Anais do IV Simpósio Lutas Sociais na América Latina ISSN: 2177-9503 Imperialismo, nacionalismo e militarismo no Século XXI 14 a 17 de setembro de 2010, Londrina, UEL GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho A precarização dos trabalhadores trabalhadores do ar: os impactos da desregulamentação e da implementação de novas tecnologias no setor aéreo brasileiro Juliana Pacheco da Silva∗ O setor aéreo nos últimos quarenta anos passou por dois extremos: da “regulação estrita, marcada pelo maior cerceamento de estrutura e conduta de mercado – o que ficou conhecido como período da ‘competição controlada’” - para a chamada “‘Política de Flexibilização’ da aviação comercial, introduzida no início da década de 1990, e que resultou na quase total desregulamentação do mercado.” (OLIVEIRA, 2007, p. 5). Tais mudanças transformaram a década de 1990 em anos particularmente difíceis para a aviação brasileira. Os anos 2000, como resultado das medidas neoliberais implantas na década anterior, foram marcados pela falência das quatro grandes ∗ Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina. End. Eletrônico: [email protected] GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho 123 companhias aéreas nacionais que no governo militar faziam parte da política ‘4 nacionais e 5 regionais.’ (Varig, Vasp, Transbrasil e Cruzeiro do Sul). A Cruzeiro do Sul foi absorvida pelo grupo Varig em meados dos anos 1980. A Transbrasil parou de voar em 2001, deixando mais de 1.000 funcionários desempregados, sem salários e outras verbas trabalhistas. A Vasp entrou em recuperação judicial em 2005, tendo sua falência sido decretada em 2008. E por fim, a Varig, depois de inúmeras tentativas para evitar a concordata, foi vendida em março de 2007 para a Gol. As políticas neoliberais de abertura econômica do país e desregulamentação dos setores estratégicos da economia levou as empresas aéreas, até então protegidas pelo governo, a concorrerem diretamente entre si. De modo a não perder a competitividade, as maiores empresas aéreas do Brasil passaram por um processo de reestruturação, aliando um controle de custos operacionais à uma nova política organizacional. É nesse sentido que os “os traços característicos da mundialização”1 – principalmente a flexibilização – estão presentes não só na esfera do comércio internacional, mas principalmente no nível das empresas, tendo reflexos profundos no trabalhadores (CHESNAIS, 1996, p. 27). Nas palavras de Antunes: Esta forma flexibilizada de acumulação capitalista, baseada na reengenharia, na empresa enxuta, para lembrar algumas expressões do novo dicionário do capital, teve conseqüências enormes no mundo do trabalho. (ANTUNES, 2001, p.42) O fato dos aeronautas serem profissionais semi-qualificados, de nível técnico, os tornam mais adaptáveis ao trabalho flexível. O trabalho flexível é o reflexo no mundo do trabalho das transformações ocorridas no regime de acumulação, que de acordo com Harvey (2005, p. 136), passou da acumulação rígida do modelo fordista/keynesiano para a acumulação flexível do neoliberalismo, que privilegia o capital financeiro. Na prática, a exigência de flexibilidade no trabalho significou, para os trabalhadores, adaptar-se às novas estratégias das empresas em tentar reduzir ao máximo o trabalho vivo efetivo através da desregulamentação das relações de trabalho, da adoção de novas tecnologias e de uma nova política organizacional pautada na fragmentação dos processos de produção. Para se adequarem a esse novo contexto do capitalismo, as companhias de aviação civil adotaram medidas muito similares às adotadas pelas indústrias tradicionais. No caso dos transportes é difícil “se identificar (muito menos levar a cabo) soluções espaciais” (SILVER, 2005, p. 104-105), CHESNAIS utiliza o termo “mundialização” como uma alternativa à palavra globalização que, na opinião do autor, é um termo conceitualmente vago e carregado de ideologia. CHESNAIS define a mundialização como “uma fase específica do processo de internacionalização do capital e de sua valorização, à escala do conjunto das regiões do mundo onde há recursos ou mercados, e só a elas.” (CHESNAIS, 1996, p. 32) 1 GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho 124 por isso as soluções tecnológicas e a (des)regulamentação, por parte do Estado, foram muito mais efetivas para o controle dos trabalhadores. Podemos perceber, no Brasil, que durante toda década de 1990 até nossos dias, as companhias aéreas, de modo a recuperar a lucratividade dos áureos tempos, adotaram medidas tecnológicas/organizacionais para reduzir ao máximo o trabalho vivo. Também é possível perceber o papel desregulamentador do Estado na portaria RBHA 141172 do Departamento de Aviação Civil (DAC), que foi responsável por estabelecer uma “taxa natural de desemprego” (ANDERSON, 1995, p. 11) entre os aeronautas. Durante os anos 1970 e até final da década de 1980, pilotos e comissários gozavam de um prestígio muito grande dentro das grandes companhias aéreas brasileiras. Em geral, estes trabalhadores eram escolhidos jovens, entre as camadas médias da sociedade, através de um rígido processo de seleção que avaliava não só a fluência em inglês do candidato (condição indispensável), mas também o ‘estilo’ da pessoa3. Depois de selecionados, os trabalhadores passavam por um curso técnico que era ministrado dentro da própria empresa. E somente após tirarem a licença do DAC, os aeronautas estavam habilitados a voar, inicialmente ocupando as mais baixas posições hierárquicas. Devido a esta peculiaridade na formação da tripulação, que demandava, por parte das empresas, investimentos no treinamento e aperfeiçoamento dos trabalhadores, estes profissionais eram incentivados a fazer carreira dentro da companhia aérea, e gozavam de uma relativa estabilidade, poder de barganha e possibilidade de ascensão no emprego. Nos anos 1990, uma das primeiras medidas para a redução de custos tomada pelas companhias nacionais foi declarar o fim de seus centros de treinamento para reduzir os gastos com a formação da tripulação. Várias companhias cortaram os seus programas de treinamento de pilotos e comissários e passaram a recrutar esses profissionais de empresas terceirizadas, que se especializaram em formar trabalhadores para o setor aéreo. As empresas não mais precisaram gastar com a formação de seus trabalhadores, pois estes passaram a arcar com os custos de seus treinamentos. Em outras palavras, os gastos referentes à formação dos aeronautas não mais saem dos cofres da empresa, mas sim do bolso dos próprios trabalhadores, que arcam com o custo do treinamento sem Esta portaria autorizou a formação de escolas de aviação civil por todo país aumentando o número de aeronautas disponíveis no mercado. Cf. (ALMEIDA; FERNANDEZ, 2005) 3 De acordo com AGUIAR (1999, p.21), o critério da boa aparência procurado pelas empresas aéreas vai além dos aspectos cor e beleza física, buscando também sinais que indiquem um “pertencimento do candidato ao gosto e ao estilo de vida no mínimo da classe média.” 2 GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho 125 nenhuma segurança de que serão contratados posteriormente pelas companhias aéreas. Tal procedimento foi regulamentado em 1992, e tirou completamente a responsabilidade pela formação dos aeronautas das empresas aéreas: A mais recente alteração sofrida por este sistema de formação se deu em 1992 quando o IAC (Instituto de Aviação Civil) decidiu-se por desvincular a formação inicial das empresas aéreas e trazê-la para instituições particulares, denominadas escolas de aviação civil. Essa desvinculação ocorreu em razão de um novo documento conhecido por RBHA 14117, que regulamentou, autorizou e deu poder ao DAC e conseqüentemente ao IAC para homologação das escolas que passariam a formar os futuros comissários de vôo para as empresas brasileiras.” (ALMEIDA; FERNANDEZ, 2005, p. 59). As escolas de aviação civil, que proliferaram por todo o Brasil com a resolução do IAC, ficaram com a incumbência de formar comissários e pilotos para as companhias. Por se tratarem de empresas particulares, que exploram o sonho das pessoas de participarem do glamour da aviação, foram formadas muitas pessoas sem que houvesse vaga para a maioria delas4. O resultado disso foi a criação de um exército de trabalhadores reservas. A conseqüência imediata da maior oferta de força de trabalho foi desemprego e arrocho salarial. Enquanto para os trabalhadores