UMinho|2014
Tânia Alexandra Ferreira Rodrigues Estudo das Interações Bacterianas do Microbioma da Pneumonia Associada à Ventilação Sujeito a Antibioterapia
Universidade do Minho
Escola de Engenharia
Tânia Alexandra Ferreira Rodrigues
Estudo das Interações Bacterianas do
Microbioma da Pneumonia Associada
à Ventilação Sujeito a Antibioterapia
outubro de 2014
Universidade do Minho
Escola de Engenharia
Tânia Alexandra Ferreira Rodrigues
Estudo das Interações Bacterianas do
Microbioma da Pneumonia Associada
à Ventilação Sujeito a Antibioterapia
Dissertação de Mestrado
Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica,
Ramo Engenharia Clínica
Trabalho efetuado sob a orientação da
Professora Doutora Maria Olívia Pereira
outubro de 2014
DECLARAÇÃO
Nome: Tânia Alexandra Ferreira Rodrigues
Título dissertação: Estudo das Interações Bacterianas do Microbioma da Pneumonia Associada à
Ventilação Sujeito a Antibioterapia
Orientador: Maria Olívia Pereira
Ano de conclusão: 2014
Designação do Mestrado: Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica
Ramo: Engenharia Clínica
Escola: de Engenharia
Departamento: de Engenharia Biológica
DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO EM VIGOR, É PERMITIDA A REPRODUÇÃO DE QUALQUER PARTE
DESTA DISSERTAÇÃO
Universidade do Minho, 31/10/2014
Assinatura: _____________________________________________________________________
ii
Agradecimentos
Quero agradecer a todas as pessoas que me ajudaram na realização desta dissertação, que
representa a concretização de um grande e importante objetivo da minha vida, a conclusão do meu curso.
Em primeiro lugar à Dra.Professora Olívia Pereira, pela motivação e os incentivos que fizeram
com que a realização deste tema fosse possivel; pela disponibilidade, apoio e partilha de conhecimentos
que em muito me ajudaram e fizeram com que tudo corresse bem.
Às amigas e colegas do LIBRO. À Paula Jorge, pelos conhecimentos transmitidos, pela total
disponibilidade e apoio prestado. À Dra. Susana Lopes, agredeço em especial a ajuda na realização do
ensaio de microscopia e o apoio prestado em diversos momentos. À Diana Alves, pela constante
motivação e ajuda. À Ana Sousa, sempre pronta a ajudar. À Maria João, à Sofia Lima e à Rita Seixo,
obrigada pela amizade; e à Marisa Gomes pela amizade e pelos bons momentos. À Ana Silva: pela
amizade que construímos neste ano, pelos bons momentos de trabalho, pela partilha de angústias e de
alegrias, por mesmo distante estar presente nos momentos mais importantes. A
todas voçês, muito
obrigada por me terem recebido bem.
Ao Dr. Pedro Silveira, médico pneumologista, pelos ensinamentos e material cedido sobre a
pneumonia.
Também a outras pessoas que estiveram comigo neste percurso, que apesar de não estarem
diretamente ligadas a esta dissertação, foram muito importantes para que eu o conseguisse concretizar.
Por isso, o meu obrigada:
Aos meus pais, pelo apoio que me deram. Em particular à minha Mãe pelo esforço ao longo destes
anos, pela compreensão e motivação, por teres sempre acreditado em mim; a ti: devo-te tudo!
Ao Filipe, pelo carinho, amor, paciêcia, otimismo, por me fazeres levantar a cabeça nos momentos mais
difíceis e mostrar-me que era capaz; e claro, por me fazeres feliz!
A toda a minha família (Madrinha e Tio Nel, Tio Quim e Minda, Ilda, Rui e D. Alice), obrigada.
iii
iv
Resumo
Estudo das Interações Bacterianas do Microbioma da Pneumonia Associada à Ventilação Sujeito a
Antibioterapia
A ventilação assistida é um método de suporte à vida que surge na necessidade de assegurar a respiração pulmonar
e/ou como forma medicamentosa. Mas tal como em qualquer outra prática clínica, a ventilação assistida não está isenta
de riscos e complicações, surgindo frequentemente a pneumonia associada à ventilação (PAV). No que respeita ao
tratamento da PAV bacteriana, atualmente os fármacos mais prescritos ainda são antibióticos, que contribuem também
como importantes agentes profiláticos. Contudo, a emergência da resistência aos antibacterianos tem levantado sérios e
preocupantes paradigmas no que respeita ao sucesso do tratamento da PAV. Por conseguinte, só recentemente a
prevalência de biofilmes mistos e o seu envolvimento nas formas mais graves da infeção têm sido considerados, pelo que
as certezas sobre a influência de diferentes espécies microbianas na evolução e resolução clínica da PAV são ainda muito
escassas e insuficientemente compreendidas. Em virtude disso, é clara a necessidade de explorar de forma mais
criteriosa a associação polimicrobiana e a resposta a fatores de stresse. Nesse sentido, o principal objetivo deste trabalho
foi observar o comportamento in vitro de diferentes comunidades bacterianas (culturas simples e polibacterianas de duas
e três espécies), quando sujeitas ao tratamento com um antibiótico, a Tobramicina (Tob). As espécies usadas neste
estudo são frequentemente detetadas em casos clínicos de PAV: Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus aureus,
Acinetobacter baumannii, e Klebsiella pneumoniae.
Inicialmente foi observada a capacidade de formação de biofilmes isolados e em co-cultura, por análise da viabilidade
celular (determinando UFCs) e da biomassa total (através o método do violeta cristal - CV). Com o objetivo de avaliar a
prevalência de espécies nos biofilmes formados por P.aeruginosa, uma vez que se trata do microrganismo mais
implicado na PAV, os biofilmes constituído pela bactéria foram observados por microscopia usando a técnica de PNA
FISH. As interações bacterianas sujeitas a antibioterapia foram observadas na forma plantónica e em biofilme. Os
biofilmes formados por P.aeruginosa foram sujeitos à Tob durante a fase de crescimento. Nos biofilmes resultantes da
combinação de todas espécies, a Tob foi administrada só após o crescimento do biofilme por 24 h. Nas células
plantónicas determinaram-se as concentrações mínimas de inibição (CMI) e bactericida (CMB) da Tob das culturas
isoladas e co-culturas.
Observou-se que as espécies têm diferentes capacidades de formação de biofilme, especialmente evidenciada na
biomassa. Os biofilmes formados por S. aureus, A. baumannii, e o consórcio S. aureus com K. pneumoniae,
apresentaram menores valores de biomassa que os restantes biofilmes. Em relação à prevalência entre espécies, a P.
aeruginosa, com exceção da combinação com A. baumannii, foi detetada em maior número que a(s) demais espécie(s)
em co-cultura. Nos biofilmes crescidos com Tob, a ação do antibiótico na redução da viabilidade e da biomasaa foi
significativa (p<0,05) em todos os biofilmes mesmo nas menores concentrações de antibiótico. Além disso não se
detetou viabilidade celular nos biofilmes de P. aeruginosa, P. aeruginosa com S. aureus e A. baumannii, e P. aeruginosa
com S. aures e K. pneumoniae a partir de 32 µg/mL de Tob. Nos biofilmes pré-formados os consórcios de dupla espécie
parecem revelar maior tolerância à Tob que as comunidades triplas e simples. Mas em todos os casos a Tob provocou
reduções de biofilme (p<0,05) com diferentes concentrações, dependendo dos microrganismos na cultura. Também no
estado plantónico, as culturas formadas por duas espécies parecem revelam maiores exigências, ao passo que as
constituídas por uma só espécie e pela combinação de três espécies apresentaram maior sensibilidade.
Após a conclusão deste trabalho laboratorial é agora mais claro que as interações entre diferentes microrganismos
podem contribuir para o progresso da doença. Em geral, os resultados parecem apontar que os ambientes
polibacterianos constituem um habitat favorável à sobrevivência dos microganismos, tanto no estado plantónico como em
biofilme, pois as interações estabelecidas parecem ser mutuamente benéficas. A presença de um terceiro interveniente
poderá alterar a virulência e o fenótipo de todo o microbioma, pelo que outros estudos seriam necessários para
esclarecer e perceber quais os mecanismos despoletados pela presença de uma terceira bactéria.
Palavras-Chave: Biofilme, Co-cultura, Isolados, PAV, Plantónico, Tob.
v
vi
Abstract
Study of Bacterial Interactions in the Microbiome of Ventilator Associated Pneumonia Subjected to
Antibiotherapy
Assisted ventilation is a method for life support that emerged on the need to ensure the pulmonary respiration and/or as a
drug form. However, as in any clinical practice, assisted ventilation is not free of risks and complications and, frequently,
ventilator associated pneumonia appears (VAP). Regarding the treatment of bacterial VAP, antibiotics are still the most
prescribed drugs, having also an important role as prophylactic agents. However the emergence of antimicrobial
resistance has been raising serious and troubling paradigms in the successful treatment of VAP. Consequently, only
recently, the prevalence of mixed biofilms and their involvement in the most severe forms of infection have been
considered. Therefore, the certainties about the influence of different microbial species in the evolution and clinical
resolution of VAP are still scarce and not sufficiently understood, hence it is noticed a clear need to explore more
thoroughly the polymicrobial association and the response to stress factors. According, the main objective of this study
was to observe the in vitro behaviour of different bacterial communities (single and polymicrobial cultures composed of
two and three species) subjected to treatment with an antibiotic, Tobramycin (Tob). Species used in this study are
frequently detected in clinical VAP: Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus aureus, Acinetobacter baumannii and
Klebsiella pneumoniae.
In a first step, biofilm formation of single and polymicrobial biofilms was accessed for cellular viability (determining CFUs)
and for total biomass production (by Cristal Violet Staining-CV). Since P.aeruginosa is the major responsible for PAV,
prevalence of species in mixed biofilms composed of this pathogen was assessed by microscopy using PNA FISH
technique. Bacterial interactions subjected to antibiotherapy were observed in planktonic form as well as in biofilm.
P.aeruginosa biofilms were subjected to Tob during the growth phase. In biofilms resulting from the combination of all
species, Tob was administered only after 24 h of biofilm growth. In case of planktonic cells, Minimal Inhibitory (MIC) and
Minimal Bactericidal Concentrations (MBC) of Tob were accessed in single and polymicrobial cultures.
Species presented different capacity of biofilm formation mainly in terms of biomass production. Biofilms produced by S.
aureus, A. baumannii and S. aureus mixed with K. pneumoniae presented a reduced biomass production when compared
to others. Regarding species prevalence, P. aeruginosa was always predominant, except in presence of A. baumannii. In
biofilms grown in presence of Tob, antibiotic action was significantly effective in reducing viability and biomass production
(p<0,05) in all biofilms even at the lower concentrations. Further, any viability was detected in P.aeruginosa, P.aeruginosa
with S.aureus and A.baumannii; and P. aeruginosa with S. aureus and K. pneumoniae for values superior or equal to 32
µg/mL. In case of pre-formed biofilms, dual-species consortia seemed to reveal higher tolerance to Tob when compared
to simple and triple communities. However, Tob was able to provoke biofilm reduction (p<0,05) in all cases, being the
necessary concentrations dependent on the communities. Moreover, in planktonic state, cultures formed by two species
revealed higher requirements, whereas the single and triple presented higher susceptibility.
After the conclusion of the experiments, is now clearer that interactions between different microorganisms might
contribute for disease progression. Generally, results seemed to indicate that polymicrobial environments constitute a
prosperous habitat for microorganisms survival, both in planktonic and biofilm state, once the established interactions
seem to be mutually favourable, also the presence of a third intervenient might change the virulence and phenotype of all
microbiome. For this reason, other studies are necessary to understand which mechanisms are triggered by the presence
of a third bacterium.
Keywords: Biofilm, Co-culture, Isolates, VAP, Planktonic, Tob.
vii
viii
Índice Geral
Agradecimentos................................................................................................................................... iii
Resumo ..................................................................................................................................................v
Abstract ............................................................................................................................................... vii
Índice de Figuras .................................................................................................................................. x
Índice de Tabelas ............................................................................................................................... xii
Lista de Abreviaturas ........................................................................................................................ xiv
Capítulo 1 Introdução ......................................................................................................................... 1
1.1.
Contextualização ..................................................................................................................... 3
1.1.1.
Fisiologia do Sistema Respiratório ................................................................................... 3
1.1.2.
Infeções Associadas aos Cuidados de Saúde ................................................................... 4
1.2.
Diagnóstico e Implicações Clínicas da PAV .............................................................................. 5
1.3.
Biofilmes Bacterianos.............................................................................................................. 7
1.4.
Tratamento Antimicrobiano da PAV ....................................................................................... 10
1.5.
Principais Microrganismos Causadores da PAV...................................................................... 14
1.5.1. Pseudomonas aeruginosa .................................................................................................. 14
1.5.2. Staphylococcus aureus ...................................................................................................... 15
1.5.3. Acinetobacter baumannii ................................................................................................... 15
1.5.4. Klebsiella pneumoniae ....................................................................................................... 16
1.6.
Objetivos e Organização deste Trabalho ................................................................................ 17
Capítulo 2 Materiais e Métodos ...................................................................................................... 19
2.1.
Microrganismos .................................................................................................................... 21
2.2.
Meios de Cultura e Preservação ............................................................................................ 21
2.3.
Antibiótico............................................................................................................................. 22
2.3.1. Preparação das Soluções de Antibióticos............................................................................ 22
2.3.2. Controlo da Potência Antimicrobiana.................................................................................. 22
2.4.
