EDUCAÇÃO PARA A DIVERSIDADE: IMPLICAÇÕES DA LEI 10.639/2003
Daniele Ferreira Ribeiro
Programa de Mestrado Profissional em Letras da Universidade Federal da Paraíba
Maria do Carmo Melo Aguiar Neta
Programa de Mestrado Profissional em Letras da Universidade Federal da Paraíba
INTRODUÇÃO
O reconhecimento das diferenças, bem como sua aceitação constituem um princípio
fundamental para a construção da própria identidade pelo sujeito, que se afirma com base no
outro. Esse é um processo que deve ser iniciado na escola, espaço de favorecimento e
reconhecimento da diversidade e de onde partirá a convivência respeitosa entre os diferentes
atores sociais. Espaço propício, portanto, para se trabalhar a questão dos Direitos Humanos.
Segundo Candido (1995, p. 172),
Pensar em direitos humanos tem um pressuposto: reconhecer que aquilo que
consideramos indispensável para nós é também indispensável para o
próximo. Esta me parece a essência do problema, inclusive no plano
estritamente individual, pois é necessário um grande esforço de educação e
auto-educação a fim de reconhecermos sinceramente este postulado.
Inserido nessa perspectiva, vemos implantada a Lei 10.639/2003, a partir da qual o
estudo da História e da Cultura Afro- Brasileira nos estabelecimentos públicos e particulares,
de ensino fundamental e médio da educação básica brasileira, passou a ser obrigatório.
Entretanto, passada uma década de vigência da lei, a escola parece ainda não ter se
encontrado em seu papel de formador e pouco avançamos nas discussões acerca das
contribuições e do percurso histórico dos africanos e dos afro-brasileiros em nossa sociedade.
Fato esse que nos remete a uma profunda reflexão sobre que lugar ocupa este sujeito na
construção histórica do nosso país.
METODOLOGIA
Comprometidos com a responsabilidade de reconhecer, positivamente, a diversidade
existente em nossa sociedade, assim como valorizar a luta e resistência do povo negro em
busca do reconhecimento de sua cultura e de sua humanidade, desenvolvemos uma proposta
de atividade, cujo ponto de partida foi o Dia da Consciência Negra.
Desse modo, apoiados em uma metodologia de natureza qualitativa, pretendemos
alcançar os objetivos de a) atender as orientações preconizadas pela Lei 10.639/2003; b)
desenvolver atividades que subsidiem a formação ética do sujeito aluno e; c) promover,
partindo da Literatura Afro-Brasileira, um debate sobre essa temática na perspectiva do
Ensino Fundamental.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para alguns autores, a exemplo de Antonio Candido (1995), a literatura se constitui
num direito que não pode ser negado a nenhum sujeito, ou seja, ela também faz parte do
mesmo rol de outros direitos considerados indispensáveis ao homem, tais como: o direito à
alimentação, à moradia, entre outros.
Dessa maneira, sendo a literatura um direito, cabe à escola promover o acesso a
diferentes fontes literárias, sem subjugá-las em relação ao modelo canônico. Pelo contrário,
respeitando a diversidade cultural presente em cada sociedade.
Ainda de acordo com Candido,
Cada época e cada cultura fixam os critérios de incompressibilidade, que
estão ligados à divisão da sociedade em classes, pois inclusive a educação
pode ser instrumento para convencer às pessoas de que o que é indispensável
para uma camada social não o é para outra (CANDIDO, 1995, p. 173).
Diante do exposto, entendemos que o trabalho com a literatura, sobretudo a de matriz
africana e afro-brasileira, é capaz de nos conduzir a um processo de humanização que
somente começa a acontecer quando entramos em contato com o texto literário, uma vez que
a literatura se constitui como fator indispensável de humanização, inclusive porque atua em
grande parte no subconsciente e no inconsciente das pessoas.
Segundo Cosson (2014),
Na leitura e na escritura do texto literário encontramos o senso de nós
mesmos e da comunidade a que pertencemos. A literatura nos diz o que
somos e nos incentiva a desejar e a expressar o mundo por nós mesmos. E
isso se dá porque a literatura é uma experiência a ser realizada (COSSON,
2014, p. 17).
Na visão deste teórico, durante o exercício da literatura, podemos ser outras pessoas,
podemos viver como outras pessoas, podemos quebrar os limites do tempo e do espaço de
nossas vivências, sem que, para isso, deixemos de ser nós mesmos.
Considerando a diversidade cultural brasileira e a influência africana na formação de
nossa sociedade, torna-se necessária a discussão desse tema em sala de aula, visando
à formação ética do sujeito aluno.