essa política gerou instabilidade, para as companhias significou lucros: [..] o custo real médio com mão-de-obra [sic.] tem declinado no tempo, em comparação uma tendência baixista nos anos de 1999 a desde então. Isto é um claro indicativo de produtividade no setor (menores custos (OLIVEIRA, 2007, p.23, grifo nosso) das companhias aéreas com 1997, apresentando 2001, e se estabilizando uma trajetória de maior por hora voada) [...] Essa produtividade de que fala Oliveira só pôde ser conquistada pela redução dos custos da produção (combustível, leasing, manutenção etc.) “somados à mais-valia, criada pelo mais-trabalho dos trabalhadores empregados na indústria dos transportes.” (MARX, 1983, pp. 42-43). O aumento de trabalhadores qualificados no mercado de trabalho, dispostos a trabalharem nos novos parâmetros das empresas e ganhando o piso da categoria5, levou os funcionários de carreira a perderem sua estabilidade e poder de barganha. Assim, foram sendo inseridas medidas que 4 Para se ter uma idéia Londrina possui uma escola de aviação. Aqui o curso de comissariado de vôo custa cerca de R$ 1.200,00 e o de piloto comercial, sem contar as horas de vôos, R$ 1.000,00. 5 O Sindicato dos Aeronautas, em convenção coletiva em 2009, estabeleceu o piso salarial de comissários em R$ 1.202,04 e o piso salarial dos pilotos em R$ 2.404,08. GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho 126 aumentaram consideravelmente as horas trabalhadas, encontrando pouca resistência organizada por parte da tripulação. Em conjunto com essas reformas no que diz respeito à formação do aeronauta, surgiram, nos anos 1990 e 2000, inovações significativas nos recursos tecnológicos utilizados pelas empresas. Acompanhando o boom da informática, as empresas da aviação civil eliminaram processos que antes demandavam a força humana, como o caso dos mecânicos de vôo. De acordo com Peña Castro (apud WOLFF, 2005, p. 135): As mudanças tecnológicas são um instrumento fundamental da chamada estratégia pós-fordista, porque servem de base material a novos métodos de produção e de gestão empresarial e, também, porque propiciam a implementação de novas formas de organização do trabalho. Nesse sentido, a partir dos anos 1990, várias companhias aéreas brasileiras como a TAM começaram a renovar sua frota de aeronaves. Historicamente, o uso de novas tecnologias sempre fez parte da aviação civil e permitiu vôos mais velozes e viagens mais seguras. Por outro lado, para os aeronautas, estas mesmas tecnologias provocaram a extinção de empregos, um maior controle do seu tempo de trabalho e a expropriação do saber do piloto. De acordo com Coriat (1985) a utilização de técnicas e tecnologias pelo capital está longe de ser um processo neutro (apesar de se apresentar como tal). Trata-se de um processo político que visa excluir o trabalhador do processo produtivo, fazendo deste um mero apêndice para a reprodução do capital. Nesse sentido, a afirmação de Wolff (2005, p. 124) quando diz que a “informática coloca-se como uma ferramenta imprescindível para a lucratividade dos grandes grupos” se mostra extremamente pertinente no setor aéreo, uma vez que as novas tecnologias possibilitaram novas formas de acumulação e valorização do capital, precarizando ao máximo o trabalho vivo dos aeronautas sem, contudo, conseguir eliminá-lo. Isso também demonstra a assimilação da lógica da indústria nesse setor, já que as estratégias utilizadas pelas companhias aéreas para manter a lucratividade são as mesmas utilizadas pela indústria: novas tecnologias para suprimir e simplificar o trabalho vivo. A implementação de novas tecnologias na aviação civil provocou a racionalização e simplificação das tarefas e o enxugamento do pessoal. Em seu artigo “A queda do terceiro homem”, Aguiar (1999) faz uma análise da extinção do mecânico do vôo, chamado terceiro porque ocupava a cabine com o piloto e o co-piloto. Essa profissão foi praticamente extinta porque: GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho 127 [...] a partir do final da década de 1980 começam a cruzar os céus as aeronaves com o controle de sistemas automatizado por computadores operados pelos próprios Pilotos, dispensando assim o painel de controles, cuja