Criopreservação e Ativação Celular ........................................................................................ 23
ix
2.5.
Formação do Pré-inóculo ...................................................................................................... 23
2.6.
Ajuste da Concentração Celular............................................................................................. 23
2.7.
Formação de Biofilme ........................................................................................................... 24
2.8.
Suscetibilidade em Biofilmes ................................................................................................. 24
2.9.
Caraterização dos Biofilmes .................................................................................................. 25
2.9.1. Viabilidade Celular ............................................................................................................ 25
2.9.2. Quantificação da Biomassa Total ...................................................................................... 26
2.9.3. Microscopia por PNA FISH ................................................................................................ 26
2.10.
Suscetibilidade das Células Plantónicas................................................................................. 27
2.11.
Análise Estatística ................................................................................................................. 28
Capítulo 3 Resultados e Discussão ................................................................................................. 29
3.1.
Caraterização dos Biofilmes Formados .................................................................................. 31
3.2.
Determinação da Espécie Prevalente em Biofilmes Mistos .................................................... 36
3.3.
Efeitos da Antibioterapia em Biofilmes .................................................................................. 37
3.3. 1. Biofilmes Desenvolvidos na Presença de Tobramicina ........................................................37
3.3.2. Biofilmes Pré-Formados Submetidos à Tobramicina .......................................................... 40
3.4.
Efeitos da Antibioterapia em Células Plantónicas ................................................................... 45
Capítulo 4 Conclusões e Perspetivas ............................................................................................. 49
4.1.
Conclusões ........................................................................................................................... 51
4.2.
Prespetivas para Trabalhos Futuros....................................................................................... 53
Capítulo 5 Referências Bibliográficas ............................................................................................ 55
Capítulo 6 Anexos ............................................................................................................................. 63
6.1.
Curvas de Calibração ............................................................................................................ 65
x
Índice de Figuras
Figura 1.1: O ciclo de vida do biofilme. 1. Deposição na superfície, 2. Adesão celular à superfície, 3.
Produção de matriz, 4. Desenvolvimento e amadurecimento, 5. Libertação de células para o
ambiente
envolvente
e
outras
superfícies
de
colonização
(Adaptado
de:
http://www.emerypharmaservices.com/). ....................................................................................... 8
Figura 1.2: Diagrama ilustrativo das etapas de formação de biofilme multiespécie: a) Colonização da
superfície; b) Desenvolvimento, divisão celular e composição de microcolónias; c) Co-adesão de
células simples, co-agregação de células ou de grupos de microrganismos; d) Maturação e formação
de mosaicos clonais em biofilme multiespécie (Adaptado de [18]).................................................... 9
Figura 1.3: Representação resumo do mecanismo da ação dos antibióticos (Adaptado de [23]). .......... 12
Figura 1.4: Efeito do aminoglicosídeo sobre a síntese de proteínas. A.O aminoglicosídeo (representado
pelos círculos pretos) liga-se à unidade ribossómica 30s e interfere na iniciação de síntese de
proteínas fixando o complexo 30s-50s no códão de iniciação do RNAmensageiro, bloqueando a
tradução da mensagem e causando erro de leitura que leva a B. encerramento prematuro da
tradução com libertação do complexo ribossómico e síntese de proteína incompleta ou C.
Incorporação de aminoglicosídeo incorreto (indicado por X preto), resultando em proteínas anormais
ou não funcionais (Adaptado de [18]). ........................................................................................... 13
Figura 3.1: Caraterização dos biofilmes simples e mistos formados sem antibiótico. P.a.: Pseudomonas
aeruginosa, A.b.: Acinetobacter baumannii, S.a: Staphylococcus aureus, K.p.: Klebsiella pneumoniae.
*: Diferenças estatisticamente significativas (one-way Anova, p<0,05) – referência: biofilme formado
por P.aeruginosa. .......................................................................................................................... 31
Figura 3.2.2: Contagem das células visíveis ao microscópio através do softaware ImageJ ®. As barras
cinza escuro representam o total de células detetadas (todas as azuis por correspondência à Figura
3.2.1) e as barras cinza claro apenas células marcadas com sonda desenhada para P.aeruginosa
(todas as células vermelhas por correspondência Figura 3.2.1). P.a.: Pseudomonas aeruginosa, A.b.:
Acinetobacter baumannii, S.a: Staphylococcus aureus, K.p.: Klebsiella pneumoniae. ...................... 35
Figura 3.3.1: Caraterização de biofilmes com P.aeruginosa crescidos na presença de Tob. P.a.:
Pseudomonas aeruginosa, A.b.: Acinetobacter baumannii, S.a: Staphylococcus aureus, K.p.:
xi
Klebsiella pneumoniae *: concentrações (µg/mL) que apresentaram diferenças estatisticamente
significativas (two-way Anova, p<0,05). .......................................................................................... 38
Figura 3.3.2: Caraterização de biofilmes monobacterianos pré-formados (24 h) submetidos a Tob. P.a.:
Pseudomonas aeruginosa, A.b.: Acinetobacter baumannii, S.a: Staphylococcus aureus, K.p.:
Klebsiella pneumoniae *: concentrações (µg/mL) que apresentaram diferenças estatisticamente
significativas (two-way Anova, p<0,05). .......................................................................................... 40
Figura 3.3.3: Caraterização de biofilmes de co-cultura duplas pré-formadas (24 h) submetidos a Tob.
P.a.: Pseudomonas aeruginosa, A.b.: Acinetobacter baumannii, S.a: Staphylococcus aureus, K.p.:
Klebsiella pneumoniae *: concentrações (µg/mL) que apresentaram diferenças estatisticamente
significativas (two-way Anova, p<0,05). .......................................................................................... 42
Figura 3.2.4: Caraterização de biofilmes de co.-culturas de três espécies pré-formados (24 h)
submetidos a Tob. P.a.: Pseudomonas aeruginosa, A.b.: Acinetobacter baumannii, S.a:
Staphylococcus aureus, K.p.: Klebsiella pneumoniae *: concentrações (µg/mL) que apresentaram
diferenças estatisticamente significativas (two-way Anova, p<0,05)................................................. 43
Figura 6.1: Curvas de calibração de crescimento dos isolados clínicos de expetoração:........................ 65
xii
Índice de Tabelas
2.1.
Curvas de calibração do crescimento bacteriano em TSB ………….………..………………………
24
3.3.1. Avaliação da suscetibilidade em células plantónicas à tobramicina……………………............... 46
3.3.2. Comparação das CMIs determinadas com Breakpoints clínicos EUCAST (CMI e ECOFFS)
para tobramicina………………………………………………………………………………………………….
xiii
46
xiv
Lista de Abreviaturas
A. baumanni
Acinetobacter baumannii
rpm
Rotações por minuto
ACC
N-acetiltransferases
S. aureus
Staphylococcus aureus
ADN
Ácido desoxirribonucleico
TET
Tubo endotraqueal
ANT
O-adeniltransferases
TSA
Tryptic Soy Agar
APH
O-fosfotransferases
TSB
Tryptic Soy Broth
ARN
Ácido ribonucleico
Tob
Tobramicina
ATP
Adenosina trifosfato
UFC
Unidade Formadora de
Colónia
CMB
Concentração minima bactericida
CMI
Concentração minima inibitória
CV
Violeta Cristal
DAPI
4', 6-diamidino-2 phenylindole
DO
Densidade ótica
ECOFF
Concentração
epidemiológica
FISH
Hibridação fluorescente in situ
IACS
Infeções associadas aos cuidados de
saúde
K. pneumoniae
Klebsiella pneumoniae
MEC
Matriz extracelular
MHB
Meio Mueller-Hinton
NaCl
Cloreto de sódio
NCCLS
Clinical and
Institute
P. aeruginosa
Pseudomonas aeruginosa
PAV
Pneumonia associada à ventilação
PNA
Ácido nucleico peptídico
PS
Poliestireno
mínima
Laboratory
inibição
Standards
xv
xvi
Capítulo 1
Introdução
Capítulo 1 | Introdução
1.1.Contextualização
A vida tal como é conhecida hoje é fruto de um culminar de adaptações orgânicas e, consequentemente,
da evolução do sistema respiratório.
Na ausência de patologia respiratória, a ventilação é facilmente tomada como certa, sendo realizada
quase sem esforço e sem perceção consciente. No entanto, perante patologias respiratórias e/ou quadros
clínicos que se agravam, cada entrada de ar pode ter que ser conquistada. Em particular, no caso das
terapias invasivas, como a intubação endotraqueal, a manutenção da vida através da substituição das
funções orgânicas por métodos artificiais gera casos de sofrimento e, em alguns casos, sem acréscimos
para a qualidade de vida do doente. Porém, num momento tão crítico em que a preocupação soberana é
o combate à morte, a qualidade de vida torna-se uma questão delicada de abordar.
Com o interesse de estudar a resposta in vitro de bactérias tipicamente causadoras de pneumonia
associada à ventilação, quando em combinação e na administração de um antibiótico, é importante que
sejam revistos conhecimentos sobre a fisiologia do sistema respiratório humano, aprofundados os
conceitos sobre as infeções associadas aos cuidados de saúde, bem como sobre os microrganismos
colonizadores no Homem.
1.1.1.Fisiologia do Sistema Respiratório
O sistema respiratório apresenta uma fisiologia complexa, sendo constituído por [1]:
 Vias respiratórias: fossas nasais, cavidade bucal, faringe, laringe, traqueia, brônquios, bronquíolos e
alvéolos pulmonares;
 Pulmões: direito e esquerdo, o primeiro constituído por três lóbulos e o segundo por dois;
 Órgãos que auxiliam os movimentos respiratórios: diafragma, músculos intercostais e costelas;
 Pleura: membrana lisa que permite que os pulmões se movam suavemente durante cada movimento
respiratório.
A respiração (ou ventilação pulmonar) ocorre através de mecanismos espontâneos e rítmicos que
permitem a absorção de oxigénio nos alvéolos e a libertação de dióxido de carbono pelo organismo, com
3
Capítulo 1 | Introdução
consumo energético mínimo [1]. Juntamente com o ar, a inspiração transporta uma incrível gama de
materiais provenientes do ambiente, incluindo partículas de pó, pólen, bactérias, esporos de fungos e
vírus. Felizmente, as vias respiratórias constituem uma primeira linha de defesa contra alguns destes
agentes, resultando em espirros e tosse. As grandes partículas (de 5 a 10 µm de diâmetro) são retidas
pelos pêlos e no muco das passagens nasais. Contudo, as partículas muito pequenas (menores que 5
µm) que chegam aos alvéolos podem aí alojar-se permanentemente e despoletar doenças [2].
Na ventilação mecânica, o processo de respiração é conseguido por mecanismos artificiais, ou seja,
intubação. Trata-se de uma estratégia médica de suporte à vida, utilizada em episódios de trauma e como
forma de administração medicamentosa. No entanto, tal como em todas as práticas clínicas,
especialmente nas invasivas, o processo não é isento de riscos: os doentes que recebem ventilação
mecânica assistida têm entre 6 a 21 vezes maior risco de desenvolver pneumonia hospitalar, em
comparação com pacientes que não comportam este tratamento [3].
Define-se a pneumonia como uma condição inflamatória pulmonar que se inicia com a infeção
alveolar. Uma vez inflamada, a membrana pulmonar torna-se altamente porosa, promovendo a
disseminação bacteriana [1]. A PAV está descrita como a pneumonia nosocomial derivada da intubação
endotraqueal e por isso, a designação de «pneumonia associada ao ventilador» não parece, para muitos
autores, uma designação muito correta, uma vez que aquilo que predispõe a esta infeção não é tanto o
ventilador mas principalmente o tubo endotraqueal (TET) [2]. Assim, o TET é a estrutura responsável pelo
desenvolvimento e disseminação dos microrganismos que se podem tornar patogénicos e, nas situações
mais graves, mutiresistentes, uma vez que serve de suporte à adesão e crescimento bacteriano sob a
forma de biofilme.
1.1.2.Infeções Associadas aos Cuidados de Saúde
As infeções associadas aos cuidados de saúde (IACS), infeções nosocomiais ou também designadas
infeções hospitalares, ocorrem até 48 h após admissão hospitalar e em consequência da admissão a
cuidados. Atualmente, as IACS apresentam-se como um desafio para a comunidade científica,
especialmente devido à rápida adaptação dos microrganismos aos agentes antimicrobianos, tornando a
sua erradicação num processo complexo. O fenómeno deve-se, em grande parte, ao facto da maioria dos
microrganismos patogénicos se encontrarem em estrutura de biofilme [4].
4
Capítulo 1 | Introdução
O impacto das IACS na saúde, sociedade e economia das pessoas e das instituições, é muito relevante. As
soluções encontradas até agora para minimizar/reduzir o elevado número de IACS têm dado excelentes
resultados. Estas estão principalmente direcionadas para a ação preventiva. Os principais alvos de
atuação são [5]:
• fontes ambientais de contaminação,
• infeção cruzada,
• intervenção em fatores mecânicos (como a sonda nasogástrica que comporta a colonização orofaríngea
e refluxo gástrico, no caso da PAV).
