas; é dizer, cada metro cubico da água armazenada hoje é usado para gerar energia no futuro e portanto se diminuirá a quantidade de energia de geração das térmicas e em conseqüência os custos futuros de geração serão menores. Por exemplo, toma-se a decisão de utilizar a água dos reservatórios para a geração de energia hidroelétrica para atender o mercado hoje e, no futuro, ocorrer uma seca, poderá ser necessário utilizar geração térmica de custo elevado e, se a oferta for insuficiente interromper o fornecimento de energia, levando ao racionamento, como o ocorrido em junho do 2001. Por outro lado, se optarmos por fazer uso mais intensivo de geração térmica, conservando elevados os níveis dos reservatórios e ocorrerem vazões altas no futuro, poderá haver vertimento no sistema, o que representaria um desperdício de energia (custo de oportunidade zero) e, em conseqüência, um aumento desnecessário do custo de operação. Na Figura 3 se ilustra esta situação. 21 Decisão Esvaziar os reservatórios, para minimizar o custo de combustível Afluências futuras Altas Baixas Manter os reservatórios cheios e usar geração termoeléctrica PROCESSO DE Altas Baixas Conseqüências operativas Operação econômica Déficit Vertimento Operação econômica Figura 3 − Processo de decisão em um sistema hidrotérmico. Então na tomada de decisão da operação de um sistema hidrotérmico devese comparar o custo da geração de energia usando a água hoje versus o custo de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0024871/CB armazená-la hoje para usá-la depois. O primeiro pode ser representado através de uma Função de Custo Imediato (FCI), e o segundo através de uma Função de Custo Futuro (FCF). A palavra futuro significa que se está considerando todos os estágios futuros até o final do horizonte de planejamento. As duas funções são mostradas na Figura 4. Custo de Geração ($) Função Custo Imediato (FCI) Função Custo Futuro (FCF) Armazenamento final Figura 4 − Curvas de Função de Custo Imediato e Custo Futuro O eixo vertical representa o custo de geração em unidades monetárias, e o eixo horizontal apresenta o volume final armazenado no reservatório equivalente hoje. Analisando este gráfico podemos ver que a FCI aumenta com o volume final armazenado nos reservatórios. Isto ocorre porque a decisão de economizar água no presente está relacionada a um maior gasto com geração térmica no atendimento a demanda (neste caso o volume final da água é alto devido a que se 22 usou as térmicas). Deste modo, a FCI está associada ao gasto com geração térmica no estágio atual. Por outro lado, a FCF diminui com o volume final armazenado nos reservatórios, porque a decisão de economizar água no presente está relacionada a um menor uso de geração térmica no futuro. Então, a FCF está associada ao valor esperado do gasto com geração térmica e possíveis déficits no futuro para o atendimento a demanda. O custo total de geração é a somatória do valor de geração hoje mais o valor esperado dos custo de geração futura (ambos incluem o custo de racionamento). Como conseqüência do anterior, o uso ótimo da água armazenada nos reservatórios é aquele que minimiza a função custo total de geração. Vê-se a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0024871/CB Figura 5. Unidades Monetárias ($) FCI + FCF Função Custo Imediato (FCI) Função Custo Futuro (FCF) Decisão ótima Armazenamento final Figura 5 − Decisão ótima para o uso da água No sistema brasileiro não há ofertas de preço, os custos de oportunidade das hidrelétricas são calculadas pelo operador nacional do sistema (ONS) como se todas as usinas pertencessem a um único dono. O objetivo é assegurar a otimização operativa das usinas hidrelétricas em cascata e a integração interbacias. Como já se disse o cálculo do preço é feito através de um modelo computacional NEWAVE, sendo o preço de equilíbrio dado pelo Custo Marginal de Operação. 2.5.1. Software de otimização de médio prazo – NEWAVE O NEWAVE foi desenvolvido pelo CEPEL, que foi ajustado à realidade do mercado energético brasileiro para o planejamento da operação a médio prazo dos subsistemas hidrotérmicos interligados. Na Figura 6 se traz um esquema 23 simplificado dos modelos NEWAVE, DECOMP e DESSEM para à coordenação hidrotérmica de médio, curto e curtíssimo prazo respectivamente. Atualmente, estão em uso o NEWAVE e o DECOMP. Como já foi dito, este modelo tem como objetivo determinar as metas de geração dos blocos hidráulicos e de cada usina térmica em cada estágio, que atendam a demanda e minimizem o valor esperado do custo total de operação do PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0024871/CB sistema, para todo o período de planejamento. NEWAVE Médio prazo DECOMP Curto prazo DESSEM Curtíssimo Prazo Figura 6 − A operação do sistema elétrico brasileiro adotou uma cadeia de modelos de otimização O NEWAVE é composto de quatro módulos básicos: 1. Módulo de cálculo do sistema equivalente: Aqui são construídos os reservatórios equivalentes, para cada subsistema. 