Participação dos Serviços Municipais de Água e Esgoto no Programa Despoluição de Bacias Hidrográficas - PRODES Tema IV – Recursos Hídricos Paulo Augusto Cunha Libânio(1) Engenheiro Civil (UFMG). Mestre em Engenharia Sanitária e Ambiental pela UFMG. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos (DESA/UFMG). Especialista em Recursos Hídricos da Agência Nacional de Águas (ANA). Carlos Motta Nunes Engenheiro Civil (UFRJ). Mestre em Engenharia Ambiental pela Universidade de Surrey - UK. Especialista em Recursos Hídricos da Agência Nacional de Águas (ANA). Sérgio Rodrigues Ayrimoraes Soares Engenheiro Civil (UnB). Mestre em Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos pelo Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da UnB. Especialista em Recursos Hídricos da Agência Nacional de Águas (ANA). Endereço(1): SEPS 713/913, Lote B, Bloco A, apto 325 – Brasília, DF - CEP: 70390-135 - Brasil - Tel: (61) 445-5361 - e-mail: [email protected] 1 OBJETIVO O presente artigo tem por objetivo apresentar uma avaliação crítica sobre a participação dos prestadores municipais de serviços de saneamento nos quatro primeiros anos de execução do Programa Despoluição de Bacias Hidrográficas (PRODES) da Agência Nacional de Águas. PALAVRAS-CHAVE: PRODES, Saneamento, Recursos Hídricos, Estação de Tratamento de Esgotos. INTRODUÇÃO Apesar de freqüentemente ignoradas, as interfaces do setor hídrico com o setor de saneamento são evidentes. A qualidade dos serviços públicos de saneamento prestados à população não é de responsabilidade dos órgãos gestores de recursos hídricos, mas deve ser uma preocupação permanente dos mesmos, uma vez que o desempenho insatisfatório desses serviços compromete não somente o controle da poluição hídrica pontual, mas a manutenção da qualidade ambiental em toda a extensão das bacias hidrográficas. A edição da Lei que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97) representou um importante avanço no campo legal para uma maior integração das políticas públicas voltadas à proteção ambiental, sejam elas setoriais ou não. A referida Lei faz menção implícita à necessidade do controle da poluição hídrica ao estabelecer o objetivo primeiro de “assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos” (art. 2º, inciso I). A Agência Nacional de Águas (ANA), por sua vez, é o órgão responsável por implementá-la no âmbito da União (Lei 9.984/2000, art. 3º) e, conseqüentemente, não poderia se ausentar da tarefa de buscar junto aos setores usuários de recursos hídricos, em especial o setor de saneamento, a redução dos seus respectivos impactos sobre a qualidade das águas naturais. 2 A criação pela ANA do Programa Despoluição de Bacias Hidrográficas (PRODES) em 2001, em um momento de escassez de recursos para financiamento do setor de saneamento, foi uma clara demonstração do interesse da entidade pelo aprimoramento e ampliação dos serviços de saneamento. A iniciativa da ANA foi meritória não somente pelos seus objetivos, mas também pelo seu próprio formato, inovador em dois pontos fundamentais: (1) na atribuição de prerrogativas aos Comitês de Bacia para seleção dos empreendimentos prioritários para contratação; (2) no repasse de recursos financeiros aos prestadores de serviços condicionado ao cumprimento de metas de abatimento de poluição. Por essas características ímpares, o PRODES representa uma experiência importante e diferenciada de atuação do Estado brasileiro para a melhoria da infraestrutura sanitária no país. Dessa forma, os autores acreditam ser válida a divulgação e discussão dos seus principais resultados obtidos durante os quatro primeiros anos de execução do PRODES, em particular, aqueles concernentes à participação dos serviços municipais de saneamento, organizados sob a forma de autarquias ou departamentos municipais. A discussão proposta suscita diversas questões relevantes para o setor de saneamento, particularmente quanto às dificuldades dos prestadores de serviço na implantação e operação de sistemas de esgotamento e tratamento de esgotos sanitários. METODOLOGIA A metodologia utilizada neste artigo baseia-se em informações e fatos relativos ao acompanhamento dos contratos firmados entre a Agência Nacional de Águas e prestadores municipais de serviços de saneamento para a implantação e operação de estações de tratamento de esgotos, os quais correspondem a 22 dos 38 empreendimentos contratados com recursos financeiros do PRODES no período de 2001 a 2004. 