Entre as IACS mais graves, a PAV é a infeção com maior frequência a nível nacional e a segunda mais
frequente no mundo, sendo a mais mortal em ambos os cenários [5]. A infeção é frequentemente de
origem bacteriana, e estima-se que 10 a 20 % dos pacientes ventilados por períodos iguais ou superiores a
48 h desenvolvem esta complicação infeciosa [5, 6]. É ainda a infeção mais comum entre os pacientes
que se encontram em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI): contraída por cerca de 47 % destes doentes
a nível nacional, com uma taxa de mortalidade que se aproxima dos 77 % [10, 11, 12]. À escala mundial,
publicações recentes indicam que a taxa de mortalidade está entre os 33 e 55 % [7]. Esta taxa poderia ser
consideravelmente menor se o diagnóstico e a terapêutica fossem mais atempados e assertivos. A
prescrição do antibiótico mais adequado e da dosagem mais eficiente (de modo a garantir a ação do
fármaco no local infetado), em linha com a duração da terapêutica, definem estreitamente o sucesso de
resolução da PAV [5]. Consequentemente, os custos relacionados com a prestação de cuidados de saúde,
que são consideravelmente elevados, seriam também menores [6, 9].
1.2.Diagnóstico e Implicações Clínicas da PAV
Vários fatores foram associados à colonização da orofaringe e consequente desenvolvimento da
pneumonia. De entre os principais fatores de risco associados, salienta-se a [8]:
 manipulação do equipamento de ventilação,
 sedação,
5
Capítulo 1 | Introdução
 reintubação,
 presença de sondas gástricas,
 contaminação oral,
 doença subjacente – sistema imunitário comprometido,
 idade avançada do doente.
Também pelo facto da intubação endotraqueal representar um procedimento invasivo, que resulta na
diminuição das defesas pulmonares, os pacientes intubados têm um risco particularmente elevado de
desenvolver PAV, uma vez que o TET [8]:
 atua como um substrato que permite a adesão e proliferação de vários microrganismos,
 serve de reservatório para o crescimento bacteriano,
 estabelece um acesso direto às vias aéreas inferiores, promovendo a sua colonização,
 permite a disfunção mucociliar,
 promove a calcificação alveolar dificultando as trocas gasosas,
 diminui as defesas locais, pela interferência do mecanismo da tosse,
 promove o aumento do esforço respiratório,
 pode provocar lesão no epitélio traqueal.
O diagnóstico de PAV leva em consideração uma combinação de evidências clínicas, radiológicas e
laboratoriais. Os sinais/sintomas clínicos para diagnosticar pneumonia incluem a presença de um novo ou
progressivo infiltrado pulmonar, febre > 38 C, tosse, dispneia, leucocitose e secreções traqueo-brônquicas
purulentas [8, 9].
A infeção está intimamente relacionada com os cuidados prestados, especialmente a grupos de risco, dos
quais se salientam os pacientes [8]:
 internados em UCIs,
 idosos com capacidade respiratória fragilizada,
 indivíduos em terapia intravenosa de antibióticos (como é o caso dos doentes oncológicos em
quimioterapia),
 indivíduos que realizam hemodiálise,
 fumadores,
 com regime alimentar deficitário,
 que utilizam drogas intravenosas.
6
Capítulo 1 | Introdução
A gravidade da patologia aguda ou crônica, e a submissão prévia a procedimentos invasivos como a
prática cirúrgica, são também fatores de predisposição ao risco de infeção [8].
Os estudos sobre a prevenção e redução do risco de PAV evidenciam as vantagens dos efeitos da
descontaminação oral, substituição do TET em tempo útil, a preferência por tubos com revestimento de
prata, posicionamento correto do paciente, fármacovigilância antibiótica, vigilância epidemiológica, e a
combinações destas medidas [9]. Além destas recomendações, as principais medidas preventivas
envolvem a consciencialização e formação dos prestadores de cuidados, incluindo-os na implementação
das medidas de proteção e de boas práticas: lavagem das mãos, educação, isolamento de contacto do
doente [9, 11]. Por isso, ao nível nacional, dada a importância de repensar as dosagens profiláticas e as
suas implicações nos microbiomas hospitalares, e da monitorização da incidência infeciosa, as instituições
de saúde de grande dimensão estão dotadas de um organismo que regula, sensibiliza e divulga as
principais medidas de intervenção e controlo das IACS, as Comissões de Controlo de Infeção (CCIs) [11] .
Outro grande avanço das últimas décadas é a utilização de material descartável e a evolução nas técnicas
de desinfeção e esterilização aplicadas a superfícies [12]. Contudo, apesar de todos os esforços dirigidos à
prevenção, o aparecimento de estirpes resistentes a antimicrobianos e a co-infeção por vários
microrganismos reduz as opções de tratamento e acarreta frequentemente a deterioração clínica e morte
[13]. Assim, neste momento só a utilização racional dos antimicrobianos, que implica conhecer quais os
antibióticos mais eficientes para as diferentes infeções, sejam estas causadas por biofilmes ou não,
poderá minimizar as consequências da resistência bacteriana [13].
1.3.Biofilmes Bacterianos
As bactérias que se alojam nas cavidades pulmonares prevalecem sob a forma de comunidades
heterogéneas. Pensa-se que para viverem em associação com outros microrganismos, estas enfrentam
desafios relacionados com a competição por recursos e, por isso, supõem-se que existem dois tipos de
relações: de competição pela liderança da comunidade e/ou simbiose [14]. Embora num passado bem
próximo se pensasse que as bactérias viviam a maioria de sua vida como células plantónicas individuais,
foi recentemente descoberto que estas vivem como comunidades microbianas aderidas a superfícies,
formando biofilmes [14].
7
Capítulo 1 | Introdução
Por definição, um biofilme é uma comunidade de microrganismos com tendência natural para a adesão a
uma superfície humedecida, que crescem envoltos numa complexa matriz que favorece e protege o seu
desenvolvimento, mesmo em ambientes hostis. Sabe-se que essa matriz extracelular (MEC) é constituída
por proteínas, polissacarídeos e ácidos nucleicos, e que confere ao microbioma propriedades de defesa a
fatores de agressão, como a variação de pH e a resistência a fármacos [16, 17, 18].
Os mecanismos que sustentam o desenvolvimento de biofilme, e que despoletam as doenças infeciosas,
são importantes chaves na compreensão da ecologia microbiana. Resumidamente, como ilustra a Figura
1.1, a formação de biofilme é um processo que compreende: a adesão à superfície, proliferação e
amadurecimento, e a desintegração celular que promove a colonização bacteriana em outros locais [1,
24].
Figura 1.1: O ciclo de vida do biofilme. 1. Deposição na superfície, 2. Adesão celular à superfície, 3. Produção de
matriz, 4. Desenvolvimento e amadurecimento, 5. Libertação de células para o ambiente envolvente e outras
superfícies de colonização (Adaptado de: http://www.emerypharmaservices.com/).
Nos biofilmes mistos pensa-se que o processo seja ainda mais complexo. Na literatura estão identificadas,
pelo menos, três possíveis formas de organização espacial de culturas mistas [17]:
 a formação de microcolónias onde o biofilme se encontra organizado por espécie,
 co-agregação, onde as células de ambas as espécies são misturados e podem ser encontrados em
todo o conjunto de biofilme,
8
Capítulo 1 | Introdução
 uma estrutura em camadas, em que uma espécie pode ser encontrada nas camadas superiores e
outra(s) espécie(s) pode(m) ser encontrada(s) nas camadas inferiores.
Esta última, a arquitetura em camadas, pode ser a mais sinérgica, permitindo a interação metabólica ou
competitiva. Salienta-se que ainda não são claros quais processos que regulam a formação destas três
disposições espaciais, bem como se estas conferem propriedades fenotípicas diferentes à comunidade
[17]. Em relação à co-agregação, é um fenômeno comum em diversas comunidades de biofilmes
multiespécie, talvez o mais comum, pelo que a sua importância ecológica deve ser avaliada. Trata-se de
um processo no qual as bactérias geneticamente distintas ficam ligadas entre si. No modelo de coagregação apresentado na Figura 1.2, o desenvolvimento de biofilme prossegue como uma sucessão de
acontecimentos de adesão e de multiplicação. Se as condições do ambiente forem adequadas, os
colonizadores primários podem multiplicar-se sobre o substrato para formar microcolónias, que darão
origem a um «jovem» biofilme. A superfície de adesão continua a ser coberta por bactérias colonizadoras
até que os colonizadores secundários sejam então capazes de se agregar aos primários e o biofilme
começa a tornar-se uma comunidade de múltiplas espécies [18].
Figura 1.2: Diagrama ilustrativo das etapas de formação de biofilme multiespécie: a) Colonização da superfície; b)
Desenvolvimento, divisão celular e composição de microcolónias; c) Co-adesão de células simples, co-agregação de
células ou de grupos de microrganismos; d) Maturação e formação de mosaicos clonais em biofilme multiespécie
(Adaptado de [18]).
9
Capítulo 1 | Introdução
Em contraste aos biofilmes, os microrganismos no estado plantónico são, em geral, facilmente
controláveis e eliminados devido à elevada suscetibilidade à desinfeção. Os biofilmes podem ser até 1000
vezes mais resistentes aos antibióticos que a sua forma plantónica, e menos percetíveis ao sistema
imunológico. Atualmete pensa-se que as proteínas produzidas pelas bactérias em biofilme são
fenotípicamente distintas dos seus homólogos plantónicos (geneticamente idênticos). As diferenças
fenotípicas e as propriedades estruturais entre a arquitetura plantónica e a séssil sugerem a existência de
padrões complexos e dinâmicos de interação e sinalização inter-celular e intra-matriz, que não estão
presentes nas células plantónicas [19]. Consequentemente é praticamente impossível compreender
biofilmes exclusivamente a partir de estudos de células plantónicas, até porque, como acima referido, uma
vez sob a forma de biofilme, a erradicação destes exige estratégias de tratamento mais agressivas.
Atualmente, reconhece-se que a total erradicação da infeção causada por biofilmes é provavelmente
inatingível num estudo in vitro de 24 h, considerando-se satisfatórias reduções próximas de 60 % [4].
1.4.Tratamento Antimicrobiano da PAV
A partir da segunda metade do século passado, nos países com padrão económico mais desenvolvido, os
avanços na qualidade e segurança dos cuidados de saúde traduziram-se em melhores condições de vida
e, consequentemente, num aumento da esperança média vida nunca antes registado. O fenómeno deveuse, em grande parte, ao aparecimento dos antibióticos, pois antes da descoberta da penicilina, as doenças
infeciosas eram a principal causa de morte em todo o mundo [11]. Os primeiros antibióticos foram
«fabricados» por microrganismos que, tal como observado para a penicilina, por crescerem impediam o
desenvolvimento de outros microrganismos [11, 12]. A descoberta assinalou um dos maiores avanços na
História da medicina, porque o Homem servindo-se desta descoberta passou a usá-los no tratamento de
doenças infeciosas. E, graças ao sucesso dos primeiros antibióticos, em poucos anos a indústria
farmacêutica desenvolveu moléculas com propriedades antimicrobianas e espectros de atividade cada vez
mais alargados, o que veio a resultar nas várias classes de fármacos disponíveis atualmente [10, 22].
Todavia, em simultâneo com essa evolução verificaram-se taxas crescentes de infeções causadas por
microrganismos resistentes, o que lançou um paradigma face às hipóteses de sucesso dos tratamentos
10
Capítulo 1 | Introdução
disponíveis. A prescrição inadequada de antibióticos, a utilização frequente de fármacos depressores da
imunidade e as técnicas de diagnóstico e tratamento invasivas, combinados com o envelhecimento da
população, constituem no seu todo, fatores que contribuíram para o incremento dessas taxas. Isto porque
estes fatores criaram condições para que seres comensais assumissem um papel patogénico –
designados como microrganismos oportunistas [12].
Nos dias de hoje, recomenda-se que a decisão de instituir uma terapêutica antibiótica não seja
sustentada exclusivamente na informação obtida através do antibiograma, conquanto este é um dado
fundamental que deve sempre ser solicitado. Mas além dos padrões de suscetibilidade microbiana, deve
ter-se em consideração a farmacocinética e a farmacodinâmica do antibiótico, os seus efeitos adversos e a
toxicidade. E em rigor, importa também incluir em análise [22, 23]:
• o potencial da infeção quanto à sua natureza microbiológica (espécies envolvidas e a sua dominância),
• o local de colonização e incubação,
• a idade do paciente (particularmente se recém-nascido, criança ou idoso),
• a eventual coexistência de outras patologias que possam interferir com a metabolização do antibiótico,
• a existência de uma depressão imunitária e/ou da existência de infeção de diferente etiologia.
Os antibióticos até hoje conhecidos encontram-se classificados em cinco categorias, de acordo com o
efeito que provocam nas bactérias (Figura 1.3) [22]:
i. Inibição da síntese da parede celular,
ii. Inibição da síntese ou dano da membrana citoplasmática,
iii. Inibição da síntese proteica de ribossomas,
iv. Alterações na síntese proteica de ácidos nucleicos,
v. Alteração de metabolismos celulares.
11
Capítulo 1 | Introdução
Figura 1.3: Representação resumo do mecanismo da ação dos antibióticos (Adaptado de [23]).
No tratamento da PAV, as recomendações descritas nas guidelines indicam benefícios na escolha
de agentes de amplo espetro e com ação anti-Pseudomonas, seja em combinação ou em monoterapia.
Mais uma vez, a seleção de antibiótico deve ser feita com base no quadro clínico: condições do paciente,
ecologia bacteriana e padrões de resistência [10].