Nessa perspectiva, a literatura contribui, significativamente, para essa formação por
favorecer a ressignificação do papel e do lugar do negro na sociedade, superando a
desinformação e os equívocos, os quais resultam em estereótipos e preconceitos que, na
maioria das vezes, inferiorizam e diminuem a contribuição desses povos para nossa formação
enquanto sociedade.
RESULTADOS
Conforme dito na metodologia deste trabalho, apresentamos uma proposta de
atividades motivadas pelo Dia da Consciência Negra. Estiveram envolvidos os alunos de uma
turma do 7° ano do Ensino Fundamental, de uma escola da rede pública estadual, localizada
na cidade de Santa Rita/PB.
Na ocasião, foi feita a leitura do livro “Menina bonita do laço de fita”, de Ana Maria
Machado, cuja história fala de um coelho que se encanta pela negritude de uma garotinha e,
em virtude disso, passa a história inteira tentando fazer de tudo para ficar negro igual a
menina, porém sem muito sucesso.
Na sequência, exibimos um vídeo, que, por meio de imagens, fazia um retrospecto da
trajetória dos negros no Brasil, ao som da música “O canto das três raças”, imortalizada na
voz de Clara Nunes.
Por fim, fizemos a leitura da letra da música “Racismo é burrice”, de Gabriel, o
Pensador. Em seguida, ouvimos a canção.
A partir dessa abordagem, percebemos que os alunos se sentiram mais à vontade para
discutir a temática proposta. Como era de se esperar, muito se identificaram, em diferentes
momentos, com os personagens apontados na história de Ana Maria Machado e nas músicas
trabalhadas durante a aula.
Durante a atividade, tivemos muito cuidado para não perdemos o foco da discussão,
ou seja, não queríamos correr o risco de usarmos esse material como pretexto para atendermos
à legislação vigente.
Pois, como afirma Lajolo, “o texto não é pretexto para nada. Ou melhor, não deve
ser. Um texto existe apenas na medida em que se constitui ponto de encontro entre dois
sujeitos: o que o escreve e o que o lê” (LAJOLO, 1986, p. 52).
Pelo contrário, conseguimos nos manter fiéis ao objetivo, inicialmente, proposto para
esta atividade, que era discutir as relações étnicas, bem como, a importante contribuição do
povo negro para a construção da sociedade brasileira.
CONCLUSÃO
Com base na perspectiva teórica deste trabalho, discutida brevemente neste resumo,
entendemos que a Literatura aliada à proposta da Educação em Direitos Humanos se
constituem em um referencial de grande valia para a promoção da Diversidade Cultural. Neste
sentido, buscamos apreender nosso objeto de pesquisa de uma forma que este se coloque
como um instrumental no enfrentamento a atitudes preconceituosas. Assim, em tempos de
práticas racistas, a nosso ver, também entendidas como violações dos Direitos Humanos, a
Literatura em parceria com a Educação em Direitos Humanos podem render bons frutos
visando à construção de dispositivos que tornem possível uma melhor forma para a
convivência entre as diversas culturas existentes no Brasil.
Para tanto, acreditamos que uma estratégia educativa, cuja finalidade concreta seja
promover, por meio de caminhos articulados, a aproximação do texto literário com diferentes
sujeitos ou, no caso deste trabalho, alunos do Ensino Fundamental, pode nos apresentar novos
caminhos metodológicos que favoreçam a superação desse impasse histórico, que perdura há
séculos no Brasil.
Trata-se, portanto, de um desafio no qual seu sucesso, passa pela compreensão do
mundo de hoje com seus dilemas e perspectivas, através da qual somos convidados a pensar
as relações humanas e seus conflitos à luza de conceitos com a alteridade. Ao mesmo tempo
que, não podemos deixar de ser discutir a existência de estereótipos, que por sua vez, tem se
disseminado pela sociedade em detrimento de uma Diversidade Cultural.
Referências
MACHADO, Ana Maria. Menina bonita do laço de fita. 7º edição. São Paulo: Ática, 2005.
BRASIL. Lei 10.639/2003. Brasília: MEC, 2003.
BRASIL.
Lei
de
diretrizes
e
bases
da
educação
nacional. Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso: 08 ago 2014.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. 3. ed. rev. e ampl. São
Paulo: Duas Cidades, 1995.
COSSON, Rildo. Leramento literário: teoria e prática. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2014.
LAJOLO, M. O texto não é pretexto. In: ZILBERMAN, Regina (org.). Leitura em crise na
escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986.
Palavras-Chave: Diversidade; Ensino Fundamental II; Alteridade.
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