3 Esses empreendimentos envolvem não somente a implantação de novas estações de tratamentos de esgotos, mas também a ampliação, complementação e melhorias operacionais que resultam no aumento da carga de esgotos tratada ou da eficiência de abatimento das cargas poluidoras em estações de tratamento já existentes (Tabela 1). Tabela 1: Empreendimentos de responsabilidade dos serviços locais de saneamento, contratados pelo PRODES no período de 2001 a 2004. Ano 2001 2002 2003 2004 Empreendimento ETE Capuava Localidade Valinhos - SP Prestador de Serviço DAEV Valinhos ETE Jardim das Flores Rio Claro - SP DAAE Rio Claro ETE Pinheirinho Vinhedo - SP Prefeitura ETE Piracicamirim Piracicaba - SP SEMAE ETE Ribeirão dos Toledos Sta. Bárbara D'Oeste - SP DAE Sta Bárbara D'Oeste ETE Santa Mônica Campinas - SP SANASA ETE Sorocaba I Sorocaba - SP SAAE Sorocaba ETE Balsa Sta. Bárbara D'Oeste - SP DAE Sta Bárbara d'Oeste ETE Bandeira Branca Jacareí - SP SAAE Jacareí ETE Barbosa Lage Juiz de Fora - MG CESAMA ETE Córrego da Penha Itabira - MG SAAE Itabira ETE Estoril Atibaia - SP SAAE Atibaia ETE Jardim Elisa Capivari - SP SAAE Capivari ETE José Cirilo/São Joaquim Muriaé - MG DEMSUR ETE Meia Lua Jacareí - SP SAAE Jacareí ETE Piçarrão Campinas - SP SANASA ETE Praia Azul Americana - SP DAE Americana ETE Sousas Campinas - SP SANASA ETE Jardim Candidés Divinópolis - MG Prefeitura ETE Rib. São José das Correntes Ibaté - SP Prefeitura ETE Dornelas Muriaé - MG DEMSUR Os 21 empreendimentos listados na Tabela 1 diferenciam-se significativamente pelo porte (populações atendidas, vazões tratadas), pela tecnologia de tratamento empregada, e pelas condições operacionais. 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO O Programa foi concebido para um período de dez anos. Estimavam-se níveis de investimentos anuais da ordem de R$ 300 milhões a partir do terceiro ano de execução do Programa, para promover o abatimento de 50% da carga orgânica poluente lançada nos corpos d’água do país (ANA, 2003). Todavia, ao longo dos quatro primeiros de execução do PRODES, os valores dos contratos firmados para a transferência de recursos da ANA foram bem inferiores ao previsto, somando apenas R$ 88 milhões até 2004. Houve, desde 2002, uma significativa redução dos recursos disponíveis para a execução do Programa. A Figura 1 apresenta a evolução dos valores e do número de empreendimentos Valor contratado (milhões R$) Empreendimentos (número de contratos) contratados pelo PRODES. 60 51,8 Valor contratado 50 Empreendimentos contratados 40 30 20 17 17,7 16,7 11 10 6 1,6 4 0 2001 2002 2003 2004 Figura 1: Valores e número de empreendimentos contratados pelo PRODES no período de 2001 a 2004. É possível constatar que a soma dos recursos disponíveis a partir de 2002 até 2004 – aproximadamente R$ 36 milhões – foi inferior ao montante contratado apenas em 2001, cerca de R$ 52 milhões. Dessa forma, boa parte da demanda para investimentos em tratamento de esgotos apresentada pelos prestadores de serviços de saneamento nos anos que se seguiram ao lançamento do PRODES não pôde ser atendida com os recursos orçamentários disponibilizados para o Programa. 5 Entretanto, apesar das crescentes restrições orçamentárias para o Programa, não se pode desprezar os resultados alcançados. Os contratos do PRODES corresponderam a valores totais de investimentos três vezes maiores – aproximadamente R$ 272 milhões – realizados pelos prestadores de serviços de saneamento em diversas bacias hidrográficas, atendendo a mais de 3,7 milhões de habitantes. Avaliação da participação dos serviços locais de saneamento no PRODES Os serviços municipais de saneamento participaram efetivamente do PRODES, sendo responsáveis pela maior parte da demanda por investimento em tratamento de esgoto apresentada à ANA. Conforme mencionado, 22 dos 38 empreendimentos contratados pelo PRODES são de responsabilidade de serviços locais de saneamento, os quais representam pouco mais da metade dos recursos disponibilizados pelo Programa (Figura 2). Empreendimentos Contratados Valores Contratados (R$ milhões) 43,2 (49%) 16 44,7 (51%) 22 Prestadores Locais Prestadores Locais Prestadores Regionais Prestadores Regionais Figura 2: Participação dos prestadores locais de serviços saneamento na alocação dos recursos do PRODES. A participação dos serviços municipais de saneamento no Programa também pode ser percebida pelo investimento dos prestadores locais na implantação das estações de tratamento de esgoto contratadas (R$ 127,6 milhões) e pelo contingente populacional atendido por esses empreendimentos (mais de 1,2 milhão de 6 habitantes). Os gráficos da Figura 3 revelam a expressiva participação dos serviços municipais nos resultados do Programa. Valor Total Investido (R$ milhões) População atendida (mil habitantes) 144,3 (53%) 2.515 (67%) 1.233 (33%) 127,6 (47%) Prestadores Locais Prestadores Locais Prestadores Regionais Prestadores Regionais Figura 3: Participação dos prestadores locais de serviços saneamento nos resultados do PRODES. A maior parte dos recursos do PRODES foi destinada aos municípios de São Paulo, situados nas bacias hidrográficas dos rios Piracicaba/Capivari/Jundiaí, Alto e Médio Tietê e Paraíba do Sul. Os prestadores de serviço destas localidades foram os que mais apresentaram solicitações para inscrição de empreendimentos no Programa e mostraram-se, na maioria dos casos, capazes de atender às exigências do PRODES, quais sejam: existência de projeto, comprovação de recursos financeiros para execução das obras, entre outras. Isso se deve, entre outras razões, à capacidade de investimento dos prestadores locais, bem como ao avançado grau de mobilização