Apesar de alguns estudos levantarem controvérsias sobre a utilização da Tob na resolução clínica
da PAV, ou não aconselharem o seu uso em monoterapia, este aminoglicosídeo tem ganho importância
devido ao sucesso que a sua administração tem demostrado, em parte à custa da sua ação de largo
espectro, que lhe permite interagir com diversas espécies de bactérias, o baixo custo, e ao sinergismo
farmacológico previsível. A Tob foi descoberta em 1968, é produzida por Streptomyces tenebrarius e está
indicada para o tratamento de infeções causadas por bactérias Gram-negativas aeróbias [23]. Contudo,
estudos têm demostrado a sua eficácia sobre Gram-positivas [22]. A nebulização via TET é a via de
administração mais comum na PAV, apesar da via intravenosa, por razões farmacodinâmicas, ser a mais
eficaz [20]. É frequentemente administrada no estado inicial de infeções nosocomiais e muitas vezes em
combinação com outros antibióticos, como os β-lactâmicos (ex: imipenem ou o azetreonam) ou mesmo
outros aminoglicosídeo (ex: estreptomicina) [13, 26].
12
Capítulo 1 | Introdução
Os aminoglicosídeos são caraterizados pela sua rápida atividade bactericida e pelo efeito pós-antibiótico,
isto é, a atividade bactericida permanece manifesta mesmo com a diminuição da concentração sérica
abaixo da concentração mínima de inibição (CMI). Atuam na inibição da síntese proteica dos ribossomas
bacterianos, organelos celulares constituídos por duas subunidades, 30s e 50s, onde ocorre a ligação dos
fármacos de forma a inibir e/ ou perturbar a síntese de proteínas. Além da tobramicina e da
estreptomicina, pertencem à classe dos antibióticos aminoglicosídeos: gentamicina, canamicina,
amicacina, arbecacina, neomicina, neticilmicina, paromicina e rodostrptomicina (e apramicina, um
antibiótico utilizado em quimioterapia) [6]. Estes antibióticos penetram no interior das Gram-negativas por
difusão facilitada através de canais aquosos formados pelas proteínas porinas da membrana externa. Uma
vez no espaço periplasmático, ligam-se irreversivelmente à subunidade 30s (composta por vinte e uma
proteínas e uma molécula 16s de ARN) [6]. A sua interferência ocorre de duas possivéis formas:
interrompe e/ou impede a leitura do ARN mensageiro, levando ao encerramento prematuro da síntese
proteica; ou pela incorporação de um aminoácido incorreto levando à formação de proteínas não
funcionais (Figura 1.4) [6].
.
Figura 1.4: Efeito do aminoglicosídeo sobre a síntese de proteínas. A.O aminoglicosídeo (representado pelos
círculos pretos) liga-se à unidade ribossómica 30s e interfere na iniciação de síntese de proteínas fixando o
complexo 30s-50s no códão de iniciação do RNAmensageiro, bloqueando a tradução da mensagem e causando erro
de leitura que leva a B. encerramento prematuro da tradução com libertação do complexo ribossómico e síntese de
proteína incompleta ou C. Incorporação de aminoglicosídeo incorreto (indicado por X preto), resultando em
proteínas anormais ou não funcionais (Adaptado de [18]).
13
Capítulo 1 | Introdução
Os mecanismos de resistência podem ser intrínsecos/naturais do microrganismo ou adquiridos por
transmissão de material genético ou mutação. No caso dos aminoglicosídeos, sabe-se que as bactérias
estritamente anaeróbias são naturalmente resistentes, devido à incapacidade do antibiótico atravessar a
membrana pela dependência de oxigénio. As aeróbias facultativas também apresentam resistência quando
crescem em condições de anaerobiose.
1.5.Principais Microrganismos Causadores da PAV
Os microrganismos identificados com maior incidência na PAV são bacilos Gram-negativos, destacando-se
Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella pneumoniae e Acinetobacter baumannii [24]. No entanto,
Staphylococcus aureus (Gram-positivo) tem sido detetado frequentemente nos casos clínicos de PAV. Nos
últimos anos, os estudos realizados em pacientes submetidos a ventilação assistida demonstraram que P.
aeruginosa associada a S. aureus são responsáveis por cerca de 50 a 70 % das PAVs [13, 33, 34]. A
descoberta induz um fator de risco preocupante e acrescido, evidenciando a necessidade de compreender
a ecologia microbiana e patogénica adjacente à relação estabelecida entre microrganismos [25].
Para se compreender as relações entre bactérias a o seu comportamento sob fatores de stresse é
necessária compreensão genérica dos mecanismos moleculares desenvolvidos em cada espécie.
1.5.1.Pseudomonas aeruginosa
O género Pseudomonas foi descrito em 1894, tendo as espécies sido isoladas em todo o mundo, em
todos os tipos de ambientes: sedimentos, amostras clínicas, plantas, fungos, animais doentes, água, entre
outros [26]. É uma bactéria Gram-negativa, aeróbia, não fermentadora, extremamente patogénica,
metabolicamente versátil, capaz de expressar uma grande variedade de fatores de virulência e que pode
também ser regulada por mutação. As infeções graves causadas por Pseudomonas geralmente ocorrem
em pessoas hospitalizadas e/ou com o sistema imunológico vulnerável [37, 38]. Segundo as guidelines da
American Thoracic Society (2004), P. aeruginosa é o principal responsável identificado nos episódios de
PAV, relacionada com o prolongamento do tempo de internamento e consequente aumento do risco de
morte de pacientes em estado crítico. É também uma importante fonte de bacteremia. Além disso, é a
14
Capítulo 1 | Introdução
bactéria mais estudada no que respeita à interação e colonização com uma ampla gama de hospedeiros
[39, 40]. Acredita-se que o «sucesso» de P. aeruginosa se deva à sua capacidade de manipular o meio
ambiente por meio do desenvolvimento de biofilmes robustos e da excreção de metabolitos redox-ativos e
tóxicos que atuam como vantagem na competição com outras bactérias [41, 42].
1.5.2.Staphylococcus aureus
Encontram-se descritas mais de trinta espécies de Staphylococcus que são, geralmente, bactérias Grampositivas, de pequenas dimensões (cerca de 1 µm de diâmetro), detetadas frequentemente sob a forma
de clusters. São anaeróbios facultativos, ou seja, crescem por respiração (com oxigénio), ou pela
fermentação (sem oxigénio) na qual produzem principalmente ácido láctico. Possuem peptidoglicano e
ácido teicóico na parede celular, não produzem endosporos mas são resistentes à desidratação,
especialmente quando associada com a matéria orgânica, como o sangue [32].
Além da capacidade de disseminar através da corrente sanguínea, o género Staphylococcus tem a
capacidade de atravessar a membrana basal das células por extravasamento. Esta habilidade tem
suscitado questões pertinentes relacionadas com a patogenicidade do microrganismo. Há indícios de que
existe uma correlação entre a capacidade de extravasar e a presença de um recetor glicoproteico celular,
detetado apenas em amostras infetadas [34, 35].
No que respeita à espécie S. aureus, esta apresenta grande capacidade de resistência em condições
adversas, como a drástica variação da pressão osmótica, temperaturas e radiações elevadas. É também
das espécies mais envolvidas na interação humana. A sua presença não se traduz necessariamente num
processo infecioso, sendo inofensiva na maioria dos casos [32], e estima-se que 30 % das pessoas
possuem o microrganismo nos seus narizes [35]. Todavia, em ambiente propício pode desenvolver
patogenicidade e proliferar com maior frequência na pele e nas vias respiratórias [32]. Morfologicamente
apresenta-se na forma de longos aglomerados de tonalidade amarela [34, 35].
1.5.3.Acinetobacter baumannii
O gênero Acinetobacter é composto por trinta e duas espécies distintas [37]. Trata-se de bactérias Gramnegativas, aeróbias, não fermentadoras, frequentemente detetadas no solo e na água. Embora existam
muitas espécies de Acinetobacter, e todos possam causar doenças no Homem, A. baumannii é
15
Capítulo 1 | Introdução
responsável por cerca de 80 % das infeções nosocomiais relatadas. Como representa pouco risco nas
pessoas saudáveis, A. baumannii raramente causa infeções fora do ambiente hospitalar. Mas a variedade
de infeções a que está associada, como a PAV, são em regra infeções graves [37]. A sua interação com
linhas epiteliais foi recentemente investigada, tendo-se verificado que, após aderir às células epiteliais dos
brônquios, esta é capaz de invadir e promover a apoptose das células eucarióticas [36].
A formação de biofilme por esta bactéria envolve uma variedade de caminhos que são regulados por
quorum sensing. Esta bactéria possui pili e fímbrias, que são importantes para a adesão inicial, e produz
exopolissacarídeos (componentes importante da maturidade de um biofilme, que suprimem a atividade
dos neutrófilos e contribuí para a resistência aos antimicrobianos) [36]. A capacidade de A. baumannii
obter e utilizar recursos como o ferro é um fator importante na sua capacidade de sobreviver tanto no
hospedeiro como no ambiente [36].
1.5.4.Klebsiella pneumoniae
Klebsiella é um género da família Enterobacteriaceae. A bactéria foi isolada pela primeira vez em 1882
dos pulmões de pacientes que morreram após pneumonia. É uma bactéria Gram-negativa, anaeróbia
facultativa. Apresenta-se na forma de bastonete com uma proeminente cápsula polissacarídea que cobre
toda a superfície da célula e fornece resistência contra diversos mecanismos de defesa do hospedeiro e
aos antimicrobianos. Os fatores de virulência que desempenham um papel importante na gravidade das
infecções causadas por K. pneumoniae são os polissacarídeos capsulares, pili, fatores envolvidos na
adesão e sideróforos [38]. Cada vez mais, esta bactéria tem desenvolvido resistência aos antibióticos,
mais recentemente para a classe dos carbapenemos.
Klebsiella é normalmente encontrada nos
intestinos humanos, onde não causam doença, e alojam-se em dispositivos biomédicos, como os
ventiladores e catéteres, onde normalmente causam infeções graves [39].
16
Capítulo 1 | Introdução
1.6.Objetivos e Organização deste Trabalho
Os microrganismos constituem a forma de vida na Terra com mais sucesso, em termos de número total,
diversidade filogenética e extensão dos habitats colonizados. No entanto, em muitos ambientes artificiais,
tais como o hospitalar, a formação de comunidades microbianas é prejudicial e indesejável, pois a sua
presença muitas vezes resulta em doenças, como a PAV [51, 52].
Atualmente reconhece-se que a maioria das formas de vida na natureza são de cariz polimicrobiano, isto
é, engloba mais que uma espécie microbiana, No entanto, a maioria dos estudos feitos em laboratório
centravam-se em bactérias individuais. Talvez, em parte, porque o comportamento coordenado dos
biofilmes simples/ isolado poderá ter induzido a ideia de que o biofilme age como um organismo
multicelular orquestrado, mas biofilmes mistos são muito mais complexos que os simples, devido à
heterogeneidade estrutural e fisiológica [53, 54]. Também no epitélio pulmonar as comunidades mistas
são, sem dúvida, a forma ecológica dominante, mas o comportamento fenótipico das estruturas
polimicrobianas ainda não é suficientemente compreendido. As interações bacterianas podem incluir
bactérias comensais, bem como agentes patogénicos, e são mediadas por uma variedade de mecanismos
moleculares que incluem: a sinalização inter-espécie, troca de metabolitos, e o contato célula-célula [54].
A presença de mais do que um género e/ou espécies de microrganismos pode promover eventos de
comunicação e/ou competição por nutrientes e outros recursos físicos. Tais fenómenos podem influenciar
os fenótipos de toda a comunidade e, inevitavelmente, a resposta ao tratamento antibiótico. As
consequências dessas interações são frequentemente observadas sobre a modulação do comportamento
das bactérias, incluindo alterações na formação do biofilme e na resistência ou tolerância a
antibacterianos. A compreensão desses processos polimicrobianos certamente poderá conduzir a ciência
à descoberta de melhores regimes de tratamento e também definir novas metas e estratégias para o
controlo de infeções, como a PAV. Assim, reconhece-se uma forte necessidade do estudo das interações
envolvidas em comunidades com múltiplos microrganismos, e os efeitos de tais interações no
desenvolvimento e sobrevivência dessas comunidades [13]. Como tal, com este trabalho de investigação
pretende-se observar in vitro as relações estabelecidas entre microrganismos tipicamente colonizadores de
TETs, identificados como incidentes/causadores na pneumonia derivada da intubação, nomeadamente a
sua capacidade se sobreviver em associação microbiana e o comportamento perante um fator de stress
induzido pela aplicação de um antibiótico (tobramicina).
17
Capítulo 1 | Introdução
Neste capítulo 1 apresenta-se noções teóricas importantes para a abordagem à PAV e ao
desenvolvidmento do trabalho laboratorial. No capítulo 2 encontram-se descritos os materiais e métodos
utilizados para a realização dos ensaios in vitro. Em seguida, no capítulo 3, são expostos os resultados
obtidos e discutidas as principais constatações. O capítulo 4 apresenta as considerações finais: principais
conclusões e perspetivas para futuros trabalhos. Por fim, os capítulos 5 e 6 contemplam as referências
bibliográficas
e
os
anexos,
18
respetivamente.
Capítulo 2
Materiais e Métodos
Capítulo 2 | Materiais e Métodos
2.1.Microrganismos
Ao longo do trabalho laboratorial foram utilizadas quatro bactérias:
• Duas espécies de coleção - P. aeruginosa ATCC 10145 e S. aureus ATCC 25923;
• Duas espécies isoladas de amostras clínicas de expetoração - A. baumannii e K. pneumoniae,
gentilmente cedidas pelo Hospital de Braga.