2. Módulo de energias afluentes: Neste módulo gera-se séries sintéticas de energias, através do modelo PAR(P). 3. Módulo de cálculo da política de operação hidrotérmica: Calcula a política de operação mais econômica representando-se as incertezas das afluências futuras. 4. Módulo da simulação da operação do sistema: Neste módulo faz-se a avaliação da política de operação, através da simulação da operação do sistema com diferentes cenários de energia. Estes cenários podem ser os históricos ou os gerados pelo mesmo modelo de geração de cenários descrito anteriormente. 2.5.2. Formação do preço no MAE (tight pool) Atualmente, a formação de preço no MAE é realizada num regime denominado tight pool, onde o despacho é definido centralizadamente pelo ONS 24 com base em uma cadeia de modelos computacionais de otimização. O preço spot no MAE é obtido a partir do CMO, calculados seguindo o mesmo procedimento de otimização, mas desprezando-se as restrições internas aos sub-mercados. No tight pool os geradores hidroelétricos, que respondem por aproximadamente a 88% da capacidade instalada do sistema (ver Figura 1), não podem fazer ofertas de preços por sua energia para compor o despacho. Ou seja, a capacidade de produção das usinas hidroelétricas é “ofertada” com base em custos de oportunidade calculados de forma centralizada pelo ONS. Da mesma forma os geradores termelétricos não fixam um preço por sua energia, sem embargo devem declarar seus custos variáveis de operação, os quais devem ser justificados tecnicamente. Na realidade tem-se observado que a declaração de custos variáveis tem funcionado muitas vezes como uma oferta de preços. Além do tight pool, existe um outro esquema que pode ser usado para a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0024871/CB determinação do despacho e formação do preço spot em sistemas hidrotérmicos; este é conhecido como, loose pool. Neste, as usinas hidroelétricas e as térmicas podem ofertar preços por sua energia. A avaliação da FCF, ou seja, do custo de oportunidade, ou valor do água, das usinas hidrelétricas associado à decisão de armazenar ou gerar, é feita individualmente pelos agentes hidrelétricos, através das ofertas realizadas por eles. Se um agente hidrelétrico deseja armazenar, então oferta um preço alto por sua energia para não ser despachado, e se deseja gerar oferta um preço baixo. (Oliveira, 2002). A utilização do tight pool é justificada por vários fatores, alguns deles são: - Presença de múltiplos proprietários de diferentes usinas hidrelétricas em uma mesma cascata, o que cria a necessidade de coordenação no despacho hidroelétrico; - Complexos vínculos hidráulicos entre usinas hidrelétricas; - Pouca presença termelétrica nos sistemas interligados brasileiros. 2.6. Análise descritiva da série do CMO publicada Como já foi dito, o preço spot é obtido com base no valor do CMO do modelo NEWAVE. A série do CMO é a série utilizada na aplicação do 25 procedimento de eliminação do ruído, e por isso, é de importância mostrar algumas características desta série. No planejamento da operação de médio prazo, o NEWAVE simula valores mensais do CMO até 5 anos. Os valores esperados futuros do CMO são dependentes dos dados de entrada ao NEWAVE, que têm uma configuração1 diferente a cada período e isto leva a uma mudança nos valores do CMO diferentes dos previstos em etapas anteriores. Por isto, são somente confiáveis os valores do CMO um passo à frente. Apesar dos resultados mensais do CMO não terem sido obtidos usando a mesma configuração (mesmo processo gerador de dados), observa-se que existe algum tipo de correlação entre estes dados mensais, (Medeiros, 2001). Os dados publicados gerados pelo NEWAVE, estão disponíveis a partir de janeiro de 1996 até hoje. Foram incorporados seis dados a partir de agosto de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0024871/CB 1995 à série gerada pelo NEWAVE. Antes do ano 1996 tinha-se outra forma de calcular os valores do CMO. O valor do CMO possui uma incerteza inerente devido a que todas as variáveis de entrada do modelo NEWAVE, exceto as vazões, são consideradas determinísticas. A idéia de aplicar o procedimento de filtragem não estará associado a esta incerteza (já que os valores do CMO fornecem os “valores reais” do preço de energia) e sem, à procura de componentes de alta freqüências (consideradas como ruído) da série volátil, para eliminá-las com o objetivo de alisar a serie, e assim, construir modelos de previsão que tenham melhores desempenhos. É por isto, que nesta dissertação se propõe utilizar a ferramenta de wavelets para conseguir o alisamento dos valores do CMO. A Figura 7 mostra a idéia de se aplicar o alisamento como passo prévio a modelagem de previsão. CMO (real) CMO (alisado) ALISAMENTO DA SÉRIE (Wavelets shrinkage) MODELOS DE PREVISÃO Figura 7 − Alisamento da série de CMO como passo prévio à modelagem de previsão 1 Isto é, a cada mês temos possivelmente usinas ou máquinas entrando no sistema, os intercâmbios de energia variam, a demanda varia, etc.