Artigo Original Xerostomia pós-radioterapia em cabeça e pescoço: tratamento tópico oral com pilocarpina Topical oral pilocarpine for treatment of xerostomia after radiation therapy in head and neck cancer Resumo Objetivo: Avaliar a eficácia das pastilhas de pilocarpina em seis pacientes com xerostomia previamente submetidos a radioterapia (RTX) por apresentarem carcinoma espinocelular (CEC) de cabeça e pescoço. A eficácia foi estudada como aumento global no fluxo salivar e melhora da sensação de xerostomia após um mês de tratamento. Foram avaliados também efeitos adversos associados à pilocarpina durante o tratamento. Forma de estudo: Estudo clínico prospectivo. Método: Doze pacientes consecutivos com CEC de cabeça e pescoço previamente submetidos RTX como tratamento primário ou adjuvante com sintomas de xerostomia. Foi utilizado teste de fluxo salivar e questionário com para auto-avaliação da xerostomia antes e depois de um mês de tratamento com pilocarpina. Cada pastilha de 10 mgrs de pilocarpina foi administrada via oral três vezes ao dia. Resultados: Após um mês de tratamento quatro pacientes sentiram-se melhor em relação à xerostomia e aumento no fluxo salivar foi observado em metade destes pacientes. Quatro pacientes com doenças cardíacas e hipertensão arterial sistêmica apresentaram taquicardia ou bradicardia ou síncope e interromperam o tratamento. Conclusão: Pilocarpina em pastilhas demonstrou aumento no fluxo salivar e melhora dos sintomas de xerostomia, após um mês de tratamento em 66% dos pacientes. Deve-se ter cautela em administrar este medicamento em pacientes cardiopatas ou hipertensos, mesmo sob a forma de pastilhas devido à alguns efeitos cardiovasculares. Descritores: Xerostomia; Radioterapia; Neoplasias de Cabeça e Pescoço; Pilocarpina. Introdução Radioterapia constitui-se num dos tratamentos para o carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço(CECCP). Devido ao atual enfoque na preservação de órgãos, sua utilização pode crescer ainda mais. As áreas irradiadas normalmente incluem Pablo Soares Gomes Pereira 1 Carlos Takahiro Chone 2 Marcelo P. Abreu Sampaio 3 Agrício Nubiato Crespo 4 Abstract Objective: To evaluate the efficacy of pastilles of pilocarpine chloride in six patients with xerostomia previously submitted to radiotherapy (xRT) for head and neck squamous cell carcinoma(SCC). The increase in whole salivary flow and better felling of moisture in mouth after one month of treatment was evaluated. Presence of adverse effects related to pilocarpine chloride during the treatment was also evaluated. Design: Nonrandomized prospective study. Method: Twelve consecutive patients with SCC of head and neck previously submitted to xRT as primary or adjuvant treatment suffering of xerostomia. Paraffin chewing salivary flow rate and a score from the patient point of view related to xerostomia was obtained before and after one month of treatment with pastilles of pilocarpine chloride. Each pastilles has 10 mgr of pilocarpine chloride and was given three times daily basis. Results: After one month of treatment, four patients were felling better in relation to dry mouth and a increase in the whole salivary flow was also abserved in half of these patients. Two patients with heart diseases and hypertension experienced some bradycardia or tachycardia and sincope and interrupted the treatment. Conclusion: Pilocarpine chloride in pastilles presentation demonstrates an effective increase in whole salivary flow and relief of symptom of dry mouth after one month of treatmentin 66% of patients treated. Physicians should be aware in treating with pilocarpine chloride in patients with heart diseases of hypertension even in pastilles formulation because of mild cardiovascular symptomatology. Key words: Xerostomia; Radiotherapy; Head and Neck Neoplasms; Pilocarpine. as glândulas salivares maiores e menores. O efeito da radioterapia sobre as glândulas salivares é principalmente sobre as células secretoras, com alteração de seu componente seroso1. Outros estudos demonstram também efeito sobre a vascularização e tecidos conectivos destas glândulas2,3. Nos pacientes, o principal sintoma adverso consequente às alte- 1)Médico Otorrinolaringologista. Médico Assistente no Ambulatório de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço, HC-UNICAMP. 2)Professor Doutor. Professor Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia, FCM-UNICAMP. 3)Odontologista. Responsável pelo Ambulatório de Prótese Bucomaxilofacial do Serviço de Odontologia HC-UNICAMP. 4)Professor Livre Docente. Professor Livre Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia, FCM-UNICAMP. Instituição: Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas / SP - Brasil. Correspondência: Pablo Soares Gomes Pereira - Caixa Postal 6111 – Campinas / SP – Brasil – CEP: 13081-970 - Telefone: (+55 19) 3521-7523 - E-mail: [email protected] Recebido em 15/10/2012; aceito para publicação em 08/11/2012; publicado online em 17/12/2012. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há. 178 e���������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 4, p. 178-180, outubro / novembro / dezembro 2012 Xerostomia pós-radioterapia em cabeça e pescoço: tratamento tópico oral com pilocarpina. rações das glândulas salivares é a xerostomia: boca seca e pouca saliva. A xerostomia pode aumentar de forma significativa cáries dentárias, fragilidade da mucosa, dificuldade de mastigação e deglutição e, dessa forma, com piora na qualidade de vida desses pacientes4. O uso de tratamentos não farmacológicos tais como umidificação com água ou lubrificantes melhoram os sintomas, mas requerem administraçôes frequentes e não aumentam a produção de saliva. Vários estudos já demonstraram a eficácia da pilocarpina na xerostomia pós-radioterapia5,6. A pilocarpina é um agente colinérgico de ação parassimpática que age como agonista em receptores muscarínicos, estimulando a produção de saliva pelas glândulas salivares remanescentes7. Reações adversas podem ser gastrointestinais: náuseas, vômitos, desconforto epigástrico, espasmos abdominais, diarreia; genitourinários: retenção urinária; sistema nervoso central: cefaleia, síncopes, tremores; cardiovasculares:hipotensão, hipertensão, bradicardia, arritimias. A contra indicação é a hipersensibilidade à droga, mas seu uso deve ser cauteloso em pacientes com insuficiência cardíaca, asma brônquica, hipertireoidismo e Mal de Parkinson. Esta pesquisa tem o objetivo de avaliar preliminarmente o efeito da pilocarpina na forma de pastilhas em doze pacientes com CECCP tratados com radioterapia e com queixas de xerostomia. Este trabalho foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa de nossa instituição. Métodos Foram acompanhados, na Disciplina de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço, seis pacientes com CECCP tratados com radioterapia no Hospital das Clínicas da UNICAMP. A radioterapia foi indicada como tratamento exclusivo, concomitante à quimioterapia ou como adjuvante à cirurgia. Todos os pacientes receberam dose igual ou superior a 5000 cGY e tiveram as glândulas salivares maiores ou cavidade oral e faringe englobados dentro do campo da irradiação. Todos apresentavam queixa clínica de xerostomia. Os pacientes foram avaliados, de forma subjetiva através de um questionário com respostas estimuladas e graduados em cinco níveis de queixas quanto a ressecamento da boca, dificuldade de deglutição de alimentos líquidos, pastosos e sólidos. Todos foram submetidos também ao teste de salivação com parafina. No teste de salivação, a saliva foi coletada por 5 minutos com medição de seu volume e realizado também teste de tamponamento da saliva coletada. Ambos foram realizados com um “kit” próprio para estes testes chamado Dental Buff®. As avaliações foram realizadas antes e 30 dias após o início da medicação do uso de pilo- Pereira et al. carpina. A pilocarpina foi administrada sob a forma de pastilhas com 10 mg, três vezes ao dia. Resultados Dez pacientes eram do sexo masculino e dois do feminino. Oito pacientes tinham tumores primários na orofaringe, dois na laringe e dois apresentavam metástase de tumor primário oculto. A idade média foi de 60 anos variando de 48 a 85 anos. A dose média de radioterapia foi 5830 cGY, variando de 5000 a 7000 cGY. Quatro pacientes relataram grande melhora da salivação com o uso da medicação com melhora dos resultados nos testes salivares e outros quatro relataram melhora da salivação com o uso da medicação, porém sem melhora dos resultados nos testes salivares. Quanto aos efeitos colaterais da medicação, três pacientes apresentaram efeitos colaterais leves e não necessitaram suspender a medicação e quatro interromperam seu uso por apresentarem taquicardia ou bradicardia ou síncope, todos portadores de cardiopatia e hipertensão arterial sistêmica. Discussão A administração de pilocarpina através de patilhas foi idealizada de maneira a eliminar o efeito de “primeira passagem” hepática e obter efeitos locais sem efeitos sistêmicos. A literatura demonstra que a produção de componentes da saliva são estimulados pela pilocarpina8. O efeito da pilocapina é dependente do tecido salivar remanescente, da fibrose tissular e suprimento sanguíneo. O aumento da produção salivar é acompanhado da melhora da xerostomia. A população neste estudo foi pequena e diversa com prejuízo de sua análise. Esta é uma pesquisa preliminar, onde mais pacientes estão sendo acrescentados em trabalho conjunto com o serviço de odontologia do Hospital de Clínicas da Unicamp e o serviço de radioterapia desta mesma instituição. A eficácia da pilocarpina já foi demonstrada em outras publicações, nas quais foi possível a realização de estudos randonizados, duplo cego, com melhora significativa dos pacientes que fizeram uso da pilocarpina9,10. Há ainda outros relatos que demonstram a redução da disfunção salivar e dos sintomas de xerostomia quando a pilocarpina foi utilizada durante a aplicação da radioterapia11. A pilocarpina utilizada neste estudo foi manipulada e administrada em cápsulas de 10mg. Não existe no mercado brasileiro preparações comerciais desta droga para administração via oral. Conclusões Os resultados iniciais obtidos nesse estudo indi- Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 4, p. 178-180, outubro / novembro / dezembro 2012 ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 179 Xerostomia pós-radioterapia em cabeça e pescoço: tratamento tópico oral com pilocarpina. cam que a pilocarpina pode contribuir para o aumento da produção e melhora da sintomatologia nos pacientes com carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço tratados com radioterapia em 66,7% dos pacientes estudados. Devido à elevada taxa de efeitos colaterais em pacientes com outras comorbidades, seu uso exige cautela. Referências 1. Greenspan JS, Melamed MR, Pearse AGE. Early histochemical changes in irradiated salivary glands and lymph nodes of rat. J Pathol Bactertiol. 1964; 88:439-453. 2. Buam BJ, Bodner L, Fox PC, et al. 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