2.2.Meios de Cultura e Preservação
As culturas bacterianas foram preparadas em meio líquido, Tryptic Soy Broth (TSB) (Liofilchem®), com
uma concentração de 30 g/L. TSB é um meio versátil, altamente nutritivo, recomendado especialmente
para o crescimento de uma grande variedade de microrganismos e serve de base para a formação de
outros meios de cultura complexos. É devido à existência de duas peptonas na sua fórmula (caseína e
peptona de soja) que este meio suporta o crescimento de vários organismos fastidiosos e não fastidiosos,
sem necessidade de adição de soro ou de outros materiais, uma vez que as peptonas fornecem azoto,
vitaminas e minerais para a sustentação do desenvolvimento microbiano. A glicose atua como fonte de
energia, o cloreto de sódio mantém o equilíbrio osmótico e fosfato atua como um tampão que permite
controlar alterações de pH [42].
Para a preservação celular, as bactérias foram ressuspensas em TSB suplementado com 20 % de
glicerol (v/v) (Sigma ®). A adição de glicerol, que atua como um protetor da integridade celular, permite a
manutenção e o armazenamento dos microrganismos por congelação.
As bactérias foram semeadas em Tryptic Soy Agar (TSA), preparado por adição de ágar (Sigma ®)
ao TSB, com uma concentração de 12,5 g/L [43]. A adição de ágar ao TSB (antes da esterilização)
permite o cultivo bacteriano em meio sólido. O ágar é um complexo polissacarídeo, com propriedades
gelificantes que é usado em microbiologia e bacteriologia para fazer meios de cultura sólidos para o
crescimento e isolamento de microrganismos.
Todos os meios foram esterilizados a 121 °C durante 20 min antes da utilização. Uma vez esterilizados,
foram reservados à temperatura ambiente até serem utilizados.
21
Capítulo 2 | Materiais e Métodos
2.3.Antibiótico
O agente antibacteriano escolhido foi um antibiótico aminoglicosídeo Tobramicina (Tob) (Sigma ®, Lote
021M1689V).
2.3.1.Preparação das Soluções de Antibióticos
A Tob foi adquirida sob a forma de um pó esbranquiçado e armazenada entre 2 e 8 °C. Após a abertura
foi usada por cerca de 6 meses [44].
Soluções diluídas de Tob em água ultrapura esterilizada foram preparadas com uma concentração de 1
mg/mL. As soluções de trabalho, alíquotas de 200 µL, foram armazenadas a - 70 °C durante 20 dias.
Uma vez removidas do frio, as alíquotas foram descongeladas à temperatura ambiente antes da abertura
(para evitar a condensação da água) [45].
As soluções de antibiótico aplicadas às bactérias foram preparadas por diluição de alíquotas em TSB [45].
2.3.2.Controlo da Potência Antimicrobiana
Previamente aos ensaios com os microrganismos em estudo, a potência das soluções-padrão de Tob
foram testadas num microrganismo de referência. Seguindo as recomendações da literatura, foi
determinada a concentração inibitória mínima (CIM) de Pseudomonas aeruginosa ATCC 27852, nas
mesmas condições dos restantes testes de suscetibilidade, utilizando o meio de crescimento MHB (do
inglês Muller-Hinton Broth) (Sigma ®). MHB é um meio de crescimento bacteriano e o seu uso está
padronizado para os testes de sensibilidade, oferecendo concentrações ajustadas de catiões. Foi
preparado numa concentração de 21 mg/mL, esterilizado 20 min a 121 °C e mantido à temperatura
ambiente [45].
22
Capítulo 2 | Materiais e Métodos
2.4.Criopreservação e Ativação Celular
Usando as estirpes de coleção criopreservadas, procedeu-se ao espalhamento de uma ansada de
suspensão bacteriano em TSA. Após cerca de 18 h de incubação na incubadora (Shaker & NB-205 NBIOTER ®) a 37 C, o relvado bacteriana formado foi recolhido para um novo criovial (PK 100 ®).
Os isolados clínicos obtidos foram cultivados em TSA.
Em ambos os casos, a biomassa bacteriana foi ressuspensa num 1 mL de TSB suplementado e
armazenada a - 80 °C.
Para a ativação das células, as bactérias foram semeadas em TSA e crescidas overnight a 37 C. A
ativação ocorreu a cada 7 dias.
2.5.Formação do Pré-inóculo
Os pré-inóculos foram preparados em 25 mL de TSB contendo uma porção da massa celular (uma colónia
em média), recolhida de TSA. As preparações foram incubadas overnight com agitação constante a 120
rpm a 37 C.
2.6.Ajuste da Concentração Celular
A concentração celular foi ajustada a partir da leitura da densidade óptica do pré-inoculo a 640 nm (DO
640nm) usando um leitor de microplacas (TECAN Sunrise ®). Anteriormente, 1 mL de inóculo foi
centrifugado a 9000 g durante 5 min, e o sobrenadante descartado. O pellet obtido foi ressuspenso num 1
mL de TSB e homogeneizado. Após a leitura de DO, a concentração celular foi calculada utilizando a curva
de calibração de crescimento de cada microrganismo (Tabela 2.1).
23
Capítulo 2 | Materiais e Métodos
Para os isolados clínicos, foram determinadas curvas de calibração (Figura 6.1) no âmbito deste trabalho,
mas para as estirpes de coleção foram utilizadas as curvas de calibração previamente estabelecidas pelo
grupo de investigação.
Tabela 2.1: Curvas de calibração do crescimento bacteriano em TSB das várias bactérias em estudo.
Microrganismo
Equação de Crescimento (UFCs/ mL)
Pseudomonas aeruginosa
4x109 x DO 640nm – 1x108
Acinetobacter baumannii
6x109 x DO 640nm – 1x108
Klebsiella pneumoniae
9x109 x DO 640nm – 5x108
Staphylococcus aureus
9x108 x DO 640nm + 7x107
2.7.Formação de Biofilme
A metodologia utilizada para formar biofilmes bacterianos teve por base o método de microdiluição em
placa desenvolvido por Stepanovic et al [46]: 200 µL de suspensão bacteriana de concentração inicial
ajustada (1x106 UFC/mL) foram transferidos para cada poço de placas de 96 poços estéreis de fundo
plano (Orange® Scientific, Braine-l'Alleud, Bélgica). Todas as placas foram incubadas aerobicamente num
agitador a 120 rpm, a 37 °C.
2.8.Suscetibilidade de Biofilmes
A avaliação da sensibilidade aos antibióticos de biofilmes compreendeu duas estratégias:
1) biofilmes que cresceram na presença do antibiótico,
2) biofilmes pré-formados (durante 24 h) submetidos posteriormente a antibiótico, durante 24 h.
24
Capítulo 2 | Materiais e Métodos
A concentração mais elevada de antibiótico testada foi de 64 µg/mL, as seguintes resultaram de diluições
em série (32, 16, 8, 4 e 2 µg/ mL) [45].
Após a formação de biofilmes, a fração plantónica foi rejeitada, sendo os biofilmes lavados duas vezes
com solução salina estéril (NaCl a 0,9 % (v/ v)), com o propósito de remover as células em suspensão e
fracamente aderidas, assegurando a integridade osmótica.
2.9.Caraterização dos Biofilmes
Os biofilmes foram fenotipicamente caraterizadas em termos de viabilidade celular por determinação de
UFC (Unidades Formadoras de Colónias) e quantificação da biomassa total, por coloração com violeta de
cristal (CV).
Os biofilmes mistos que não foram sujeitos ao antibiótico foram ainda caraterizados através da técnica de
visualização microscópica PNA FISH a fim de observar a possível predominância da P. aeruginosa.
2.9.1.Viabilidade Celular
Após remoção das células plantónicas, as placas de crescimento de biofilme com 200 µL de NaCl 0,9 %
em cada cavidade, foram submetidos a banho de ultra-sons (220 V, 50/60 kHz) durante 6 min (Sonicor
SC - 52, Sonicor Instruments ®). O banho de ultra-sons permite a desagregação dos biofilmes das
superficies, resultando em células livres. As suspensões foram diluídas em série, semeadas em TSA e
incubadas durante 16 h a 37 °C. Após crescimento, as colónias foram contadas e o seu número expresso
em log (UFCs/ cm2), considerando a área de cada poço como 1,53 cm2.
25
Capítulo 2 | Materiais e Métodos
2.9.2.Quantificação da Biomassa Total
A biomassa total foi quantificada através do método colorimétrico de cristal violeta adaptado de Stepanovic
et al [46]. Os biofilmes foram fixados por ação de 200 µL de metanol 100 % (v/ v) (Sigma , St. Louis, MO,
®
EUA) durante 15 min. Em seguida, as placas vazias foram secas ao ar. As células fixas foram coradas
com 200 µL de cristal de violeta (CV) (Merck®) a 100 % (v/ v) durante 5 min. Procedeu-se a uma segunda
lavagem, com água, para remover o excesso de corante e deixou-se secar. Finalmente, 200 µl de ácido
acético 33 % (v/ v) (Merck®) foram adicionados a cada poço para a ressolubilização do corante.
A quantificação da biomassa do biofilme foi determinada por medição de DO a 570 nm.
Experiências de controlo para evitar falsos resultados foram executadas a fim de determinar se os meios
testados e o material da placa poderiam adsorver corante e interferir com a quantificação da biomassa.
2.9.3.Microscopia por PNA FISH
A hibridização fluorescente in situ (do inglês abreviado FISH) permite detetar sequências de ácidos
nucleicos por meio de sondas fluorescentes de péptidos (do inglês abreviado PNA), que são
suficientemente pequenas para penetrar nas membranas celular e hibridar locais específicos do ARN
ribossómico (16s ou 23s) sem alterar a morfologia ou a integridade celular [47]. Devido à sua carga
neutra, as sondas de PNA evitam a repulsão electroestática resultando num aumento da estabilidade
térmica, contrariamente às convencionais sondas de ADN [46, 47]. A técnica fornece uma ferramenta
confiável para estudar a formação de biofilme bacteriano in vitro. No contexto dos biofilmes mistos, a
aplicação deste procedimento padronizado permite a identificação de populações de bactérias de uma ou
várias espécies [47]. O uso de agentes de coloração, tais como 4', 6-diamidino-2 phenylindole (DAPI) em
associação com a microscopia de epifluorescência permite visualização direta das estruturas de biofilme
sem necessidade de romper a estrutura [45, 46]. A metodologia é aplicada no diagnóstico rápido de
doenças infeciosas causadas por Gram-negativos preocupantes, como Pseudomonas aeruginosa [47].
O procedimento de PNA FISH foi realizado de acordo com o protocolo descrito por Lopes (2013)
[46] apenas em biofilmes formados por P. aeruginosa em co-cultura. Para discriminar populações
26
Capítulo 2 | Materiais e Métodos
microbianas de P. aeruginosa das restantes bactérias no biofilme, utilizou-se uma sonda de PNA
previamente desenhada e validade para deteção específica de P. aeruginosa [46] e o marcador
fluorescente DAPI. A fim de aplicar o método PNA FISH aos biofilmes, estes foram desenvolvidos em
cupões de poliestireno (PS) (1 x 1 cm2) colocados no fundo da placa de 24 poços (Orange® Scientific,
Braine-l'Alleud, Bélgica) usando fita adesiva de dupla face. Após a formação dos biofilmes in vitro, o passo
inicial de fixação do biofilme com metanol foi essencial para evitar o desprendimento de células
bacterianas durante o processo de hibridação [46].
2.10.Suscetibilidade de Células Plantónicas
A avaliação da sensibilidade das bactérias em suspensão prevê a resistência a antibióticos quando existe a
necessidade de uma elevada dosagem de antibióticos, uma vez que bactérias em suspensão podem ser
até 1000 vezes mais tolerantes que as bactérias aderidas [4].
Existe uma ampla variedade de testes de laboratório que podem ser usados para medir a sensibilidade in
vitro de bactérias aos agentes antimicrobianos (por exemplo: macrodiluição, em meio líquido e em agar,
etc). Neste trabalho, a suscetibilidade plantónica foi determinada por microdiluição, determinando-se a
Concentração Mínima Inibitória (CMI) e bactericida (CMB), de acordo com o recomendado pela Clinical
and Laboratory Standards (anteriormente NCCLS) [45]. A CMI corresponde à concentração mais baixa de
antibiótico que não promove crescimento visível, e foi determinada por leitura de DO a 640 nm. A CMB foi
realizada por transferência e espalhamento de 10 µL de cultura bacteriana de cada poço sem crescimento
visível para placas de TSA, e corresponde à menor concentração onde não há crescimento de colónias
após 24 h.
Resumidamente, foram adicionados 200 µL/poço em placas de microtitulação com: 100 µL de TSB
fresco contendo concentrações crescentes de Tob (entre 2 e 5 µg/ mL.), a 100 µL de cada inóculo
bacteriano (simples e/ ou misto cuja concentração inicial foi ajustada a 1x105 UFCs/ mL. As placas de
cultura foram incubadas a 37 °C em agitador a 120 rpm.
27
Capítulo 2 | Materiais e Métodos
2.11.Análise Estatística
Os dados foram analisados usando software Graph Pad Prism® (versão 6.0), utilizando a variância one-way
e two-way (ANOVA) pelo teste de Tukey, com intervalo de confiança de 95 %. Na análise one-way serviu de
referência o biofilme formado por P.aeruginosa, dada a influência do microrganismo na infeção e a
necessidade de estabelecer um critério de comparação entre os biofilmes formados. Para as comparações
múltiplas, na análise two-way, os dados de suscetibilidade à Tob foram comparados com os biofilmes sem
antibiótico das respetivas espécies.