responsabilidade ficava a cargo do Mecânico de Vôo.” (AGUIAR, 1999, p.06). As tarefas que antes eram do mecânico de vôo e não foram absorvidas pela inteligência artificial, tais como vistoriar os aviões e cuidar da burocracia, passaram a ser agregadas à função de piloto. Apesar dessa acumulação de funções, o pilotar tem se tornado cada vez mais simplificado. Nesse sentido, a fala de um piloto, transcrita de Aguiar (1999, p. 14), é reveladora: Então, compra-se aviões mais fáceis e se ensina o Piloto a voar esse avião fácil - facinho, facinho, qualquer criança que saiba brincar de fliperama é capaz de pilotar esse avião. E não dão aquela importância de ter o pessoal absolutamente preparado. Porque se eu te mostrasse um manual de como se pilota ou como se administra um avião moderno desses, você acabaria lendo aquilo, entendendo como a coisa funciona e, o manual ele até faz uma relação e propõe soluções para o que possa acontecer com o avião. A informatização da aeronave torna a função de pilotar o avião muito simples, exigindo pouco raciocínio por parte dos pilotos, já que a maior parte das funções passa a ser automatizada. Há, por isso, uma significativa perda da autonomia por parte dos pilotos e uma supressão da criatividade humana. Um estudo sobre a saúde dos aeronautas revela que os pilotos sofrem psicologicamente com a atual situação da cabine, pois sentem-se subestimados e desvalorizados pela empresa: [...] muitas vezes, a engrenagem administrativa oculta ou omite a dimensão cognitiva, a dimensão simbólica do homem trabalhador. Assim, o piloto, com o grande número de aparelhos informatizados e automatizados, começa a perder sua identidade de aviador, para tornar-se um operador de sistema altamente especializado [...] (ASSIS; MATTOS; PALMA, 1998, p. 3, grifo nosso) Uma vez que o pilotar passa a ser todo incorporado pela máquina, há um empobrecimento da atividade do piloto, uma expropriação do saber do Comandante. O conhecimento está agora contido na máquina informatizada e ao piloto resta zelar pela segurança do vôo. O piloto deixa de pilotar para ser um mero operador de um sistema extremamente especializado. Dessa forma, torna-se um apêndice da máquina, uma coisa, e sua humanidade é diminuida ao máximo: De fato, a idéia de transformar o corpo do trabalhador em um “motor humano”, que deve funcionar em todas as horas do dia, desqualificando-o quanto à sua história, seus desejos e aspirações e transportando-o para o mundo dos “objetos”, circula como verdade e GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho 128 integra-se no discurso comum a todas as camadas desta organização. Isto pode ser percebido quando os pilotos comentam que "são acionados para o vôo". (PALMA, 2002, p. 143). A habilidade e o talento são considerados fontes de erros e cedem espaço para a operação padronizada dos equipamentos de vôo. O piloto fica à sombra da automatização. Esta é supostamente a prova de erros, por isso quando ocorre um acidente, a falha humana é a primeira a ser apontada como a causa: [...] a chamada precisão tecnológica da automação e sua pretensa infalibilidade, presente no senso comum, e os diversos interesses econômicos que envolvem a cadeia produtiva da aviação, fazem recair sobre a categoria, mais do que nunca, o peso de qualquer insucesso que em geral tem conseqüências trágicas, o que recentes casos de acidentes com aeronaves automatizadas, colocam sob suspeita. (AGUIAR, 1999, p. 23) O uso de aviões maiores e mais modernos também causou uma intensificação do trabalho dos comissários de bordo. A tecnologia aérea aumentou o tamanho dos aviões e a quantidade de passageiros transportados em cada vôo, sem necessariamente aumentar o número de comissários, pois este número é legalmente definido de acordo com o número de portas da aeronave6. Além disso, o aumento da velocidade das aeronaves possibilitou vôos mais curtos e consequentemente um trabalho de bordo mais rápido. Vôos mais curtos, marcados por escalas em diversas cidades, são uma opção lucrativa para as companhias aéreas. Contudo, para os pilotos e comissários escalas significam uma intensificação do trabalho. Em geral, enquanto as atividas da cabine se tornam mais intensas (durantes as