em torno da gestão dos recursos hídricos na região. Tal constatação em nada invalida ou desmerece os resultados do PRODES, uma vez que as bacias das regiões sul e sudeste, especialmente as bacias paulistas, concentram grande parte do problema da indisponibilidade de água pela poluição dos corpos hídricos no país. 7 Tratamento de esgotos no país: a experiência do PRODES Apesar de ser ainda breve a experiência do PRODES, o acompanhamento dos contratos, desde 2001, já permitiu a identificação de problemas importantes, comumente vivenciados pelos prestadores de serviços de saneamento na execução dos projetos, das obras e na operação das estações de tratamento de esgotos (Tabela 2). Tabela 2: Relação de problemas identificados nas diferentes etapas de realização dos empreendimentos contratados pelo PRODES. Etapa Problemas Conseqüências Projeto • pouca iniciativa na utilização de parâmetros • incompatibilidade operacionais para o refinamento dos parâmetros de projeto de ETEs Obras de obras ou os parâmetros de projeto e valores medidos • problemas com o processo de licitação na execução entre compra de • atrasos na implantação da infraestrutura sanitária equipamentos • problemas no processo de licenciamento ambiental de componentes do sistema de esgotamento sanitário Operação • problemas construtivos nas unidades de tratamento e nos componentes do sistema para ligação dos ramais • aporte de águas pluviais na rede de • furto de materiais e equipamentos em de tratamento da capacidade ao desempenho de unidades de tratamento biológico, susceptíveis à alteração brusca das esgotamento sanitário estações na instalada no início de plano • prejuízos domiciliares à rede geral de coleta freqüentes operação das ETEs • subutilização de esgotamento sanitário • dificuldade • interrupções e características do esgoto afluente estações elevatórias Os problemas listados na Tabela 2 atingiram indistintamente os prestadores de serviço locais e regionais. Em geral, constatou-se que os serviços de saneamento locais, apesar da menor estrutura institucional, têm respondido satisfatoriamente aos problemas transcorridos nas etapas de execução e operação dos empreendimentos. 8 É importante destacar, contudo, que os serviços de âmbito local têm sido afetados por dificuldades financeiras proporcionalmente em maior número e com maior freqüência que os prestadores regionais. Em muitos casos, por exemplo, não foi possível cumprir os prazos acordados para implantação das estações de tratamento devido à restrição das receitas na prestação dos serviços ou ao contingenciamento de verbas orçamentárias do município. CONCLUSÕES O PRODES é uma importante referência para a Administração Pública do país, pois, além de promover a participação efetiva das entidades de bacia, privilegia e favorece o bom gasto do recurso público. A forma inovadora do PRODES para estímulo aos investimentos em tratamento de esgotos no país, baseada na idéia do pagamento pelo efetivo resultado dos empreendimentos do setor de saneamento – no caso específico, o abatimento da poluição dos esgotos sanitários – pode e deve ser reproduzida em outros programas governamentais. Apesar das crescentes restrições financeiras para a execução do Programa, os resultados obtidos são significativos, especialmente em termos da população total a ser atendida pelos empreendimentos contratados. Os recursos disponibilizados pelo PRODES foram um importante estímulo para a implantação de estações de tratamento de esgotos em diversas localidades do país. Particularmente para os prestadores locais, devido às maiores restrições financeiras, tal estímulo foi ainda mais significativo, viabilizando, em alguns casos, a antecipação dos investimentos previstos em infra-estrutura sanitária dos municípios. Os serviços municipais de saneamento – particularmente, aqueles responsáveis pelos serviços em municípios do interior do Estado de São Paulo – participaram efetivamente do Programa, sendo responsáveis pela maior parte das demandas apresentadas. O acompanhamento dos contratos evidenciou inúmeros problemas, estruturais ou conjunturais, que prejudicam a adequada prestação dos serviços públicos de saneamento, atingindo, indistintamente, os serviços regionais e locais. Observou-se, 9 entretanto, que os prestadores locais foram mais afetados por dificuldades de ordem financeira, o que resultou em atrasos na implantação das suas respectivas estações de tratamento de esgotos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANA – Agência Nacional de Águas. Programa Despoluição de Bacias Hidrográficas – PRODES. Manual de Operações, Versão 2002, 149 p., Brasília, 2002. ANA – Agência Nacional de Águas. Relatório de Gestão 2002, 99 p., Brasília, Fevereiro de 2003. BRASIL. Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. BRASIL. Lei nº 9.984, de 17 de junho de 2000. Dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Água – ANA, entidade federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e de coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, e dá outras providências. 10