As imagens obtidas por microscopia foram tratadas no software Photoshop®, que possibilitou a
visualização de P.aeruginosa marcada a vermelho na imagem corada por azul. As células marcadas/
coradas foram contabilizadas no software ImageJ®.
Os ensaios foram realizados de forma independente. Foram realizados três ensaios com cinco repetições
de cada condição. No ensaio da microscopia foi realizado apenas um ensaio, com duas repetições de
cada condição.
28
Capítulo 3
Resultados e Discussão
Capítulo 3 | Resultados e Discussão
Nas sub-secções seguintes apresentam-se os dados de caraterização de biofilmes simples e mistos
obtidos com todas as combinações possíveis de duas e três espécies bacterianas.
3.1.Caraterização dos Biofilmes Formados
Na Figura 3.1 apresenta-se a caraterização fenótipica dos biofilmes simples e mistos formados pelas
várias espécies bacterianas que não foram sujeitas a antibiótico.
2
Log 10 (UFCs/ cm )
Viabilidade Celular
10 8
10 7
10 6
10 5
10 4
10 3
2
10
10 1
DO 570 nm
Biomassa Total
1,75
1,50
1,25
1,00
0,75
0,50
0,25
Figura 3.1: Caraterização dos biofilmes simples e mistos formados sem antibiótico. P.a.: Pseudomonas
aeruginosa, A.b.: Acinetobacter baumannii, S.a: Staphylococcus aureus, K.p.: Klebsiella pneumoniae. *: Diferenças
estatisticamente significativas (one-way Anova, p<0,05) – referência: biofilme formado por P. aeruginosa.
31
Capítulo 3 | Resultados e Discussão
A capacidade de formação dos biofilmes foi avaliada por comparação com o biofilme formado por P.
aeruginosa. O microrganismos serviu de referência porque se trata da bactéria mais estudada na interação
com o Homem e até ao momento, identificada como a principal causadora de PAV.
As culturas presentam capacidade distinta de formação de biofilme. As seguintes comunidades formaram
maior número de colónias do que a P. aeruginosa (p<0,05): A. baumannii, K. pneumoniae, S. aureus com
K. pneumoniae; e P. aeruginosa com A. baumannii e S. aureus. Quanto à biomassa, os biofilmes onde se
observou redução (p<0,05) foram: A. baumannii, S. aureus, A. baumannii com S. aureus, e A. baumannii
com K. pneumoniae.
Sabe-se que a capacidade de formação de biofilmes de bactérias individuais não é necessariamente
um indicador do seu potencial de formação de biofilmes multiespécie [40]. Além disso, vários
investigadores relatam que, considerando que a densidade de células de biofilmes simples e de
multiespécie são iguais, nem mais nem menos biofilme era esperado que fosse formado, uma vez que é
semelhante a disponibilidade de nutrientes, a menos que ocorram interações bacterianas que causem
efeitos sinérgicos ou antagonistas. Estas interações, em geral, resultam em benefícios para os biofilmes
mistos, como o aumento da biomassa – ganhos de fitness [17, 50].
Salienta-se que os resultados mostraram que a formação biofilmes depende muito concretamente dos
microrganismos envolvidos (Figura 3.1), sendo que cada combinação expressa um fenótipo único. Mas,
na maioria dos casos, como esperado a associação de bactérias resultou num aumento generalizado da
biomassa [17, 50]. Os resultados da biomassa indicam que 90 % das combinações multiespécie
resultaram em interações sinérgicas/simbiose, das quais 60 % foram sinergias parciais (conseguidas à
custa do microrganismo altruísta com maior biomassa) - P. aeruginosa com A. baumannii, P. aeruginosa
com S. aureus, e todos os biofilmes triplos; e 30 % foram sinergias totais (mutuamente benéficas para as
espécies em associação) - P. aeruginosa com K. pneumoniae, A. baumannii com S. aureus, e A.
baumannii com K. pneumoniae [40]. Apenas a combinação de S. aureus com K. pneumoniae demonstrou
que a associação das espécies não foi benéfica, e portanto, considerara-se um consórcio antagónico [40].
Dado isto, algum fator, ou um conjunto de fatores, devem proporcionar a ubiquidade e persistência das
bactérias no ambiente misto [14]. Até porque, devido à limitação de nutrientes e inerente heterogeneidade
em comunidades de biofilmes mistos supõe-se que o metabolismo celular deverá ser diferente das
comunidades monobacterianas, que dispõem de um meio repleto de nutrientes em exclusividade, pelo
que tem sido sugerido que na maioria das sub-populações de células dentro dos biofilmes mistos, existem
espécies que se sacrificam pela comunidade [14] – o que corrobora os resultados obtidos na biomassa,
32
Capítulo 3 | Resultados e Discussão
com 60 % do sinergismo parcial [14]. No entanto, é também provável que, enquanto as células não são
capazes de gerar energia suficiente para crescer e dividir-se na comunidade, estas direcionam a sua
energia para se manterem metabolicamente ativas e viáveis [14].
3.2. Determinação da Espécie Prevalente em Biofilmes Mistos
Além dos resultados fenótipicos apresentados anteriormente, uma observação interessante obtida
em estudos de comunidades mistas é a organização espacial das bactérias no biofilme. Nesta sub-secção
destacam-se apenas as interações entre P. aeruginosa e os demais microrganismos em estudo na
formação de biofilme. Isto porque o biofilme de P.aeruginosa representa uma grave preocupação,
especialmente devido ao seu contributo nas complicações infeciosas e dificuldade de eliminação [17, 50].
O nosso corpo oferece um ambiente de crescimento adequado para muitos microrganismos e
muito do que sabemos sobre as interações bacterianas com os humanos surge a partir de estudos sobre
os microrganismos causadores de doenças. P. aeruginosa é o melhor exemplo de referência quando se
fala num microrganismo oportunista. Esta explora condições anormais dentro do hospedeiro humano para
produzir uma infeção e ganhou proeminência na saúde humana como um patógeneo fortemente promotor
de doenças respiratórias. Além disso, como já mencionado, é o microrganismo com maior incidência na
PAV [17]. Várias investigações revelam que a formação de comunidades bacterianas anexas no pulmão,
resulta de um processo de várias etapas que ainda não são totalmente bem conhecidas [17, 49]. Sabe-se
também que o defeito de transporte de cloreto, e a fisiologia alterada das vias aéreas, pode conduzir a
uma deficiência de depuração mucociliar, e à produção de muco nas vias respiratórias [49]. Estas reações
predispõem o paciente à infeção microbiana, e P. aeruginosa, eventualmente, torna-se a dominante,
especialmente nas fases iniciais da colonização pulmonar de pacientes intubados [17, 49]. Além disso, no
contexto da formação de biofilme e da virulência expressa por estas células bacterianas a compreensão do
modelo de organização espacial pode ser útil para uma melhor avaliação dos eventos sinergéticos/
antagonistas que se estabelecem entre as bactérias. Nesse sentido, a capacidade de formação de biofilme
por P.aeruginosa em co-cultura foi observada ao microscópio, utilizando a técnica PNA FISH, como
descrito no capítulo anterior.
A Figura 3.2.1 exibe a formação de biofilme em consórcios com P.aeruginosa, vistos ao microscópio.
33
Capítulo 3 | Resultados e Discussão
P. aeruginosa com A. baumannii
P. aeruginosa com S. auresu
P. aeruginosa com K. pneumoniae
P. aeruginosa com A. baumannii e S. aureus
P. aeruginosa com A. baumannii e K. pneuomniae
P. aeruginosa com S. aureus e K. pneuomniae
Figura 3.2.1: FISH de biofilmes com P.aeruginosa (ATCC 10145) em combinação com outra(s) espécie(s) de
bactérias caraterísticas de PAV, utilizando sondas específicas de PNA. O vermelho representa a hibridação de
P.aeruginosa marcada por sonda PNA, e as células azuis todas bactérias em cultura coradas por DAPI. Imagens
ampliadas 1000 x.
34
Capítulo 3 | Resultados e Discussão
Na Figura 3.2.2 apresentam-se os resultados da identificação discriminada entre células de P. aeruginosa
e restantes espécies.
Nº total de
bactérias
contadas
Dos quais
P.a.
2000
Nº de Células
1500
1517
1564
73 %
1000
1756
P.a. + A.b.
1654
1568
87 %
1026
53 %
649
42 %
500
0
1806
1778
P.a. + S.a.
P.a. + K.p.
P.a. + A.b. + S.a.
1628
1390
66 %
P.a. + A.b. + K.p.
1157
65 %
P.a. +S.a.+ K.p.
Microrganismos em Biofilme
Figura 3.2.2: Contagem das células visíveis ao microscópio através do softaware ImageJ ®. As barras cinza
escuro representam o total de células detetadas (todas as azuis por correspondência à Figura 3.2.1) e as barras
cinza claro apenas células marcadas com sonda desenhada para P.aeruginosa (todas as células vermelhas por
correspondência Figura 3.2.1). P.a.: Pseudomonas aeruginosa, A.b.: Acinetobacter baumannii, S.a: Staphylococcus
aureus, K.p.: Klebsiella pneumoniae.
Na contagem das células visíveis por microscopia de epifluorescência, esquematizada na Figura 3.2.2,
observou-se que o biofilme com maior número de células resultou da combinação de P. aeruginosa com
K. pneumoniae, onde 87 % das células foram identificadas como sendo P.aeruginosa. Em geral, a P.
aeruginosa, tal como indiciado por outros investigadores revelou-se a bactéria dominante nos consórcios
[14, 30, 52].
Em relação à organização espacial, a análise da Figura 3.2.1 com os dados da Figura 3.2.2, em regra,
parecem indicar que as comunidades são compostas pela mistura de microrganismos em co-agregação
com predominância de células de P.aeruginosa. Nos locais do cupão colonizados, onde se evidencia a
formação de biofilme, as bactérias aparecem em mix, formando «micronichos», o que mais uma vez
parece conduzir-nos no caminho da cooperação inter-bacteriana [17, 40, 50].
35
Capítulo 3 | Resultados e Discussão
Na literatura estão identificadas, pelo menos, três possíveis formas de organização espacial de culturas
mistas, descritas no capítulo 1 [17]:
i.
formação de microcolónias separadas por espécie,
ii.
co-agregação entre as espécies no biofilme,
iii.
e formação de biofilme em camadas.
Alguns autores sugerem que a organização espacial em co-agregação pode aumentar a produtividade
global da comunidade, e que esta cooperação, em comunidades bacterianas complexas, surge na
necessidade de adaptação da espécie à presença do outro microrganismo. O que, na teoria, leva a uma
dependência e é, portanto, um compromisso irreversível para viver em estreita associação com outras
espécies, podendo muitas vezes requerer sistemas mais complexos para assegurar que a coexistência é
mantida [40]. Tal hipótese poderá ter particular expressão na figura obtida do biofilme formado por P.
aeruginosa com A. baumannii e K. pneumoniae. No caso parece que as células de P. aeruginosa tendem
a circundar as restantes, que se agrupam mais concentradas - como se se tratasse de um «micronicho»
sob o domínio de P. aeruginosa. Em reforço a esta observação, recentes estudos identificaram pequenas
moléculas produzidas endogenamente por P. aeruginosa que desempenham múltiplos papéis na
sobrevivência da bactéria, e podem ser fatores extremamente importantes na manutenção das
comunidades de biofilme mistos (do inglês Pseudomonas aeruginosa quinolone signal) [14, 25].
A associação de microrganismos multiespécie na formação de biofilmes co-agregados promove a
formação de uma estrutura, metaforicamente denominada por «cidade de micróbios», que permite que os
«residentes» selecionem a sua localização, armazenem energia e comuniquem com os seus «vizinhos»
por transferência de material genético e contacto célula-célula. Quando as condições da «cidade» são
menos confortáveis, vários fenómenos podem ocorrer, como a com a migração dos «habitantes» ou a
extinção das espécies metabolicamente mais fracas [17, 51]. Além disso, nestas estruturas complexas,
que resultam da formação de biofilme, cada região tem o seu próprio microambiente devido à difusão e ao
metabolismo celular. Em função disso alguns estudos têm demonstrado que as células apresentam
diferente atividade correlacionada com a localização no biofilme e a atividade da biomassa, sugerindo que
estes perfis são determinados pela disponibilidade de oxigénio [14, 25].
Sabe-se ainda que em relação ao biofilme formado por P. aeruginosa com S. aureus. A Pseudomonas
exerce liderança sobre o Staphylococcus na competição siderófora (captação de ferro pela bactéria), com
menor formação de células, formando micocolónias na camada superior da comunidade [53, 54]. Tal
camada é composta apenas por bactérias Pseudomonas que não se misturam com o Staphylococcus
(identificado numa quantidade mínima) [53, 54]. O comportamento de liderança poderá dever-se às
36
Capítulo 3 | Resultados e Discussão
exotoxinas secretadas por P. aeruginosa que interferem na cadeia transportadora de eletrões do
Staphylococcus, pelo que a sobrevivência do microrganismo às toxinas respiratórias produzidas pela P.
aeruginosa é assegurada através da seleção do fenótipo small-colony variant [55].
Relativamente à comunidade P. aeruginosa com A. baumannii, pensa-se que por se tratar de duas
espécies com alta capacidade para formação de biofilmes fortes, as relações estabelecidas entre as
bactérias poderá ser mais equilibrada [56], e por isso a dominância da P. aeruginosa em termos de
número de células não se verifique ou mesmo não exista expressão de liderança de uma espécie sobre a
outra.