decolagens e os pousos) a tripulação de bordo possui uma baixa carga de trabalho. Por outro lado, quando o avião se estabiliza no ar, e aos pilotos só resta fiscalizar os aparelhos, os comissários estão num “rítimo frenético de trabalho” (ASSIS, MATTOS, PALMA, 1998, p.4). Assim, em vôos mais curtos, a intensidade de trabalho é muito maior tanto para os pilotos quanto para os comissários. Para os pilotos significa mais pousos e decolagens e para os comissários resulta num serviço de bordo ultra-rápido para atender a todos os passageiros em apenas alguns minutos. E ao fim de cada escala o serviço de bordo se renova. Para dar conta de todos os passageiros é necessário um rígido controle dos tempos e movimentos dos comissários. Nesse sentido, assim 6 Aeronaves mais modernas conseguem espremer um maior número de passageiros sem necessariamente aumentar o número de portas. GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho 129 como no Taylorismo, “o controle de tempos e movimentos é justificado como fornecedor de economia de gestos e aumento de produtivdade” (HELOANI, 1994, 17). Ao invés de aumentar o número de comissários por aeronave, treina-se estes para se movimentarem agilmente nos estreitos corredores dos aviões e maquinalmentente servirem e limparem os restos de comida num curto espaço de tempo. Essa economia e monotonia de gestos também gera um empobrecimento do trabalho do comissariado, pois a medida que se torna automático, maquinal, perde sua dimensão criativa. Além disso, como forma de cortar custos com hospedagem e alimentação, as companhias aéreas reduziram ao mínimo os dias de inatividade fora da base. Os dias de inatividade são uma exigência para evitar a fadiga e o cansaço acumulado dos aeronautas durantes longos períodos de trabalho. São os dias de inatividade fora da base que permitem que os aeronautas conheçam e desfrutem de diversos lugares do globo. No passado, empresas como a Varig permitiam que seus tripulantes ficassem até dez dias em inatividade fora da base, proporcionando hospedagem e alimentação para os trabalhadores. Porém, a partir dos anos 1990, esses dias foram consideravelmente reduzidos para o mínimo previsto em lei. Atualmente é comum se fazer rotas cansativas e desgastantes, com pouquíssimo tempo de descanso. Com todas essas alterações tecnológicas e organizacionais, as companhias aéreas brasileiras conseguiram reduzir consideravelmente o número de seus trabalhadores sem, contudo, ferir a lei. E como normalmente acontece, fim do trabalho para uns, significa mais trabalho para outros. A adoção de novas tecnologias e uma política organizacional marcada pelo maior controle do tempo das operações gerou uma intensificação no trabalho daqueles aeronautas que permaneceram efetivos. Essa intensificação foi refletida na saúde dos comissários e pilotos. Num estudo sobre a saúde dos aeronautas, Assis, Mattos e Palma (1998) declaram que: [...] considerar o discurso em voga, de que "a aviação contemporânea é o transporte mais seguro" ou "que não apresenta riscos (à segurança) e acidentes", é desconsiderar que, embora felizmente aconteçam poucos acidentes, os riscos inerentes à saúde dos aeronautas podem estar crescendo. (ASSIS; MATTOS; PALMA, 1998, p.6) Diante disso, conclui-se que a precarização do trabalho é um fenômeno inerente ao capitalismo e atinge, cada vez mais trabalhadores, mesmo os anteriormente privilegiados, como os comissários e pilotos, o que desperta interesse em ter os aeronautas como objeto de estudo do fenômeno. Tal como nas indústrias tradicionais, a mesma fórmula que vem moldando os novos tempos do capitalismo ganhou altitude e afeta até mesmo a saúde daqueles trabalhadores que vivem de voar. GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho 130 Bibliografia AGUIAR, A. I. A queda do terceiro homem: o impacto de novas tecnologias e organização do trabalho sobre os aeronautas. In: Encontro Anual da Anpocs, 23º; 1999, Caxambu, MG. Anais, 1999. Disponível em: <sindicalismo.pessoal.bridge.com.br>. Acesso: 15 out. 2008. ALMEIDA, Maurício Libreti de; FERNANDEZ, Senira Anie Ferraz. A formação dos comissários de vôo no Estado de São Paulo. Pesquisa em Debate. 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