3.3. Efeitos da Antibioterapia em Biofilmes
Tendo observado o comportamento de bactérias na formação de biofilmes, importa agora analisar a
resposta a stress antimicrobiano de comunidades típicas de PAV.
3.3.1.Biofilmes Desenvolvidos na Presença de Tobramicina
A caraterização dos biofilmes formados por P.aeruginosa isoladamente e em co-cultura com as outras
bactérias na presença da Tob, está representado na Figura 3.3.1.
37
Capítulo 3 | Resultados e Discussão
2
Log 10 (UFCs/ cm )
Viabilidade Celular
10 8
10 7
10 6
10 5
10 4
10 3
10 2
1
10
Biomassa Total
1,75
DO 570 nm
1,50
1,25
1,00
0,75
0,50
0,25
Concentração de Tobramicina (µg/ mL)
Figura 3.3.1: Caraterização de biofilmes com P. aeruginosa crescidos na presença de Tob. P.a.: Pseudomonas
aeruginosa, A.b.: Acinetobacter baumannii, S.a: Staphylococcus aureus, K.p.: Klebsiella pneumoniae *:
concentrações (µg/mL) que apresentaram diferenças estatisticamente significativas (two-way Anova, p<0,05).
Pela análise da Figura 3.3.1 observa-se que os biofilmes de P. aeruginosa formados em contacto com o
antibiótico, em geral, são sensíveis a todas as concentrações de Tob. Em termos de viabilidade todas as
comunidades sofreram drásticas reduções (p<0,05) com o aumento das concentrações de Tob, com
exceção da combinação P. aeruginosa com S. aureus e K. pneumoniae crescidas com 2 µg/mL, em
comparação com a concentração 0 µg/mL de Tob.
No que respeita à biomassa, com o aumento das concentrações de Tob esta atinge valores residuais.
Contudo, nas concentrações mais baixas alguns biofilmes toleraram o antibióticos (p>0,05):
 2 µg/mL nos biofilmes P. aeruginosa, e P. aeruginosa com S. aureus e K. pneumoniae,
 4 µg /mL no biofilme de P. aeruginosa.
38
Capítulo 3 | Resultados e Discussão
Da literatura sabe-se que é provável que o tratamento com Tob revele impactos nos biofilmes de duas
formas: diminuindo a viabilidade bacteriana e por perturbações da virulência em toda a arquitetura do
biofilme [3].
Neste ensaio, verificou-se que:
 com 8 µg/mL erradicou-se o biofilme P. aeruginosa com A. baumannii e K. pneumoniae , em termos
de viabilidade celular, e a biomassa a partir desta concentração passa a residual,
 com 16 µg/mL erradicou-se também P. aeruginosa com S. aureus,
 com 32 e 64 µg/mL mantêm-se os biofilmes P. aeruginosa, P. aeruginosa com S. aureus e A.
baumannii, e P. aeruginosa com S. aureus e K. pneumoniae.
Verifica-se que nem todos os biofilmes foram erradicados, para os biofilmes que persistiram foram
conseguidas reduções de UFCs na ordem dos 3 log para os biofilmes P. aeruginosa, e P. aeruginosa com
S. aureus e A. baumannii; e 2 log para P. aeruginosa com S. aureus e K. pneumoniae. Ao nível da
biomassa obteve-se uma diminuição de cerca de 80 % da biomassa inicial dessas três comunidades. São
vários os eventos/mecanismos que poderão justificar esta resistência. Relativamente à tolerância dos
biofilmes à Tob, sabe-se que esta pode ser mediada por uma baixa atividade metabólica e/ ou uma
elevada densidade celular (até agora investigada apenas para biofilmes de P. aeruginosa) [34]. A elevada
densidade resultará na acumulação de moléculas de sinalização extracelulares, o que num ambiente
polibacteriano poderá surtir efeitos em todo o fenótipo [34]. Além disso, uma ideia emergente tem
defendido que um fenótipo específico do biofilme pode ser induzido numa subpopulação da comunidade,
e que tal resultará na expressão de mecanismos ativos no combate aos efeitos prejudiciais de agentes
antimicrobianos sobre as células. Esse fenótipo pode ser induzido pela limitação de nutrientes, certos tipos
de stress, densidade celular elevada, e ainda pela combinação destes fenómenos [41, 54]. Assim, é
possível que todos ou apenas um subconjunto das células dos biofilmes que persistiram, expressem e
sejam responsáveis pela tolerância dos biofilmes P. aeruginosa, P. aeruginosa com S. aureus e A.
baumannii, e P. aeruginosa com S. aureus e K. pneumoniae de à Tob.
39
Capítulo 3 | Resultados e Discussão
3.3.2.Biofilmes Pré-Formados Submetidos à Tobramicina
A caraterização fenótipica dos biofilmes crescidos por 24 h e posteriormente sujeitos ao antibiótico está
representada nas Figuras 3.3.2, 3.3.3 e 3.3.4; biofilmes simples, duplos e triplos, respetivamente.
2
Log 10 (UFCs/ cm )
Viabilidade Celular
10 8
10 7
6
10
10 5
10 4
10 3
10 2
10 1
Biomassa Total
1,75
1,50
DO 570 nm
1,25
1,00
0,75
0,50
0,25
Concentração de Tobramicina (µg/ mL)
Figura 3.3.2: Caraterização de biofilmes monobacterianos pré-formados (24 h) submetidos a Tob. P.a.:
Pseudomonas aeruginosa, A.b.: Acinetobacter baumannii, S.a: Staphylococcus aureus, K.p.: Klebsiella pneumoniae
*: concentrações (µg/mL) que apresentaram diferenças estatisticamente significativas (two-way Anova, p<0,05).
40
Capítulo 3 | Resultados e Discussão
Observa-se que em termos de viabilidade todas as variáveis resultaram em reduções estatisticamente
relevantes (p<0,05), com exceção da A.baumannii na presença de 2 µg/mL de Tob (p>0,05) - A.
baumannii foi ainda o biofilme menos afetado em todas as concentrações testadas [16].
Em relação à quantificação da biomassa total, apenas nos seguintes casos foram encontradas diferenças
significativas (p<0,05):

2 µg/mL no biofilme de K. pneumoniae,

4 µg/mL nos biofilmes de A. baumannii e novamente K. pneumoniae,

Entre 8 e 32 µg/mL em todos os biofilmes, com exceção de S. aureus,

64 µg/mL todos os biofilmes.
A Figura 3.3.3 representa o efeito da Tob administrada 24 h após o crescimento de biofilmes
constituídos por duas espécies de bactérias.
41
Capítulo 3 | Resultados e Discussão
Viabilidade Celular
2
Log 10 (UFCs/ cm )
10 8
10 7
10 6
10 5
10 4
10 3
10 2
10 1
DO 570 nm
Biomassa Total
1,75
1,50
1,25
1,00
0,75
0,50
0,25
Concentração de Tobramicina (µg/ mL)
Figura 3.3.3: Caraterização de biofilmes de co-cultura duplas pré-formadas (24 h) submetidos a Tob. P.a.:
Pseudomonas aeruginosa, A.b.: Acinetobacter baumannii, S.a: Staphylococcus aureus, K.p.: Klebsiella pneumoniae
*: concentrações (µg/mL) que apresentaram diferenças estatisticamente significativas (two-way Anova, p<0,05).
A viabilidade celular foi reduzida (p<0,05) em todos os biofilmes, exceto para:
 2 µg/mL nos biofilmes de P. aeruginosa com S. aureus, e A. baumannii com K. pneumoniae,
 4 µg/mL nos biofilmes de A. baumannii com K. pneumoniae.
Quanto à biomassa dos biofilmes, encontraram-se diferenças significativas (p<0,05) em:
 2 µg/mL no biofilme de P. aeruginosa com K. pneumoniae, e A. baumannii com K. pneumoniae,
 4 µg/mL em todos, exceto P. aeruginosa com A. baumannii e S. aureus com K. pneumoniae,
 8 µg/mL em todos exceto P. aeruginosa com K. pneumoniae, e S. aureus com K. pneumoniae,
 entre 16 e 64 µg/mL em todos os biofilmes exceto A. baumannii com S. aureus, e S. aureus com K.
pneumoniae.
42
Capítulo 3 | Resultados e Discussão
A caraterização da resposta dos biofilmes triplos à Tob apresenta-se na Figura 3.3.4.
Viabilidade Celular
2
Log 10 (UFCs/ cm )
10 8
10 7
10 6
5
10
10 4
10 3
10 2
10 1
DO 570 nm
Biomassa Total
1,75
1,50
1,25
1,00
0,75
0,50
0,25
Concentração de Tobramicina (µg/ mL)
Figura 3.2.4: Caraterização de biofilmes de co.-culturas de três espécies pré-formados (24 h) submetidos a Tob.
P.a.: Pseudomonas aeruginosa, A.b.: Acinetobacter baumannii, S.a: Staphylococcus aureus, K.p.: Klebsiella
pneumoniae *: concentrações (µg/mL) que apresentaram diferenças estatisticamente significativas (two-way Anova,
p<0,05).
43
Capítulo 3 | Resultados e Discussão
Foram detetadas diferenças significativas (p<0,05), na contagem das colónias formadas:
 entre 2 e 8 µg/mL no biofilme de S. aureus com A. baumannii e K. pneumoniae,
 entre 16 e 64 µg/mL em todos os biofilmes, com exceção do biofilme no biofilme de S. aureus com A.
baumannii e K. pneumoniae.
Em termos de biomassa, foi identificada redução estatisticamente relevante nos seguintes casos (p<0,05):
 com 4 µg/mL no biofilme P. aeruginosa com A. baumannii e K. pneumoniae.,
 com 8 µg/mL nos biofilmes
P. aeruginosa com A. baumannii, e
 entre 16 e 64 µg/mL em todos os biofilmes.
Em jeito de discussão geral sobre os resultados obtidos nos biofilmes pré-formados submetidos à Tob,
constatou-se que a suscetibilidade das bactérias típicas de PAV foi muito semelhante entre biofilmes
simples e triplos. Em relação aos biofilmes de dupla espécie, a diminuição de virulência causada pela Tob
foi menos expressiva (menor redução de viabilidade e de biomassa em comparação com os biofilmes
simples e triplos) [30, 40, 49]. Apesar de não de verificar a erradicação de nenhum biofilme, na maioria
dos casos as reduções de virulência provocadas pela Tob foram significativas (p<0,05).
A resistência ao bactericida poderá ser explicada por um, ou por uma cascata de mecanismos de
virulência.
As células bacterianas em biofilmes poderão produzir simultaneamente [6, 12, 23]:
i.
alteração da permeabilidade da membrana,
ii.
mutações no local de ligação do ribossoma ao antibiótico (mecanismos enzimáticos que alteram a
estrutura química do antibiótico), e/ou
iii.
bombas de efluxo que expulsam o antibiótico do interior da célula.
A produção de bombas de efluxo é um mecanismo raramente observado na resistência a
aminoglicosídeos, que normalmente ocorre em Gram-negativos. Ao passo que a modificação enzimática
do antibiótico está identificada como a principal defesa ativada pelas bactérias em resposta aos
antibióticos aminoglicosídeos [23, 34, 57]. Os genes responsáveis por esta resistência encontram-se
geralmente nos plasmídeos [57]. Em relação ao antibiótico utilizado, os aminoglicosídeos contêm em sua
estrutura grupos amino, que podem ser modificados por enzimas produzidas pelas bactérias. Atualmente,
mais de 50 enzimas modificadoras de aminoglicosídeos já foram descritas e classificadas como [57]:
 N-acetiltransferases (AAC) - catalisa a acetilação acetil-CoA dependente de um grupo amino;
 O-adeniltransferases (ANT) - catalisa adenilação dependente de ATP grupo hidroxilo;
44
Capítulo 3 | Resultados e Discussão
 O-fosfotransferases (APH) - catalisa a fosforilação dependente de ATP de um grupo hidroxilo.
Deste modo, os aminoglicosídeos modificados perdem a capacidade de se ligarem ao ribossoma e,
consequentemente, de inibir a síntese proteica bacteriana [22, 57, 58].
No que respeita aos microrganismos em estudo, o S. aureus é exemplo de uma bactéria que consegue
inativar a Tob através de mecanismos de ação enzimática, provocando defeito na proteína de ligação. Já
no caso da P.aeruginosa a resistência é atribuída a alterações das porinas [22].
Além dos mecanismos já investigados, novas hipóteses têm surgido. Anderson et al (2008) [49] relataram
que a Tob diminui a virulência de P. aeruginosa, especialmente no contexto de um biofilme crescido em
células das vias respiratórias e, recentemente, Tseng et al (2013) [58] verificaram nos seus trabalhos,
também com biofilmes de P. aeruginosa que a Tob carregada positivamente a pH neutro, liga-se a
componentes da MEC carregados negativamente, tais como lipopolissacárideos (LPS), sendo desviada
para a periferia do biofilme [3, 58, 59]. Os autores propõem que o «arrastamento» da Tob para a periferia
dos biofilme é um mecanismo importante na proteção das células metabolicamente ativas no interior do
biofilme, pois tal ação provoca a diminuição da eficiência do antibiótico e desimpede a região central do
biofilme, para que continue o seu desenvolvimento e a provável interação com o ambiente circundante
[58, 59]. Além disso, também a disponibilidade e a quantidade dos componentes da matriz podem variar
de acordo com o estado de desenvolvimento de biofilme [60, 61, 62].
3.4. Efeitos da Antibioterapia em Células Plantónicas
Por fim, importa ainda observar o comportamento das células no estado plantónico. A avaliação da
resposta celular em suspensão ao antibiótico permite a extrapolação da atividade farmacológica
(farmacodinâmica e farmacocinética), e a previsão do resultado da terapêutica clínica. E embora a maioria
dos nichos microbianos sejam encontrados atualmente na forma de biofilme, a determinação da CIM e
CMB é uma condição necessária e essencial na observação do comportamento bacteriano. Os resultados
obtidos são apresentados na Tabela 3.4.1.
45
Capítulo 3 | Resultados e Discussão
Tabela 3.4.1: Avaliação da suscetibilidade em células plantónicas à tobramicina.
Cultura(s)
Duplas
Simples
A.b
Triplas
K.p
S.a
A.b + K.p
P.a + S.a
Tob [µg/mL]
CIM
CMB
CIM
CMB
CIM
CMB
CIM
CMB
CIM
CMB
CIM
CMB
P.a
A.b
S.a
K.p
2
2
2,5
2,5
2,5
2,5
2,5
5
2,5
2,5
---
---
2
2
---
---
---
---
---
---
---
---
2
2
3,5
4
3,5
3,5
4,5
4,5
---
---
2,5
2,5
---
---
2,5
2,5
3,5
3,5
---
---
---
---
---
---
2,5
2,5
P.a.: Pseudomonas aeruginosa, A.b.: Acinetobacter baumannii, S.a: Staphylococcus aureus, K.p.: Klebsiella
pneumoniae
Nas culturas simples verifica-se que as bactérias Gram-negativas apresentam maior sensibilidade ao
antibiótico que a Gram-positiva (S. aureus). Este comportamento era esperado, levando-se em
consideração que Tob tem maior ação/ especificidade para as bactérias Gram-negativas [63]. Por esta
razão, são necessárias concentrações mais elevadas de antibióticos para a inibição e eliminação de
S.aureus
Os resultados das culturas simples, foram comparados com os breakpoints clínicos EUCAST
(Tabela 3.4.2).
Tabela 3.4.2: Comparação das CMIs determinadas com breakpoints clínicos EUCAST (CMI e ECOFFS) para
tobramicina.
Cultura(s)
Simples
Valores
determinados
neste estudo
Tob [µg/mL]
CMI
CMB
P.a.
2
2
A.b.
2
2
S.a.
3,5
4
K.p.
2,5
2,5
Breakpoints determinados pela EUCAST
CMI
4
Pseudomonas spp.
4
Acinetobacter spp.
1
Staphylococcus spp
[2-4]
Enterobacteriaceae
ECOFF
2
Pseudomonas aeruginosa
2
Acinetobacter baumannii
*
2
Klebsiella pneumoniae
*Concentração não determinada até ao momento.
P.a.: Pseudomonas aeruginosa, A.b.: Acinetobacter baumannii, S.a: Staphylococcus aureus, K.p.: Klebsiella
pneumoniae.
46
Capítulo 3 | Resultados e Discussão
ECOOFs representam breakpoints epidemiológicos determinados em estirpes selvagens [64].
É de notar que as estirpes de P. aeruginosa com e A. baumannii utilizadas neste trabalho são suscetíveis a
Tob, com valores determinados de CMI inferiores aos estabelecidos pelo Comitê [64]. Na avaliação dos
ECOFFs, nenhuma destas bactérias parece demonstrar mecanismos de resistência adquirida [64].
No que diz respeito á K. pneumoniae, apesar da CMI coincidir com o intervalo definido pela EUCAST, o
valor é superior ao ECOFF, pelo que, do ponto de vista clínico 2,5 µg/mL será a concentração que inibe o
crescimento celular, mas como o valor é superior a 2 µg/mL (ECOFF), significa que a bactéria
provavelmente é portadora de resistência adquirida. E, embora com concentrações biocidas possamos
eliminar o seu crescimento, este microrganismo poderá fazer permanecer o padrão de resistência por
meio de mecanismos de transferência de informações inter-celular (ex.: transferência horizontal de genes
de resistência) [69, 68, 70]. No entanto, quando se avançou para testes com culturas plantónicas mistas,
e também nos estudos em biofilmes apresentados nas secções anteriores, não foram identificados
mecanismos vincados de resistência associada à presença de K. pneumoniae. Pelo, mais estudos seriam
necessários para esclarecer essa provável resistência indiciada pelo ECOFF.
Em relação às culturas mistas, observa-se que a associação dos dois microrganismos resulta, em
geral, numa maior tolerância da comunidade. É provável que este aumento se deva a relações de
simbiose ou competitividade no ambiente polimicrobiano. Em comparação, as culturas com três bactérias
são mais vulneráveis ao Tob que as culturas duplas. Em alguns casos, as culturas triplas são controlados
com concentrações mais baixas do que as exigidas nos microrganismos individualmente. Assim, ficou
evidente que as consequências da tensão antimicrobiana são muito diferentes entre os modelos de dupla
espécie e os restantes, simples e de três espécies. Sendo as culturas duplas mais tolerantes à Tob, ao
passo que as culturas simples e triplas demonstraram menores exigências face à ação do antibiótico.
Estas observações sugerem que as interações duplas dotam as comunidades de benefícios [49], o que
pode ser alavanca para a adoção de um estilo de sobrevivência polibacteriano [17]. Ao passo que a
existência de um terceiro interveniente na suspensão poderá desencadear uma maior vulnerabilidade do
consórcio.
47
Capítulo 4
Conclusões e Perspetivas
Capítulo 4 | Conclusões e Perspetivas
4.1. Conclusões
Na Era atual, as IACS representam uma séria e preocupante realidade, com consequências ao nível da
recuperação do doente, da sustentabilidade económica da instituição e, inevitavelmente, da sociedade.
Recentemente têm emergido os estudos sobre formas bacterianas polimicrobianas, uma vez reconhecida
a sua influência na virulência da infeção. Tendencialmente, as infeções derivadas de biofilmes resultam
em estados graves, e são típicas de UCI, onde os doentes frequentemente necessitam de ser submetidos
a práticas invasivas de suporte à vida. Um destes exemplos, que tem merecido discussão entre a
comunidade médico-científica, é a PAV. Esta infeção é adquirida através da intubação, uma vez que o TET
constitui um substrato de adesão e proliferação para os microrganismos oportunistas; e na verdade, o
recurso a esta prática traduz um estado de vulnerabilidade adjacente.
No tratamento da PAV vários antimicrobianos foram já investigados, e são vastas as opiniões
sobre qual a melhor terapêutica face à incrível gama de fármacos disponíveis. Contudo, novos inputs têm
estado sob atenção dos Comités, e outras entidades que monitorizam as evoluções epidemiológicas. Em
particular, destaca-se a avaliação do local de colonização e da flora microbiana circundante. Dentre as
várias opções para a resolução clínica da PAV, a Tob é um antibiótico com forte atividade contra a gama
de microrganismos incidentes. Perante os resultado obtidos constata-se que a execução do Tob como uma
estratégia de tratamento da infeção PAV causada por biofilmes bacterianos, pode, de facto, ser uma boa
opção, a resultar em mortalidade mais baixa e, consequentemente, menor risco de emergência de
múltiplas infeções. Assim, levando em consideração o seu largo espectro de ação, efeito pós-antibiótico,
baixo custo, e pelos resultados benéficos apresentados no combate às comunidades bacterianas; o
antibiótico demonstrou ser um agente terapêutico apropriado para o tratamento da PAV. E é por isso que
vários investigadores incentivam os profissionais clínicos a considerar esta abordagem [60, 61, 62].
Sumariamente, as principais conclusões obtidas foram as seguintes:
I.
As culturas plantónicas demonstraram elevada suscetibildade ao antibiótico, e em geral foram inibidas
e eliminadas com concentrações baixas, inferiores ao breakpoints clínicos estabelecidos pela EUCAST.
No entanto, a K. pneumoniae em estudo foi mais tolerante à Tob que a espécie selvagem (ECOFF), o
que poderá indicar resistência adquirida pela espécie, pelo que estudos mais aprofundados seriam
necessários para comprovar este «alerta» epidemiológico.
51
Capítulo 4 | Conclusões e Perspetivas
II.
A presença de Tob nas células plantónicas revelou ainda aparente semelhança na suscetibilidade entre
culturas triplas e simples, e que a associação de duas bactérias resulta em culturas mais resilientes.
III.
Conhecendo a estreita relação causa-efeito entre P. aeruginosa e a PAV, e a as implicações deste
microrganismo, foram realizados ensaios de observação microscópica dos biofilmes constituídos por P.
aeruginosa, através de PNA FISH. Com este estudo foi possível verificar que, generalizadamente, a P.
aeruginosa predomina em número de células no biofilme. O que fornece um importante dado clinico
para a abordagem ao tratamento da PAV, e consequentemente, reforçar/justificar o sucesso da Tob
quando aplicada nos biofilmes de PAV, dada a especificidade e afinidade do antibiótico no tratamento
para infeções causadas por P. aeruginosa.
IV.
Quando os inóculos bacterianos com P. aeruginosa cresceram na presença da Tob, alguns biofilmes
foram erradicados (4 dos 7 biofilmes formados). Mantiveram-se viáveis os biofilmes de: P. aeruginosa,
P. aeruginosa com A. baumannii e S. aureus, e P. aeruginosa com S. aureus e K. pneumoniae, mas
com reduções significativas (p<0,05). Esta observação é um importante dado, pois recentemente foi
publicada a hipótese de que o fenótipo num biofilme poderá ser representativo de apenas um conjunto
de células. E após a conclusão deste trabalho, em que foi notória a influência da P. aeruginosa na PAV,
este poderá ser um interessante caminho a explorar, descobrir quais as células que despoletam tais
fenótipos.
V.
Com a administração de Tob aos biofilmes pré-formados nenhum biofilme foi erradicado. A teoria
atualmente mais sustentada baseia-se na produção de enzimas no interior do biofilme que promovem
alterações no antibiótico. Contudo, outras recentes descobertas que foram publicadas defendem que,
além dos mecanismos de resistência já conhecidos para os aminoglicosídeos, poderá ocorrer
adicionalmente a «manipulação» da MEC sob a Tob. O efeito da MEC sobre o antibiótico provoca
diminuição da eficácia da Tob, que é desviada para a periferia da estrutura.
VI.
Em geral, nas interações entre microrganismos, tanto em suspensão como em biofilme,
tendencialmente predominam relações de sinérgicas/ simbióticas, resultando em fenótipos mais fortes
na combinação de duas bactérias, pelo que a presença de uma terceira bactéria provavelmente
despoleta eventos competitivos ou outros mecanismos, que não favorecem o microbioma em relação
aos ambientes com duas bactérias.
52
Capítulo 4 | Conclusões e Perspetivas
4.2. Perpetivas para Trabalhos Futuros
Mais pesquisas são necessárias para fornecer uma melhor visão mecanicista sobre complexa interação
entre os microrganismos e o hospedeiro pulmonar. Com base nos resultados obtidos, são apresentadas
em seguida sugestões identificadas como importantes na sequência deste trabalho:
I.
Realizar testes de deteção de resistência (ex.: genótipos), especialmente em virtude da provável
resistência da K.pneumoniae indiciada pelo ECOFF.
II.
Testar outros antibióticos, individualmente e em combinação com a Tob (caso se confirme a resistência
de K.pneumoniae, excluir a utilização de β-lactâmicos e carbapenemos).
III.
A adição de um método complementar de caraterização dos biofilmes seria também desejável, pois a
avaliação da viabilidade pelo método de UFCs apenas fornece evidência de bactérias cultiváveis, ao
passo que coloração com violeta de crital fornece a biomassa total. não distinguindo matriz da restante
estrutura, nem células vivas das mortas. Sugere-se o método de avaliação respiratória XTT, que já se
encontra bem padronizado, e que no caso poderá fornecer informações direcionadas para a resistência
à Tob que muitas vezes é promovida por carência de oxigénio.
IV.
Aprofundar os dados obtidos por microscopia, nomeadamente a possível arquitetura em camadas dos
biofilmes mistos. Sugere-se o recurso à microscopia confocal a laser em combinação com a
epifluorescência, que permite obter seções óticas e reconstrução tri-dimensional.
V.
Recolha de microrganismos em TET contaminados.
VI.
Investigação sobre as interações entre bactérias típicas de VAP e Candida albicans. A Candida albicans
é um fungo que sobrevive como comensal no epitélio oral, e que tem surgido envolvido em casos de
PAV. Tem sido detetado frequentemente em conjunto com P.aeruginosa com S.aureus.
53
Capítulo 5
Referências Bibliográficas
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62
Capítulo 6
Anexos
Capítulo 6 | Anexos
6.1.Curvas de Calibração
Klebsiella pneumoniae
y = 9E+09x - 5E+08
R² = 0,9748
1,00E+10
UFCs/mL
8,00E+09
6,00E+09
4,00E+09
2,00E+09
0,00E+00
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
DO 640 nm
Acinetobacter baumannii
y = 6E+09x - 1E+08
R² = 0,9831
1,00E+10
UFCs/mL
8,00E+09
6,00E+09
4,00E+09
2,00E+09
0,00E+00
0
0,2
0,4
0,6
DO 640 nm
Figura 6.1: Curvas de calibração de crescimento dos isolados clínicos de expetoração.
65
0,8
1
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Tânia Alexandra Ferreira Rodrigues